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Delito de Opinião

Sobre a moção de censura

Rui Rocha, 24.10.17

1 - Não há melhor justificação para uma moção de censura ao governo do que a morte trágica de mais de 110 portugueses em circunstâncias em que foi evidente o compadrio na nomeação para funções de liderança da Protecção Civil, a completa desorganização de meios, a imprudência na avaliação de informação que permitiria prever e prevenir o que veio a acontecer, a ausência de qualquer intenção voluntária de confortar as vítimas e tomar medidas estruturais e a boçalidade, frieza e falta de vergonha do discurso.
2 - Medidas legislativas adoptadas há 3 anos em matéria de liberalização do eucalipto, certas ou erradas, não podem ser consideradas causa directa de nada do que aconteceu. É do mais elementar bom-senso e afirmar o contrário é demagogia barata.
3 - Em todo o caso, se tivéssemos que fazer um exercício constante de avaliação do passado para aferir a legitimidade de posições presentes, dificilmente poderíamos aceitar soluções governativas suportadas por partidos que apoiam regimes que conduziram milhões de seres humanos à morte e à miséria ou um governo de um partido que levou o país à bancarrota há seis anos.

Manobras comunistas

Pedro Correia, 18.10.17

O PCP nem quer ouvir falar em qualquer moção de censura ao Governo socialista, apoiado desde o primeiro instante pelo partido da foice e do martelo na Assembleia da República. Com profundo desdém, até com um certo ar de repulsa, os comunistas consideram que iniciativas como a que o CDS já anunciou não passam de "manobras parlamentares".

Jerónimo de Sousa tem particular autoridade para se pronunciar nesta matéria. Acontece que o PCP é, de longe, o campeão das moções de censura em Portugal. Nos últimos dez anos, houve nada menos de 12 - metade das quais promovidas pelo PCP, tendo uma sétima ficado a cargo do PEV, partido satélite dos comunistas.

Concretamente, nos seis anos de mandato de José Sócrates a bancada parlamentar vermelha apresentou três moções de censura. E patrocinou outras tantas durante os quatro anos do Executivo Passos Coelho.

Campeões das "manobras parlamentares", portanto. E da duplicidade de critérios. Nada de novo na frente parlamentar. 

O xeque à geringonça.

Luís Menezes Leitão, 18.10.17

Sempre me impressionou a obsessão politicamente correcta de, perante o colapso total de serviços públicos, a oposição não aparecer a exigir a demissão dos responsáveis políticos, com medo de ser acusada de querer obter ganhos à custa de tragédias. Essa obsessão não ocorre em mais nenhum país do mundo, sendo com naturalidade que os responsáveis políticos se demitem quando ocorrem situações graves no seu ministério. Há dias a Ministra da Defesa da Holanda demitiu-se por causa de um acidente que vitimou dois soldados holandeses no Mali. Em Portugal ocorrem mais de cem mortos, e a Ministra da Administração Interna continua em funções, com a total cobertura política do Primeiro-Ministro. E os defensores do governo apresentam o argumento espantoso de que a sua saída não resolve o problema. E o facto de ela ficar não agrava o problema da falta de confiança dos portugueses nas instituições?

 

Assunção Cristas percebeu que era tempo de reagir e apresentou uma moção de censura ao governo. Face à blindagem com que a Constituição protege o governo, a moção de censura não tem quaisquer hipóteses de ser aprovada, uma vez que necessitaria de que a maioria absoluta dos deputados votasse a favor da mesma. Por isso, até toda a esquerda se podia abster que a moção de censura não passava. Mas a moção de censura é um claro xeque ao governo e por arrastamento aos partidos que o suportam. Porque, sendo a moção de censura baseada apenas na situação da administração interna, todo o governo vai ser obrigado a solidarizar-se com a respectiva ministra, pelo que vai assumir uma culpa colectiva por uma situação que a maioria dos portugueses ainda vê como um simples problema da ministra. E os partidos da extrema-esquerda terão que votar naturalmente a favor do governo, o que os responsabilizará também por esta situação. Qualquer tentativa de estes partidos descolarem do governo para as eleições de 2019 ficará irremediavelmente comprometida, razão pela qual o PCP protesta furiosamente contra estas "manobras parlamentares".

