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Delito de Opinião

Marx, Hegel, Kant e Nietzsche

Pedro Correia, 06.12.23

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«Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas o que importa é transformá-lo.» Ao concluir desta forma as suas Teses Sobre Feuerbach, Karl Marx (1818-1883) traçava um propósito revolucionário para a filosofia. Nada de espantar, para um homem que dedicou toda a vida às duas causas: para ele filosofia e revolução eram indissociáveis.

Em 2005, num inquérito organizado pela BBC, Marx foi considerado o filósofo mais influente de todos os tempos. Marxismo é um substantivo hoje associado a várias disciplinas do saber - da história à economia, da sociologia à ciência política. E vários termos criados por Marx na sua monumental crítica à sociedade capitalista em obras como O Capital tornaram-se património da linguagem comum - termos como alienaçãoproletariadoluta de classesmais-valia

 

«Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência», escreveu este alemão nascido em Trier e falecido aos 64 anos em Manchester, Reino Unido. Discípulo inicial de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), Marx incorporou no seu pensamento a noção hegeliana de que o homem é um protagonista da história e actua nela através de sucessivos choques dialécticos (tese-antítese-síntese) que o conduzirão a um patamar definitivo. Que patamar? Aí divergem: é o fim da História, na óptica de Hegel; a sociedade comunista, para Marx.

A diferença entre ambos é radical num ponto: enquanto para Hegel - nascido em Estugarda e falecido em Berlim, aos 61 anos - a síntese era o espírito, para Marx era a matéria. Surgia o materialismo dialéctico, que pretendia inverter a lógica hegeliana, correcta como forma de interpretar o mundo, mas «de cabeça para baixo».

Se para Hegel - autor de obras como Fenomenologia do Espírito Elementos da Filosofia do Direito - o progresso histórico equivalia à «revelação do espírito» -, para Marx equivalia à «quebra das grilhetas» que oprimiam a classe trabalhadora, como sublinhou no seu Manifesto Comunista, escrito em parceria com Fredrich Engels. 

 

Marx foi um grande viajante, em tudo oposto a Immanuel Kant (1724-1804), que passou toda a vida na sua cidade natal, Königsberg - então na Prússia e hoje na Rússia, com o nome de Kalininegrado - e ali faleceu, aos 79 anos. Era uma criatura de hábitos tão rígidos que ao sair para dar o seu passeio da tarde, invariavelmente às 15.30, os vizinhos podiam acertar os relógios ao verem-no iniciar a caminhada.

Tal como Marx e Hegel, Kant é um dos filósofos que mais influenciaram o pensamento contemporâneo - designadamente em disciplinas como a ética e a teoria do conhecimento. Em obras como Crítica da Razão PuraCrítica da Razão PráticaA Fundamentação da Metafísica dos Costumes, garante que não é o objecto que determina o sujeito, mas este que determina o objecto, conhecendo-o no espaço e no tempo - categorias a priori. Eis o «idealismo transcendental» de Kant, que nos legou ainda conceitos como a paz perpétua e o seu célebre imperativo categórico: «Age de tal maneira que a máxima da tua acção se possa tornar princípio de uma legislação universal».

 

Nos antípodas do idealismo kantiano está a obra de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), nascido em Röcken e falecido aos 55 anos em Weimar. Em obras como Assim Falou ZaratustraA Gaia CiênciaO Anti-Cristo, negou a existência de Deus - admitida por Kant e Hegel e também negada por Marx - e de qualquer imperativo categórico, sublinhando que o homem é senhor de si mesmo e do seu destino, movido por impulsos e pela vontade de poder. Numa linguagem cheia de aforismos, fez críticas demolidoras à civilização judaico-cristã, com a sua «moral de escravos»

Este filósofo que gostava de «viver perigosamente» criou uma legião de discípulos, à esquerda e à direita, ao negar finalidade à História. Na sua perspectiva, o «eterno retorno» do homem à plenitude da vida era a marca mais indelével da existência.

 

Kant e a «paz perpétua». Hegel e o «fim da História». Marx e a «luta de classes». Nietzsche e o «eterno retorno». Quatro filósofos alemães cuja obra se mantém em permanente diálogo com o homem contemporâneo, inspirando-o e interpelando-o.

Sem eles, não pensaríamos como pensamos. Nem seríamos como somos.

Comer (7)

Leis da boca e leis do estômago

Pedro Correia, 14.08.22

Há uma diferença básica entre leis da boca e leis do estômago. Comer, para nós, está muito longe de ser apenas uma actividade física: é também algo que pertence em larga medida à esfera mental.

