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Delito de Opinião

Dai "commissioni fantasmi" ai ministri fantasma

Sérgio de Almeida Correia, 27.07.23

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Se já não era fácil ter boa impressão política e governativa quer do anterior ministro da Defesa, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, quer da ministra da Defesa Nacional, por muito estimáveis que sejam, e eu não duvido, o relato que a Visão dá esta semana à estampa pela mão do jornalista Carlos Rodrigues Lima acabaria com todas as dúvidas que restassem.

O rol de factos, no mínimo de difícil explicação, mas quase todos reveladores de uma tremenda mistura de falta de senso, ingenuidade e inaptidão para o exercício de funções governativas dos protagonistas, para além de outras coisas que serão, espero, devidamente apuradas em sede própria, leva-me a perguntar como é possível manter em funções, num Estado de direito e numa democracia madura, João Gomes Cravinho e Helena Carreiras.

Não sendo crível que o chefe de gabinete do então ministro da Defesa não o colocasse ao corrente do que sabia e do que estava a ser feito, em cada dia que passa aumenta o seu desprestígio e surgem novos factos que colocam em xeque o seu desempenho e o profissionalismo e a seriedade da actividade político-governativa.

Dando de barato os emojis do tal Alberto Coelho, e que não será nos anos mais próximos e com gente como ele que a democracia-cristã voltará a chegar ao poder, a circunstância de perante a gravidade dos factos e das comunicações reveladas pela Visão, aliado ao que que já se sabia da actuação de Cravinho e do ex-secretário de Estado da Defesa, e que motivou a sua queda em desgraça, torna chocante a resposta dada pelo gabinete da actual titular da pasta da Defesa Nacional quando questionada sobre a razão para não ter enviado todas as comunicações trocadas entre Marco Capitão Ferreira e a Direcção-Geral de Recursos e Defesa Nacional (DGRDN) quando isso lhe foi solicitado.

Conhecendo-se agora o conteúdo do que foi omitido, percebe-se a incomodidade, perguntando eu se àquela alminha a quem António Costa entregou a Defesa Nacional não lhe passou pela cabeça que as comunicações escondidas, e que não lhe diziam directamente respeito, viriam um dia a ser do domínio público. 

Os imbróglios que estão a ser investigados, a gravidade dos factos em causa e a displicência da actuação dos titulares da pasta da Defesa é tudo menos consentânea com uma actuação inteligente e responsável.

Daí que se compreendam cada vez menos as razões para, perante tanto despautério – a pasta da Defesa Nacional tem sido particularmente fustigada nos últimos governos pela inépcia dos nomeados, o que até parece ter-se tornado numa sina –, o primeiro-ministro manter em funções, e continuar a proteger, mais estes ministri fantasma, que não contribuindo em nada para o prestígio e a dignidade das instituições, só servem para enfraquecer ainda mais um Executivo que se vai perdendo no atoleiro em que se transformou a maioria absoluta e a actuação de algumas pessoas em quem os portugueses um dia confiaram para gerir a coisa pública. Lamentável.

Degradação em marcha acelerada

Pedro Correia, 15.11.22

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Activistas estudantis ligados ao Bloco de Esquerda, com o apoio expresso da líder deste partido, decidiram fechar a cadeado estabelecimentos públicos de ensino, negando aos colegas o direito a ter aulas, para protestarem. Não contra as atrocidades cometidas pela Rússia na Ucrânia, não contra o morticínio de mulheres no Irão, não contra as trevas medievais que voltam a abater-se sobre o Afeganistão, não contra o Mundial de Futebol no Catar, país que viola direitos fundamentais. 

Nada disto: estão a manifestar-se pelo «fim das energias fósseis». E elegem como alvo, nesta cruzada, o ministro da Economia e do Mar, por ter estado ligado à indústria do petróleo durante a sua longa e prestigiada actividade profissional. Foram ao ponto de, neste sábado, invadirem as instalações da Ordem dos Contabilistas, onde António Costa Silva se encontrava numa reunião privada. Os berros não deixavam lugar a dúvidas: «Fora! Fora! Fora Costa Silva!»