 

Com esta iniciativa Assunção Cristas coloca assim a geringonça em xeque. Obriga António Costa a ligar o destino de todo o seu governo ao de Constança Urbano de Sousa, anulando os efeitos políticos da sua recente vitória nas autarquias, e faz o mesmo aos partidos de extrema-esquerda, que não permite que ensaiem qualquer descolagem do governo. Isto é política no seu estado puro, sendo isso o que se espera que os políticos façam, especialmente quando estão na oposição. A nova liderança do PSD bem pode começar já a aprender alguma coisa.

Agitar antes de abrir.

André Couto, 28.05.14

Estranhei, sem questionar publicamente, como se anuncia o voto favorável a uma Moção de Censura ao Governo, de iniciativa do PCP, sem antes se ler o texto. Depois do anúncio feito, quero ver como é que os deputados do PS vão subscrever o parágrafo que versa sobre "o retrocesso económico e social a que conduziu a política de direita executada nos últimos 37 anos por sucessivos governos".

Descubram as diferenças

Pedro Correia, 18.07.13

Em Espanha, durante 35 anos de regime democrático, foram votadas apenas duas moções de censura no Parlamento. A primeira em 1980, suscitada pelo Partido Socialista de Felipe González, então principal força da oposição, contra o Executivo centrista de Adolfo Suárez. A segunda em 1987, promovida pela conservadora Aliança Popular, contra o Governo socialista de González.

Repito: apenas duas.

 

Em Portugal, só nos últimos nove meses, houve quatro moções de censura ao Governo. Duas apresentadas em Outubro de 2012, pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. A terceira em Março, apresentada pelo PS. A quarta será discutida e votada hoje, por iniciativa dos 'verdes', um partido que não existe. Será a 25ª moção de censura apresentada na Assembleia da República desde 1976.

 

É uma estatística que diz muito sobre duas formas antagónicas de fazer política. Lá e cá.

Falar claro sobre os "verdes"

Pedro Correia, 17.07.13

 

Em dia de moção de censura ao Governo apresentada pelo grupo parlamentar dos "verdes", vale a pena registar o que dois destacados socialistas dizem sobre este partido, que nunca foi a votos autonomamente e se limita a replicar as posições do Partido Comunista no plenário da Assembleia da República e nos órgãos de informação.

Sérgio Sousa Pinto e Augusto Santos Silva falam sem rodeios - e fazem muito bem. Nunca como hoje se sentiu tanta necessidade de posições claras na política portuguesa. Por isso destaco estas opiniões, que expressam exactamente o que penso sobre a mesma matéria.

 

Sérgio Sousa Pinto (RTP i, 16 de Julho, 21.20): «O Partido Ecologista Os Verdes - ou seja, o PCP, pois o PEV é uma farsa, não existe - apresentou uma moção de censura ao Governo. É mais uma deslealdade. Se o PEV não existe, o PCP, em rigor, pôde apresentar duas moções de censura nesta sessão legislativa: apresentou uma em seu nome e agora instruiu os seus satélites 'verdes' para apresentarem outra moção de censura. E porque é que o faz? É contra o Governo? Claro que não: é contra o PS! O PCP grita muito contra a direita mas reserva sempre os ferros contra o PS. O verdadeiro adversário estratégico do PCP sempre foi o PS. (...) Objectivamente, o PCP é um aliado do Governo. Porque esta moção de censura é um enorme serviço prestado ao Governo. Porque dispensa o PSD e o CDS de apresentarem uma moção de confiança, afrontando o Presidente da República, porque o PCP teve a delicadeza de apresentar uma moção de censura que a direita vai derrotar e esmagar no Parlamento. Isto também é um recado que o Parlamento dá a Belém.»

