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Delito de Opinião

A verdade emocional

Paulo Sousa, 03.11.23

No seguimento do postal de há dias, com o texto de Daniel Innerarity sobre a dose certa de moral na política, recomendo a leitura do artigo no Expresso de hoje de Miguel Poiares Maduro, que refere o mesmo texto do ensaísta espanhol, e do qual destaco o seguinte excerto:

"A ciência do comportamento fala de um viés de confirmação: tendo optado emocionalmente por um lado, tendemos a confiar em tudo o que reforça essa decisão e a rejeitar tudo o que a questio­ne. Quando confrontadas com factos que desmentem, ou simplesmente desvalorizam, aquilo em que emocionalmente ­creem e investiram, as pessoas preferem desenvolver ou aderir a sofisticadas teorias da conspiração que atacam a credibilidade desses factos, em vez de se questionarem sobre aquilo em que acreditam."

Qual a dose de moral desejável na política?

Paulo Sousa, 31.10.23

O filosofo e ensaísta espanhol Daniel Innerarity já foi várias vezes aqui referido no Delito. Há dias, no El Correo publicou um texto interessante sobre a moralidade e a política.

Dei por mim a fazer uma tradução livre, que aqui partilho.

 

“Se olharmos para a corrupção e outros comportamentos degradantes é lógico que clamemos por uma moralização da política, que os valores sejam postos acima dos interesses. Porém, proponho inverter por um instante este ponto de vista. Perguntemo-nos se a causa da política ser tão decepcionante, agressiva e disfuncional, não resultará do peso crescente da moralidade em vez de se recorrer a uma lógica mais adequada. Quando o campo de jogo se define como um combate entre o bem e o mal, dificulta-se a argumentação racional e impossibilitam-se os acordos.

A moralização a que me refiro, não consiste apenas na que permite que as questões morais tenham um papel crescente na política, pois nesse caso tudo seria tratado como uma questão moral. A moralização da política ocorre sempre que as avaliações morais se sobrepõem aos valores. Nesses casos o que se observa são interesses e aspirações de poder e que a argumentação política é substituída por sentimentos morais como a culpa e a indignação. A polarização que lamentamos é a consequência lógica de se ter criado um campo de antagonismos absolutos, em que tudo é decidido numa luta épica entre o bem e o mal, nacionais contra traidores (referir-se-á certamente à situação espanhola), as vítimas contra os carrascos, a dignidade contra a infâmia, a culpa contra a inocência. Em contraposição existem duas posições claras, mais nada além disso. O moralismo é uma máquina de simplificação.

A moralização da política tem a vantagem de poupar argumentações mais trabalhosas. Para ter razão e estar do lado certo da história, basta indignar-se contra aqueles que acreditamos oporem-se ao bem. Quem discorda, não tem opinião própria, mas apenas más intenções. A moral, enquanto critério de oposição do bem ao mal, não permite que se discuta com os maus. Se um dos lados considera que as suas próprias intenções são moralmente boas (em vez de simplesmente melhores), então não há outra alternativa a combater por todos os meios, o mal que se aloja nos outros. Quem pensa assim, acha que não está defendendo os seus interesses, mas apenas as convicções e no momento seguinte recorre ao argumento da dignidade e da humilhação e assim encerra qualquer hipótese de diálogo e de negociação.

O exagero moralista é um fingimento com consequências reais negativas, uma vez que beneficia os mais radicais e dificulta os acordos necessários. A primeira vítima da moralização é a margem de negociação. Podem-se negociar interesses, mas se qualquer assunto se torna numa questão de princípio, as transacções são impossíveis. As pessoas com convicções fortes cometem geralmente erros, também por não acudir aos seus próprios interesses. O político munido com as armas da moral, costuma converter os seus interesses em princípios.

(…) A primeira regra da moral na política consiste em não se apresentar como defensor da moral quando se está a defender os seus interesses. De acordo com a segunda, não se pode desclassificar moralmente a quem consideramos estar politicamente errado. Sempre admirei a subtileza liberal que nos ensina a distinguir a diferença do erro, o adversário e o inimigo, que é o mesmo que dizer, entre a política e a moral. Assim, cria-se um espaço de comunicação e combate político, que permite estar completamente a favor de algo e reconhecer o direito de outros defenderem o contrário, sem levantar a suspeita da imoralidade.

