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Delito de Opinião

Ainda a entrevista a Marta Temido

Paulo Sousa, 25.08.24

Em Junho passado, postei aqui sobre a desastrosa entrevista que e Marta Temido deu a José Rodrigues dos Santos na RTP. Desde o primeiro momento que o incómodo da própria, e do PS, foi notório e isso terá levado a que uma queixa tenha chegado à ERC, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Digo isto, mas tenho de salvaguardar que não sei de quem foi a iniciativa que levou à recente publicação de uma Deliberação deste órgão regulador.

As primeiras reacções a esta Deliberação apontavam para o alinhamento da ERC no tom condenatório do Partido Socialista. Por sua vez, José Rodrigues dos Santos reagiu num artigo no Observador. A sua resposta não é curta, mas é explicita. De entre os vários pontos destaco a seguinte passagem:

No ponto 44, a ERC diz que teci “comentários laterais a afirmações da entrevistada que se situam no plano da opinião e não no plano da factualidade”. Para sustentar esta afirmação extraordinária, a ERC invoca que, quando a entrevistada afirmou que “alguns (países) têm até situações de tal modo graves que, neste momento, equacionar esta questão levanta uma série de outras questões”, eu terei replicado “por acaso, não creio”.

Fiquei muito espantado com esta citação, porquanto não proferi a declaração que a ERC me atribui. Existe realmente um trecho perto do final em que a entrevistada fala de países candidatos à adesão com “situações de tal modo graves que, neste momento, equacionar esta questão levanta uma série de outras questões”. Ao ouvir isto, eu de facto disse algo, mas, ao contrário do que pretende a ERC, não foi “por acaso, não creio.” O que eu disse foi “o caso da Ucrânia”.

Ou seja, eu não estava a fazer nenhuma réplica, estava só a nomear o caso de um país candidato à adesão à UE que vive de facto uma situação grave, a guerra, ilustrando exactamente o que a entrevistada estava a dizer. Oiça-se a entrevista aqui, a minha frase está aos 19 minutos e 01 segundos.

Que a ERC me atribua, como base para me criticar, declarações que jamais proferi afigura-se-me absolutamente surreal."

Sinto-me dividido em como classificar os responsáveis pela ERC. Entre a singela incompetência e a desonestidade cabeluda, mais simpático que consigo ser, faz-me ficar pela primeira hipótese, mas é óbvio que este minha simpatia me está a induzir em erro.

Ide às boxes da TV

Paulo Sousa, 06.06.24

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A entrevista de ontem ao serão de Marta Temido na RTP, conduzida por José Rodrigues dos Santos, arrisca-se a ficar nos anais do que designaria por “socialismo vs realidade”.

O entrevistador não desiludiu os seus haters (odiadores?) socialistas, confrontando a cabeça de lista do PS às eleições europeias, com a subsidio-dependência nacional, assim diagnosticada pelo ex-ministro António Costa e Silva, e com o desapontamento manifestado por Elisa Ferreira perante os resultados alcançados após anos das transferências destinadas à coesão europeia. Seguiu-se a referência à contínua ultrapassagem de Portugal pelos países mais pobres da Europa de Leste, que a convidada tentou negar, recorrendo para isso a uns apontamentos que trazia, mas que chegou ao fim da entrevista sem os encontrar.

Perante tal fogo cerrado, Temido ainda tentou reagir, mas a cadência de tiro era rápida e o calibre grosso. Se disserem que eu disse isto, negarei prontamente, mas cheguei a ter pena dela. Só me fazia lembrar aqueles filmes de guerra em que os alvos tentam correr em zigue-zague para se porem a salvo, mas que por descoordenação motora acabam por nunca se desviar da linha de fogo e se deixam apanhar no zigue quando já deviam estar no zague.

No final, José Rodrigues dos Santos agradeceu-lhe a presença no programa, ao que ela, num rasgo de sinceridade, encharcado em falta de educação, responde com um “eu não posso dizer a mesma coisa”.