Um rato, por exemplo, é potencial fonte de proteínas, lípidos e sais minerais. Mas ninguém se imagina a comer um rato porque a mente impõe a sua escala de valores à lei da boca e esta prevalece sobre a lei do estômago. O que põe em causa um dos pilares da doutrina marxista quando ensina que a base material condiciona em absoluto o pensamento.

O que é o marxismo?

Pedro Correia, 01.06.22

«Uma doutrina que não tem lugar para a sua própria morte é uma doutrina mortal. O marxismo comporta como nota essencial a afirmação de que tudo muda, tudo se transforma, tudo morre. Excepto o marxismo. Ora, é exactamente por este lado que ele influencia, convence, age, transforma, isto é, sendo aquilo que diz que não se pode ser.»

Eduardo Lourenço, citado por Luciana Leiderfarb (Expresso, 18 de Dezembro 2021)

Marx, Hegel, Kant e Nietzsche

Pedro Correia, 06.06.20

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«Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, mas o que importa é transformá-lo.» Ao concluir desta forma as suas Teses Sobre Feuerbach, Karl Marx traçava um propósito revolucionário para a filosofia. Nada de espantar, para um homem que dedicou toda a vida às duas causas: para ele filosofia e revolução eram indissociáveis.

Em 2005, num inquérito organizado pela BBC, Marx (1818-1883) foi considerado o filósofo mais influente de todos os tempos. Marxismo é um substantivo hoje associado a várias disciplinas do saber - da história à economia, da sociologia à ciência política. E vários termos criados por Marx na sua monumental crítica à sociedade capitalista em obras como O Capital tornaram-se património da linguagem comum - termos como alienaçãoproletariadoluta de classesmais-valia

 

«Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência», escreveu este alemão nascido em Trier e falecido aos 64 anos em Manchester, Reino Unido. Discípulo inicial de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), Marx incorporou no seu pensamento a noção hegeliana de que o homem é um protagonista da história e actua nela através de sucessivos choques dialécticos (tese-antítese-síntese) que o conduzirão a um patamar definitivo. Que patamar? Aí divergem: é o fim da História, na óptica de Hegel; a sociedade comunista, para Marx.

A diferença entre ambos é radical num ponto: enquanto para Hegel - nascido em Estugarda e falecido em Berlim, aos 61 anos - a síntese era o espírito, para Marx era a matéria. Surgia o materialismo dialéctico, que pretendia inverter a lógica hegeliana, correcta como forma de interpretar o mundo, mas «de cabeça para baixo».

Se para Hegel - autor de obras como Fenomenologia do Espírito Elementos da Filosofia do Direito - o progresso histórico equivalia à «revelação do espírito» -, para Marx equivalia à «quebra das grilhetas» que oprimiam a classe trabalhadora, como sublinhou no seu Manifesto Comunista, escrito em parceria com Fredrich Engels. 

 

Marx foi um grande viajante, em tudo oposto a Immanuel Kant (1724-1804), que passou toda a vida na sua cidade natal, Königsberg - então na Prússia e hoje na Rússia, com o nome de Kalininegrado - e ali faleceu, aos 79 anos. Era uma criatura de hábitos tão rígidos que ao sair para dar o seu passeio da tarde, invariavelmente às 15.30, os vizinhos podiam acertar os relógios ao verem-no iniciar a caminhada.

Tal como Marx e Hegel, Kant é um dos filósofos que mais influenciaram o pensamento contemporâneo - designadamente em disciplinas como a ética e a teoria do conhecimento. Em obras como Crítica da Razão PuraCrítica da Razão PráticaA Fundamentação da Metafísica dos Costumes, garante que não é o objecto que determina o sujeito, mas este que determina o objecto, conhecendo-o no espaço e no tempo - categorias a priori. Eis o «idealismo transcendental» de Kant, que nos legou ainda conceitos como a paz perpétua e o seu célebre imperativo categórico: «Age de tal maneira que a máxima da tua acção se possa tornar princípio de uma legislação universal».

 

Nos antípodas do idealismo kantiano está a obra de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), nascido em Röcken e falecido aos 55 anos em Weimar. Em obras como Assim Falou ZaratustraA Gaia CiênciaO Anti-Cristo, negou a existência de Deus - admitida por Kant e Hegel e também negada por Marx - e de qualquer imperativo categórico, sublinhando que o homem é senhor de si mesmo e do seu destino, movido por impulsos e pela vontade de poder. Numa linguagem cheia de aforismos, fez críticas demolidoras à civilização judaico-cristã, com a sua «moral de escravos»

Este filósofo que gostava de «viver perigosamente» criou uma legião de discípulos, à esquerda e à direita, ao negar finalidade à História. Na sua perspectiva, o «eterno retorno» do homem à plenitude da vida era a marca mais indelével da existência.

