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Delito de Opinião

Sem palavras

Sérgio de Almeida Correia, 11.03.25

"O primeiro-ministro, Luís Montenegro, revelou que fez um acordo com o grupo hoteleiro Sana para conseguir pagar “250 euros por cada noite” passada num hotel de cinco estrelas no centro de Lisboa. E para garantir ainda que o alojamento estaria “disponível” “sempre que fosse necessário".

Um primeiro-ministro em funções faz um acordo destes? Tinha necessidade? Tendo uma residência oficial? E um apartamento em Lisboa?

Este tipo terá noção do que diz? Estará no seu perfeito juízo?

Há sempre o risco da castração

Sérgio de Almeida Correia, 18.02.25

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(créditos: Jornal Económico/António Pedro Santos/LUSA)

Dir-se-ia que a quantidade de assuntos que o país tem para resolver, com um Executivo minoritário obrigado a negociar à esquerda e à direita para aprovar orçamentos e se manter em funções, e melhor ou pior tentar cumprir o seu programa de governo, quando a indefinição da situação internacional e do futuro da Europa a curto e médio prazo é deveras preocupante, retirariam tempo ao primeiro-ministro e aos membros da sua equipa para se afastarem das questões cruciais e se perderem em confusões de sacristia.

Não é isso que está a acontecer. Bem ao contrário do desejável, há quem no Governo, a começar por Luís Montenegro, sabe-se lá por que razão, tenha demasiado tempo livre e ainda lhe sobre para se enredar em situações que, sendo de mais do que duvidosa legalidade, o elementar bom senso e a integridade ética e política obrigariam a colocar ao largo.

Os sinais de alarme piscam todos no vermelho. Às sirenes não há pilha que lhes falte. E é importante que Luís Montenegro, o PSD e a sua muleta do Bar Cockpit sejam confrontados com o que se está a passar. O mínimo que lhes é hoje exigível é que tenham maneiras, arrepiem caminho e façam aquilo que 28,02% dos portugueses aprovaram. Os demais não votaram na Aliança Democrática, quereriam qualquer coisa de diferente do que aquela que lhes saiu no cardápio. Houvesse uma alternativa decente e estes moleques já estariam com os patins.

Esqueçamo-nos, brevemente, dos arremedos de prima donna de Rangel, dos problemas com Olivença, das urgências que se iriam manter abertas e continuam a fechar, do destrambelhamento com a direcção do SNS e as administrações hospitalares, das trapalhadas nas autarquias, dos casos de polícia com a sabor a tutti-frutti que envolvem deputados e autarcas do PSD, e tudo o mais que circula pelos esgotos da rede social X, para nos concentrarmos na actividade empresarial do primeiro-ministro.

Tal como sucedeu com o ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, em relação ao qual não havia nada, e onde tudo era sinal de desprendimento antes de se revelar uma “imprudência” – há quem lhe chame estupidez –, soubemos, entretanto, que no curtíssimo período em que não esteve no parlamento o primeiro-ministro se tornou num empresário de sucesso. De muito sucesso.

As dúvidas sobre as obras na sua casa e os ajustes directos com as Câmaras de Espinho e de Vagos – o que mostra bem que mesmo fora do parlamento há empreendedores e “profissionais liberais” não vivem sem a mama das autarquias e as influências criadas à sombra da actividade política –, vieram dar lugar às dúvidas sobre a Spinumviva, a sociedade comercial fundada por Luís Montenegro, a sua mulher, educadora de infância e com formação em Ciências da Educação, e os filhos, um a estudar e outro recém-licenciado.

A Spinumviva foi registada em 22 de Janeiro de 2021, com um objecto social incorporando múltiplas actividades que vão da consultoria de gestão, à orientação e “assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos)” em matérias de planeamento estratégico, organização, controlo, informação e gestão, reorganização de empresas, gestão financeira, gestão de recursos humanos, segurança e higiene no trabalho, objectivos e políticas de marketing, organização de eventos, protecção de dados pessoais, comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda, arrendamento e outras formas de exploração económica dos mesmos, a que acresce a exploração agrícola, turística e empresarial, de recursos naturais e produção agrícola, predominantemente vitivinícola.

Neste pequeno lençol estranhei a ausência de outras actividades lucrativas, que certamente teriam cabimento, atenta a sua rede de contactos, como empreitadas de construção civil, fiscalização de obras e apoio às autarquias na organização de excursões para reformados e claques desportivas.   

Embora a inclusão no objecto social das actividades imobiliárias ocorresse só em 2 de Abril de 2024, a pequena empresa familiar tem um historial de sucesso na sua curta existência, mostrando que sem instalações próprias (a sede é em casa do primeiro-ministro), praticamente sem trabalhadores, pagando salários modestos e começando a operar ainda com situações de alerta da Covid-19, é possível apresentar em três anos, creio, uma facturação superior a 700.000 Euros.

As explicações dadas por Luís Montenegro foram tardias, confusas e pouco esclarecedoras. As do seu líder parlamentar, que parece saber mais dos negócios familiares do que ele, e que tem uma especial apetência por asneirar em directo, ainda mais.

Em 15 de Fevereiro p.p., o jornal Observador enfatizava, de acordo com as palavras do próprio primeiro-ministro, a vertente de exploração agrícola e turística da sociedade. Na sua criação, segundo Montenegro, terá estado a ideia de incorporar na sociedade o património herdado de seus pais, e “revitalizá-lo”, o que é perfeitamente legal e legítimo. E ao mesmo tempo esclareceu que a empresa não vai comprar nem vender nada, embora se apresse a dizer, sinal de que pensou no assunto, que mesmo que o fizesse não haveria qualquer conflito de interesses. Homessa!  

Aqui surgem-me as primeiras dúvidas. As contradições são patentes: a empresa foi criada para exploração agrícola e turística e gerir o património herdado, mas até hoje, passados quatro anos, nenhum lhe foi incorporado. 

Passou, isso sim, e rapidamente a diversificar, dedicando-se, sublinha-o o Página Um, à consultadoria “altamente especializada” no âmbito da “protecção de dados pessoais (o primeiro-ministro tem uma pós-graduação em protecção de dados pessoais), onde surge como sua cliente, “por ironia do destino”, a empresa que detém o Correio da Manhã. Em vez de incorporar o património herdado e “revitalizá-lo”, a empresa dedicou-se a uma actividade muito mais rentável e com muito menor carga burocrática.

Valeu o objecto social ser tão amplo, pois sem isso não vingaria tão depressa. Não sei quem teve a ideia de aumentar o leque de actividades, acrescentando a compra e revenda de imóveis, seu arrendamento e gestão, quando as coisas já estavam a correr tão bem. Suspeito que surgiu quando a família se apercebeu do sucesso do Robles, aquele dinâmico empresário que lutava contra a especulação imobiliária e foi corrido do Bloco de Esquerda. Mas nessa altura ainda não se sabia que os empreendedores do BE também eram bons na gestão patronal de assuntos laborais, rentabilizavam a exploração da sua sede com uns negócios paralelos e já estávamos em cima da data da tomada de posse de Luís Montenegro. Há mais gente com olho para o negócio e não se podia perder tempo, não fosse alguém lembrar-se, imagine-se, de mudar a Lei dos Solos.

Se como disse Luís Montenegro a empresa “não comprou ou vendeu, nem vai comprar nem vender nada”, então qual foi o interesse na alteração do objecto social, sendo ele casado “em comunhão de bens” – geral ou de adquiridos é irrelevante para o caso – e “promovendo” essa mudança societária numa altura em que já estava a exercer funções na chefia do XXIV Governo? Isso foi uma “imprudência” da senhora educadora de infância, sua mulher, ou saiu do génio da juventude lá de casa numa noitada em redor de um tabuleiro de Monopólio?

Sabendo-se que é o seu Governo que apadrinha e aprova a alteração à Lei dos Solos (Decreto-Lei n.º 117/2024), em que medida os seus 49 prédios rústicos que não foram atempadamente incorporados na Spinumviva irão ser valorizados?

E porque será que se insiste tanto para que que os solos rústicos possam ser reclassificados em urbanos sem que primeiro se apure a inexistência de áreas urbanas disponíveis? Ou será que o primeiro-ministro desconhecia o alcance das alterações legislativas que o seu Governo aprovou? 

O senhor primeiro-ministro não se sente incomodado com nada disto, acha que é tudo normal, que é tudo coincidência? 

Também conviria esclarecer como é que no ano de maior facturação a empresa apresenta um único trabalhador a tempo inteiro e um outro em tempo parcial ao seu serviço. Quem foram esses trabalhadores, que competências possuem? Houve subcontratação de terceiros ou foi ele, Luís Montenegro, quem fez os estudos que justificaram tão elevada facturação? Se não foi ele, quem foi que fez? E quanto lhes foi pago?

O panorama é cada vez menos lustroso.

O JN titulava ontem que “Cargos políticos disparam com Costa e batem recorde com Montenegro”, aumentando quase 50% após a saída da Troika, para atingir hoje quase 26.500 pessoas no terceiro trimestre de 2024. Lá dentro vem o desenvolvimento da manchete tendo por base um estudo do Instituto Mais Liberdade. Nos seus órgãos sociais aparecem os nomes gente tão respeitável e à direita como Guimarães Pinto, Alexandre Relvas, João Miguel Tavares, Cecília Meireles, Adolfo Mesquita Nunes ou Fernando Alexandre, o seu responsável pela pasta da Educação. Estaremos perante mais uma cabala?