Ide às boxes da TV. Foi ontem ao serão. Merece ser revisto.

Também poder visto aqui (minuto 10:30)

Gostavam que fosse temida, mas eu acho-a tremida

Paulo Sousa, 22.05.24

Marta Temido, a cabeça de lista do PS às europeias, tem mostrado neste arranque de campanha muitas fragilidades.

Desde que todos assistimos às suas decisões absolutamente ideológicas de acabar com os contratos PPP com os hospitais que tinham melhor desempenho médico e financeiro do país, como é o caso dos Hospitais de Braga e Loures, que a passei a considerar como uma pessoa ignorante ou intelectualmente desonesta, salvaguardando a possíbilidade de acumular estas duas características.

Há poucos meses era apontada como futura rival de Carlos Moedas numa corrida à Câmara de Lisboa, mas talvez devido a sondagens pouco optimistas foi despachada para Bruxelas, exílio dourado para onde os partidos tentam transladar alguns problemas.

Não tenho seguido todos os debates, mas não lhe têm faltado pérolas de infelicidade. Quando se sente apertada, repete uma qualquer banalidade, levanta as sobrancelhas, abre muito os olhos, faz boquinhas ou sorri, tentando fazer um o ar de engraçadinha para esconder o nervosismo.

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No debate de ontem, de que só vi uma parte, entrou logo a tratar os demais candidatos por “colegas de painel”, como se ali estivessem apenas no comentariado e não com o mais genuíno propósito político que é o de tentar conquistar votos. Já o candidato Paupério noutro debate tinha assim tratado os seus adversários e desta vez foi Tânger Correia a insistir nesse erro grosseiro.

Mas no debate de ontem tive uma sensação nova. Quando, após uma pequena pausa, Marta Temido recorreu a um “etecetera, etecetera” fiquei à espera que a imagem se deslocasse para o lado e lá surgisse a Drª Graça Freitas para, providencial, lhe acabar a frase.

Eleições europeias

jpt, 24.04.24

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1. Nas próximas eleições europeias repetirei a opção que fiz nas últimas eleições - é a ressalva para situar este postal. 

2. Os partidos vêm apresentando as suas listas de candidatos. Imprensa e cidadãos optam não tanto por vasculhar os róis de candidatos e talvez ainda menos as propostas eurocentradas dos partidos - os ditos "programas eleitorais" e, mais relevantes, os fluxos de posições sobre a "Europa" que cada partido vem assumindo. E preferem centrar-se nos nomes sonantes apresentados e, principalmente, nos cabecilhas das candidaturas. 

Não é espúria essa atenção nos nomes cimeiros, pois podem ter significado político. O anúncio que Moreira de Sá é "lugar-tenente" (segundo na lista) do CHEGA indiciará algo - como aqui aflorei: dentro do PSD há uma corrente ("passista", se se quiser o facilitismo) que pugna por  uma conjugação com a direita "profunda". E o processo de escolha do cabecilha do LIVRE - o partido parlamentar que mais cresceu nas últimas eleições - também é relevante, pois denotativo do carácter "sonso" (demagógico, entenda-se) do partido celebrizado pela ex-deputada Katar Moreira, o qual se vem apresentando como "o primeiro partido de esquerda que não vem do marxismo", como há algum tempo ronronava o militante Sá Fernandes, ex-candidato do MDP/CDE.

Também é significativa a opção do ADN, partido que mais cresceu nas últimas eleições - porventura devido à remanescente iliteracia popular, a causar ter o partido octuplicado a sua votação. Ao escolher a protuberante Joana Amaral Dias aquele partido garante alguma atenção popular (ela própria recordou que o eleitorado a reconhecer por já a ter visto "de biquini"). E assim afronta não só as acusações de recolher votos "distraídos" desconhecedores, mas também as acusações de "misoginia" que lhe foram endereçadas pelo activista Mamadu Ba.

