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Delito de Opinião

Da defesa dos operários à protecção das focas: eis como Costa domou a esquerda

Legislativas 2024 (13)

Pedro Correia, 29.02.24

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Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.

Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?

 

Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.

Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.

 

Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.

Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.

O MRPP está irreconhecível

Legislativas 2024 (10)

Pedro Correia, 22.02.24

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Ando muito desactualizado. Noutros tempos o MRPP era uma força de vanguarda contra o social-imperialismo soviético e contribuiu para travar o passo à sucursal portuguesa do Partido Comunista da URSS. 

Agora o MRPP-Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses tem um líder que aplaude a criminosa invasão da Ucrânia, comportando-se como súbdito do czar Putin e vassalo da plutocracia russa. Em vez de condenar duramente aquele execrável expansionismo, digno de potência imperial com direito de pernada sobre os povos vizinhos, vem justificá-la. Anteontem, num debate na RTP, entoou hossanas à actualização da doutrina da "soberania limitada" dos anos Brejnev que esmagou as insurreições na Checoslováquia e na Polónia. 

«A guerra da Ucrânia é uma guerra civil. Uma parte substancial do lado russo são ucranianos. (...) Porque é que boicotamos a Rússia? Porque é que deixámos de comprar gás à Rússia? Há uma consequência na inflação», disse o primeiro candidato por Lisboa deste partido da extrema-esquerda. Qualquer amanuense do ministério russo dos Negócios Estrangeiros bolçaria coisa semelhante.

O antifascismo já não é o que era. E o anti-social-fascismo também não.

Ainda as autárquicas

João Pedro Pimenta, 09.10.17

Já sei que no remoinho dos acontecimentos contemporâneos, eventos que se passaram há uma semana parecem quase da década passada, mas não quero deixar de fazer notar uma curiosidade: a da real importância das eleições autárquicas. É que para além dos efeitos nas câmaras (e consequentemente nas áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais), assembleias municipais e freguesias, os efeitos das autárquicas influenciam muitas vezes a vida nacional e os governos.

 

Na cronologia das nossas eleições municipais, verificamos que depois das de 1976, que repartiram as autarquias pelos diversos partidos (com larga incidência do PSD e CDS no Norte, Centro e ilhas, do PCP no Alentejo e "cintura industrial" de Lisboa, e o PS mais transversal mas mais estabelecido no Centro e Algarve), os sucessivos resultados foram influenciando a política nacional, algumas vezes de forma imediata. Assim, as autárquicas de 1982 foram o pretexto para que o CDS rompesse com o PSD, determinando o fim da AD, que tinha baixado substancialmente, e o posterior surgimento do Bloco Central; as de 1993 reforçaram a vitória do PS de 1989 (embora depois destas o PSD revalidasse os 50% dos votos da maioria absoluta que já vinham de 1987) e permitiram que António Guterres consolidasse a sua liderança no PS, antes de chegar a primeiro-Ministro; as de 1997 implicaram a demissão de Manuel Monteiro da chefia do CDS-PP e a sua substituição por Paulo Portas; as de 2001 iam levando à saída do próprio Portas, mas a hecatombe do PS levou antes à demissão de Guterres, do Governo e do partido, e à posterior alteração da situação política; as de 2013 permitiram que António Costa recebesse o suplemento necessário para meses depois se guindar à liderança do PS, além de elegerem o movimento independente de Rui Moreira para a câmara do Porto; e finalmente as de 2017 implicaram a saída de cena de Pedro Passos Coelho, após sete anos à frente do PSD, quatro dos quais como Primeiro-Ministro.

 

Como se vê, as autárquicas têm bem mais implicações do que a mera atribuição dos destinos de uma dada autarquia: permitem estudar a situação política e não raras vezes alterá-la. E também fazem emergir figuras que depois ocupam o centro do terreno, ou servem de trampolim para cargos mais altos, como a câmara de Lisboa tão bem comprova. Os últimos 40 anos da vida política portuguesa foram bastante influenciados por estas eleições que antigamente eram realizados sob o frio de Dezembro e agora passaram para esta calidez de princípios de Outono. Balsemão, Guterres e Passos que o digam.