 

Kant e a «paz perpétua». Hegel e o «fim da História». Marx e a «luta de classes». Nietzsche e o «eterno retorno». Quatro filósofos alemães cuja obra se mantém em permanente diálogo com o homem contemporâneo, inspirando-o e interpelando-o.

Sem eles, não pensaríamos como pensamos. Nem seríamos como somos.

Groucho: o marxismo resiste

Pedro Correia, 19.08.17

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Groucho Marx morreu faz hoje 40 anos. Ninguém diria: o grande actor norte-americano (1890-1977) parece mais vivo que nunca. Não apenas nos seus filmes, alguns deles geniais (Os Grandes Aldrabões, Uma Noite na Ópera, Um Dia nas Corridas), mas na própria linguagem do dia-a-dia, impregnada de citações dele. Tão ou mais frequentes do que as do outro Marx, o Karl.

Todos teremos as nossas frases favoritas de Groucho. Deixo aqui as minhas dez, com a minha vénia à memória deste inconfundível protagonista da comédia cinematográfica que tantas gargalhadas me arrancou - e arranca ainda, pois revejo sempre os seus filmes como se fosse a primeira vez.

 

«Estes são os meus princípios. Se não gostarem deles, tenho outros.»

«Não quero pertencer a nenhum clube que me aceite como sócio.»

«O que quer que seja, estou contra.»

«A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em toda a parte, diagnosticá-los de forma incorrecta e aplicar-lhes a terapia errada.»

«Ele pode parecer um idiota e falar como um idiota, mas não te iludas: ele é mesmo um idiota.»

«Só um homem em mil lidera outros homens. Os restantes 999 vão atrás de mulheres.»

«O problema de não se fazer nada é que nunca sabemos quando se acaba.»

«A televisão é muito educativa: sempre que alguém a liga, saio da sala e vou ler um livro.»

«Nunca me esqueço de uma cara, mas no seu caso abrirei uma excepção com todo o gosto.»

«Se não te estás a divertir é porque estás a fazer alguma coisa errada.»

 

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 Groucho Marx (1890-1977)

A falácia da teoria da empresa como local e espaço de cooperação

Rui Rocha, 16.11.12

Emerge uma concepção da empresa e do trabalho como lugares e espaços de cooperação. Trata-se, se quisermos, da visão simétrica da que resulta da  luta de classes marxista. Marx estava, é claro, enganado. Falta, na sua análise redutora e para dar só alguns exemplos, e se nos quisermos manter apenas na dinâmica do conflito, a perspectiva da luta entre o norte e o sul, entre insiders e outsiders do mercado de trabalho e o sentido da ironia histórica que viria a deslocar o epicentro da luta de classes como ele a entendia para a China. E, se quisermos ir mais longe, a percepção dos múltiplos sentimentos e formas de ser humanas que não se explicam na estreiteza da ideologia, seja ela marxista ou outra. Entre as quais se incluem o altruísmo, a solidariedade, a compaixão, o egoísmo e outras virtudes e vícios, adquiridos ou de fabrico, que dão origem a lutas sem classe. Muitas vezes, a lutas sem classe mesmo nenhuma que são capazes de minar as relações entre pessoas estejam elas ligadas por uma qualquer hierarquia ou sejam pares de uma mesma função. Mas, se isto é assim, deve admitir-se que a dita concepção da empresa como local de cooperação é igualmente falaciosa pelas exactas e mesmas razões. Aliás, para perceber que assim é, basta levar as consequências do argumento até ao fim. No tempo das empresas colaborativas, dizem, não faz sentido ver consagrado o direito à greve que, pela sua natureza conflitual, está completamente ultrapassado. Pois muito bem. Demos então todos os passos em frente ao mesmo tempo. E expurguemos da legislação do trabalho, também, a possibilidade de despedimento individual com justa causa. Pois se a empresa é local de cooperação... No fundo, o que temos de concluir, para marxistas e teóricos da cooperação, é que podes saber tudo sobre os vários pilares da sociologia. Mas, se não te conheces a ti mesmo, com todas os teus méritos, defeitos e limitações, isso é sinal de que ainda não sabes nada do mundo.