Covide
(Fotografia de Telmo Azevedo Fernandes)
O Minho seria bonito se nele não houvesse construções. Mas há, por todo o lado, e quem o sobrevoar a olhar para o chão vai descobrir que o casario está em grande parte disperso, raros sendo comparativamente os descampados. As casas tradicionais, que já quase não há, eram pobres (quando não miseráveis) e desconfortáveis, e as casas das pessoas de posses, que eram poucas, ou desapareceram, ou estão em ruínas, ou foram recuperadas com o gosto que há, que é o gosto que não há.
Houve um tempo em que os emigrantes de torna-viagem faziam umas misturadas ingénuas e pavorosas entre o que julgavam moderno e o que tinham visto nos países onde angariaram os meios para ter a casa dos sonhos no terrunho em que nasceram, e quem se ocupava do risco das maisons eram uns desenhadores habilidosos que serviam de arquitectos. A construção era (como ainda hoje) feita muitas vezes com materiais baratos, isolamentos deficientes e organização do espaço absurda. Mesmo que houvesse terreno para a horta, esta ficava atrás e não à frente da casa porque o emigrante queria compreensivelmente afirmar o seu sucesso: a casa era para ser vista, e fundi-la com a paisagem seria um desiderato incompreensível.
Nem todos os materiais são maus. Na região há abundância de granito, e dele se fez um considerável consumo. Que porém não será suficiente para evitar que em devido tempo a maior parte destas construções fique em ruínas porque os descendentes de quem as fez não se ocuparão de as conservar – não gostam do que gostavam os seus pais e avós e ademais fixaram-se em cidades, cá ou no estrangeiro.
Não sei dizer se a morte do campo nos formatos tradicionais é uma coisa boa ou má, e também não sei, porque o futuro é uma incógnita, se não haverá, num dia longínquo, um retorno a vidas mais próximas da terra e menos dos vizinhos por cima e por baixo.
O que sei é que a ingenuidade dos meus conterrâneos que deram à sola à procura do futuro melhor que encontraram, e que acima com sobranceria verbero, compara bem com a minha própria: julguei que quando os desenhadores jeitosos que tinham bons contactos nas Câmaras fossem substituídos por arquitectos, como hoje acontece, as coisas melhorariam. Que nada, onde dantes havia ingenuidade agora há pretensão, e ao orgulho do proprietário somou-se o do autor do projecto, que agride geralmente a paisagem e o passante no esforço de copiar luminárias como Souto Moura. Nada de grave, todavia: em devido tempo todo este lixo virá abaixo.
E a que vem este paleio? Sucede que hoje fui almoçar a um lugar improvavelmente chamado Covide, no concelho de Terras de Bouro, e segui por estradas secundárias.
O restaurante tinha um nome apelativo (Cantinho do Antigamente) e, salvo a carta dos vinhos (que era medíocre, segundo um camarada comensal que sabe dessa poda), oferecia cabrito, pataniscas, mais não sei quê e postas de carne. Servi-me de uma gigantesca posta de cachena, que julguei não ir liquidar inteiramente mas que aviei por completo, salvo por uns bocados que fui dando ao gato, que hipocritamente fingiu simpatizar comigo enquanto esperava pelas repetições, que foram muitas (cabia aqui uma judiciosa comparação com as relações entre Portugal e as instâncias europeias, mas o assunto cai fora do escopo deste artigo, que aliás não sei bem qual é).
Ao acompanhamento, um arroz de feijão vermelho e verduras que se apresentou com pundonor e não desmereceu, dei um considerável desbaste; e à sobremesa um humilde mas canónico leite-creme queimado coroou com estilo este mergulho no Minho profundo e serrano.
O preço? 23 euros por cabeça, incluindo cafés e duas garrafas de um maduro razoável, para seis pessoas.
De modo que não sei que diga: Olho para a província em que nasci e vivo com frequente desconsolo; e de vez em quando reconcilio-me, como hoje.