Fora de série (2)
Vi pela primeira vez a série britânica Espaço 1999 a preto e branco e depois vi-a a cores, o que alterava muitos dos elementos visuais e a tornava (digamos assim) ainda mais espectacular. A primeira série de episódios era melhor do que a segunda e a minha visão juvenil, mais ingénua, é distinta da adulta. Não fixei os pormenores das histórias, mas lembro-me que alguns episódios agarravam ideias que lera nos pequenos volumes da colecção Argonauta. Sim, julgo que havia ali umas imitações. Claro que A Quinta Dimensão é muito melhor, Star Trek tem mais fama e vence na caracterização das personagens, nunca vi Outer Limits, dizem que é fantástica, e os alemães já tinham feito uma coisa parecida com a série inglesa, Orion, a Patrulha do Espaço, que só conheço do youtube. A velhinha ficção-científica de televisão tem muito que se lhe diga.
A questão das personagens é importante. Não há grande pachorra para o comandante Koenig e para a sua namorada, a doutora já-não-lembro-do-nome, não há paciência para o moralismo de algumas histórias, onde vemos Koenig a destruir civilizações inteiras em nome do politicamente correcto da época — não me refiro a 1999, mas a 1974. Aliás, em matéria de personagens, sempre preferi a Tania, que se não me engano fala pela primeira vez no episódio 8, para dizer, com forte pronúncia da Turíngia Ocidental: “Comandante, estamos a ser invadidos”. É uma das melhores deixas da televisão daquele tempo.
Tania (no centro da imagem) é muito gira e fica bem naqueles fatinhos anos 70, com calças à boca-de-sino e as elegantes faixas coloridas no braço esquerdo; o vermelho fica-lhe a matar. Infelizmente, os produtores não tiveram dinheiro para lhe dar um papel mais relevante e ela desapareceu nos confins daquele universo. Esta minha visão de adulto cheio de carências afectivas não coincide com a minha observação a preto e branco, onde, confesso, a personagem Tania não existe. Sem cor, Espaço 1999 era uma boa ideia de princípio: uma base inteira, colocada na Lua, projectada para o exterior devido a uma explosão acidental que alterava a órbita do nosso satélite. As naves espaciais pareciam fantásticas e julgo que se mantêm possíveis como veículos lunares. Em princípio, a base talvez sobrevivesse a um problema daqueles, mas teria sido melhor uma fuga antes que a distância aumentasse.
Do ponto de vista científico, a Lua não poderia viajar pelo espaço até outros sistemas (as distâncias são tão vastas, que levaria séculos, a aceleração não era suficiente sequer para o abandono do sistema solar), mas entretanto descobriu-se que poderá haver muitos planetas solitários, ejectados dos respectivos sistemas, que vagueiam pelo espaço vazio: talvez um deles tenha uma base Alpha com habitantes que, presos àquele destino solitário, ali tenham ficado a viver, mantendo frágeis estufas para produzir alimentos e oxigénio, centrais de energia e reciclagem dos seus pobres recursos. Teoricamente, é possível.
O que não parece tão provável é a má liderança de Koenig, cujas frequentes histerias e crises místicas vão impedindo a base alpha de criar a sua própria civilização (não sei a razão, mas veio à memória este filme de Pabst, A Rainha de Atlântida), pois os habitantes da base tentariam recriar no meio do cataclismo uma vida própria, sem os laços que os ligavam ao mundo antigo, usando os territórios infinitos da imaginação e da nostalgia, ao serviço das enormes possibilidades da sobrevivência. Foi esta hipótese que me encantou e que me fez sonhar com outras histórias. E não será para isto que serve a ficção, para nos fazer inventar qualquer coisa de adicional?