 

Já agora, ainda gostava de saber como é que um partido cujo lí­der nunca aparece e que escreve missivas ameaçadoras a insultar os adversários e a enaltecer o terrorismo islâmico, não raras vezes sob pseudónimos ridículos, que organiza congressos clandestinos, que nunca atende a chamadas telefónicas nem a toques de campainha na sede, que chama "traidores" a todos os adversários e que, sendo contra a democracia e clamando pela "revolução operária", recebe mais de 180 mil euros anuais de subvenção do estado, participa nas autárquicas sem que ninguém lhes pergunte nada. Não haveria nenhum jornalista que perguntasse aos candidatos do MRPP o porquê de Arnaldo Matos se esconder, quais os seus propósitos para as autarquias, e já agora, o que era feito de tal subvenção que pelos vistos coincidiu com a tomada do poder do partido por dementes?

 

 

A submissão do MRPP.

Luís Menezes Leitão, 15.12.15

Num livro extraordinário denominado Soumission, Michel Houellebecq fantasia sobre as eleições presidenciais francesas de 2022, às quais concorreria Marine Le Pen, juntamente com os tradicionais candidatos socialista, republicano, mas também um candidato islâmico. Sucede, no entanto, que, devido à divisão dos candidatos tradicionais, quem vai à segunda volta com Marine Le Pen é precisamente o candidato islâmico, cujo programa é nem mais nem menos do que a islamização total da sociedade francesa. No entanto, os outros candidatos manifestam apoio ao candidato islâmico, preferindo-o a Marine Le Pen, e, mal se vê eleito, o candidato transforma a França num estado islâmico, abolindo o laicismo da república e determinando uma revolução nos costumes, que abrange até o vestuário das mulheres.

 

Quando li esse livro, achei a hipótese aterrorizadora, mas absurda. Afinal parece que não o é tanto, já que o MRRP, capitaneado pelo grande educador da classe operária, Arnaldo Matos manifestou apoio aos jihadistas de Paris. Segundo ele, foi "o imperialismo a causa real, verdadeira e única do ataque a Paris. Agora os franceses já sabem que a guerra de rapina movida pelo imperialismo francês em África e no Oriente Médio tem como consequência inevitável a generalização da guerra à própria França, à capital desse mesmo imperialismo moribundo". E acrescenta que "não só não foi um massacre, como foi um acto legítimo de guerra; não foi cometido por islamitas, mas por jiadistas, isto é, combatentes dos povos explorados e oprimidos pelo imperialismo, nomeadamente francês; e acima de tudo – coisa que estes revisionistas de pacotilha intentam ocultar – foi praticado por franceses, nascidos em França, vivendo em São Dinis e noutros bairros do Paris suburbano. Pois é, os combatentes de Paris não são islamitas estrangeiros; são irmãos de sangue do filósofo Alain Badiou e de outros ideólogos do Partido Comunista de França (marxista-leninista-maoista)".

 

Segundo Arnaldo Matos, "a lógica profunda do ataque a Paris não é o terror, não é o horror, não é a crueldade; a lógica é a lógica da guerra, dente por dente, olho por olho, até derrotar o inimigo. Terror, horror, crueldade são os ataques aéreos, de mísseis de cruzeiro, de artilharia, de drones, conduzidos pelo imperialismo, designadamente francês, sobre os homens, os velhos, as mulheres e as crianças das aldeias e das cidades de África e do Médio Oriente, para roubar-lhes o petróleo e as matérias-primas. Os atacantes de Paris nem chocolates roubaram: levaram a guerra aos franceses, apenas para acordá-los: para lembrar-lhes que o governo e as forças armadas do imperialismo francês estão, em nome da França e dos franceses que julgam ter o direito de se poderem divertir impunemente no Bataclan, a matar, a massacrar, a aterrorizar com crueldade inenarrável os povos do mundo".

 

Desde a queda de Garcia Pereira que o MRPP anda completamente à deriva. Agora Arnaldo Matos acha que os jihadistas e os proletários têm a mesma luta, e até sustenta que "os direitos do homem, os direitos humanos fundamentais são uma exigência do mercado capitalista, para poder explorar, sob uma cobertura jurídica, os operários. Os direitos humanos fundamentais são uma forma ideológica de dominação dos operários, porque respondem a uma necessidade do modelo económico hegemónico do capitalismo e tendem à reprodução desse modelo". Les beaux esprits se rencontrent.

 

Mas há uma coisa em que Arnaldo Matos tem razão. A lógica do ataque a Paris é a lógica da guerra. Ele e o MRPP escolheram um lado. Eu estou naturalmente do outro lado da trincheira.