 

O tal movimento, intitulado "Greve Climática Estudantil Lisboa", reclama o fim dos combustíveis fósseis até 2030 e a demissão imediata do ministro.

Normal? Claro. Sendo bloquistas, e tendo a "geringonça" terminado faz agora um ano, é natural que descubram enfim as virtudes do protesto após seis anos de colagem ao PS, bem reflectida na aprovação de seis Orçamentos do Estado.

Nada normal é ver ministros solidários com aqueles que querem correr com o colega da Economia.

 

Pedro Nuno Santos, titular das Infraestruturas, assegura que a luta dos jovens pelo clima é «absolutamente justa».

O ministro da Educação, João Costa, diz-se «absolutamente solidário com a causa dos alunos de promoção da saúde do planeta», realçando que se trata de uma causa «nobre e justa».

E o responsável pela Administração Interna, José Luís Carneiro, proclama: «É muito importante sentirmos que nas novas gerações há um compromisso enraizado já com esse objectivo, que é de toda a humanidade.»

Fogo amigo: em tons diversos, três incentivos à saída de Costa Silva do Governo, vindos de colegas que se sentam com ele no Conselho de Ministros.

Isto está a degradar-se mais depressa do que parecia. Ei-los a descer a rampa, já em marcha acelerada.

Ser ministro para deixar de o ser

Pedro Correia, 11.10.22

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Qual a vantagem de ser ministro das Finanças?

Em Portugal, só vejo uma: é a única forma de adquirir o estatuto de ex-ministro das Finanças, algo que parece conferir aos seus portadores uma aura exclusiva, misto de senador romano e de profeta hebreu. A toda a hora uma legião de ex-ministros perora em tudo quanto é palco mediático, com ar solene e pose grave, traçando implacáveis vaticínios. Sai um de barbas de oráculo, logo surge outro com cãs de erudito que por sua vez dá lugar a uma altiva dama com fumos de pitonisa. Todos com receitas mágicas para o futuro da nação - receitas que, por sinal, nenhum aplicou quando teve oportunidade efectiva para o efeito.

Gabo a paciência dos jornalistas que vão recolhendo as copiosas declarações desta prolixa tribo intuindo tal como eu que na maior parte dos casos a sabedoria real de tão ilustres sumidades é muito inferior ao generoso tempo de antena de que dispõem. E apenas lamento que não aproveitem ao menos uma vez para recordar aos indígenas o legado dessas sumidades - em (de)crescimento económico, despesa primária, dívida externa e défice real das contas públicas, por exemplo.

Depois era só comparar o que fizeram com o que propõem agora. Muita gente era capaz de ficar surpreendida. Ou talvez não.

Mais do mesmo

Tudo em família

Pedro Correia, 28.09.22

Flores de retórica em celebração da Primavera

António Costa Silva

Pedro Correia, 21.04.22

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Um bom teórico não tem necessariamente de ser um bom político. Na maior parte das vezes, aliás, os teóricos só entram na política para atrapalhar e não para ajudar. Quando aterram no Governo, a coisa complica-se.

Parece ser o caso do recém-empossado ministro da Economia e do Mar, que vinha aureolado de ser o autor do plano de recuperação económica do país após a grave crise provocada pela pandemia. O esforço intelectual valeu-lhe entusiásticos adjectivos de certos comentadores com lugar cativo na imprensa económica que nunca se cansam de praticar a lisonja para agradar aos poderes de turno.

Tanto o elogiaram que ele chegou ao ministério com sede na Rua da Horta Seca, substituindo o ponderado Pedro Siza Vieira, afastado sem justificação plausível. E há que dizer sem rodeios: a estreia de António José da Costa Silva, aos 69 anos, em debates parlamentares não passou despercebida. Desde logo por ter escorregado na primeira casca de banana que o Bloco de Esquerda lhe pôs à frente. Em resposta ao repto que dali lhe foi lançado na sessão de apresentação do programa do XXIII Governo Constitucional, apressou-se a anunciar a criação de um novo imposto. Para que o Estado possa arrecadar parte dos «lucros aleatórios e inesperados» das empresas.

