“Se se divulgar publicamente o contrato pode haver lugar ao pagamento de uma indemnização”, "Não há garantia de preço pela Christie’s relativamente à venda, não há prestação de serviços”, "O Governo não assinou nenhum contrato”, “O Governo e a República Portuguesa tutelam as empresas [a Parvalorem e a Parups, proprietárias das obras], mas não são parte nesses contratos” - Público, 17/04/2014, página 17
As frases acima transcritas são atribuídas pela edição matutina do Público à secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, e foram proferidas no Parlamento, perante a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, quase 40 anos depois da revolução de 25 de Abril.
Esclareço desde já que não é da minha família, não a conheço de nenhum lado e não tenho nada contra ou favor. O que sei da senhora é o que diz respeito à sua vida pública enquanto membro do XIX Governo Constitucional e é por causa do exercício destas funções, para as quais contribuo com os meus impostos para o pagamento dos seus salários, que me interrogo.
Os portugueses, pelo menos os que estão em Portugal, têm tido o privilégio de acompanhar em primeira mão o imbróglio causado pela exportação ilegal de obras de arte que eram pertença dessa notável instituição produzida pela "crème de la crème do cavaquismo" e que têm custado aos portugueses os poucos anéis recebidos dos seus antepassados. Mas quem está fora e se limita a acompanhar à distância o que se passa através das notícias que lhe vão chegando, não pode deixar de se questionar sobre o tratamento que este assunto tem merecido.
Independentemente de se discutir qual seria a melhor solução para o problema, partindo do princípio que aquela será sempre a que melhor servir o país, aflige-me a forma como tudo tem sido conduzido, as despesas que já foram feitas sem se saber qual o retorno, a imagem de rebaldaria interna que já foi transmitida interna e externamente e, em especial, a indigência política e, pelos vistos também, de gestão, de quem recebeu por missão desenvencilhar-se das obras para o erário poder arrecadar alguns cobres.
De tudo o que tenho lido e ouvido, dos responsáveis das empresas aos leiloeiros, sem esquecer essa inenarrável sumidade que gere os destinos da secretaria de Estado da Cultura, as afirmações acima citadas da secretária de Estado do Tesouro, revelam um profundo desprezo pelos portugueses, pela política e até pelo próprio programa do Governo que integra.
A este propósito, atente-se que no que ficou vertido a fls. 13 desse documento e confronte-se com o que já se sabe e com as referidas declarações. Para poupar trabalho aos leitores fica aqui transcrito o que de pertinente para esta discussão ali se contém: "O Governo propõe-se melhorar o quadro institucional da vida portuguesa, o que pressupõe um poder político transparente, sujeito a escrutínio efectivo e suscitador de mais e maior confiança. Para o alcançar, o Governo estabelecerá regras claras e iguais para todos, de modo a que as iniciativas e projectos individuais e colectivos possam ser levados a cabo em igualdade de circunstâncias. O Governo tomará iniciativas para que o País tenha um sistema eficaz de combate à corrupção, à informalidade e a posições dominantes, e que seja dotado de um sistema de regulação mais coerente e independente. Aperfeiçoará o funcionamento das instituições (...)".
Posto isto, entendo ter a obrigação de perguntar com que direito se pretende sonegar aos portugueses o conhecimento da negociata, ou negociatas, que estão por detrás do secretismo em que se pretende manter o contrato assinado com a leiloeira londrina? Se não há garantia de preço por que razão haveria lugar ao pagamento de uma indemnização? Se não há prestação de serviços, então estaremos perante que tipo de figura jurídica, perante que tipo de contrato? E que cláusulas foram negociadas, tão gravosas para o Estado português ou as suas empresas a ponto delas deverem permanecer sigilosas e longe do juízo da opinião pública? O facto do Governo não ser parte nesse contrato (ou contratos), invalida o acesso à informação que, por natureza, a todos os contribuintes interessa e diz respeito? Como pensa o Governo concretizar o seu desígnio de "melhorar o quadro institucional da vida portuguesa" quando pretende subtrair ao conhecimento dos cidadãos as condições de alienação dos bens que, directa ou indirectamente, pertencem à comunidade? Em que medida as declarações da senhora secretária de Estado, e outras ainda mais despropositadas, comprometedoras e reveladoras de total inabilidade e desprezo pelos contribuintes que já foram proferidas pelos responsáveis das empresas e Barreto Xavier, contribuem para um "escrutínio efectivo e suscitador de mais e maior confiança"? Quando pensa o Governo que este escrutínio deverá ser feito? Só depois da alienação, quando tudo se tiver tornado irreversível e sem remédio? Como afirmar a transparência da acção do poder político quando em questões tão básicas se esconde a verdade dos portugueses? É assim que se contribui para a criação de "um sistema eficaz de combate a corrupção, à informalidade e a posições dominantes"? De quê ou de quem é que têm medo os responsáveis políticos? Quem se quer proteger e porquê?
Causa-me estranheza e perplexidade que tudo isto permaneça sem resposta, e que esteja de novo em marcha o processo de venda dos quadros sem que se esclareça previamente o que devia ter sido esclarecido espontaneamente, de forma clara e sem subterfúgios, sem que fosse necessário perguntar. Os portugueses, os contribuintes, têm o direito de ser informados e de saber o que se passa com este assunto, do mesmo modo que têm o direito de saber tudo o que se passa com as PPP's qualquer que seja a cor do poder do momento. E têm o dever de exigir que lhe seja prestada informação correcta, séria, actual e transparente.
Este não é um problema de mera chicana política que deva ser desvalorizado. Nem deve ser assunto para ser tratado às escondidas. Estamos perante um assunto fundamental para se aferir da transparência do sistema político, da actuação dos governantes, do mundo empresarial em que se movem as empresas participadas, que urge esclarecer em todos os seus contornos, que importa retirar da obscuridade para que todos os cidadãos percebam como são geridos e administrados os seus interesses pelos seus comissários, por aqueles a quem pagamos (alguns contrariados) os respectivos ordenados. E para que no fim, se alguma coisa correr mal, possam ser extraídas consequências e exigidas responsabilidades a todos, sublinho, a todos os que tiveram intervenção neste assunto.