Mas convém lembrar que a hierarquia dos candidatos nem sempre explicita a sua importância para os partidos proponentes, pode derivar apenas de estratégia ("comercialização") política ou de cosmética. E recordo que nas últimas eleições o PS deixou no topo da sua lista os antigos ministros socratistas Pedro Marques e Maria Manuel Leitão Marques, indiciando serem os nomes com maior peso político. Mas depois fez eleger Silva Pereira (o braço-direito de Sócrates) como vice-presidente do PE, ainda que ele tivesse sido (apenas) o terceiro da sua lista, demonstrando assim que era ele, afinal, o mais relevante candidato. 

3. O nome que mais polémica causa é o de Bugalho, o indicado para a encabeçar a lista do PSD - partido que vem seguindo o paradigma PCP, o de se apresentar como "coligação" CDU agregando-se a irrelevâncias políticas. Eu sorrio com este desejo patente em Montenegro: afirmar-se como o Frederico Varandas da política, arriscando um "all-in" na contratação de um putativo novo Rúben Amorim.

Mas é notória a reacção negativa a este nome, desde a direita "profunda" à esquerda: nos murais de Facebook (inclusive de responsáveis de altos institutos estatais) abundam as acusações de que o nóvel candidato apenas procura "tacho" - o "são todos iguais" reina -, e os gozos com o seu apelido. É o tom "CHEGA" a entrar no domínio dos "quadros" intelectuais e a demontrar-se no ambiente PCP e circundantes... E, em tom mais curial, as acusações de que os seus comentários políticos estavam sobredeterminados por uma agenda pessoal (como se fosse caso único...). Sobram ainda acusações à "transferência" de um jornalista para a "política", algo interessante por um feixe de razões: 1) o homem não é exactamente jornalista, é "comentador" (comentadeiro, melhor termo para a viçosa actividade); 2) os jornalistas não são militares, não lhes está vedada a actividade partidária e, ainda menos, eleitoral; 3) a transumância, explícita e implícita, entre "jornalismo" e "política" é constante.

Mas o caso mais interessante é o da opção do PS, encabeçando-se com Marta Temido. Surpreende um pouco pois é consabido o estado deslizante dos serviços estatais de Saúde. Desde há anos (na era pré-COVID, para ser explícito) que os profissionais do ramo consideravam ser ela uma má ministra da Saúde - mesmo que não reduzissem os problemas do SNS à acção da ministra ou a questões estritamente contemporâneas. No período do COVID a ministra tornou-se muito visível - até simpática para muitos, pois presença quotidiana na tv e dotada de "boa imagem". Nisso fazendo esquecer a atrapalhação do Estado (não só dela mas também dela) nos meses precedentes à vaga no país, e obscurecendo a sua incapacidade real de induzir adequações gerais nos serviços durante a pandemia. Fazendo esquecer a sua participação durante 2020 e 2021 no fluxo de erráticas decisões governamentais relativas aos constrangimentos à mobilidade populacional (e ilustro isso com aquele episódio tétrico de ridículo do "Natal com compota caseira"). 

Todos fizemos por esquecer isso, essa irrazão governamental (e presidencial), que teve Temido como um dos dínamos fundamentais. E todos querem esquecer que em finais de Janeiro de 2021 Portugal se tornou por mais de uma semana o pior país do mundo - em termos absolutos - em infecções e mortos diários. Independentemente dos vírus não obedecerem aos ditames governamentais, isso bem mostrava a atrapalhação que reinava no governo.

Convém ilustrar a situação - para além das afinal sempre argumentáveis estatísticas: cerca de um mês depois daquela tétrico pico português grassou um terrível surto de COVID na gigantesca Índia, que encheu as notícias internacionais. Na TV o comentador (já agora, antigo jornalista e antigo político) Paulo Portas referiu-se à "catástrofe indiana". E na Índia havia 11 vezes mais mortos diários do que houvera em Portugal naquele final de Janeiro de 21, após os atrapalhados ziguezagues governamentais do segundo semestre de 2020. 11 vezes mais mortos diários, numa população 140 vezes maior. E era uma "catástrofe"...