 

Foi um momento extraordinário, este em que vimos o titular da Economia transfigurar-se em directo. Recusando ser o primeiro aliado do tecido empresarial para se assumir como porta-voz aleatório e inesperado do Ministério das Finanças enquanto o seu colega desta pasta se remetia ao silêncio.

Quase tão memorável foi o perfume das flores de retórica que Costa Silva espalhou no plenário, talvez em louvor e celebração da Primavera. Algumas pareciam decalcadas de cursos por correspondência de auto-ajuda. Eis um exemplo: «Nós podemos sempre sonhar e temos um país que permite sonhar. E a minha função aqui não é puxar o país para baixo, é puxar o país para cima.» Outro: «Muita gente diz que aquilo que estamos a propor é impossível. Mas viver é tornar possível o impossível.»

 

As paredes do vetusto hemiciclo, habituadas a linguagem mais prosaica, até vibraram. Na bancada socialista e até em certos parlamentares sociais-democratas muito próximos de Rui Rio viam-se rostos embevecidos com esta homilia inaugural do ministro, espécie de cruzamento de Boaventura Sousa Santos com Paulo Coelho. Só lhe faltava envergar túnica em vez do fato.

No dia seguinte, o encantamento quebrou-se. Certamente por sugestão do chefe do Governo, mais vocacionado para gerir o possível do que para sonhar o impossível, Costa Silva comunicou à nação que o tal imposto extraordinário não fora sequer abordado no Conselho de Ministros. Decepcionando decerto Catarina Martins e Mariana Mortágua, para quem uma empresa ter lucro é imperdoável pecado. Mas aliviando quem produz riqueza, estimula a inovação e gera postos de trabalho. Falta saber até quando. É só aguardar pela próxima prédica ministerial.

                                               

Texto publicado no semanário Novo.

A ministra que preferia não estar ali

Francisca Van Dunem

Pedro Correia, 14.12.21

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A sessão foi curta: decorreram escassos cinco minutos entre a chegada e a partida, no Palácio de Belém. Com a empossada a demonstrar, de modo evidente, que preferia não estar ali. Na altura de prestar o juramento como ministra da Administração Interna foi incapaz de recitar a fórmula consagrada nestas ocasiões, alegou não conseguir ler por se ter esquecido dos óculos e necessitou de ajuda para cumprir essa formalidade. Como os actores que precisavam de ponto nas antigas peças de teatro.

Momento confrangedor, não apenas para ela mas certamente também para o primeiro-ministro que assistia à abreviadíssima cerimónia sem direito a convidados nem declarações finais. Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem, 66 anos, assumiu na segunda-feira a pasta da Administração Interna, em substituição do exonerado Eduardo Cabrita. Chega a um dos postos mais relevantes do Governo, em acumulação de funções, quando já não queria lá estar pelo menos desde o primeiro semestre deste ano.

Não se trata de segredo de Estado: ela própria o confessou, em entrevista, ao revelar que havia acertado a saída com António Costa mal terminasse a presidência da União Europeia confiada a Portugal até 30 de Junho. Desgastada por seis anos em funções governativas e um coro de críticas à sua actuação como ministra da Justiça. Com destaque para a não-recondução da anterior procuradora-geral, Joana Marques Vidal, e a controversa nomeação de José Guerra para procurador europeu. Num país em que os tribunais administrativos são os segundos mais lentos da União Europeia: cada caso, em média, aguarda mais de 900 dias pela resolução só em primeira instância. Num país em que as custas judiciais afastam o cidadão comum dos tribunais: para recuperar uma dívida de três mil euros, é necessário pagar mais de 200 logo à partida – um dos montantes mais elevados da Europa.

«Era a combinação que tínhamos», declarou a inesperada sucessora de Eduardo Cabrita, magistrada do Ministério Público, em entrevista ao Público no mês passado. Aludia a Costa com palavras que não permitiam dúvidas: «Temos que dar lugar a outras pessoas. O meu lugar não é aqui, a minha profissão não é esta.» Mal imaginava a tarefa acrescida que o primeiro-ministro lhe reservava: dois pelouros governativos em vez de um. Irá manter-se no executivo pelo menos até Fevereiro. E o prazo pode dilatar-se caso as legislativas de 30 de Janeiro não permitam uma alternativa clara e rápida de governo.