A avaliar pelo que Luís Montenegro disse da actuação de Hernâni Dias, tudo isto revela “o desprendimento subjacente” à decisão de alterar o objecto social da empresa familiar que constituiu e que não passará de mais uma “imprudência”.

Inaceitável, é claro, e ética e politicamente censurável.

Em especial para quem ainda não está em funções sequer há um ano e substituiu um primeiro-ministro que viu o mandato encurtado porque o número um do seu gabinete, sem que aquele soubesse, imprudentemente guardava num cofre da residência oficial de S. Bento mais de 75 mil euros em dinheiro vivo de umas contas anteriores que acertara em Angola. E Montenegro não desconhece, por outra banda, que há um outro ex-primeiro-ministro a aguardar julgamento, acusado por múltiplos crimes, e dezenas ou centenas de autarcas, ex-membros do governo e deputados do seu partido que são alvo de investigações e processos judiciais.

Tudo aquilo que os portugueses menos precisavam nesta altura era ver de novo o seu primeiro-ministro e os seus colaboradores enredados em confusões, umas vezes fugindo às explicações e de outras dando respostas atabalhoadas e pouco credíveis de cada vez que surgem potenciais focos de incêndio.

Com tudo o que prometeu e garantiu aos portugueses que iria de fazer diferente em relação aos seus antecessores, quer-me parecer que Montenegro se esqueceu rapidamente do que disse e dificilmente, se lá chegar, conseguirá fazer passar o Orçamento de 2026.

A gente sabe que o acompanhamento de jogos da Selecção Nacional de futebol a convite da GALP ou de outras empresas só passou a ser mau quando se descobriu que (também) havia uns governantes socialistas entre os contemplados; mas para quem disse em 16 de Janeiro de 2023 que "[é] importante para Portugal, para a democracia portuguesa, para a credibilidade da acção política das instituições, que se possam dissipar todas estas dúvidas, estas nuvens que hoje pairam sobre tantos políticos e que, efectivamente, não são geradores de confiança por parte dos cidadãos", Luís Montenegro, o seu PSD e as pessoas da sua confiança estão a dar uma mão cheia de maus exemplos.

Todos menos os que os portugueses esperavam receber do XXIV Governo Constitucional para conseguirem um pouco de sossego, perspectivarem a resolução dos problemas que mais os afligem, aumentarem a sua confiança nos actores políticos e nas instituições, e poderem esquecer as espertezas e golpadas de outros chicos que passaram por anteriores executivos e que, com toda a razão, foram severamente vergastados no espaço público e nas urnas.

Há quem diga, não será o meu caso, que o país está a ser governado por alguns estadistas com perfil de matumbos, ou com laivos de ruralismo, como reafirmaria o Presidente da República ao olhar para esta questão dos prédios rústicos, se pudesse e não tivesse sido antes tão criticado. Não irei tão longe.

Compreendo que qualquer pessoa mais distraída possa cometer uma imprudência. Passar um sinal vermelho e acelerar não é uma imprudência. É uma irresponsabilidade que desqualifica qualquer condutor. E pode causar danos irreparáveis a terceiros.

Por agora, escreve-se no Público desta manhã, o “preço dos solos rústicos está a subir”. Uma imobiliária “dá conta da subida de 71% dos preços médios dos terrenos rústicos, desde o início deste ano”.

Se Luís Montenegro quer dedicar-se aos negócios imobiliários pode sempre abrir uma empresa com Hêrnani Dias. Não há mal nisso. Se quer ser primeiro-ministro e líder do maior partido, então vai ter de optar. Ou dar rapidamente lugar a outro que não esteja com um olho no burro e outro no negócio quando está a tratar de assuntos de Estado.

E obviar a que o senhor Ventura se apodere do megafone.

Distraí-lo, numa altura em que o vemos assoberbado com os problemas que arranjou com aquela mão cheia de trogloditas que lhe entraram pela horta e estão a dar-lhe cabo da sementeira, seria um crime.

E pode dar, aos olhos de muitos portugueses, que cada vez têm menos paciência, castração política e empresarial. Definitiva. Depois não há transplante que o salve. Acabam-se os comícios e os ajustes directos. Para todo o sempre. Ninguém lhe perdoará. Nem os presidentes de junta. Pense nisso.

No princípio e no fim só conta a corrupção

Sérgio de Almeida Correia, 12.02.25

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Numa altura em que se multiplicam investigações e processos judiciais que colocam em causa o sistema político, o regime e os seus protagonistas, as magistraturas e as polícias, e aos quais só escapa a Presidência da República – embora em tempos não muito distantes também se tenha envolvido em múltiplas e lamentáveis polémicas –, os portugueses ficaram ontem a saber que a classificação do país no índice de percepção da corrupção elaborado pela Transparency Internacional e relativo a 2024 voltou a piorar.

Portugal tem hoje o pior resultado de sempre desde 2012 em matéria de percepção da corrupção e isto não é grave: é gravíssimo. Desde 2015 que não paramos de nos afundar. 

Porém, apesar dos múltiplos apelos de organizações da sociedade civil e de vozes isoladas que há largos anos insistem no combate a esse flagelo que destrói países, instituições e corrói as entranhas da democracia, minando a confiança dos cidadãos, destruindo os pilares da confiança política e social, os partidos políticos portugueses, os seus dirigentes, as elites políticas e empresariais em geral, para já não falar de muitos autarcas que continuam a fechar os olhos ao problema e a assobiar para o lado, continuam a não prestar a devida atenção e a não fazerem tudo o que devem para irradiar, na medida do possível, esse fenómeno.

Em vez de progredirmos, aproximando-nos dos lugares cimeiros, continuamos irremediavelmente a descer no índice de percepção da corrupção, como se um submarino à procura de estabilizar lá mais abaixo, na negritude das profundezas, de onde já não se regressa e só se sai para o caixão de um regime autocrático, puxado por um punhado de vermes apostados em devorar-nos as entranhas. 

A corrupção apresenta-se com variadas roupagens, manifesta-se de múltiplas formas, nos mais diversos ambientes, para no fim atingir sempre as mesmas vítimas, que somos nós, os que resistem, os que não se conformam, que são todos os que cumprem, e os contribuintes em geral, que acabam sempre a pagar o preço desse cancro que ninguém vê, mas todos conhecem e sabem onde ele está

Os partidos políticos e os seus dirigentes são hoje os principais responsáveis por esta situação que desprestigia Portugal e envergonha os portugueses e as suas instituições. Não há um que se safe. Um único.

O próximo Presidente da República não poderá deixar de prestar atenção ao problema da corrupção e fazer todos os esforços no sentido de ajudar a encontrar soluções que nos retirem deste lodaçal em que caiu o regime e a política interna. 

Fazer do combate à corrupção e figuras conexas – com um Governo e uma Assembleia da República que está em funções há menos de um ano, vejam lá quantas situações temos, no mínimo duvidosas e a merecerem escrutínio atento – a primeira prioridade de qualquer executivo é mais do que um dever. É uma necessidade para afirmação da nossa sobrevivência e permanência no conjunto das nações civilizadas e dos Estados de direito. 

Seria imprescindível procedermos à regeneração do sistema político, do regime político e, em especial, dos seus partidos, começando em relação a estes últimos por extinguirmos as juventudes partidárias, verdadeiras escolas de chicos-espertos e “bandidos”, ao nível das claques do futebol, de onde saíram os principais dirigentes das organizações que temos e que para chegarem onde estão tiraram proveito de esquemas manhosos e beneficiaram do controlo de sindicatos de voto corruptos, sem o que continuaremos a afundar-nos sem apelo nem agravo às mãos de gente estruturalmente desonesta, de arrivistas, de gente boçal e cafres sem carácter. 

Dissolver os partidos que temos, criar partidos de raiz, sem juventudes partidárias, que sejam capazes de sem demagogia e populismos de ocasião apresentarem propostas sérias e exequíveis de combate à corrupção e em prol da transparência, é o único caminho. Não podemos fugir daqui. Está mais do que provado que esta gente e estes partidos que nos governam têm todos os vícios, mais alguns que ainda não estão catalogados, e são irreformáveis.

O combate à corrupção não pode continuar a ser um desejo, um sonho, uma miragem. Não será certamente o único caminho para a regeneração, mas pode e deverá ser o primeiro. Tal como para a economia ou o emprego também é preciso fixar metas para o combate à corrupção e dotar o país de legislação e meios que tornem obrigatória e incontornável essa opção, blindando os partidos e as instituições, mas mantendo os alicerces do Estado de direito e da democracia.

Não podemos mudar a natureza humana, poderemos sempre mudar as organizações e os processos. Do recrutamento político aos concursos públicos, dos autarcas aos polícias e aos magistrados.  

Precisamos de outros partidos, de uma outra cultura cívica e política, precisamos de outra gente. Precisamos de um país onde seja possível fazer o que a revolução de Abril não conseguiu. Temos de construir um país em que a sua classe política, os seus dirigentes e os seus empresários se afirmem pelos valores, pelo mérito, pelo trabalho, pelo respeito convicto pela legalidade, coisa que hoje não acontece com muitos dos exemplos que nos chegam, e não pela chico-espertice e pelos esquemas trabalhados nas “jotas” e pelas chamadas “universidades de Verão”, verdadeiras escolas de formação de rufias diplomados que aos poucos penetraram todo o tecido político-social, espalhando a sua viscosidade pelas sedes e secções partidárias, escolas e universidades, inundando empresas e autarquias, investindo na administração pública e expondo o governo central, os tribunais, o desporto, as igrejas e os sindicatos à voragem dos mais afoitos, dos menos escrupulosos, dando gás ao populismo, colocando-nos à mercê dos tenebrosos aparelhos partidários e dos verdadeiros gangues organizados que medram à sua sombra e se incrustaram nas suas fundações.  