 

Augusto Santos Silva (TVI 24, 16 de Julho, 22.50): «A moção de censura é apresentada agora pelos 'Verdes' - que são barriga de aluguer, como todos sabemos - para embaraçar o PS. O único sentido político [desta moção] não é perturbar os partidos do Governo, mas embaraçar o PS. Se o PS votasse contra a moção, seria acusado de ser muleta da direita; se votar a favor, como vai fazer, será acusado de ter dupla personalidade. (...) Na minha opinião, o Partido Ecologista Os Verdes é uma fraude política. É um partido que nunca foi a votos, que não tem identidade própria e cuja existência se destina a aumentar os tempos de intervenção e os mecanismos institucionais de intervenção no Parlamento ao dispor do Partido Comunista Português. O PS poderia ter em relação a qualquer iniciativa dos 'Verdes' esta linha de conduta: iniciativa política que venha de vocês não nos merece nenhuma credibilidade.»

 

Leitura complementar: O partido que nunca existiu; O PCP coligado consigo próprio.

O mundo e a realidade que se impõem.

Luís Menezes Leitão, 25.06.12

 

Passos Coelho fez um bom discurso de abertura na rejeição da moção de censura do PCP. Tinha aliás escolhido um óptimo sound-byte: "A moção de censura é contra o mundo e a realidade". O problema é que enquanto durava esse debate, o mundo e a realidade impuseram-se. Quanto ao mundo, o Chipre pediu ajuda externa, o Ministro grego das Finanças fugiu a sete pés quando viu o que o esperava, e Angela Merkel rejeitou pela enésima vez as eurobonds. Quanto à realidade, o Governo é que acabou por fugir a ela, quando não revelou as medidas de austeridade que toda a gente já percebeu que vão ser imprescindíveis. A moção de censura do PCP era um exercício diletante, que acabou por ser facilmente ultrapassado pelos partidos da maioria. Mas há um novo dado político resultante do dia de hoje: Pedro Silva Pereira demonstrou estar muitos graus acima de Seguro e protagonizou uma espécie de regresso antecipado do socratismo ao PS. Se, como se afirmou, o que o PCP pretendia com a moção de censura era atacar a actual liderança do PS, acho que o resultado acabou por lhe servir de feição.

Censura a certo jornalismo

João Carvalho, 28.02.11

1. «O líder do Bloco de Esquerda (BE), Francisco Louçã, afirmou hoje que a moção de censura ao Governo é uma forma de corrigir as injustiças sociais e de trazer estabilidade e desenvolvimento ao País.» Perceberam? Eu também não.

 

2. Se Louçã tivesse uma pontinha de razão e conseguisse explicar muito bem explicadinho como é que censurar o Governo corrige as injustiças sociais e traz estabilidade e desenvolvimento ao País, era caso para cada grupo parlamentar, cada partido, cada cidadão cuidar de promover censuras permanentes ao Governo. Eu próprio, modestamente, podia ser laureado com um Óscar qualquer pelas censuras ao Governo que vou lançando e que, pelas minhas contas, já deviam ter-nos livrado da crise. Digam-me lá se tenho ou não tenho contribuído para corrigir as injustiças sociais e trazer estabilidade e desenvolvimento ao País.

 

3. A notícia em apreço e outras de igual teor pecam pelo mesmo motivo que pecam tantas outras notícias hoje em dia. Pecam de tal modo que já ninguém liga a isso. No caso, pecam porque Louçã lança a atoarda, diz o que lhe apetece, larga uma frase inconsequente e intraduzível, mas nenhum jornalista lhe pergunta o que seguramente não conseguiu entender. Não só nenhum jornalista entendeu e não pediu explicação, como ainda fez notícia do disparate. Só que não o publica como disparate, mas como notícia (que não é). Está na altura de pensar numa moção de censura a esta espécie de jornalismo que anda a minar o jornalismo propriamente dito.

Governos minoritários?

João Carvalho, 16.02.11

«Freitas do Amaral disse acreditar na possibilidade de o actual Governo cair através da aprovação de uma moção de censura no Parlamento, considerando que esse é o "destino dos governos minoritários".» Ora, isso não é destino — é fado. Destino é coisa dos outros, dos estrangeiros, que têm governos que vencem eleições e cumprem quase sempre mandatos completos. O fado é nosso, muito nosso, que mais ninguém tem. E o nosso fado começa logo nesta singularidade de termos governos maioritários aparentemente iguaisinhos aos de lá de fora, mas aos quais passámos agora a chamar invariavelmente "governos minoritários" só por não terem obtido a excepcional maioria absoluta.