Acumulação agora improvisada pelo político que habituou os portugueses a encontrar soluções que afinal agravam os problemas. Numa pasta que tutela a GNR, a PSP, a Autoridade Nacional de Protecção Civil e o SEF que era para extinguir mas afinal não se extinguiu – numa das trapalhadas em que Cabrita se envolveu. Tivesse a saída do «excelente ministro» (Costa dixit) da Administração Interna ocorrido quando devia e escusava Francisca Van Dunem de enfrentar este sacrifício suplementar.

 

Texto publicado no semanário Novo

Água radioactiva e velocidade no asfalto

Pedro Correia, 12.08.21

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O ministro do Ambiente soltou esta semana um grito dolorido. É tempo, diz ele, de parar com a produção global de combustíveis fósseis que vai colocando o planeta à beira da catástrofe ecológica. «Mais do que salvar o planeta é salvar-nos a nós próprios como espécie. Nós de facto não conseguimos suportar este aumento de temperatura. A economia tem de crescer de forma completamente diferente e com investimentos que sejam focados na sustentabilidade», declarou o governante, notoriamente alarmado. 

Fui conferir. Matos Fernandes ocupa há seis anos consecutivos a pasta governativa, desde 2018 crismada com o pomposo título de Ministério do Ambiente e da Transição Energética - obedecendo ao péssimo hábito, há muito vigente em Portugal, de alterar constantemente designações para disfarçar a total incapacidade de fazer reformas. 

«Isto não vai lá sem o esforço de todos”, adverte Matos Fernandes, como se fosse um recém-chegado. Afinal prestes a entrar no sétimo ano de funções no Executivo socialista que tanto se orgulha de proclamações retóricas com alvos de longo prazo. Como esta: «Portugal foi o primeiro país no mundo a afirmar o compromisso da neutralidade carbónica em 2050.»

Merecia medalha de ouro se fosse modalidade olímpica.

 

Mas o que nos recomenda já hoje, não para 2050, Sua Excelência, auscultado pela Lusa? «Deixar de usar combustíveis fósseis, plástico de uso simples, o petróleo, reduzir muito as embalagens, beber água da torneira, utilizar os transportes públicos.»

Azar do ministro que gosta de escrever cartinhas à «querida Greta» para receber um aceno de aprovação da activista sueca. Horas depois de fazer tão sábias declarações ao país, ficávamos todos a saber, através de notícia divulgada no Jornal de Negócios, que a era do gás natural barato chega ao fim, havendo expectativa de subida dos preços na ordem dos mil por cento. 

«Com o aumento dos preços do gás natural será mais caro abastecer fábricas ou produzir petroquímicos, atingindo todos os cantos da economia global e reforçando os receios de inflação. Para consumidores, o custo será reflectido nas contas mensais de energia e gás. Vai ser mais caro usar uma máquina de lavar, tomar um banho quente ou preparar o jantar», esclarece o jornal. 

Isto não augura nada de bom. Resta-nos beber muita água da torneira e utilizar os transportes públicos, seguindo a recomendação de Matos Fernandes, que há menos de um mês viu a Comissão Europeia accionar Portugal por alegado incumprimento de regras sobre o controlo da presença de substâncias radioactivas na água potável engarrafada que podem causar sérios danos à saúde pública. O mesmo ministro que há poucas semanas foi apanhado a voar baixinho numa auto-estrada e numa estrada nacional, transgredindo largamente os limites de velocidade impostos ao cidadão comum pelo Governo a que pertence. Como se acelerar no asfalto não aumentasse as emissões poluentes que tanto o assustam. 

A "querida Greta" certamente não iria gostar.

Apanhado em excesso de velocidade

João Matos Fernandes

Pedro Correia, 28.07.21

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Bem pode o Governo lançar cem campanhas de prevenção rodoviária: o comportamento de alguns dos seus membros persiste em condená-las ao insucesso. Conduzir ou ser conduzido de pé na tábua continua a ser uma espécie de vício nacional num país que já perdeu tanta gente famosa por morte prematura no asfalto. Ministros como Duarte Pacheco e Mário Firmino Miguel, actores como Angélico Vieira e Francisco Adam, cantores como Carlos Paião e Sara Carreira.

