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Delito de Opinião

O Prémio Camões para Mia Couto

jpt, 28.05.13

 

Sou um mau leitor de Mia Couto, transporto-me com dificuldade para a sua ficção. E gosto muito dos seus textos de opinião, pelo que diz, pela forma como o apresenta. E nesse âmbito não esqueço nunca o seu extraordinário texto, de sentimento e de coragem, até física, lido no funeral do jornalista Carlos Cardoso, assassinado em 2000. Que mais me fez admirar o homem ali, sempre gentil no seu jeito muito próprio, para além do escritor afamado, reconhecido. E sempre amado pelos leitores, um tipo que não precisa de confrontar quem o aprecia, sinal de grandeza.

 

Neste agora em que lhe é atribuído o Prémio Camões deixo um poema que lhe foi dedicado: 

 

 

Praia do Savane

 

Tu apenas tu e rodeando-te

a imensidão do mar

e a savana imensa

e o céu abrindo e fechando

todo o horizonte à sua volta.

 

O bramido oceânico

e o fundo silêncio da savana.

E a solidão a solidão

e as aves marinhas

confirmando a solidão ...

 

Livre te sentes é verdade

mas também perdido

e inútil esta liberdade

Adão que és agora ínfimo

desolado e inquieto

contemplando o mar perplexo

contemplando-o como se as ondas

te pudessem decifrar o mistério

desta absurda criação

de deserto de mar e de terra

de silêncio de vento e de aves ...

 

[Fernando Couto, 1985, em "Monódia"]

 

 

E ocorre-me repetir o conteúdo de um postal colocado há dois anos, mostrando "as capas nas estantes cá de casa. Até para conferir(mos) o que falta ...", que então coloquei exactamente quando tive conhecimento da formação de um grupo dos seus leitores que apelavam a que se lhe atribuísse o "Camões".  

 

 

[Cada Homem é Uma Raça, Caminho, 1990]

[A Chuva Pasmada, Ndjira]

[Contos do Nascer da Terra, Ndjira, 1997]

[Estórias Abensonhadas, Ndjira, 2ª edição, 1997 (1994). Ilustrações de João Nasi Pereira]

[Ilha da Inhaca. Mitos e Lendas na Gestão Tradicional de Recursos Naturais, Impacto, 2001. Coordenação de Mia Couto]

[Idades Cidades Divindades, Ndjira, 2007]

[Jesusálem, Ndjira, 2009]

[Mar me quer, Ndjira, 1998]

[Na Berma de Nenhuma Estrada e outros contos, Ndjira, 2001]

[O Fio das Missangas, Ndjira, 2004]

[O País do Queixa-Andar, Ndjira, 2003]

[O Último Vôo do Flamingo, Ndjira, 2000]

[E se Obama Fosse Africano? e Outras Intervenções, Caminho, 2ª edição, 2009]

[O Pátio das Sombras, Escola Portuguesa de Moçambique/Fundació Contes pel Món, 2009. Desenhos de Malangatana]

[Pensando Igual, Moçambique Editora, 2005 (com Moacyr Scliar e Alberto da Costa Silva]

[Pensatempos. Textos de Opinião, Ndjira, 2005]

[Raíz de Orvalho e Outros Poemas, Ndjira, 2ª edição, 1999 (1983)]

[Terra Sonâmbula, Ndjira, 1996]

[Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra, Ndjira,  2ª edição, 2002]

[A Varanda do Frangipani, Caminho, 1996]

[Venenos de Deus Remédios do Diabo, Ndjira, 2008]

[Vinte e Zinco, Ndjira, 1999]

[A Confissão da Leoa, Caminho, 2012]

 

(postal também colocado, em versão algo diferente, no ma-schamba)

Parabéns!

Ana Vidal, 28.05.13

 

A Mia Couto, que acaba de ganhar o prémio Camões. É actualmente um dos meus escritores preferidos de língua portuguesa e o único (repito, o único) que me leva ao sacrifício de ler um livro escrito em acordês. Porquê? Porque, simplesmente, pior do que isso seria não poder lê-lo. Mas é pena que tenha cedido ao AO e ao enganador argumento da uniformização do português. Logo ele, que tem um vocabulário tão próprio e por isso contribui de forma tão expressiva para a diversidade da nossa língua.

Um acto de cidadania

Pedro Correia, 24.06.12

A crise e o chamado "acordo ortográfico", conjugadamente, relançaram o circuito de venda de livros usados. Há cada vez mais procura desses livros entre nós. Por isso, e também para sacar uns cobres fáceis, herdeiros vendem a peso bibliotecas inteiras de pais e avós. Invoco, a título de exemplo, um escritor de que gosto muito: Vergílio Ferreira. Ainda há pouco descobri uma primeira edição do romance-chave deste escritor, Aparição (com data de 1959) por apenas cinco euros. Quem vende ao desbarato nem faz ideia do que está a vender: só quer ter o dinheiro na mão, tão cedo quanto possível. E alguns alfarrabistas de circunstância que fazem essas compras por atacado também não: só querem revender os livros, quanto mais cedo melhor. Recusar ler na grafia analfabetizante adoptada nos últimos meses pela generalidade dos editores nacionais é um acto de cidadania. Não o sugiro a ninguém, não critico quem procede de maneira diferente, mas imponho-o a mim próprio.
Há milhares e milhares de livros disponíveis em 'fundos de armazém' que vêm agora à superfície nas livrarias, ao encontro de leitores como eu, que preferem a "antiga" ortografia e estão disponíveis para adquirir essas obras impressas numa escrita sem erros. Certas livrarias têm já secções específicas para livros destes, pensando precisamente nos portugueses que recusam o "acordo".
Sinto-me bem acompanhado - por jornalistas, tradutores, professores. Por editores como Nelson de Matos, Manuel S. Fonseca, Guilherme Valente, Francisco Vale, Zita Seabra e Manuel Alberto Valente. E por alguns dos nossos melhores escritores, pensadores, ensaístas e críticos - António Lobo Antunes, Manuel Alegre, Óscar Lopes, Mário de Carvalho, Manuel António Pina, Vasco Graça Moura, Pedro Tamen, Nuno Júdice, Eduardo Lourenço, Alice Vieira, Mário Cláudio, Eugénio Lisboa, Manuel Gusmão, António Emiliano, Baptista-Bastos, Miguel Esteves Cardoso, José Manuel Mendes, Gonçalo M. Tavares, Teolinda Gersão, Inês Pedrosa, Miguel Sousa Tavares, José Rentes de Carvalho, Gastão Cruz, Luísa Costa Gomes, Maria Alzira Seixo, José Gil, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Luísa Dacosta, Pedro Mexia, Ana Luísa Amaral, Fernando Venâncio, Helena Buescu, Fernando Pinto do Amaral, José Riço Direitinho, Desidério Murcho, Anselmo Borges, Rui Ramos, Vasco Pulido Valente, Vítor Aguiar e Silva, Maria do Rosário PedreiraRita Ferro, Teresa Salema, Casimiro de Brito, José Mário Silva, Helena Barbas, António Guerreiro  - pensam como eu.

Maria Lúcia Lepecki, Vitorino Magalhães Godinho e João Bénard da Costa, infelizmente já falecidos, eram também anti-acordo. No passado dia 2, ouvi o mais célebre escritor moçambicano, Mia Couto, dizer claramente em entrevista à SIC Notícias: «Não sou adepto do acordo ortográfico.»

Palavras que naturalmente aplaudo. Porque são um acto de cidadania também.

 

NOTA: acrescentei vários nomes à lista inicial