Na política, e não só, para além de existirem coisas exclusivamente boas ou más, existem coisas oportunas, discutíveis, previsíveis, negociáveis, desejáveis e outras que não é razoável termos uma posição exclusivamente moral, ainda que o possamos fazer pontualmente.

A comunicação política seria muito diferente se conseguíssemos excluir toda essa carga moral. A política não pode resumir-se à neutralidade técnica, a dados assépticos sem avaliação implícita, mas deveríamos deixar um pouco mais de espaço a factores que suavizem a contraposições ideológicas. Falemos mais do melhor e do pior e menos do bem e do mal. Discutamos mais a partir de critérios menos enfáticos, como a oportunidade, a conveniência, as alternativas, os custos e benefícios, que são muito menos antagónicos. O melhor e o pior estão muito mais próximos do que o bem está do mal.

Defendo uma menor moralização da política porque acredito que isso beneficiaria a política e também a moral. Representar o bem, proporciona um sentimento de superioridade moral que é incompatível com a verdadeira moralidade. Que a moralização não implica necessariamente um aumento da moral, pode comprovar-se nos actos de quem tem diz ter a moral do seu lado e, por isso, acha que tudo lhe é permitido, incluindo comportamentos imorais. O início da imoralidade ocorre quando alguém pensa que tem a moralidade do seu lado. Na medida em que é essencial para a democracia estabelecer um espaço de controvérsia, a moralização da política é um perigo objectivo. Os defensores da democracia precisam não apenas de se defender do mal, mas também devem defender-se da tentação do bem.”

Vítima de violência sexual de segunda categoria

Paulo Sousa, 18.09.19

É perturbador o caso da violação e assassinato da Irmã Tona por alguém que tinha acabado de ajudar. O "alegado" assassino e "alegado" violador é um toxicodependente recém saído da prisão.

O retrato escrito da vida da Irmã Tona fala de alguém que, mais do que tudo, era uma pessoa generosa ao ponto de dedicar a sua vida a ajudar com alegria os que mais precisam. Não era assistente social remunerada pela tutela, não seria beneficiária da ADSE, nem viu o seu horário de trabalho reduzido a 35 horas no inicio da legislatura que entretanto terminará.

Não quero aqui elaborar nenhuma teoria sobre os desgraçados dos drogados, nem sobre a reinserção social nem sobre os serviços públicos que lidam com esses casos, mas apenas sublinhar o silêncio que este caso mereceu na nossa imprensa e na boca dos que se advogam defensores das mulheres oprimidas e vitimas de violência.

Comparando o tratamento mediático que mereceu o assassinato de Marielle Franco e a ausência de qualquer reacção sobre este caso macabro, concluo que mesmo para as vítimas de violência sexual há tratamentos diferentes. A irmã Tona era uma irmã religiosa e isso colocou-a do lado errado da história.

Perante tal diferença como podemos avaliar a honestidade intelectual dos donos da nova moral e dos novos costumes?

A "obscenidade" das transferências no futebol

João André, 07.08.17

Neymar Jr. transferiu-se para o Paris St. Germain pelo valor mais alto da história do futebol: 222 milhões de euros. Com este valor vieram os adjectivos: obsceno, pornográfico, ofensivo, etc. Não se trata apenas dos 222 milhões da transferência, mas também dos 30 milhões líquidos por época, os 38 milhões em pagamentos aos agentes envolvidos (incluindo o pai de Neymar). Assumindo uma taxa de 50%, o custo da transferência será de 112 milhões por ano ao longo de 5 anos (assumindo que o salário se mantém constante, o que nunca é certo).

 

A primeira pergunta que se impõe é: conseguirá o PSG pagar tal investimento sem infringir as regras do Fair Play financeiro da UEFA? Esta pergunta é relevante não apenas de um ponto de vista financeiro mas também moral: se o clube consegue pagar os custos, como dizer que é imoral?

 

 

Também aqui.