Sem que seja restaurada a confiança nas instituições e nos partidos políticos não haverá democracia digna desse nome que sobreviva. Estaremos condenados a afundar-nos ano após ano em todos os índices de percepção da corrupção, apoucando a nossa auto-estima, o nosso sentido de comunidade, a nossa afirmação nacional e hipotecando as perspectivas de futuro. 

O primeiro-ministro, os líderes dos partidos da oposição deviam ter vergonha. E pedir desculpa aos portugueses pela sua inépcia. Desde 2015 que Portugal continua a cair. Estamos a bater no fundo.

Será que não vêem isso? O que é que ainda não perceberam? Vamos continuar a tirar selfies, a fazer arruadas e a percorrer o circuito da carne assada de norte a sul do país? Uma latrina malcheirosa com vista para o mar não deixa de ser uma latrina. Em que país querem viver? Querem continuar a assoar-se na gravata enquanto borrifam uns pingos de água-de-colónia e comem uma sardinhas ao sol de Maio? 

Há que ter coragem. Há que afirmar um movimento nacional, um partido que faça da sua primeira bandeira o combate à corrupção. 

Temos de nos livrar dos eunucos deslavados e medíocres paridos pelas juventudes partidárias, dos viderinhos, beatos, pastores, virgens e laparotos que nos trouxeram até este buraco. Portugal precisa de partidos democráticos limpos, de gente decente, normal e sem cadastro, de gente que seja capaz de olhar em frente, de cortar a direito, que se comprometa a colocar o país no top 3 dos países onde é mais baixo o índice de percepção da corrupção. 

Esta seria uma meta exequível. E em relação à qual todos os portugueses poderiam sentir no seu quotidiano os resultados. Por algum lado há que começar. Amanhã já será tarde. Mostrem que estão vivos, mostrem que existem. E que não vegetam em democracia. Mexam-se.

Acordem, porra!

Todos chumbados e era pouco

Sérgio de Almeida Correia, 06.02.25

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Há dias deixei aqui uma reflexão sobre as razões para uma recente sondagem colocar um, por agora, putativo candidato à Presidência da República em posição de vencer as eleições presidenciais de Janeiro próximo.

Ontem, uma outra sondagem para o barómetro DN/Aximage e o debate parlamentar, com a presença do primeiro-ministro Luís Montenegro, confirmaram essa ideia que tenho e reforçou-me a convicção de que o almirante Gouveia e Melo, salvo qualquer surpresa de última hora e para mal dos meus pecados, levará a palma aos candidatos que já se apresentaram.

A sondagem do DN/Aximage, revelada num artigo de Bernardo Ralha com um título porventura enganador – “Governo continua a ter nota menos má do que uma Oposição que tem dois líderes" – preocupa-se em destacar aspectos laterais do resultado obtido, deixando na sombra aquele que é o resultado que verdadeiramente importa sublinhar.

Importante, ao contrário do que refere o articulista ao escolher o título em questão, não é saber se a nota do Governo é “menos má” do que a da Oposição, ou se esta tem dois líderes, porque na verdade chegámos a um ponto em que nenhum português com um mínimo de senso, sentido da realidade e preocupação com o futuro da democracia e do país dá uma esmola para esse peditório. De certo modo, isso também é revelador do desfasamento da agenda mediática em relação à realidade.

O que aquela sondagem nos diz, ignorando os que nada dizem ou não respondem, é que em relação à actuação do Governo actual são mais os que consideram mau e muito mau (34% + 13% = 47%) o seu desempenho do que os que o consideram bom e muito bom (41% + 4% = 45%).

E em relação à Oposição esses mesmos portugueses consideraram que a sua prestação é, digo eu, um verdadeiro desastre, visto que somente 34% a consideraram muito boa (3%) e boa (31%), sendo 55% os que a consideram má (44%) e muito má (11%).

Estes números deveriam fazer reflectir os partidos políticos e as pessoas que têm responsabilidades em Portugal. Qualquer candidato à Presidência da República não poderá deixar de olhar para isto.

Sondagem após sondagem os portugueses entendem que tanto o Governo como a Oposição são maus ou muito maus, que é como quem diz, absolutamente ineptos para as funções que desempenham, reafirmando aquilo que Medina Carreira já dizia e eu não me cansarei de reafirmar: esta gente não presta.

E ou os portugueses arranjam outros ou o destino deste país e da sua democracia estarão traçados e à mercê de qualquer surripiador de malas ou gangue autárquico com capacidade de organização.

Se juntarmos a esta sondagem da manhã o pornográfico debate parlamentar da tarde, a que muitos terão assistido sem saber o que pensar daquele nível de discussão, do estilo e tom que lhe foram emprestados e, em particular, da linguagem de carroceiro a que muitos recorrem e de que as sumidades do Chega e o deputado Ventura são os indiscutíveis campeões, perceber-se-á a razão para as sondagens apresentarem tais resultados.

E essa má impressão de quem governa e de quem interpela reflecte-se depois no processo Tutti Fruit, com dezenas de envolvidos e afins, cuja simples existência – não porque não devam existir – só por si constitui vergonha para as instituições e os portugueses. Igualmente nas acções de justicialismo mediático de uma certa magistratura que também gostava de poder governar, nos gangues que por aí proliferam nas mais variadas áreas de “empreendedorismo” e a que nem os desgraçados dos imigrantes escapam quando se trata de obter testados em juntas de freguesia, no que parecem ser procedimentos corriqueiros em autarquias de norte a sul, num saque permanente e de dimensões descomunais, de tal forma que há quem ache normal que um ex-secretário de Estado, em tempo integral e trabalhando em exclusividade, para além do tempo que demorou a demitir-se – quando se impunha que tivesse sido imediatamente demitido por quem tinham autoridade sobre ele –, poucos meses volvidos sobre a data da sua tomada de posse, tenha cabeça e tempo para pensar e constituir sociedades comerciais, independentemente do respectivo escopo e das áreas em que pretende actuar, num momento em que se devia dedicar de corpo e alma à acção governativa, a pensar e a resolver os problemas da área que lhe coube em sorte, e deixar as suas aventuras empresariais para quando saísse do Governo e da política activa.

Como se o problema do mau funcionamento do Estado e dos partidos políticos e o miserável recrutamento das “elites”, aliás amplamente espelhado nas múltiplas escutas telefónicas que clinicamente chegam às páginas dos jornais, às televisões, carregadas de cortes devido ao rico palavreado dos senhores deputados e ministros, e à Internet se resumisse a meros problemas de legalidade. Ou aos milhares de horas que os motoristas da Assembleia da República "faziam" aos sábados sem que ninguém desse por nada. Antes fosse.

Não sei quantos mais candidatos irão aparecer para as presidenciais. Os que aí estão não oferecem a mínima confiança. Facto agravado pela crise de credibilidade dos partidos e respectivas lideranças, cujo patrocínio a qualquer candidatura presidencial não é garantia de seriedade. Ainda recentemente se viu com as acusações que recaíram sobre um antigo dirigente e ex-candidato presidencial dos impolutos liberais, que acabou expulso do partido que o queria para nosso Presidente da República, enredado na justiça por falsificação de documentos numa autarquia. Grotesco.

É por isso que em momentos destes, e eu nunca pensei ter de vir a dizê-lo meio século dobrado sobre o 25 de Abril, é preciso olhar para o exemplo de homens como Ramalho Eanes – o PRD foi outra coisa – que com mais de 90 anos continua a dar-nos lições de cidadania, empenhamento cívico, lealdade a Portugal e aos portugueses e, acima de tudo, independentemente das respectivas convicções e erros de julgamento que como qualquer um terá cometido, de seriedade, boa-fé, elevação, nobreza de carácter, dignidade, desprendimento material na hora de servir e capacidade de resistir à errância, à frivolidade, à miséria moral, ao espectáculo mediático.

E não foi por ser um militar. Militares há muitos. E alguns que conheci uns farsantes e uns estafermos sem vergonha nem amor à farda.

Foi por ser um homem sério, que quando se está no Governo ou na Presidência não se está lá para “tratar da vida”, não se anda a constituir sociedades, a comprar e a vender acções, a investir em projectos imobiliários com os amigos, a constituir fundações com dinheiro público, a recorrer a fundos e subvenções por interpostas pessoas ou a ajudar a família, os conterrâneos, os colegas de escola, os amigos de infância e os amigalhaços de ocasião a singrar na vida.

E foi também por ter percebido que a política é uma actividade demasiado importante para ser confiada a arrivistas, a gente destituída de ética, moral ou carácter, a vigaristas diplomados, excursionistas da política, agilizadores de negócios, feirantes misericordiosos ou a videirinhos com os bolsos carregados de cromos dos três pastorinhos à procura do melhor ângulo para a foto e os saltinhos que os portugueses lhe ficarão sempre a dever.

Podemos ter muitos magos na bola, em muitas áreas da ciência e do conhecimento, da cultura, mas do que precisávamos mesmo neste hora era de um Eanes. De um Eanes na política. De um Eanes em Belém.

Se possível de muitos, com estaleca. Dentro dos partidos, metendo a canalha na ordem, correndo com o lúmpen das empresas, das autarquias, das escolas, dos campos, das universidades, das indústrias.

Precisávamos de gente como Eanes, com apego à democracia e às instituições, com ética de trabalho, serviço e respeito para com os outros. De gente séria, de gente que prestasse para alguma coisa e ajudasse a criar algo de útil e com futuro. De gente que, como ele, pudesse servir de exemplo e estímulo. Ou deixasse na sombra os miseráveis.

