Foto: Louisa GouliamaK/AFP
As esperanças da Ucrânia à independência e até a uma eventual integração na União Europeia estão hoje reduzidas a cinzas. Tristemente isto parece ser o destino histórico do povo ucraniano. A dissolução da URSS, a que assistimos a partir de 1991, parece ter sido apenas um compasso de espera que permitisse a reconstituição do Império Russo, a que Vladimir Putin se tem dedicado com enorme esmero. O curioso é que parece estar-se a repetir ao inverso o que ocorreu no início do século XX em que a dissolução do Império Russo em 1917 parece ter sido apenas um ensaio que permitisse a construção da URSS. Em ambos os casos a Ucrânia não consegue escapar à órbita russa.
Após a revolução de Fevereiro de 1917, Lenine apareceu a apoiar as aspirações de autonomia da Ucrânia, criticando o governo de Kerenski por as procurar travar. Quando chegou ao poder, a ambição de parar a guerra com a Alemanha levou-o a assinar o tratado de Brest-Litovsk que, reconhecendo uma independência formal da Ucrânia, na prática a entregava aos alemães. A subsequente derrota da Alemanha permitiu-lhe a recuperação dos territórios entregues, tendo exigido durante a guerra civil que se seguiu uma defesa intransigente da Ucrânia. Ficou nessa altura célebre uma frase que terá proferido: "Se perdermos a Ucrânia, perdemos a nossa cabeça".
Sob a tutela de Estaline, a Ucrânia foi absolutamente massacrada, tendo sido objecto de um dos mais esquecidos genocídios da história, o Holodomor. Efectivamente, mal assume o poder Estaline decide quebrar quaisquer aspirações independentistas dos ucranianos. No Inverno de 1932-1933, decide mesmo esmagar a população pela fome estimando-se que cerca de 10 milhões de ucranianos tenham morrido de fome, como é aqui recordado. Estaline explicaria a sua decisão através de uma citação que ficou tristemente célebre: "A morte resolve todos os problemas. Sem o homem não há problema".
Crianças ucranianas na grande fome de 1932-1933
A Ucrânia foi nessa altura objecto igualmente da cobiça de outro torcionário. Conforme Hitler escreveu no Mein Kampf, considerava seu objectivo de vida recuperar para a Alemanha todos os territórios que o Kaiser tinha obtido em Brest-Litovsk, incluindo naturalmente a Ucrânia. Por isso, logo após que conseguiu vencer na frente ocidental europeia, atacou a União Soviética, chegando a ocupar a Ucrânia. Depois de Estalinegrado, os soviéticos esmagaram a Alemanha, ficando claro que iriam dar as cartas no pós-guerra. Por decisão de Estaline, a Ucrânia foi logo admitida nas Nações Unidas, juntamente com a URSS e a Bielorússia, apenas para efeito de ter três votos na Assembleia Geral. Tal facilitou, no entanto, a independência ucraniana aquando da dissolução da URSS pois já era membro da ONU.
Após a independência, a Ucrânia tem vivido numa hesitação entre a esfera de influência da União Europeia e a da Rússia, que normalmente se reflecte numa correspondente divisão do seu território entre um ocidente mais pró-Europa e um oriente mais pró-Rússia. Parece, no entanto, que agora o todo-poderoso Senhor do Kremlin quer cortar quaisquer veleidades pró-Europa, nem que para isso tenha que efectuar um brutal massacre da população, na esteira de Estaline. A União Europeia é que parece assistir impotente a isto, tendo-se limitado a aprovar umas sanções simbólicas quando os mortos já atingiam a centena. Na verdade, nada pode fazer. Além do enorme armamento de que a Rússia dispõe, há a enorme dependência que a Ucrânia e vários Estados Europeus têm do gás russo. Depois da intervenção na Geórgia em 2008, a reconstrução do Império Russo vai de vento em popa.