Dois pesos, duas medidas

Pedro Correia, 14.07.17

Leio na última edição do Expresso uma pequena notícia que parece ter passado totalmente despercebida. Diz, em poucas linhas, que o director de comunicação do gabinete do primeiro-ministro cessou estas funções trocando o Governo por um "novo projecto numa empresa privada" em que prestará serviço já a partir do próximo mês. Este responsável - que segundo o mesmo jornal assegurava o planeamento da comunicação institucional do Executivo, a gestão das redes sociais e a organização de eventos de propaganda do Governo - diz ter "chegado ao fim de um ciclo" profissional, o que o levou a abandonar São Bento. É estranho que o fim do "ciclo" tenha chegado tão depressa num Executivo empossado apenas há vinte meses.

Leio esta lacónica notícia e interrogo-me como reagiriam certos moralistas cá do burgo se algo semelhante tivesse ocorrido noutro ciclo político, com um governo muito diferente do actual. E espero que os verdadeiros jornalistas de investigação - partindo do princípio de que ainda restam alguns nas redacções - não deixem de nos esclarecer qual é o grupo empresarial para o qual, a meio de um ciclo governativo e sem respeitar o menor período de nojo, vai já trabalhar o até agora director de comunicação do gabinete do primeiro-ministro.

Se calhar até era boa ideia

João André, 25.03.17

Em relação às declarações de Jeroen Dijsselbloem (ler "Iérun Dêissélblum"), há que notar que a frase terá sido algo do género (cito de memória) de «Se eu gastar o meu dinheiro em mulheres e álcool, não vou pedir que mevenham ajudar».

 

Ao invés de o atacarem pelo que disse ou terá querido implicar, alguém devia ter feito o óbvio: olhar para a cara dele e ter dito: «Jeroen, filho, se calhar não te tinha feito mal...».

 

Dijsselbloem.jpg 

Questões morais no conflito israelo-palestiniano

João André, 23.07.14

O meu post abaixo sobre Israel e Palestina provocou alguns ataques à minha posição, como sempre se verifica quando se toca neste assunto. O principal referiu-se a um ponto muito simples (e compreensível): por que razão eu pareço criticar apenas Israel e colocar todas as responsabilidades pela paz nesse lado da barricada? Dado que toquei muito pela rama a questão das culpas, a confusão é normal. Não voltarei agora ao assunto das culpas, tentarei antes explicar um pouco a questão das responsabilidades por uma outra via, a moral.

 

No caso Israel/Palestina temos dois lados. Por um lado há Israel, que é indubitavelmente um Estado poderoso e que administra até certo ponto a vida nos territórios palestinianos. A Faixa de Gaza é nominalmente independente mas está incrustada em Israel e os acessos aos seus portos e espaço aéreo são também controlados por Israel.

 

O que temos é então uma parte que detém poder e, da mesma forma, obrigações. A primeira obrigação, ou melhor, imperativo, é devida aos seus cidadãos, àqueles que escolheram viver sob a protecção do Estado de Israel. Devem ter segurança física mas também económica, religiosa, moral, etc. Ninguém duvida que Israel protege os seus cidadãos e que vai inclusivamente ao ponto de arriscar a condenação internacional. Esta é a principal razão de existência do Estado de Israel e é respeitada à risca.

 

Há no entanto outra obrigação moral: Israel ocupou ou exerce controlo sobre territórios onde habitam pessoas que não são cidadãos israelitas. Tê-lo-á feito para cumprir a sua primeira obrigação (ou imperativo moral), a de defender os seus cidadãos (deixemos de lado por um momento considerações militares ou políticas). Seja como for, ocupou ou controla esses territórios e, assim sendo, acresce também uma obrigação moral sobre as populações dos mesmos.

 

Como se pode ver esta obrigação moral? Certamente que secundária à de protecção dos seus próprios cidadãos. A meu ver, uma obrigação moral deverá ser subordinada a um imperativo. Israel não deve, sob nenhuma forma, deixar de prestar as melhores condições possíveis aos seus cidadãos para poder prestar apoio aos territórios que ocupa. Mas se por um lado não necessita de lhes dar o mesmo nível de protecção, por outro tem a obrigação de não lhes retirar - ou ameaçar - a protecção de que gozam por estarem ocupados.

