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Delito de Opinião

Esperança

Paulo Sousa, 07.11.24

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No seguimento do meu postal de há uns dias, não posso deixar de aqui registar a vitória de Maia Sandu nas eleições presidenciais moldavas. O derrotado foi o candidato pró-russo, Alexandr Stoianoglo, que, como foi denunciado logo na primeira volta, não hesitou em oferecer dinheiro a quem não votasse na candidata pró-UE.

Importa referir que há duas semanas, em simultâneo com a primeira volta, foi aprovada igualmente uma alteração constitucional que permitirá a este pequeno país, que faz fronteira com a Roménia e com a Ucrânia, avançar com as negociações com vista à sua entrada na União Europeia.

O projecto europeu, com todas as suas limitações e imperfeições, continua a atrair países cujos povos preferem a liberdade à sujeição a ditadores. E esta é a ordem natural das coisas. Não é uma viagem contínua nem ininterrupta, não é uma viagem sem perigos nem quedas, mas a busca pela liberdade é uma aspiração de todo o ser humano. Contra a vontade dos tiranos, mesmo nas geografias humanas mais distantes desse desígnio e talvez apenas alcançável nos ciclos longos, a liberdade é o nosso destino comum.

Termino com algumas das palavras proferidas por Maia Sandu no seu discurso de vitória.
“Queridos moldavos, vocês ofereceram uma lição de democracia digna de ser escrita nos livros de História. Na nossa escolha por um futuro digno, ninguém perdeu. A liberdade, a verdade e a justiça venceram.”

Hoje as fronteiras da liberdade estão na Moldávia

Paulo Sousa, 22.10.24

Ando há alguns dias a alinhavar um texto sobre o conflito entre o autoritarismo e a pulsão intrínseca do ser humano para a liberdade. O tempo disponível ainda não mo permitiu dar por terminado, até porque há sempre um outro ângulo que pode ser acrescentado.

Foi com a mente nesta temática que no final do no Domingo passado li as primeiras notícias sobre os resultados do referendo realizado na Moldávia. Em simultâneo com a eleição presidencial, os moldavos iriam escolher se aceitavam que a sua constituição fosse alterada de forma a permitir a sua futura adesão à UE. As primeiras notícias não eram animadoras. A massiva operação de condicionamento, ameaça e compra de até 300.000 votos por parte dos capangas de Putin fez com que até ontem de manhã os números apurados lhes fossem favoráveis. Foi apenas após a contagem dos votos dos moldavos que residem fora do país, que se deu a reviravolta. Os resultados finais dão uma ténue vantagem à adesão (50,4%), mas suficiente para constituir mais uma derrota de Moscovo.

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aqui escrevi sobre a minha visita à Transnístria, região moldava que não é controlada pelas autoridades de Chisinau, mas sim por uma elite ex-soviética que ali se mantém com o apoio da Rússia. Como vimos durante a invasão em curso à Ucrânia, caso Odessa tivesse sido conquistada, a Transnístria seria uma plataforma para fechar o cerco por ocidente, impedindo assim o seu acesso ao Mar Negro.

Além da Transnístria, a Moldávia tem ainda outra região autónoma, a Gagaúzia, de maioria turca, que não facilita a tarefa aos governantes deste, que é o mais pobre país europeu.

A actual Presidente Maia Sandu, que tem sido a face da aproximação da Moldávia ao mundo livre, apresentou-se novamente a eleições, tendo conseguido 42,3% dos votos, o que a obriga a uma segunda volta dentro de duas semanas.

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Uma geração depois da queda da Cortina de Ferro, que permitiu a milhões de europeus alcançarem a liberdade e a prosperidade, a Moldávia ficou quase esquecida numa indefinição cinzenta condicionada pelos sabujos de Putin que não aceitavam abrir mão de controlar um país cujos cidadãos têm o direito a aspirar a um futuro melhor. Há momentos históricos em que os povos conseguem mudar o seu rumo para um melhor destino. Hoje as fronteiras da liberdade estão na Moldávia e o rosto das forças livres é o de Maia Sandu, verdadeira heroína, que com ilusória aparência de fragilidade tem governado o país sempre sobre a ameaça de uma iminente invasão russa. Só daqui a duas semanas saberemos se conseguirá ser eleita para o segundo mandato, mas o que aconteceu neste Domingo merece ser festejado.

Da Ucrânia à Moldávia

Pedro Correia, 30.04.22

A imprensa internacional de referência é assim: observa com atenção, analisa com detalhe, informa com rigor. A 9 de Março, o El País trazia um artigo intitulado La frágil Moldavia observa com temor la ofensiva en Ucrania.

Os moldavos já então tinham motivos para temer os fuzis russos, como as mais recentes notícias dão nota. Vladimir hoje, como um tal Adolf anteontem, mostra-se sedento de sangue e de território - como se a Rússia não fosse, de longe, o mais extenso país à face da Terra, ocupando mais de um nono do espaço continental do globo. Abocanhar nação após nação, recorrendo sem rodeios à chantagem nuclear, parece ser a estratégia do antigo tenente-coronel do KGB em imitação fajuta de Catarina a Grande.

