Só nos anos 70 do séc. XX se voltaram a usar cabelos e bigodes tremendamente assim. Relembre-se os visuais de David Byron dos Uriah Heep, ou de todos os elementos dos Black Sabbath à excepção de Ozzie Osborne (estranho!) ou ainda de certos jogadores do benfica, mais hirsutos que o habitual.
Além da exuberante capilaridade, há algo mais que poderia combinar João Curvo Semedo com semelhante malta. Se estes ingeriam com afinco experiências químicas motivadoras, digamos assim, já Curvo Semedo foi um dos percursores, ainda que não inteiramente científico, da farmacopeia química. O apogeu da sua ciência, no dealbar de setecentos, fez dele médico de “Sua Majestade” tanto Pedro II como João V, portanto no período mais rico e edificador da história do reino de Portugal. Mais do que isso, a fama boticária de Curvo Semedo excitou a curiosidade de muitos físicos europeus coevos, nessa época em que nascia o espírito moderno, caracteristicamente explorador, entusiástico com a novidade e apaixonado pelo exotismo das espécies florais e animais que todos os dias nos revelava o Novo Mundo – do feijão aos papagaios, do peru aos venenos amazónicos.
No recato da sua oficina lisboeta João Curvo Semedo pode ser hoje visto como um modelo de pré-cientista do seu tempo. Todavia, não obstante ser familiar do Santo Ofício (não fosse o diabo tecê-las) a composição de algumas “receitas secretas” das suas poções, elixires e preparados foi de molde a suscitar vivíssima repulsa e repugnância, tendo sido ponderada a sua proibição.
Tape-se o nariz e encolha-se a barriga:
Curvo Semedo era defensor das propriedades terapêuticas do vómito: “o vomito he hum arrojo impetuoso, que o estomago faz para as partes superiores, deytando fora de si tudo o que o agrava, & molesta, ou sejão humores, ou alimentos, ou venenos”. (Vai na forma original para não susceptibilizar os inimigos de acordos ortográficos). De modo a proporcionar os benefícios do vómito nada melhor do que a utilização pródiga de “pós de quintílio” ou seja antimónio pulverizado, um metalóide hoje tido como altamente tóxico – quem sabe que propriedades os homeopatas lhe descobrirão amanhã…
Outra grave maleita: “Dor de cabeça he huma acçaõ depravada do sentido do tacto daquele membro. A causa proxima he a soluçaõ da continuidade das partes que se contèm na cabeça; mas porque estas humas saõ interiores, que ficaõ do casco para dentro, outras exteriores que ficaõ dos casco para fóra; he necessário conhecer em qual destas està a dor, para se lhe aplicar o remedio.” Ora, para atenuar certas dores de cabeça o melhor é aplicar emplastros frios de bolo de rosa e folhas de meimendro, tudo pisado e misturado com clara de ovo, leite de peito, farinha de cevada e vinagre rosado, enquanto, de hora a hora, se deve sorver pelo nariz agua rosada temperada com vinagre rosado.
Outra sorte de emplastros, um pouco mais abjetos, resolvem as dores ciáticas. Consistem em esterco de pombos, mostarda, figos passados e sementes de mastruços em partes iguais, tudo bem pisado e misturado com umas gotas de vinagre forte. Encharcar um pano com esta papa e aplica-lo na coxa.
Poderemos com toda a propriedade achar arrepiante se não mesmo fatais estas medicinas, mas elas foram os primeiros passos para a fantástica – e quem sabe se ainda incipiente – ciência contemporânea.