Lamento hoje, mais do que nunca, que tenhamos perdido duas gerações, estourando milhões a construir estádios e a produzir Cristinas, para as televisões e os partidos, desprezando o sangue, o suor e as lágrimas de tantos que nos precederam sem que tivéssemos sido capazes de produzir, não digo muitos, pelo menos uma meia-dúzia de pessoas capazes para a política com a estatura cívica e moral de um Ramalho Eanes. Um que fosse, militar ou civil, para sair da mediocridade e do anonimato e se apresentar às presidenciais de 2026.

Creio que até nisso os deuses nos estão a obrigar a pagar o preço do infortúnio. Da romaria, da Maria que foi com as outras. Pela medida grande. Crucificados diariamente numa espécie de Portugal dos pequeninos. Com os anões que temos a zelarem por nós. Mas sempre prontos para irem aos figos, às cavalitas uns dos outros, e fazerem justiça na hora dos dividendos.

Só me apetece dizer um palavrão. Dos grandes. Para ser ouvido no Além. E indignar os deuses. Espero que os leitores me desculpem.

Isto anda tudo ligado

Sérgio de Almeida Correia, 25.10.24

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E ciclicamente lá chega mais um caso às páginas da imprensa. Ontem foi Isaltino Morais, hoje é o inefável Miguel Pinto Luz. Amanhã será outro autarca ou governante qualquer.

Sobre os usos e abusos dos dinheiros públicos por parte de mais um ex-autarca e actual membro do Governo, a pagar os linguados, os robalos e a vinhaça nos melhores restaurantes aos amigalhaços e correligionários políticos, aos empresários dos "ajustes directos", a consultores de imagem, jornalistas e investidores anónimos que nunca ninguém sabe se chegaram a investir, nem onde nem quando, nem que benefícios os contribuintes viriam a retirar desses convívios, remeto-vos para a investigação das páginas da revista Sábado e a reportagem publicada na edição desta semana, cujo texto assinado pelo jornalista Marco Alves volta a destacar a inadmissibilidade de alguns comportamentos de titulares de cargos políticos. Comportamentos transversais, de uma forma ou de outra, a todo o espectro político. 

O destaque aqui vai inteirinho, em primeiro lugar, para a argumentação da Câmara Municipal de Cascais para fugir à prestação das informações e de documentos (facturas de despesas do fundo de maneio e acesso a extractos de cartões bancários usados por “Suas Excelências”) relativamente a essa investigação.

Recusar a prestação de documentos e informações alegando “impacto nas rotinas”, perturbação ao “regular funcionamento dos serviços (...) para dar cumprimento a um pedido quase abstracto” para acabar depois no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra a dizer que “não constitui interesse público manifesto e relevante a informação sobre com quem é que os membros do executivo almoçam” e que esses gastos realizados com dinheiro público deviam ser entendidos como reserva da intimidade da vida privada e mereciam protecção constitucional para não ofenderem os limites impostos pela boa-fé e os bons costumes, revela bem o entendimento que esta malta tem da forma como devem ser exercidas funções públicas e de qual o escrutínio a que consideram não dever estar sujeitos.

À argumentação da autarquia de Cascais, digna de um cabo de esquadra, respondeu a decisão judicial referindo desconhecer “quaisquer bons costumes que digam respeito ao número de documentos que se mostra aceitável requerer à administração pública” e que almoços nos exercício de funções públicas e pagos com dinheiros públicos não se inseriam, evidentemente, na esfera íntima e privada dos senhores autarcas.

A este propósito vale ainda a pena ler o editorial do director da revista onde se revela que Miguel Pinto Luz deixou de entregar aos serviços da autarquia as facturas dos seus repastos a expensas da Câmara Municipal de Cascais com os seus amigos políticos após ser publicada, no ano passado, a reportagem sobre as preferências gastronómicas de Isaltino Morais. Atitude infantil e reveladora de que o actual ministro sabia perfeitamente o que estava a fazer e que tal seria censurável. De outro modo não teria mudado de atitude. Percebeu que mais dia menos dia poderia vir a ser apanhado. E foi. Não se tratou de um simples problema de ingenuidade, ignorância ou diferente interpretação de normas legais, mas uma atitude consciente de abuso a coberto da falta de transparência e de escrutínio público.

Como bem diz Nuno Cunha Rolo, na entrevista que na mesma revista dá sobre essa concepção de “bons costumes” do(s) autarca(s) de Cascais, “não há gestão autárquica privada”, menos ainda quando subsidiada pelo dinheiro dos contribuintes, e que as escolhas que estes responsáveis políticos fazem acabam por reflectir “a qualidade ética e confiável da sua gestão”.

É claro que depois, quando vão a ministros, transportam consigo pela vida fora esse sentimento geral de impunidade.

Que cultivado desde os tempos em que andaram pelas autarquias e empresas delas dependentes, ao jeito de coutadas privadas, de onde ascenderam por um bambúrrio e múltiplas manobras de bastidores, aprendidas nessas associações organizadas de formação de demagogos, populistas e irresponsáveis que são as juventudes partidárias, os guiará até aos mais altos cargos do Estado, assim se assegurando que os melhores trapezistas, não sendo os mais bem preparados e habilitados para o exercício de funções públicas, as exercerão com o maior desprezo pelo escrutínio público, em mais um sinal profundo do grau de degenerescência ética e moral atingido pelas nossas elites.

Não sei como, nem quando, será possível sairmos deste tugúrio onde nos abrigamos e melhor ou pior, mais ou menos passivamente, vamos convivendo com a mediocridade. Eu convivo muito mal.

Mas ao contrário do que diz a grande Lídia Jorge, na excelente entrevista ao El Pais, publicada em 12 de Outubro pp., e que a Sábado noutra secção também sublinha, nós não criámos uma democracia que permitisse a corrupção ou fomentasse o nepotismo.

Nós permitimos sim que a nossa democracia, exactamente porque as elites que havia envelheceram, fracassaram e se desinteressaram pela formação de uma nova, se deixasse perverter, condescendendo com a banalização da corrupção, do nepotismo e as más práticas, constantemente fechando os olhos e fomentando modelos de sucesso cimentados na esperteza, na ignorância, no culto da frivolidade, que depois alastraram à magistratura, à banca e à classe empresarial, tudo impregnado numa política de robalos, de tacos de golfe, de convites e bilhetes para jogos de futebol, numa multiplicidade de oferendas e prebendas que se perdem no laxismo ético e moral da classe política.

E essa condescendência, essa perversão de valores e de princípios, esse abandalhamento daquilo que é básico e essencial ao futuro de qualquer nação, à defesa da democracia e do Estado de Direito e à formação de novas elites, é o que transparece até no discurso dessa referência senatorial da nossa democracia que é um Marques Mendes, quando a propósito dos hábitos feudais do ministro Pinto Luz na autarquia de Cascais, esclarece o jornalista, desvalorizando esse tipo de comportamentos em jeito de gracejo, ao afirmar que “se só aparece essa factura é porque fui eu que paguei os outros almoços”.

Como se isso desse vontade de rir. E como se a promoção desses almoços de convívio entre amigos e políticos, do partido dele e de “outros quadrantes”, ainda que fosse apenas um, enquanto titulares de cargos políticos e pagos com dinheiros públicos, para se discutirem listas, prepararem congressos ou se gizarem estratégias políticas, empresariais e/ou eleitorais, devessem ser considerados e aceites como banais e até desejáveis.

Sim, porque não consta que de cada vez que um munícipe de Cascais tem um problema para resolver, o vice-presidente da autarquia ou o vereador com o pelouro o convidem para almoçar no Visconde da Luz ou n’ O Pescador para se inteirarem do problema do esgoto em S. Domingos de Rana, da licença que nunca mais é emitida ou do buraco não sinalizado no pavimento da Estrada da Torre que dá cabo das jantes e arrumou com a suspensão de uns quantos carros. Embora estes últimos até pudessem ser considerados mais de trabalho do que aqueles que Pinto Luz partilhou com Sebastião Bugalho, o que agora é militante do PSD e deputado europeu, com Moita de Deus ou Marques Lopes.

E não, não se trata de um qualquer problema decorrente de uma visão miserabilista destas coisas. Ou de não se perceber em que medida esse tipo de atitudes, e o seu culto, visto como sendo um padrão aceitável, é prejudicial à imagem da política e dos políticos, esquecendo-se que por aí também se impulsionam, à mais leve faísca, como ultimamente se tem visto, comportamentos vandalizadores e desafiadores da autoridade do Estado e das instituições entre sectores mais desfavorecidos, dos quais se aproveitam uns quantos gandulos que a nossa sociedade deixou que proliferassem e se reproduzissem sem eira nem beira.

Desconheço se esta gente terá a noção do desprestígio que tudo isto acarreta para a democracia, para os partidos e as instituições do Estado. E de como isso é ofensivo para a generalidade dos cidadãos que trabalha e educa os seus filhos procurando transmitir-lhes o melhor e esperando que um dia sejam cidadãos bem formados, trabalhadores e interessados. Admito mesmo que nunca deverão ter tido tempo para pensar nisso, olhando para tal como questões menores que não dão dinheiro nem enchem os sentidos. Nalguns casos, a apreciar pela voracidade, será mais o bandulho.