O pior é que ninguém parece aprender as devidas lições com o infortúnio dos outros. E o mau exemplo, nesta matéria, vem de cima. Há pouco mais de um mês, a 18 de Junho, a viatura oficial que transportava o ministro Eduardo Cabrita atropelou na A6 um cidadão chamado Nuno Santos, que fazia trabalhos de reparação e limpeza na berma da auto-estrada. Ignora-se ainda a velocidade a que seguia a viatura, mas não custa presumir que seguia em transgressão pelo simples facto de não haver marcas de travagem na via transformada em pista.

Um trabalhador morto por suposta incúria de condução alheia. Mais um, a pesar nas estatísticas. Devia servir de travão a novos excessos na estrada. Mas parece que não: a volúpia da velocidade permanece incólume. Apetece perguntar: tanta pressa para quê?

Escassos 17 dias após a trágica morte de Nuno Santos, outro automóvel com ministro a bordo teve destaque noticioso. Felizmente desta vez sem consequências funestas. Mérito de uma equipa de reportagem da TVI, que registou a ocorrência: a 5 de Julho, João Matos Fernandes foi transportado a 160 quilómetros por hora numa estrada nacional e a 200 quilómetros numa auto-estrada – neste caso a A2, bastante mais movimentada do que a A6.

Péssimo exemplo, a vários títulos. O limite de velocidade em auto-estrada está fixado em 120 km/hora. Quanto mais se acelera mais as emissões poluentes aumentam, comportamento duplamente censurável tratando-se do titular da pasta do Ambiente. Além disso o sentimento de impunidade favorece o pior dos populismos. E reforça a sensação de que existe uma casta de dirigentes a quem tudo é permitido.

Pior ainda é o jogo de passa-culpas em que João Matos Fernandes, imitando o seu colega da Administração Interna, logo se enredou: “Não era eu que conduzia e não me apercebi do que estava a acontecer”, declarou já esta semana, após um período de silêncio. É certo que acrescentou: “Isso não me desresponsabiliza em nada.” Mas a escolha da frase inicial certamente não resultou do acaso. Qualquer português sentiria a tentação de fazer o mesmo.

A questão é que a um membro do Executivo se exige muito mais. Por imperativo de cidadania e em nome da ética da responsabilidade. Noutros tempos, com outro critério, António Costa advertiu antes de exonerar um ministro: “Nem à mesa do café podem deixar de lembrar-se que são membros do Governo.”

Isto num país que registou 6880 vítimas mortais em desastres rodoviários na última década. Razão suficiente para tirar o pé do acelerador.

 

Texto publicado no semanário Novo

Todo um padrão

Pedro Correia, 20.07.21

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Desta vez, felizmente, não houve atropelamentos. Mas não deixou de haver passa-culpas ministerial: é todo um padrão do Governo Costa.

Apanhado pela TVI em evidente transgressão dos limites legais de velocidade enquanto se deslocava na viatura oficial, o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, acaba de produzir esta extraordinária declaração: «Não era eu que ia a conduzir e não me apercebi do que estava a acontecer.»

Faz lembrar o miúdo queixinhas da escola primária, pronto a apontar o dedo aos outros meninos. Como se alguém acreditasse que o condutor do ministro fosse de pé na tábua - a 160 km à hora na estrada nacional e a 200 km na A2 - por livre iniciativa, sem consentimento do chefe máximo. 

Agora diz-nos também que já recomendou ao motorista para não voltar a ultrapassar o limite de velocidade, garantindo que isso não irá repetir-se. Deve ser isto que alguns consideram "ética republicana": é preciso ser apanhado em transgressão para jurar que a partir de agora irá cumprir a lei.

Que belo exemplo de cidadania num país onde, entre 2011 e 2020, se registaram 5072 vítimas mortais em desastres rodoviários. Nem o trágico atropelamento do cidadão Nuno Santos a 18 de Junho pela viatura oficial em que seguia o ministro Eduardo Cabrita serviu de lição aos seus colegas de Governo. 