Enquanto cá em Portugal os seus amiguinhos do PCP, de líxívia na mão e esfregona em riste, tentam tudo para lhe limpar a imagem, mandando o conceito de «soberania nacional» às malvas. A tal ponto que votaram na Assembleia da República contra uma investigação aos crimes de guerra na Ucrânia. 

Mas poder-se-ia esperar outra coisa do partido que em 2017 recusou associar-se no parlamento a um voto de condenação do uso de armas químicas na Síria? Quem se comporta assim é capaz de tudo.

Os Golias irão visitar o David

Paulo Sousa, 26.08.21

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Após uma inédita e bem-sucedida sequência de jogos nas pré-eliminatórias da Champions, o Sheriff de Tiraspol conseguiu apurar-se para a fase de grupos, onde irá defrontar o Real Madrid, o Inter de Milão e o Shakhtar Donetsk.

Esta quase desconhecida equipa que oficialmente representa a Moldávia, mas que é originária do invulgar território da Transnistria (Pridnestróvia segundo os locais) será certamente notícia em cada um dos jogos que se seguem. Os confrontos entre o David e os Golias tem sempre uma camada adicional de interesse. Vou estar atento.

Este território já foi referido no DO por mim e pelo José Navarro de Andrade.

Livros que inspiram viagens (3)

Paulo Sousa, 09.05.20

Na sequência dos dois textos anteriores, salto hoje uns quilómetros para vos relatar a visita a um país que não existe.

Foi de carro que chegamos à Transnistria.

A informação que recolhemos na preparação da viagem sublinhava o exotismo cinzento de um território que teimava em viver num regime de inspiração soviética.

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Após o colapso da URSS, a minoria russa da ex-república moldava soviética socialista não aceitou a mudança da língua oficial de russo para a língua mãe da maioria romena e desencadeou-se um conflito. Após alguns meses de combates, em 1992 estabeleceu-se um equilíbrio de forças com o rio Dniestre a fazer de fronteira. A Rússia mantém o apoio militar e económico à Transnístria mas a falta de contiguidade territorial não lhe permite descongelar o conflito. Desde então a Pridnistrovian Moldavian Republic (PMR), como se autodenominam, tornou-se um 'país' independente de facto embora sem reconhecimento internacional. Tem governo próprio, hino e bandeira com foice e martelo, imprime moeda e selos, tem tropa e polícia, sistema de ensino e de saúde.

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As trocas comerciais entre as duas margens troçam dos políticos e realizam-se com fluidez. Algumas empresas transnistrias até exportam para a UE com etiqueta ‘Made in Moldova’. É tão habitual ver matrículas PMR em Chisinau como veículos moldavos em Tiraspol.

A Sheriff Tiraspol FC, equipa de futebol da ‘capital’, é campeã moldava há nove anos consecutivos e representante da Moldávia nas competições da UEFA. Para cumprir o calendário do campeonato todas as equipas atravessam semanalmente os checkpoint militares. Este limbo de independência leva a que os documentos dos cerca de meio milhão de habitantes não sejam reconhecidos fora do seu território. Além das visitas esporádicas ao outro lado do rio e a Moscovo, o universo dos destinos possíveis é bem reduzido. Os indicadores económicos dizem também que esta região é mais pobre que o resto da Moldávia, que já é o país mais pobre da Europa.

Algumas fontes referem que toda a nomenclatura deste ‘estado’ é composta pelo círculo de confiança de uma família, o que cria uma ideia de um Simcity em 3D mas com a possibilidade de saborear o vinho da Cricova vizinha e com miúdas mais giras do que qualquer avatar informático poderá alguma vez ambicionar.

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Chegamos a Tiraspol vindos de Chisinau. Tivemos a sorte de apanhar um dia iluminado por um sol daqueles em que até as ditaduras, cinzentas por natureza, ficam coloridas.

Ao contrário da ideia criada pelas reportagens que tínhamos visto no YouTube, a cidade aparenta organização e planeamento. Tudo está pintado e as estátuas de Lenin exibem um polimento que fazem inveja às poucas que restarão em Moscovo.

Para evitar o que seria um processo de registo nos serviços de emigração durante um fim de semana optamos por regressar a Chisinau no mesmo dia. Passeamos a pé pela cidade e almoçamos num restaurante local, onde nos deparamos com a maior surpresa da curta visita. Algumas pessoas nas mesas vizinhas estavam a rir!!! Como é possível? Gargalhadas quase obscenas. Toda a informação que recebemos ao longo da vida associam as ditaduras a dias enevoados e a pessoas tristes. Será que se confirma a teoria de que a natureza humana se ajusta mesmo a tudo?

Texto publicado no Jornal de Leiria em Outubro 2018

 

O livro que recomendo, que refere também este "país", é O Despertar da Eurásia, de Bruno Maçães, editado pelo Circulo de Leitores. Trata-se de uma abordagem fora da caixa que contraria a normal divisão da placa euroasiática em dois continentes, a Europa e a Ásia. Lembra-nos que apenas a história e a cultura dos povos criaram esta divisão artificial, e leva-nos a viajar com ele por este imenso território. Sem deixar de ser literatura de viagem é tambem um master class em geopolítica. Lê-se de rajada.