É malhar neles enquanto está quente

Sérgio de Almeida Correia, 15.10.15

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"Se nestas condições objectivamente favoráveis o Partido não alcançou nenhum dos objectivos políticos imediatos ao seu alcance - aumento substancial da votação nas listas do Partido e eleição de uma representação parlamentar - tal fica unicamente a dever-se à incompetência, oportunismo e anticomunismo primário do secretário-geral do Partido e dos quatro membros do comité permanente do comité central, que tudo fizeram para sabotar a aplicação do comunismo, do marxismo-leninismo, dos métodos de trabalho, do programa político e da linha de massas que sempre caracterizaram a vida e luta do Partido."

 

Deste o tempo de Durão Barroso que não via se via nada assim. Agora é que isto vai animar. O PS que ponha os olhos neles.

Longa vida ao camarada Espártaco! Rua com os sabotadores!

Afinal o MRPP continua a ser o que era.

Luís Menezes Leitão, 15.10.15

Como se comprova por este comunicado, o MRPP afinal voltou à linha justa. O secretário-geral já foi suspenso devido ao seu inaceitável "anticomunismo primário" e o partido assume-se como a verdadeira vanguarda da classe operária, correndo das suas fileiras "com os social-revisionistas, social-fascistas e demais oportunistas que tomaram conta do seu quartel-general". O partido vai continuar assim a prosseguir o caminho glorioso indicado pelo camarada Estaline e pelo Grande Timoneiro. Retiro por isso tudo o que disse.  É agora manifesto que este grande partido comunista e operário não pode deixar de ter lugar no futuro Governo Provisório unitário liderado pelo camarada António Costa. Viva o Partido Comunista Operário! Viva o Governo de Unidade Democrática e Patriótica! Fora o Euro! Queremos o Escudo Novo! Morte aos Traidores!

O MRPP já não é o que era.

Luís Menezes Leitão, 24.09.15

É com tristeza que vejo o MRPP perder a veia revolucionária que sempre o caracterizou, para adoptar os cânones do politicamente correcto. Desde sempre que o MRPP albergou os políticos mais radicais que temos tido em Portugal, ainda que muitos deles com o tempo tenham adoptado uma atitude mais serena. É assim que Durão Barroso e Ana Gomes transitaram respectivamente para o PSD e para o PS, assumindo posições políticas importantes, procurando adoptar um discurso moderado, ainda que de vez em quando deixem escapar algum radicalismo, herdado seguramente da sua militância juvenil. Quando ouvi Durão Barroso a dizer que, ou Portugal fazia o que ele queria, ou estava o caldo entornado, logo me pareceu ouvir uma reminiscência dos seus tempos no MRPP.

 

Mas, se havia militantes que o abandonavam em busca de prados mais verdejantes, o MRPP permanecia idêntico ao que sempre foi. Sempre gostei por isso de ver as posições que assumiam, de um estalinismo e maoísmo convictos. Quando, por exemplo, os trotskistas sustentavam que a União Soviética se tinha desviado dos seus fins quando Estaline tomou o poder, o MRPP respondia, pelo contrário, que tal só tinha acontecido quando Estaline morreu.

 

É por isso que o MRPP era o único partido que nestas eleições assumia um discurso convicto, sem falinhas mansas. Enquanto os outros partidos titubeavam sobre a saída do euro, o MRPP proclamava convictamente "queremos o novo escudo", usando a denominação tradicional das moedas desvalorizadas. Quando os outros partidos iam debater na televisão com os seus inimigos de classe, o MRPP proclamava "morte aos traidores", fazendo-nos sentir que regressávamos a 1975, quando Otelo disse que ia pôr todos os fascistas no Campo Pequeno.

 

Mas agora tudo acabou. Bastou uma pequena sátira do Gato Fedorento, e logo o MRPP retira a frase da campanha. O MRPP rendeu-se agora ao politicamente correcto e passou a ser um partido como os outros. Bem pode Garcia Pereira dizer que a suspensão da frase não isenta os "traidores da morte certa que os espera". Nos velhos tempos o MRPP não suspenderia frase alguma. Proclamaria que ninguém iria calar a voz da classe operária e colocaria o Gato Fedorento na lista dos traidores a abater. Só podemos por isso concluir que o MRPP já não é o que era.