Todo um padrão nisto também.

Ópera e troika

jpt, 22.06.19

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(Fotografia de Nuno Botelho, publicada no Expresso)

Não será difícil, a não ser por mero clubismo, discordar que a actual ministra da Cultura - a terceira da legislatura, o que demonstra algum desatino governamental no sector - não deixará grande memória. Pois o que veio dizendo não impressiona: desde fazer-se ministra da civilização, a propósito das touradas, a sarcasmar sobre a imprensa portuguesa (aqui), talvez um mero deslize mas a mostrar-se altaneira, até lapsos geográficos pouco casáveis com o cargo que ocupa, a imagem criada é frágil. É certo que essas declarações, descalibradas, não obrigam a que seja desprovida de virtudes executivas. Mas ... leio agora que o São Carlos está desafinado. Ou melhor, desorquestrado. Ou seja, desnorteado.

Nisto da cultura, e de forma grosseira, costumam-se dividir os locutores: os da "direita" (o ex-"centro") reclamam que cumpre ao Estado preservar o "património" existente e não o financiamento da actual produção artística, coisa a ser entregue ao mundo privado/empresarial. E fazem-no com tanto arreganho, fiéis ao fetiche do mercado, que não vale a pena dizer-lhe que as pirâmides egípcias, o tecto da Capela Sistina, o Partenon, e imortalidades dessas foram obras contemporâneas pagas pelos Estados. Os quais, já agora, durante estes últimos três milénios foram também pagando imensíssimas obras (à época contemporâneas) das quais pouco ou nada reza a História. Repito, não vale a pena dizer-lhes isso, falar com os idólatras é tão inconsequente como resmungar com os peixes.

Os locutores da "esquerda" (parte substancial da qual em tempos se chamou "corporativismo") são menos atreitos à preservação do "património" - em especial se de origem religiosa - e cultuam a "contemporaneidade", o seu financiamento, uma idolatria como outra qualquer: por exemplo o Estado deve lautamente financiar exposições itinerantes lusófonas mostrando bidés ou urinóis 90 anos depois de Duchamp, mas será quase-crime fazer rodar plácidos paisagistas ou retratistas 100 anos depois de Silva Porto ou Columbano. 

O interessante é que a ópera - e, em sentido mais amplo, aquilo a que à falta de melhor termo é comum chamar "música clássica" - poderia ser o ponto de confluência desses dois eixos de (des)entendimento: é "património" edificado e é "contemporânea", até pelas dimensões de recriação, mais ou menos controladas pelo cânone. Algo que poderia ser reforçado por aquela costela iluminista da "esquerda", transmitir ao "povo" as grandes obras da cultura desalienante.  Enfim, aquilo da "civilização" a que a ministra se dedica, pelo menos no combate às touradas.

Ainda assim acaba a legislatura com o Teatro Nacional de São Carlos neste estado, uma direcção inoperante, um conflito generalizado, planificação inexistente. A culpa deve ser da "troika".

Parolismo

jpt, 20.04.19

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Apesar de ser Páscoa talvez alguém que viva em Portugal me possa explicar como é que, a ser verdade que a "Administração do Sistema de Saúde "limpou" doentes das listas de espera para consultas, numa altura em que era presidida pela atual ministra, e foram usados indevidamente mecanismos para alterar datas de inscrição de utentes para cirurgia", conforme o inscrito num relatório de avaliação de um grupo técnico independente nomeado pelo  governo, o qual esteve seis meses sem ser divulgado, a actual ministra ainda está em funções. 

Ou será que, segundo o paradigma de cientista Augusto Santos Silva, é parolo perguntar uma coisa destas?