Naquele pico que nos alcandorou ao pior lugar na luta contra o COVID, Temido foi entrevistada na RTP. E respondeu desabridamente às difíceis questões que lhe foram postas. Logo Morgado Fernandes - um antigo jornalista que passou a trabalhar na política, decisão que lhe é perfeitamente legítima, já agora - a apodou de "Super-Marta", dada a rispidez demonstrada diante da comunicação social. E nesse seu "Super-Marta"! teve um enorme sucesso, o epíteto generalizou-se. Apesar da tétrica realidade.

Depois veio o processo de vacinação. Sob tutela de Temido logo se encetaram os desmandos: importantes líderes do PS, autarcas do PS (e não só, e não só...) de imediato trataram de vacinar os seus "entes queridos", torpedeando a confiança da população no difícil mas urgente processo. E ainda depois, cruzada a era Covid, agudizou-se a situação do SNS. Temido, a tal Super-Marta, saiu do governo.

E agora, anos passados, e após Santos ter anunciado - na noite da derrota eleitoral - que iria "renovar os quadros do partido", Temido, qual Super-Marta, é escolhida para encabeçar a lista nacional de candidatos do PS. A "narrativa" vinga. Apesar da realidade que foi o passado.

E os adeptos do PS? E os seus parceiros, aqueles da velha geringonça? Entretêm-se a gozar com os "alhos e os bugalhos". Sem pudor? Não. Sem pingo de Razão.

 

Em equipa que ganha não se mexe

Sérgio de Almeida Correia, 24.04.24

mw-1920.webp(créditos: Horácio Villalobos)

O princípio é conhecido das lides desportivas.

Na política, por vezes, adquire estranhos contornos, mas estou convencido de que se soubessem que do outro lado estaria o homem que vai garantir a Luís Montenegro a genuidade dos sabores portugueses em Bruxelas e Estrasburgo ("Se queres alho, vota no Bugalho"), a coisa é capaz de ficar tremida. Bem prega Frei Assis.

Leitura recomendada

Pedro Correia, 08.07.23

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Foto: Lusa

 

«Hoje, o futuro é um vento que sopra a uma velocidade que o primeiro-ministro não controla. A seu favor ou contra a sua vontade, as suas criações têm vida própria, autonomia, ambições, força. (...) Pedro Nuno Santos e Marta Temido só têm tudo isso porque António Costa criou, inadvertidamente ou não, um ambiente onde a ressurreição é inevitável porque a morte política nunca é definitiva.

Temido deixou o Ministério da Saúde com o maior crescimento de mortalidade na União Europeia entre o pré-pandemia e o pós-pandemia ‒ 24% ‒ e o SNS com a maior dependência de sempre do setor privado. Pedro Nuno Santos indemnizou uma administradora de forma ilegal, nomeou-a para uma empresa pública de forma igualmente ilegal, nada disse ao vê-la tornar-se secretária de Estado do Tesouro, nada disse sobre lembrar-se ou não da indemnização, esqueceu-se de ter aprovado o valor da mesma, recordou-se ao dar milagrosamente com uma conversa eletrónica e demitiu-se. Mas nada disso importa ‒ ou importou ‒ e do relatório preliminar da comissão de inquérito à TAP ao ânimo do grupo parlamentar do PS quase dá ideia de que bom, bom, bom era o dr. João Galamba ser amanhã substituído pelo seu antecessor na pasta.»

 

Sebastião Bugalho, aqui.

Os fusíveis*

José Meireles Graça, 05.09.22

Marta Temido tem o estatuto de ministra demissionária, uma figura inovadora na ciência política: há dias não conseguia conciliar o sono porque tinha morrido mais uma pessoa na lotaria dos hospitais e, em vez de tomar um sonífero, ainda que tenha efeitos indesejáveis para a saúde, demitiu-se. Costa poder-lhe-ia ter dito: Ó que grande maçada, Marta, realmente estes falecidos não te deixam em paz. Mas dá-me um ou dois dias para encontrar um socialista qualquer que tenha perfil para continuar a tua bela obra e depois, se ainda te doer a cabeça, demites-te.