 

Israel goza, neste jogo de forças, de todo o poder. Se amanhã decidisse destruir todos os territórios palestinianos e executar ou expulsar todos os palestinianos, certamente que o conseguiria. Sendo um estado que respeita o direito moral de outros seres humanos, não o faz. Mas sendo o lado todo-poderoso, é sobre Israel que recai a obrigação de proteger os palestinianos. Não é apenas sobre o Hamas ou sobre a Autoridade Palestiniana, porque estes têm pouco ou nenhum poder, mas antes sobre o lado mais poderoso e que, mesmo passivamente, tem o poder de vida ou de morte sobre os palestinianos.

 

Agora é também claro que Hamas e Autoridade Palestiniana têm responsabilidades morais. Devem poder proteger os seus compatriotas, especialmente porque lhes foi dado o mandato para isso. Têm além disso um imperativo moral ainda maior que o de Israel de não colocar em perigo os palestinianos através das suas acções. Só que estes imperativos e obrigações morais não são mutualmente exclusivos nem são um jogo de soma zero. A falha do Hamas em cumprir o seu imperativo moral não acarreta uma obrigação moral de Israel de exercer mecanismos de compensação nem permite que Israel negligencie a sua obrigação moral de protecção dos palestinianos. Enquanto cumpre o seu imperativo moral, Israel não pode esquecer a sua obrigação. Ou seja, não deve colocar em risco as vidas de quem vive sob a sua protecção para defender aqueles que tem de proteger, a não ser que a primeira impeça a segunda.

 

E é aqui que podemos deixar temporariamente a dimensão moral e entrar na dimensão política. Necessita Israel de colocar em risco as vidas palestinianas para proteger as israelitas? Haverá naturalmente quem o defenda, mas eu entendo que não. Israel tem sistemas de defesa que protegem bastante bem as vidas israelitas. A ameaça do Hamas é relativamente menor, embora seja óbvio que qualquer vida perdida é uma tragédia. Na contabilidade, no entanto, e apenas olhando para os custos da ofensiva, mais israelitas terão perdido a vida em Gaza indirectamente devido às acções de Israel do que em Israel devido às acções directas do Hamas.

 

É fácil argumentar que todas as vidas têm o mesmo valor e isso é indubitavelmente verdade para mim. Para o Estado de Israel ou para os Palestinianos, isso não é assim. O imperativo moral israelita é para com os seus cidadãos. A vida de outros terá de ser secundária. Ainda assim, e seguindo a minha lógica argumentativa acima, Israel não pode ignorar completamente as vidas palestinianas para defender as israelitas. Um mal - os ataques indiscriminados do Hamas - não pode justificar outro - os ataques indiscriminados de Israel - especialmente quando um dos lados detém quase todo o poder no balanço de forças.

 

PS - Peço desculpa a quaisquer filósofos que leiam a minha desastrada tentativa de abordar este assunto. Não terei conseguido transmitir o meu ponto de vista de forma correcta, mas peço indulgência para a forma. Tenham um pouco de paciência ao ler.

Moralismo

José Navarro de Andrade, 04.06.12

Jung Lee, "Bordering North Korea #15", 2005

Um dos sinais mais prementes da decadência portuguesa é o exacerbamento do discurso moralista. Quanto mais nos inclinamos para uma permanente avaliação moral do que é justo ou injusto, mais dissolvemos, deturpamos e descuramos a avaliação ética do que é bom ou mau.

Creio que isto fica exemplarmente descrito no célebre “o síndrome do automobilista lusitano”:

É consensual o princípio ético de que o excesso de velocidade é mau. No entanto quando sou apanhado a infringi-lo, costumo ter duas reações moralistas perante tamanha e tão evidente “injustiça”:

1)     Não estava a correr nenhum risco (o prevaricador interpretará sempre o princípio ético a partir de uma auto-avaliação permissiva e generosa da sua prática pessoal).

2)     Como é possível penalizar-me por este erro, deixando impunes os outros prevaricadores? (decorrente de um dos mais frequentes e sinistros provérbios portugueses: “ou comem todos ou não há moral”).

Ou seja, derramo um par de conceitos morais sobre a circunstância, e é isto o moralismo, em vez de fazer uma ponderação ética sobre o meu comportamento.