O que conheço e sei de muitos destes parolos é que quando se trata de serem eles a pagar a conta do seu próprio bolso começam logo por dizer aos outros que se pode dispensar o couvert,  e estão sempre a iniciar dietas, ou com problemas de falta de apetite, e no final ficam à espera para ver se alguém se chega à frente porque só comeram um queijinho fresco e umas pataniscas.

Existe uma percepção errada, e pelo que se vê e ouve aceite como normal, do que deva ser a utilização das verbas de representação e de cartões de crédito facultados aos titulares de determinados cargos públicos. Como antes havia em relação às viagens. Quem não se recorda das negociatas de deputados com agências de viagens. Procedimento extensivo a membros de diversos governos.

Escasseiam hoje exemplos de servidores públicos que dêem nota de contenção, frugalidade e bom senso no uso que é feito das facilidades inerentes aos cargos políticos. Quase que existe uma convicção generalizada de que se há um limite até X no cartão de crédito pago pela autarquia é preciso gastá-lo, ainda que em finalidades diferentes das que estiveram na base da sua atribuição pelo legislador, apenas porque é possível fazê-lo sem dar nas vistas, cultivando figura de abastado e benemérito, ou porque não serão os subordinados que irão fazer o escrutínio, mesmo que depois o comentem por portas travessas.

Bem pelo contrário. O que vemos em abundância são membros do Governo, autarcas, dirigentes dos partidos políticos, em especial dos estruturantes da nossa democracia, dando os piores exemplos. O caso de Pinto Luz, como antes o de Isaltino Morais, como há dias, noutra vertente, os protagonizados pelo “cantinflas” que faz de chefe da diplomacia, perante chefes militares, e pelo “fedayin” que hoje dirige o PS, em relação à imposição de uma nova lei da rolha aos militantes do partido do senhor Carlos César, a juntar a tantos outros que são motivo de chacota, vergonha e revolta entre tantos dos nossos compatriotas, que olham para a política como uma actividade para chicos-espertos e videirinhos, ultrapassam os limites da mais surreal das imaginações.

Mas é o que temos. E dos outros, dos pirómanos, é melhor nem falar. 

Em que condições chegaremos a Março?

Sérgio de Almeida Correia, 13.11.23

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(créditos: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República)

Sobre o espectáculo de feira que tem vindo a ser dado nos últimos dias pelos principais protagonistas do regime não valerá a pena perder tempo. Qualquer observador, nacional ou estrangeiro, facilmente percebe que o grau de corrosão das instituições ameaça ruína e é incompatível com uma actuação séria, responsável e credível. E o que se pode dizer relativamente à acção do primeiro-ministro demissionário aplica-se à oposição, ao Presidente da República, ao Ministério Público. Por aí, quem quiser que se dedique a escarafunchar na lama.

Preocupa-me bem mais perceber em que estado este Governo, o Presidente da República e a Assembleia da República chegarão a 10 de Março.

Reis Novais, António Barreto e mais alguns, incluindo aqui neste blogue o Luís Menezes Leitão, chamaram a atenção para os atropelos à Constituição e o exercício de contorcionismo que o PR se propôs fazer, como se fosse política, jurídica e eticamente aceitável que o principal garante do cumprimento da máxima lei do país se satisfizesse com a esperteza da sucessão de formalidades desfasadas no tempo e em claríssima violação das regras de funcionamento do sistema jurídico-político-constitucional, numa tentativa espúria de redenção de um regime que tem sido tão mal tratado pelos partidos políticos.

Lobo Xavier, numa intervenção que me pareceu bastante equilibrada para o que aconteceu, manifestou a sua perplexidade e tristeza pelo que António Costa foi dizer para aquela inenarrável intervenção na sequência da sua demissão, no que aqui o acompanho, atribuindo eu mais esse inexplicável deslize, admitamos que sim, ao desnorte do momento e à sua impulsividade, que tem sido tão má companheira quanto o aconselhamento e apoio que lhe tem sido dado nos últimos dias pela sua entourage.

Que António Costa se rodeou, voluntariamente, de gente do pior e do mais medíocre que o PS pariu nas últimas décadas, e de mais alguns habituados a passarem entre os pingos da chuva sem qualquer vergonha, depois de terem contribuído para a desgraça que conduziu à actual situação de Macau, ao mesmo tempo que enchiam os bolsos, escovavam os fatos e engraxavam os sapatos de um governador sem ponta de vergonha, era um dado adquirido há muito tempo. Que não fosse capaz de perceber os problemas que isso lhe iria causar, assim como ao partido e ao país, já me suscitava dúvidas sobre se seria uma questão de simples temeridade política ou se de inconsciência e confiança nalgum vidente próximo.

O que eu não estava de todo à espera era que o constitucionalista que neste momento exerce funções em Belém fosse capaz de engendrar uma situação que não resolvendo coisa alguma contribuirá para uma ainda maior confusão a partir de 10 de Março.

Fico, aliás, sem perceber, que diferença faz aceitar a demissão do PM e mantê-lo em funções durante mais umas semanas, como se estivesse na plenitude daquelas, e só publicar o diploma correspondente que formalizará e regularizará a situação de exoneração no final de Novembro, ainda que com referência a 7 de Novembro, como referiu Reis Novais, em vez de publicar esse mesmo diploma daqui a dois anos, o que seria mais benéfico, na perspectiva da sua argumentação, se levada a sério (o que para mim se afigura cada vez mais impossível, tal como os comunicados e algumas promoções do Ministério Público que parecem copiar o estilo e os argumentos da "jornalista do lítio"); com o que, ademais, iria ao encontro das expectativas de muitos portugueses que na sua boa fé ainda confiavam nas capacidades de António Costa, apesar de tudo, e num governo de maioria absoluta até ao final da legislatura, assim dando mais tempo e estabilidade ao galambismo para despachar todos os assuntos que tem entre mãos. As condições em que este Governo chegará a Março de 2024 não seriam certamente diferentes daquelas que previsivelmente teria se visse o seu mandato estendido por mais dois anos.

Parafraseando Barreto, tratava-se tão só de prolongar este "extraordinário período de terra de ninguém e de tempo de todos" e continuar a adiar a publicação do diploma de exoneração no Diário da República. Estaríamos assim, repescando a lição de Gomes Canotilho e Vital Moreira, numa espécie de 3.º período "plus" do ciclo normal de vida do Governo, à semelhança do que acontece com as classes de algumas companhias aéreas: ou seja, até que fosse publicado o diploma de exoneração estaríamos com um Governo demissionário com poderes limitados "plus".    

Não que eu defenda esta solução, longe de mim, que teria tanto de irracional, ilógica e fraudulenta quanto teve a semana passada a proposta de uns iluminados socialistas de se reeditar um governo do tipo Santana Lopes com o mesmo argumento que antes se considerou inaceitável aquando da fuga de Durão Barroso. Não; somente quero enfatizar a desvergonha de tudo isto, a desfaçatez com que se fazem propostas destas, como se as pessoas não tivessem memória e os figurões não fossem os mesmos há um ror de anos.

Dir-se-ia que em Belém e em S. Bento há muito tempo que se deixou de pensar, se passou a decidir à flor da pele, com toda a sorte de malabarismos, trapalhadas e cambalhotas, conduzidas por "animais ferozes" que não medem as palavras nem o alcance dos seus actos, sem que se meçam as consequências institucionais e políticas a médio e longo prazo, numa espécie de país do faz-de-conta que importa preservar a qualquer preço enquanto não deixarem a governação nas mãos de juízes, de procuradores e de arrumadores de automóveis capitaneados pelo senhor Ventura. Se é esse o objectivo estão quase lá. 

O governador insensato

Sérgio de Almeida Correia, 18.11.22

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Por mais que tente não consigo perceber as razões para que um indivíduo como Carlos Costa, um burocrata competente, sem que isto queira dizer que cumpriu sempre bem o seu papel, e que para todos os efeitos serviu o país, em pleno período de reforma, em vez de aproveitar o tempo para estar com a família e os amigos, gozar os rendimentos, passear, ler bons livros, ver melhor teatro e cinema, visitar museus, instruir-se, resolva fazer um livro a meias para, pretensamente, apresentar as suas memórias.

Depois de tudo o que aconteceu, das suas exibições no parlamento, do que disse ao que fez e ao que não fez e devia ter feito, o bom senso recomendaria que procurasse ser o mais discreto possível, antes que a borrasca chegasse e os vidros começassem a estalar. 

Podem chamar-lhe um livro de memórias, autobiografia, ou outra coisa qualquer. Para o caso é absolutamente indiferente. Porque na verdade não se trata de nenhum livro de memórias. E é pena. Com o que terá visto e aprendido ao longo da vida, com a sua experiência e pelos lugares por onde andou, o senhor governador podia, e devia, ter apresentado algo muito melhor. Ou ter ficado quieto, que teria sido o mais recomendável, a ver se os portugueses se esqueciam dele e eram poupados ao que apresentou.

Trata-se, efectivamente, de uma tentativa de composição e aperfeiçoamento da sua imagem e de um claro ajuste de contas para a posteridade. Pena que não lhe tivesse saído bem. Não é, pois, um livro de memórias. Que ninguém vá ao engano.

A minha opinião vale o que vale, mas a gravidade e a desfaçatez do que ali se registou é de pasmar.