A ministra da Saúde e os criminosos

jpt, 17.12.18

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(Entrevista ao Diário de Notícias: transcrição e excertos em filme. Para quem tenha dúvidas ou queira aludir a uma hipotética descontextualização, este trecho em rodapé aparece no oitavo filme apresentado)

 

Quem me está próximo preocupa-se por eu falar sozinho, aparente sinal de senilidade, óbvio marcador de maluquice. "Não te preocupes", vou adiantando, "sempre falei", o que não sei se sossegará alguém. Não sabe, passará agora a saber, se isto ler, que muitas vezes, não sempre mas muitas vezes, nisso falo com o meu pai. Ontem à noite conversei com ele sobre isto, esta ministra da Saúde PS que considera os sindicalistas renitentes como "criminosos, infractores". "Pai, viste esta tipa, então o Partido apoia isto?" e ele, que foi comunista até à morte, daqueles cunhalistas "sem qualquer culto de personalidade", a menear a cabeça, com ar até amargurado, e eu sarcástico "isto já parece lá a vossa União Soviética, para estes gajos um dia destes nem haverá direito à greve", e ele a repreender-me "deixa-te de coisas". E eu, qual adolescente implacável, "eu deixo, mas vocês é que são a geringonça, a esquerda, a apoiarem esta tipa". Ele escorropichou o seu, sempre frugalíssimo, cálice de genebra (ou seria rum?), levantou-se e praguejou, à sua maneira, "patifes!". E culminou "isto tem que acabar" antes do seu "boa noite, vou-me deitar". Eu sorri, servi-me com abundância do rum (ou seria genebra?) e fiquei até a desoras a ver o "trio de ataque", o Oliveira, o Gobern e um rapaz de melena arisca que "representa" o Sporting. Pois antes estes que tal ministra geringôncica. Depois, antes de me deitar, ao espelho lavando os dentes, surpreendi-me a falar sozinho, "criminosos? infractores? os sindicalistas? ... estes gajos perderam completamente a noção". Nisso a minha mãe assomou ao corredor, preocupada, "Zé vai-te deitar, já é tardíssimo e estás para aí a falar sozinho", e eu que "tá bem, mãe, já estou a ir", e ela sorri-me "vai, que já bem me basta o teu pai que não me deixa dormir, ali a falar mal do governo".

 

 

O Raposão, com a ministra no México

jpt, 27.11.18

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(Teodorico e Alpedrinha por Rui Campos Matos)

 

Foi-se a ministra, orgulhosamente lesbiana, a Guadalajara, decerto que com adido à ilharga – mas não a Cuernavaca com o necessário Cônsul, estou disso certo – e por lá resmungou algo, sobranceira a portugueses, Portugal e seus jornalistas e jornaleiros. Entretanto, cá longe, noutro “lá fora”, ando eu a reler, 35 anos depois, o “Relíquia”. Eça não é, diz quem sabe, o Zola, o Balzac, muito menos o Flaubert, mas é o que temos, e ainda que me solavanque o encanto – tetrali o “Os Maias” por causa do filme de João Botelho, e disso me apercebi, já nada adolescente ou vinteanista, franzindo o meu cenho ao traço grosso da caricatura que escorrega daquele Ega – continua uma delícia.

 

Enfim, perorava a ministra lá em Guadalajara quando o Raposão, o bom do Teodorico, me aportou a Alexandria, naquela sua ímpia, pois humana, peregrinação à então Terra Santa. Logo se acolheu ao afamado e recomendado “Hotel das Pirâmides”, deparando-se com um patrício (onde é que não há um português?), “moço de bagagens e triste“, ali algo desvalido dados os infortúnios de amores e impensares, o Alpedrinha, figura ímpar do panteão queiroziano, mais que não seja por aquela sua sábia e monumental saída, que em mim habitava sem lhe recordar a autoria (“Tu já estiveste em Jerusálem, Alpedrinha?“, perguntou-lhe o Teodorico, “Não senhor, mas sei … Pior que Braga, algo que talvez tenha acicatado aquele Luiz Pacheco). Chegava-se pois, no mesmo fim-de-semana da ministra no México, o bom do Teodorico às terras da Esfinge e, lá de tão longe, responde à sáfica governante: “E se o cavalheiro trouxesse por aí algum jornal da nossa Lisboa, eu gostava de saber como vai a política.”, atreveu-se o Alpedrinha. “Concedi-lhe generosamente todos os “Jornais de Notícias” que embrulhavam os meus botins“, logo concedeu o malandrote.