Mas não. A demissão foi logo anunciada, já o país estava a dormir. Marta, presumimos, sossegou, e no dia seguinte o caso já não era a tragédia da mulher que morreu em trânsito de um hospital para outro, mas a da preclara ministra que, com grande despojamento, bateu com a porta.

Costa tem agora tempo para escolher, da multidão de candidatos, um que não desagrade às capelas da Saúde socialista, para o efeito de beneficiar do tradicional estado de graça aí por uns dois ou três meses e a seguir funcionar como Marta e quase todos os ministros do desastre costiano – fusíveis. Este é um de valor acrescentado porque já fundiu mas continua a deixar passar corrente (com Costa os fusíveis ministeriais duram e duram, como ficou amplamente demonstrado com o caso Cabrita, só retirado de serviço quando já tinha a cerâmica estaladiça de tão queimada, mas Martinha inova – está e não está, é e não é, inaugurando a prometedora época dos fusíveis quânticos).

É bem visto. Desde o princípio que Marta mostrou ser uma simpática não-pessoa da esquerda fóssil: o país sadio, claramente minoritário, gargalhou quando confessou, numa entrevista, cantar a Internacional no banho, por concluir que de História, poesia e música não entendia nada, mas tinha saudáveis hábitos higiénicos.

A gerir a Saúde foi, previsivelmente, um desastre – v.g., entre muitos outros, este epitáfio. E ver também a brilhante opinião de Daniel Oliveira, papa emérito dos comentadores de esquerda, que acha que Marta nunca teria falhado se tivesse os meios que não lhe foram dados, o típico raciocínio circular dos Daniéis deste mundo – a política de esquerda falha porque não estão presentes os recursos que deveriam estar para que não falhasse.

Lições? i) A arte de conquistar e manter o poder vive muito da aparência e pouco da realidade – a verdade é que se suspendeu o aumento da esperança média de vida e cada vez mais cidadãos pagam a saúde duas vezes, a do SNS a que não recorrem porque não está disponível e a da saúde privada que não é barata. Mas para tudo há o inimigo originado no exterior (a pandemia do ano, Putin, as alterações climáticas, o monstro da inflação, etc.) e uma comunicação social acomodatícia: mau será, mas seria pior se os nossos pastores não velassem por nós; ii) O SNS assenta em pressupostos errados, dos quais o principal é o princípio constitucional da gratuitidade universal e os secundários a confusão entre serviço público e propriedade pública e a equivalência entre gestão privada e pública, como se os incentivos para o bom desempenho de uma e outra fossem os mesmos; iii) Um bom ministro disfarça as insuficiências e reforça a importância da gestão sensata, isto é, recorre sem hesitar à Saúde privada e tenta importar para o sector público as coisas que fazem com que aquela gestão seja melhor. Um mau ministro, como era esta pobre diaba, faz o contrário; iv) Os fusíveis só existem porque os ministros devem o lugar e a carreira a quem os nomeou, não aos eleitores do seu círculo – começam logo por frequentemente não serem sequer recrutados no Parlamento, onde aliás a situação não é muito diferente. Nos casos raros em que o ministro existe para lá dessa condição, é o PM que pensa duas vezes antes de os despedir ou queimar e, no limite, até se pode sentir na obrigação de os recompensar, como sucedeu com Centeno, o demagogo das finanças e da impostagem que se soube tornar indispensável. O sistema inglês, com o qual simpatiza muita gente que arrasta pela vida o desgosto de não ter nascido com aquela nacionalidade, evita esta desgraça mas, se transposto para aqui, originaria outras – um ponto de vista no qual não vou abundar.