Este moralismo em política é evidente através da eufórica e ignóbil frase: “é ladrão, mas tem obra” geralmente utilizada para redimir autarcas.

O moralismo emerge em situações mais discretas e comuns, embora não menos perversas, como por exemplo: “Como é possível fulano ganhar tanto, quando há tanta gente com o salário mínimo?”

Se em abstracto ainda é possível descortinar a bizarria desta frase, aparentemente quando aplicada a casos reais, parece que ela faz sentido. O moralismo é um guisado que mistura tudo, compara o incomparável, a partir do pressuposto que todos deveriam ter uma fatia igual do bolo, por direito inerente. Ora nem o bolo é o mesmo para todos (um futebolista ganha mais que um cirurgião porque trabalha noutro mercado, com outras regras de oferta-procura e outra dinâmica); nem o bolo é estático (há áreas socias mais produtivas ou mais dinâmicas que outras, por isso umas crescem outras diminuem: uma obra de um artista plástico reconhecido tenderá sempre a valer sempre mais que uma tese de doutoramento em literatura do séc. XVIII), nem o contributo de cada um para esse bolo é igual (o mérito, estúpido…).

A popularidade do moralismo deve-se à sua excitação sentimental: é fácil, instantâneo e tende a creditar como virtuosa a pessoa que o vocifera. Ao passo que a ética é friamente racional e analítica, logo contra-intuitiva, pelo que tende a ser vista como uma espécie de cinismo e parece esconder algum interesse, aos olhos severos e zelosos do moralista.

Em 1933 a Alemanha foi varrida por uma vaga moralista: como podiam os capitalistas judeus enriquecer enquanto o povo alemão, cumpridor, trabalhador e probo, vivia tão mal? Como era possível a Alemanha consentir ser tão desgovernada por aquela corja de conservadores e liberais, tão mancomunados com os incompetentes e corruptos social-democratas e que permitiam as ruas entregues aos comunistas?

Bem sabemos o resultado.

A homilia.

Luís M. Jorge, 24.04.11

Portugal distingue-se por uma casta de pregadores que usam os dias santos para infernizar os raros prazeres mundanos dos seus compatriotas. Não há feriado móvel em que não saiam das caves, a espumar imprecações, dezenas de criaturas lívidas mobilizando-se contra as pontes, o consumismo, a ostentação e a alegria em geral.

 

A missa reproduz-se de dois em dois meses com a enjoativa previsibilidade do bulshit lusitano: que o país está em crise, mas ainda há quem consuma. Que muitos não têm pão, mas outros comem croissants. Que apesar da desgraça universal, o Algarve está cheio de novos-ricos, frangos da Guia e delícias do mar. Que os voos para Cancun, Varadero, Punta Cana, Tenerife, Porto Galinhas, Maceió, Recife, Pipa e Natal rebentam pelas costuras. Que uns dormem na valeta, enquanto outros esbanjam em mordomias, etc.

 

Talvez valha a pena colocar alguma ordem nas cabeças dos nossos ressentidos.

 

Em primeiro lugar recordando que o facto de existir uma crise não significa que algumas pessoas não possam viver melhor. Isso é uma injustiça? Para quem julga —como tantos portugueses — que a inveja é uma boa estratégia de ascensão social, talvez. Mas num país civilizado o triunfo de alguns é fonte de inspiração e progresso para outros.

 

Em segundo lugar informando os distraídos que Portugal já é o país europeu onde mais se trabalha. A improdutividade não se enfrenta com a anulação de pontes: enfrenta-se com gestores capazes, com gente bem formada e com um enfoque no médio prazo — ou seja, com tudo o que falta nas empresas que você conhece.

 

Em terceiro lugar, apelando à solidariedade dos moralistas. Mas não é a solidariedadetacanha de quem repele o consumismo ou vocifera contra as férias dos outros. É a solidariedade de quem quer mesmo combater as desigualdades.

 

Um combate que se faz pela política fiscal em vez da caridade. Que assenta no voto em vez da admoestação. Que é feito a pensar no futuro, e não nas idealizações nostálgicas de uma qualquer miséria salazarista.

 

Portanto, no próximo feriado, poupem-me às vossas tretas: tirem umas férias.