Lembram-se dos poucos governos de maioria absoluta que já tivemos? Em pouco tempo, estamos todos a lamentar os tiques de absolutismo que lhes encontramos, não é? Pois. Também é fado, mas na variante fado-canção, ou fado-corrido, ou outra qualquer. Não querem mais fado nenhum? Simples: basta congregar os partidos em dois blocos, ao jeito britânico e norte-americano, por exemplo. Ou estabelecer as eleições legislativas à maneira das eleições presidenciais. Ou ainda proibir as guitarras e violas, para mandarmos o fado às urtigas e começarmos a ter um destino civilizado, um destino como os outros.

O Bloco é porreiro, pá!

Rui Rocha, 11.02.11

As moções de censura analisam-se, para além do mais, pelo contexto,  pelo texto e pela oportunidade. O contexto apela ao juízo de censura propriamente dito. Refere-se a uma apreciação global do mérito da actuação do Governo. Sob este prisma, apenas os fundamentalistas negarão o desastre de um Governo sem programa e sem acção. O texto, por seu lado, diz respeito à moção, à fundamentação da censura e às alternativas propostas. Deste ponto de vista,  não existirá consenso. O Bloco focar-se-á em questões como o corte dos salários da função pública ou o aumento dos impostos, isto é, em medidas viabilizadas pelo PSD no Orçamento de Estado. Quanto a propostas, as do Bloco não serão, seguramente, as do PSD. Da mesma maneira, a oportunidade do PSD não é esta. Quem viabilizou o Orçamento de Estado de 2011 há uns meses não pode embarcar numa moção de censura quando ainda não se conhecem os primeiros dados da execução orçamental. O juízo de censura que existia no final de 2010 é o mesmo que existe agora. Se quisesse exercê-lo, o PSD deveria ter chumbado o orçamento. A percepção de que Sócrates é, cada vez mais, uma caricatura que lidera um Governo fantasma tem que ser provada objectivamente pelas contas públicas. Assim, para o PSD a oportunidade resultará de uma derrapagem da execução e/ou de uma intervenção externa em Portugal. É isto que o PSD deve dizer claramente aos portugueses. Da mesma maneira, deverá apresentar de imediato a sua moção de censura se alguma daquelas circunstâncias se verificar. Todavia, isto não significa que a moção do Bloco seja inócua. De momento, são previsíveis as seguintes consequências: i) o Governo vai continuar absolutamente paralisado, afastando-se inclusivamente a possibilidade de uma remodelação que se adivinhava iminente; ii) Sócrates vai poder usar o seu disfarce de Calimero no Carnaval, invocando a irresponsabilidade dos adversários e recebendo de graça um alibi para a degradação das condições de financiamento e, se vier a ser esse o caso, para a aceitação sem reservas de tudo quanto Merkel vier a impor; iii) esse alibi será invocado até à exaustão mesmo depois da votação da moção de censura como forma de quebrar o nexo de causalidade entre a responsabilidade política do Governo e uma intervenção externa ou a adopção de novas medidas duras que vierem a ser impostas por Merkel; iv) moções subsequentes criarão a ideia de uma oposição sedenta de poder e que não olha aos meios nem ao interesse do país. Assim, é bem possível que o Bloco consiga o seu objectivo: manter o governo ligado à máquina por mais uns meses. Sócrates continuará incapaz de governar mas, com os cordelinhos puxados por Louçã, poderá ir acenando. O que não é coisa pouca para alguém que está já em estado de cadáver político.

Alguém lhe dá uma ideia?

João Carvalho, 07.02.11

A recente declaração de Jerónimo de Sousa sobre a possibilidade de alinhar numa moção de censura ao Governo provocou esta reacção curiosíssima a um socialista: «O PCP nunca hesitou em tentar derrubar o governo do PS.» Quem foi, quem foi? Claro: o inenarrável Vitalino Canas. É certo que Canas nunca se destacou como um iluminado, mas devia haver limites. Alguém que esteja por perto se importa de lhe dar uma ideia da quantidade de gente que não tem a mais pequena hesitação para fazer o mesmo e que nem sequer tem o costume de se deixar embalar pelas posições de Jerónimo de Sousa?