Isto nem em Cuernavaca lá iria. Quanto mais em Guadalajara.

A condessa de Abranhos.

Luís Menezes Leitão, 07.11.18


Depois destas declarações da Ministra da Cultura, a prometer que o Museu de Évora vai "tornando-se no primeiro Museu Nacional a sul do Sado", só me apetece recordar a célebre personagem ministerial criada por Eça de Queiroz:

"Outra circunstância que torna mais admiráveis esses serviços, é o facto do Conde – tendo dado todo o seu tempo ao estudo das questões sociais – jamais se ter ocupado do conhecimento subalterno da geografia. Segundo ele dizia, nunca pudera reter todos esses nomes esquisitos e bárbaros de rios, cordilheiras, vulcões, cabos, istmos! Assim, por exemplo, nunca compreendeu, confessou-mo muitas vezes, esses cálculos estranhos de graus, latitudes e longitudes, nem dava grande crédito à ciência da navegação (…).

Uma ocasião, na Câmara, ele falava de Moçambique como se considerasse essa nossa possessão na costa ocidental da África.

Alguns deputados mais miudamente instruídos desses detalhes, gritaram-lhe com furor.

– Moçambique é na costa oriental, Sr. Ministro da Marinha!

A réplica do Conde é genial:

– Que fique na costa ocidental ou na costa oriental, nada tira a que seja verdadeira a doutrina que estabeleço. Os regulamentos não mudam com as latitudes!

Esta réplica vem mais uma vez provar que o Conde se ocupava sobretudo de ideias gerais, dignas do seu grande espírito, e não se demorava nessa verificação microscópica de detalhes práticos, que preocupam os espíritos subalternos".

EÇA DE QUEIROZ, O Conde de Abranhos.


Ministros demitidos enquanto aprovavam orçamento.

Luís Menezes Leitão, 20.10.18

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Para mim, isto é demasiado baixo para constituir sequer falta de sentido de Estado. Representa pura e simplesmente deslealdade e grosseria para com pessoas que, bem ou mal, estavam a exercer com sacrifício um cargo público.

 

Adenda: Este se calhar aparece agora a dizer isto tão rapidamente porque tem medo de ser também demitido sem o saber.

Quando o silêncio e o discernimento valem mais do que o ouro

Diogo Noivo, 19.03.16

Esta manhã tinha no telemóvel uma mensagem de um amigo espanhol. O tom era jocoso e amigável, mas nas entrelinhas percebia-se que despontava aquele patriotismo do ¡Viva España! ¡Viva el Rey!. A mensagem resumia-se a um link de uma notícia do El País, acompanhado pela frase “pode ser que os postos da Galp em Espanha se lixem” (bom, não era exactamente “lixem”, mas a palavra que aqui uso serve perfeitamente para capturar o espírito da mensagem original).

Abri o link e a notícia era “A los patriotas se les identifica por la gasolinera – El ministro portugués de Economía, Manuel Caldeira Cabral, ha apelado al patriotismo de los conductores para que llenen los depósitos de sus vehículos en gasolineras del país, y no en las vecinas españolas.”

Se falta fizesse, fica mais uma vez demonstrado que aquilo que se diz em Portugal é lido no estrangeiro e, dessa forma, tem o potencial para afectar a imagem e a credibilidade do país lá fora. Resta agora esperar que os espanhóis continuem a adoptar a postura que sempre tiveram ao longo das últimas décadas – a de ignorar olimpicamente a política portuguesa – porque caso contrário alguns interesses económicos lusos em Espanha poderão sofrer as consequências do brilhantismo de S. Exa. o Ministro da Economia.

É pena que o "Tempo Novo" seja tão recente

Rui Rocha, 12.03.16

Se fosse mais antigo, alguém com juízo teria aconselhado o Ministro Caldeira Cabral a fazer o Doutoramento na Covilhã. Mas claro, como não havia "Tempo Novo" em 2004, Caldeira Cabral acabou por fazê-lo em Nottingham. Nem quero pensar na quantidade de impostos que se perderam em Portugal só pelo facto de este compatriota, distraído ou mal aconselhado, ter acabado por fazer uma escolha tão pouco solidária.