No capítulo 5 (A passagem pela Caixa e o regresso à Europa), a propósito do seu tempo na Caixa Geral de Depósitos, que continua a ser uma referência do que não devia ser, a dada altura escreve-se o seguinte:

"Macau foi outra conversa. A CGD detinha o Banco Nacional Ultramarino (BNU) que, por via do acordo de regresso do território de Macau à soberania chinesa, se mantinha como um banco emissor de moeda — um fator de grande importância nas relações de Portugal com a China desde 1901. Sendo Carlos Costa o presidente do Conselho de Administração do BNU, era a sua assinatura que aparecia nas notas da pataca macaense. Costa vai dar grande importância a Macau, por ver aí uma possibilidade de explorar o importantíssimo mercado chinês devido ao prestígio do BNU na comunidade macaense. Por seu impulso, a CGD abre um escritório de representação na praça financeira de Xangai. Queria ir mais longe, mas recebeu um conselho para não o fazer.

«Recordo-me de que na altura um importante empresário, cliente do BNU Macau, que fazia parte do Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês [76] e da Assembleia Popular Nacional da China[77]), me disse: “Tenho uma grande dívida de gratidão para com o BNU/CGD que acreditou e financiou a minha família em tempos muito difíceis e considero desejável a expansão da presença do BNU na China. Mas ainda não estão criadas as condições para a CGD ir para Pequim porque a capital sofre de vários problemas: corrupção, especulação imobiliária, penetração nos meios suburbanos do narcotráfico alimentado por redes oriundas de um país vizinho e problemas ambientais, a que acresce um sistema jurídico pouco seguro.” Depois de cuidada ponderação das informações recolhidas, optou-se por uma entrada gradual e foi solicitada autorização para a abertura de um escritório de representação em Xangai, que foi inaugurado em 2006. [78]»

Carlos Costa nunca o confirmou, mas o empresário em questão será o atual chefe do Governo de Macau, Ho Iat-seng (também conhecido como Ho Teng-iat), que na altura era o CEO do grupo industrial Ho Tin. Posteriormente, problemas diagnosticados por aquele importante dirigente chinês, nomeadamente a corrupção e o crescente tráfico de droga nas grandes cidades, começaram a ser duramente combatidos pela liderança do presidente Xi Jinping.»"

Depois, nas notas finais do capítulo, escreveu-se o seguinte:

"76 O Partido Comunista Chinês tem três órgãos centrais de decisão que podem ser hierarquizados da seguinte forma: o Comité Permanente do Politburo Central (7 membros), o Politburo (25 membros) e o Comité Central (376). O Comité Permanente é o órgão mais poderoso do Partido Comunista Chinês.

77 Também conhecido por Congresso Nacional do Povo. É a sede do poder legislativo da República Popular da China e os seus membros são designados pelo Partido Comunista Chinês.

78 Entrevista a Carlos Costa, 22 de julho de 2020."

Quando li esta passagem e as notas citadas fiquei logo elucidado sobre o grau de rigor do livro. Numa obra com a importância que lhe foi atribuída pelo autor, pela comunicação social e por antigos governantes, fiquei pasmado com a falta de rigor e a dimensão das asneiras. Não admira que a sua gestão no Banco de Portugal tivesse, e continue a dar, o brado que deu. Se o rigor do livro foi o mesmo que utilizou na gestão do Banco de Portugal ficamos todos esclarecidos.

Acontece, que eu saiba, que nenhum empresário de Macau, até hoje, fez parte do Comité Permanente do Politburo do Partido Comunista Chinês, que é só o órgão mais importante do Partido e do próprio Estado chinês atenta a submissão deste e da própria Constituição chinesa ao PCC. Em 2005, na sequência do 16.º Congresso do PCC, era composto por nove membros (Hu Jintao, Wu Bangguo, Wen Jiabao, Jia Qinglin, Zeng Qinghong, Huang Ju, que faleceu no decurso do mandato, em 2007, Wu Guanzheng, Li Changchun e Luo Gan), e nenhum deles se chamava Ho Iat Seng ou era de Macau.

O actual Chefe do Executivo nunca teve estatuto para fazer parte desse órgão. E se lá estivesse estado e depois se tornasse Chefe do Executivo de Macau, isso corresponderia a uma grande despromoção. Ninguém esclareceu o dr. Carlos Costa e o autor do livro sobre estes detalhes

Também não passaria pela cabeça de ninguém, embora tivesse passado pela do "biografado" e pela do autor do livro, que um membro do Comité Permanente do Politburo do PCC andasse "à conversa" com Carlos Costa, sabe-se lá em que língua e em que circunstâncias (no Clube Militar, entre croquetes?; numa sauna?), dando-lhe conselhos sobre quando e onde abrir sucursais, filiais ou eventualmente escritórios de representação do BNU na China.    

Ainda menos que esse membro da Comissão Permanente do Politburo do PCC lhe confidenciasse que o BNU não devia abrir nenhum escritório em Pequim porque "a capital sofre de vários problemas: corrupção, especulação imobiliária, penetração nos meios suburbanos do narcotráfico alimentado por redes oriundas de um país vizinho e problemas ambientais, a que acresce um sistema jurídico pouco seguro."

É claro que, logo a seguir, em 2006, o BNU foi abrir um escritório em Xangai, onde não havia corrupção, nem especulação imobiliária, nem narcotráfico, e, presume-se, o sistema jurídico seria muito mais seguro do que em Pequim.

Há mais coisas, embora não seja aconselhável continuar. O tempo de quem lê é precioso e é preciso respeitar quem vem a este blogue dar-se ao trabalho de me ler.

Em todo o caso, por aquela parte já se percebe que o grau de pesporrência, delírio e ignorância do senhor governador sobre algumas matérias está ao nível de um antigo primeiro-ministro a quem ele também se refere, e a falta de conhecimento do autor do livro sobre o PCC, sobre o qual se permitiu escrever, "esclarecer" e publicar, dizem tudo sobre a qualidade da "obra" que o dr. Marques Mendes (uma sumidade com elevado grau de coerência nas suas análises ao longo dos anos) apresentou, tecendo os maiores encómios, e a cujo lançamento antigos primeiros-ministros e um ex-Presidente da República se deram ao trabalho de assistir. 

Não sei o que o Governo de Macau e a RPC irão dizer sobre as revelações do senhor governador em relação a um governante estrangeiro em funções. Ou o que pensarão o MNE e o embaixador de Portugal na RPC sobre isto. Nada disso é da minha conta, embora me pareça bem que todos leiam as "memórias" do senhor governador. Não acreditem é em tudo o que lerem.

Quanto ao mais, toda aquela gente que é visada que se queixe da sua falta de senso. Que tristeza. Pobre país.

[Dizem-me que foram dois, não apenas um ex-PR que lá esteve. Ainda pior.]  

Advogado é como marido enganado

Sérgio de Almeida Correia, 31.07.21

A decisão já foi proferida. O Dr. Jorge Menezes é o advogado. Ou era.

Os recursos foram todos redigidos por ele, em português, mas o ilustre causídico será o último a ler a sua fundamentação. Também, em boa verdade, não precisa de a conhecer porque do Tribunal de Última Instância não há recurso (a Relação de Goa já foi extinta há alguns anos e em Pequim não aceitam recursos em português).

A Lei Básica tem uma versão em "português língua oficial" para os que não acompanham o que por aqui se passa, naturalmente. Pois que de acordo com o que dela consta as "políticas fundamentais que o Estado aplica em relação a Macau são as já expostas pelo Governo Chinês na Declaração Conjunta Sino-Portuguesa." 

Todavia, só após o XIX Congresso do Partido Comunista Chinês é que as coisas mudaram. Ainda levou alguns anos, mas felizmente mudaram. Para muito melhor.

Eu aproveito para pedir desculpa à Televisão de Macau (TDM) e ao Gilberto Lopes por aquilo que há três anos disse no programa televisivo Contraponto. Hoje estou sinceramente arrependido.

Agora já temos em toda a sua plenitude a aplicação ao nível judiciário do sistema e da política socialistas (cfr. art. 5.º da Lei Básica).

Se souber apenas ler português, como é o caso do camarada Jerónimo de Sousa, dos leitores do jornal Avante, dos deputados José Cesário e Sérgio Sousa Pinto e do Presidente da República, tem aqui acesso à decisão integral.

Se não souber, como é o caso do ministro Augusto Santos Silva, tem aqui o resumo em língua estrangeira, antes do Senhor Embaixador de Portugal pedir uma versão em "economês prático" à Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa:

O Tribunal de Última Instância julgou improcedentes os recursos eleitorais interpostos pelos mandatários de três listas de candidatura.
O mandatário da lista de candidatura “Associação do Novo Progresso de Macau”, Chan Lok Kei, o mandatário da lista de candidatura “Associação do Progresso de Novo Macau”, Chan Wai Chi, e o mandatário da lista de candidatura “Associação de Próspero Macau Democrático”, Chiang Meng Hin, todos candidatos às eleições para a sétima Assembleia Legislativa da RAEM, apresentaram reclamação para a CAEAL, da decisão tomada por esta, no sentido de considerá-los como inelegíveis com fundamento em que eles não defendem a Lei Básica da RAEM da RPC e que são infiéis à RAEM da RPC. Tendo apreciado as reclamações, a CAEAL tomou deliberação em 20 de Julho de 2021, indeferindo as reclamações apresentadas, mantendo a decisão de recusar as listas de candidatura “Associação do Novo Progresso de Macau”, “Associação do Progresso de Novo Macau”, e “Associação de Próspero Macau Democrático”. Chan Lok Kei, Chan Wai Chi e Chiang Meng Hin interpuseram recursos para o Tribunal de Última Instância respectivamente.

O Tribunal de Última Instância conheceu do caso.

