Pelos caminhos da Memória
A Argentina completou 80 anos e foi dia de festa. Chegámos cedo e lá estava a igreja, imponente e muda, um marco de resistência, que nem houve raio que a partisse.
Para ser um verdadeiro passeio pela memória, decidimos fazer o passeio dos alegres, mas em modo inverso, e caminhar o “ caminho da escola”, pelas mesmas ruas e travessas que me levavam da casa dos meus pais até à Rua da Bica do Marquês e que eu percorria com todo o tino dos meus nove anos, tendo à minha guarda a Guida e a Cristina, quatro anos mais novas. Passávamos o Café Galvão, o Chafariz, descíamos pelas ”Terras” e virávamos à esquerda a seguir ao Salão Portugal, evitando assim o mal falado "Café das Meninas” na esquina da Travessa de Paulo Martins. Era curioso para mim o nome dado ao tal “antro” pois, sempre que por lá passava acompanhada, nunca vislumbrei qualquer menina através do vidro das montras.
O “caminho da escola” está irreconhecível. As ruas, travessas, largos e pátios são os mesmos, têm o mesmo nome, mas a modernização pintou por cima das imagens do passado uma caiada de edifícios recuperados, transformados em condomínios privados.
O Salão Portugal, onde vi tantos filmes, muitos sem ter sequer idade para os entender (como por exemplo “Lágrimas e Suspiros”), é agora a sede do Comité Olímpico Português. Se olimpíadas por lá houve, foram seguramente cinematográficas.
A farmácia está onde funcionava o fotógrafo da Céu, que tantas fotos tipo passe nos tirou para as fichas escolares, no início de cada ano lectivo. A padaria acabou, a capelista da D. Augusta, onde se comprava os aviamentos e mandava forrar botões, também. A Sapataria Marilu e a Cá-Jor já passaram a memória há muito tempo.
A Memória não ajudou em nada as memórias que guardei.
Deixámos as cogitações no ar ignoto e fomos ao encontro da Argentina, porque afinal este era o seu dia, e foi uma festa dentro da festa. As minhas memórias eram também as suas memórias mais gratas de jovem aprendiz. E prodigiosas que elas são. Foi um desfilar de lembranças maravilhosas e sentimo-nos gratas por as termos vivido.
A Memória continua lá, mas apesar de ser sempre bonita, já pouco me traz à memória.