O Tribunal Colectivo fez notar que, de acordo com o artigo 16.º, n.º 1 da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, as listas propostas à eleição por sufrágio directo “devem conter um número de candidatos não inferior a quatro”, e as três listas de candidatura em causa contêm, todas, 5 candidatos. Por este motivo, o Tribunal de Última Instância vai analisar a situação dos candidatos de acordo com a ordem indicada em cada lista, e se o resultado da análise realizada de acordo com esta ordem mostrar que já dois dos candidatos da lista são inelegíveis consoante ao disposto na segunda parte da alínea 8) do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, então não é preciso analisar a situação dos outros candidatos da mesma lista.

De acordo com as informações fornecidas pela CAEAL, o Tribunal de Última Instância deu como assente que os primeiros dois candidatos da lista “Associação do Novo Progresso de Macau”, Sou Ka Hou e Chan Lok Kei, os primeiros dois candidatos da lista “Associação do Progresso de Novo Macau”, Chan Wai Chi e Lei Kuok Keong, os primeiros dois candidatos da lista “Associação de Próspero Macau Democrático”, Chiang Meng Hin e Ng Kuok Cheong, participaram, pelo menos, em actividades de apoio a “4 de Junho” e/ou “Carta Constitucional 08” e/ou “Revolução de Jasmim”, factos esses que comprovam que os mesmos preenchem a previsão da segunda parte da alínea 8) do artigo 6.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa, sendo assim inelegíveis, pelo que já não há necessidade de apreciar e analisar as outras informações fornecidas pela CAEAL relativas a estes candidatos e a situação dos outros candidatos das três listas.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julgou improcedentes os recursos contenciosos eleitorais interpostos pelo mandatário da lista de candidatura “Associação do Novo Progresso de Macau”, Chan Lok Kei, pelo mandatário da lista de candidatura “Associação do Progresso de Novo Macau”, Chan Wai Chi, e pelo mandatário da lista de candidatura “Associação de Próspero Macau Democrático”, Chiang Meng Hin, mantendo a decisão da CAEAL de recusar as três listas de candidatura.

Cfr. acórdão proferido no processo n.º 113/2021 (foram apensados os processos n.ºs 114/2021 e 115/2021) do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

31/07/2021

Com uma oposição destas...

Sérgio de Almeida Correia, 22.07.21

"No âmbito da saúde, senhor primeiro-ministro, que fique claro: nós, PSD, somos fundadores do Serviço Nacional de Saúde [SNS]. Estamos no SNS. E senhor primeiro-ministro, não é uma questão ideológica, é uma questão prática. É uma questão de sentido prático das coisas."

"Na realidade, a 28 de junho de 1979, em votação final global na Assembleia da República, o Projeto de Lei 157/I/3 que estabeleceu as Bases do Serviço Nacional de Saúde (SNS) - da autoria de António Duarte Arnaut (PS), Mário Soares (PS) e Francisco Salgado Zenha (PS), tendo sido comummente denominada como "Lei Arnaut" em referência a um dos proponentes - foi aprovado com os votos a favor dos deputados do PS, PCP e UDP (além do independente José Justiniano Pinto), apesar dos votos contra dos deputados do PPD (atual PSD) e CDS (além de uma série de independentes)."

E que tal um pedido de desculpas? Que diabo, ele ainda não é ministro, não precisava de acelerar tanto.

E ao fim destes anos todos, com o que vemos por aí, não haveria quem não compreendesse a sua falta de preparação e a necessidade de retractação. 

Os miseráveis do micro-poder

Paulo Sousa, 16.08.20

Num destes fins-de-semana fui passar umas horas à praia fluvial dos Olhos de Água. É ali que nasce o Rio Alviela que desde há muitas décadas faz parte do sistema que fornece água à grande Lisboa. O seu centro de ciência Viva, o Carsoscópio, é um daqueles investimentos apenas possíveis graças aos fundos europeus, que lamentavelmente tem poucos visitantes mas que vale muito a pena conhecer.

O assunto do post é, no entanto, outro.

Graças às medidas anti-Covid, a lotação da praia fluvial é controlada para evitar grandes aglomerações de pessoas. Todos sabemos que temos de fazer a nossa parte e o público é sensível ao que está em causa e segue as instruções.

A entrada do perímetro é controlada por uma empresa de segurança. Quando entramos (éramos quatro) quem estava de serviço era uma senhora que respondeu com um sorriso aos nossos bons-dias. Reparamos que tinha um contador mecânico na mão que pressionou quatro vezes à nossa passagem.

Algum tempo depois, quando saímos, a fila para entrar já tinha umas dezenas de metros. O turno tinha mudado e a senhora já não estava lá. O sol estava a pino e mesmo assim tudo funcionava ordeiramente.

Como é inevitável, a saída do nosso grupo fez sorrir os quatro primeiros da fila. Era um casal com dois filhos menores. Quando cruzamos a barreira ouvimos o segurança dizer: “Podem entrar três pessoas!”

Olhamos uns para os outros e depois para a família que, também eles incrédulos, ficaram a olhar uns para os outros e para o segurança. Será que ele se tinha enganado a contar quantos tinham saído? Se estavam a sair quatro pessoas, porque é que só podiam entrar três? Qual deles iria ter de continuar a esperar?

Olhei para trás e vi que dentro daquela escura e transpirada farda de segurança estava um reles bastardo, com um ar satisfeito a usufruir do seu micro-poder. Estava a trabalhar no fim-de-semana mas tinha forma de incomodar quem podia ir usufruir umas horas em família.

 

O perfil sociológico em que este comportamento de encaixa é transversal à humanidade. Não é um exclusivo nacional. Apesar disso é mais visível em algumas sociedades, até pela forma como se organizam e pelos seus traços culturais. As regras anti-Covid prestam-se a alimentar estes tipo de egos.

O chefe do procedimento e do micro-procedimento é também uma figura que se encaixa sem esforço numa ordem autoritária ou totalitária.

No julgamento de Nuremberga, onde os réus eram acusados de terem feito parte da máquina nazi que exterminava pessoas, justificaram-se dizendo que apenas cumpriam ordens e que o que faziam era apenas contar pessoas, ou distribuir roupa ou servir refeições. A máquina nazi desmontou os seus crimes em pequenas tarefas inócuas em que apenas poucos seriam levados a tomar uma atitude de repulsa perante as aberrações em que estavam envolvidos.

Muita gente encontra conforto ao assumir a plena responsabilidade por um micro-cosmos de poucas varáveis. No resto da sua existência são apenas mais uma figura anónima, cumprem normas, pagam impostos, respondem a um cumprimento, por vezes até com um sorriso, mas os carimbos dispostos naquela secretária são o seu império. As portas que um carimbo, se for colorido ainda melhor, pode abrir dependem da sua vontade e disposição. No resto da suas vidinhas são subjugados pelos demais actores, é a esposa ou o marido que são autoritários, infiéis até, é o chefe arrogante, são os políticos corruptos e as leis invasivas da individualidade e injustas. Sobre isso não podem fazer nada. Mas ali são eles que têm a raquete do trânsito.

Já todos nos cruzamos com pessoas destas que exercem com jactância este miserável micro-poder a que, se confrontados a tal, justificariam como sendo apenas profissionalismo.

Pode ser um pacato continuo escolar que tem o asseio dos WC à sua responsabilidade, como pode ser um guarda de um campo de concentração que meticulosamente apenas agrupa por idades quem lá entra.

Chamo-lhes os miseráveis do micro-poder, e miseráveis apenas por oposição à grandeza das pessoas que atrás de si deixam um legado positivo para as gerações vindouras.

Está na hora de regulamentar a miséria moral

Sérgio de Almeida Correia, 09.07.20

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Esta manhã, ao fazer a revista da imprensa diária, a minha atenção recaiu sobre uma notícia do DN cujo título referia a existência de estudantes que estavam dispostos a pagar a professores para lhes fazerem os exames.

Na leitura do seu desenvolvimento ficámos a saber que vários centros de explicações e professores receberam propostas de alunos que os procuravam no sentido de mediante uma contrapartida pecuniária se disponibilizarem a fazer os ditos exames.

Sabemos todos que a nossa vida pública está pejada de chicos-espertos, aldrabões e vigaristas, e que muitos dos exemplos que nos vão chegando de cima e de classes profissionais que deveriam ser modelos de correcção e de comportamentos éticos e morais irrepreensíveis têm-se revelado pouco edificantes e viveiros de bandidos e de gente pouco recomendável.

Nada de mais natural, portanto, num país onde nos últimos anos lemos e ouvimos os relatos de políticos, alguns ministros e outros deputados, que falsificaram as habilitações e os seus curricula, fazendo exames aos domingos e por fax, alardeando qualificações e méritos que não possuíam, se ouvem relatos de magistrados que pagavam a terceiros para elaborarem as suas sentenças, de outros que recebiam para interferir nas decisões dos colegas, de alguns que jubilando-se se predispunham depois a receberem meia-dúzia de patacos para o que se tornavam assalariados e prestadores de serviços a soldo de terceiros, de empresários caloteiros, de gente com lugar cativo em revistas e programas do social-parolismo metida em sarilhos, enfim, de quem fosse fazendo pela vida sem olhar a meios.

E cabular e copiar nas provas e exames académicos deve ser algo tão velho que certamente se perderá nos confins da história. Num momento ou noutro, voluntária ou involuntariamente, nem que fosse num olhar de relance, nos nossos tempos de estudante olhámos para o vizinho do lado ou tivemos a tentação de fazê-lo.       

Entretanto, chegou o COVID-19, que nos obrigou a todos, e em todo o mundo, a mudar o nosso quotidiano, a alterar hábitos e comportamentos. Da vida familiar e social à profissional foram muitas as mudanças e os constrangimentos que nos foram impostos nas mais diversas latitudes. Entre estes também estava a necessidade de se trabalhar a partir de casa e das escolas encerrarem, prosseguindo o ano lectivo de uma forma atípica, com aulas à distância e com as populações escolares confinadas.

A notícia do DN alerta-nos para uma outra dimensão que a infelicidade que nos tocou trouxe à luz.

Refiro-me à predisposição para a institucionalização da fraude e da corrupção que guiarão as futuras gerações pela vida fora, começando logo durante o seu percurso formativo e sem qualquer vergonha. Já não se trata mais de um pequeno ou grande copianço sem consequências de maior para safar uma preparação menos conseguida para um determinado exame.

Agora estamos num patamar superior. Estamos mais qualificados e com menos vergonha. Telefona-se, vai-se à procura do mercenário disponível. Trata-se de comprar os professores, pagar o resultado dos exames, financiar quem pode ajudar a emitir o passaporte para uma futura vida profissional. Investir numa fraude que permita ir subindo degraus sem esforço.

Quando uma sociedade chega a este nível de especialização, o mais certo é que depois tudo o mais se poderá ir comprando: o acesso a uma bolsa, o canudo, a carreira, as promoções, o prestígio, a respeitabilidade, o marido ou a mulher, o chefe, o juiz, o procurador, o vizinho, o padre, o partido, o lugar de deputado, o ministério, e por aí fora. 

O investimento nos exames exigirá um esforço acrescido dos encarregados de educação, financiamento ou empréstimo, visto que na maior parte dos casos serão apenas estudantes a tempo inteiro, mas com o espírito empreendedor revelado e a astúcia demonstrada os resultados a curto e médio prazo estarão garantidos. 

Estamos perante uma verdadeira revolução. Estudar para quê? É melhor contratar alguém que estude por nós, que se prepare para o exame e a quem se possa pagar para o fazer. É só necessário encontrar o parceiro adequado. 

A minha única dúvida é se com tudo isto o governo não deveria começar a pensar em enquadrar essa situação. Talvez começando por tabelar o custo dos exames, impondo preços mínimos e máximos, acautelando os conflitos de interesses, as situações de concorrência desleal e a criação de oligopólios. A isenção do IVA, ou a sua aplicação a uma taxa reduzida, também deverá ser equacionada. Bem como a possibilidade de dedução desse custo em sede de IRS. E depois importaria criar uma aplicação que fosse tecnologicamente avançada, e exportável, uma espécie de plataforma, que se instalasse nos smartphones e permitisse gerir uma bolsa de contactos para dinamizar o mercado dos exames.

Fraude? Corrupção? Ignorância? Sim, isso, tudo bem. Temos de nos modernizar, de nos adaptar aos novos tempos. Claro, tudo isso, mas devidamente regulamentado e com os formulários bem preenchidos. Não pode haver abébias para ninguém.

Eis a solução para os nossos problemas e a oportunidade para ocuparmos o primeiro lugar dos rankings. O da miséria moral incluído.

No fim da tabela

Sérgio de Almeida Correia, 04.03.20

Durante horas e dias a fio, canais de rádio e de televisão e inúmeras páginas em jornais, revistas e blogues dissertaram sobre os insultos a Moussa Marega proferidos no jogo entre o Vitória de Guimarães e o Porto. A indignação foi real, pelo que li, vi e ouvi. Menos real é a conclusão do episódio.

Depois de tudo o que anteriormente aconteceu com muitos outros jogadores (Hulk, Semedo, Renato Sanches, Quaresma, por exemplo), e tendo em atenção o que se vai vendo lá por fora, cujo último exemplo chegou da Alemanha e do jogo entre o Hoffenheim e o Bayern de Munique, que levou a uma "greve" em campo dos jogadores das duas equipas antecipando o final do jogo, estava convencido de que em relação ao que se passou em Guimarães viria sanção pesada.

Pura ilusão.

De acordo com a notícia de A Bola, pelo que aconteceu, no total, os "vimaranenses foram multados no valor de €17,941", dizendo as multas respeito a "deflagramento de potes de fumo e flashlights (€4017)", "entrada de materiais pirotécnicos (€3392)", "arremesso de dois fachos (€2678)", "arremesso de cadeiras (€7140)", e "insultos a Marega (€714)".

Como se vê pela discriminação das parcelas, arremessar cadeiras ou atirar uns fachos para o relvado é mais grave do que proferir insultos racistas ou imitar os urros de símios dirigidos a um dos protagonistas do espectáculo.

Para os senhores do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, os insultos a Marega não valem um corno. O valor da multa é um estímulo a que os energúmenos das claques continuem a sua acção cívica. Meia dúzia de euros resolvem o problema.

Tudo na mesma

Sérgio de Almeida Correia, 06.08.18

Em 2009 escrevi que a "culpa pelo mau serviço que presta ou é do frio, ou do calor, ou do vento, ou de uma cegonha irresponsável que pousa onde não deve e dá cabo da rede". 

Volvidos estes anos a história repete-se, os apagões continuam.

E, de novo, a culpa é do calor: "O calor é muito, existe uma sobrecarga da rede muito grande, mas estamos em regime de alerta e conseguimos mobilizar muito rapidamente uma equipa para o local, que resolveu o problema com a maior celeridade, apesar de ser um problema de grande dimensão”.

Se quando regressar a casa o frigorífico estiver de novo avariado e os demais equipamentos emudecidos já sei qual a razão. E a quem pedir responsabilidades. 

Os anos passam, tudo continua na mesma. Com calor ou sem calor. A EDP é como a CGD, o país e os partidos: irreformável.

Lançar a confusão e dar de frosques

Sérgio de Almeida Correia, 10.07.18

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(créditos: Kirsty Wigglesworth /Getty Images)

Há pouco mais de dois anos, num pequeno texto que aqui deixei chamei-lhe "the perfect English fool". Houve quem não gostasse do que então escrevi, mas no dia seguinte Lord Michael Heseltine, uma das mais sólidas referências do conservadorismo britânico, parlamentar desde 1966, figura de proa dos governos de Margaret Tatcher e John Major, acusava-o de ter dado origem à maior crise constitucional em tempos de paz que lhe fora dado assistir e de desbaratar as poupanças dos seus concidadãos.

Steph, com o seu traço genial, um ano depois, deu conta do modo como já via as consequências dos resultados eleitorais nas negociações para o Brexit.

Volvido este tempo, os eleitores do Partido Conservador, os ingleses e o mundo em geral assistem estupefactos à continuação do deprimente espectáculo burlesco de Boris Johnson tendo por referência o Brexit.

Na carta de demissão que remeteu a Theresa May, a cada vez mais descalça primeira-ministra britânica, o despenteado de Eton escreveu que "[w]e are now in the ludicrous position of asserting that we must accept huge amounts of precisely such EU law, without changing it an iota, because it is essential for our economic health – and when we no longer have the ability to influence these laws as they are made. In that respect we are truly headed for the status of colony – and many will struggle to see the economic or political advantages of that particular arrangement".

Com a saída de David Davis, primeiro, e agora de Boris Johnson, é possível perceber o atoleiro em que o Reino Unido se encontra e que os custos do Brexit estão a ser incomensuravelmente superiores aos que a irresponsabilidade de tipos como Johnson e Farage prometia aos eleitores.

Se Johnson antes quis substituir o motorista do táxi que não sabia inglês, e o levava para onde não queria ir, por alguém em quem confiava e que falava a sua língua, agora que o GPS deixou de funcionar e a condutora está completamente aos papéis, a solução que encontrou foi a de abrir a porta e saltar do táxi antes deste se despenhar pela primeira ribanceira que apareça na escorregadia e sinuosa estrada a que ele, navegador, o conduziu com as suas sempre brilhantes tiradas. Como antes já fizera quando surgiu a hipótese de liderar o Partido Conservador.

Não conheço expressão inglesa equivalente, mas na minha terra chama-se a isto "dar de frosques".

Que, por sinal, era o que normalmente fazia o palhaço que na minha infância vestia o fato de idiota no final daqueles números de circo a que assisti. Só que neste caso a tragédia é real. E há quem no final limpará as lágrimas e pagará a conta pelos disparates dele e dos amigos.

Coisas difíceis de perceber

Sérgio de Almeida Correia, 17.04.18

Não, a questão não é apenas a de saber se é legal ou não. É de outra ordem, mas não vou perder mais tempo a repeti-lo. 

E não pode ser colocada nos termos em que ele o faz. Desta forma, está-se apenas a tentar escamotear, sem sucesso, a questão principal. Além de que é perfeitamente irrelevante para o que está em causa que nas duas últimas deslocações o custo tenha sido inferior ao que está fixado por viagem ou que tenha viajado em classe económica.

O problema, como qualquer cidadão de boa fé e minimamente inteligente perceberá, é outro. É o de saber se os subsídios são cumuláveis e se mesmo não se esgotando o valor atribuído para as viagens o deputado tem o direito a encher o bolso com a diferença não utilizada. Isto é, para que todos percebam, com o diferencial do dinheiro que todos os contribuintes deram para uma função muito específica. 

Mesmo que fosse legal, e eu considero que não é, seria sempre ética e moralmente discutível aos olhos de todos que embolsassem a diferença. Isto deveria ser o bastante para nem sequer se atreverem a pedir o parecer. 

Lamento que um indivíduo na posição dele e com as suas responsabilidades não tenha querido compreendê-lo, dando logo o exemplo, e em vez disso tente dar a volta ao prego. Como se as pessoas fossem estúpidas.

Feio, muito feio. Mesmo para quem vê de longe.