Conforme aquela Oposição que pessoas profundas dizem que não existe não se cansa de lembrar, Portugal não cessou, no consulado costiano, de perder posições no ranking das nações no PIB por cabeça em paridade de poder aquisitivo. Costa ficará como o político que ganhou todas as batalhas, tendo perdido a guerra. Mas é pouco provável que gerações futuras venham a dar grande importância a estes tempos: são perdidos e não têm sequer a curiosidade do PREC, que foi um manicómio em autogestão, ou os de Soares, que encabeçou a luta anticomunista, ou os de Cavaco, em que o crescimento justificava a esperança, ou os do pântano guterrista-socrático, entusiasmantes pela falência e pelos crimes, ou sequer os do breve momento passiano, em que um módico de racionalidade  e um iota de reformas fizeram renascer a confiança.

E daí talvez não venha a ser assim: a falência do conjunto de crenças e práticas em que assenta esta governação socialista, e que só a válvula de escape da emigração (uma tragédia em si mesma: Portugal sempre exportou os seus filhos que sobravam nos campos, passou a exportar o capital humano em cuja formação investiu), o maná do turismo e os fundos europeus disfarçam, traduz-se na necessidade de uma explicação: que estranha mesmerização leva a que o eleitorado não veja? Quando António Costa, ao longo de anos, bacorejava futuros ridentes semanalmente na Quadratura do Círculo, era claro que as vacuidades em que acreditava nunca poderiam, se traduzidas em poder, resultar em desenvolvimento – o homem não entende os mecanismos da criação de riqueza, ponto final. O país da opinião ouvia, o outro, que é muitíssimo maior, estava preocupado com o Benfica e o fim do mês. Mas agora, ao fim de 7 anos, continua popular?!

Dá vontade, para quem tenha convicções pouco sólidas, de descrer da democracia. E todavia é preciso compreender porque só entendendo as doenças se lhes pode encontrar o antídoto.

Até porque, com tanto fusível e tanta sobrecarga da instalação, não é impossível que um dia ela venha abaixo.

 

* Publicado no Observador

 

Chamem o almirante

Pedro Correia, 31.08.22

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António Costa, confrontado com o irrevogável pedido de demissão da titular da pasta da Saúde na última madrugada das suas férias, revelou ao País que Marta Temido já antes tinha querido sair do governo - confirmando assim a sua vocação para fritar ministros na praça pública.

Espantosamente, acrescentou não sentir urgência em removê-la. Como se a caótica situação no Serviço Nacional de Saúde não exigisse decisões rápidas em vez de hesitações movidas por tacticismo político ou mera acrimónia pessoal. 

Se o impasse perdurar, talvez o melhor seja chamar outra vez o almirante. Intervenção castrense no SNS, com médicos obedecendo a uma possante voz de comando e sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar. Sob o lema «Tu vais para a tropa, pá!»

A Super-Marta

jpt, 31.08.22

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Quando no Verão de 2019 voltei a Portugal algumas vezes comisquei com gente médica, que me é muito próxima. E querida. Gente que não é paladina do marxismo, em qualquer das suas versões, nem da estatização da sociedade. Mas que é radical defensora do Serviço Nacional de Saúde.
 
Nesses convívios muito me disseram sobre a decadência do SNS, apontando que o país está há décadas no mesmo processo que o britânico, o que promove um serviço público (e fragilizado) para os pobres e um privatizado (e reforçado) para os remediados. Mais me avançaram - com argumentos substantivos, de profissionais que reflectem - que o problema não está na "medicina privada" ("os barões da medicina" como ainda alardeiam os demagogos do costume) mas sim nas concepções e práticas políticas, dominantes quase há 30 anos. E nisso muito por influência - entre outras estratégias relevantes - de uma mundividência igualitarista do "funcionalismo público" (um pouco à imagem daquela que vigorou para o ensino), tendente à devastação da carreira médica.
 
Nessas conversas, e como factor bem secundário, era também referida a insuficiência da então ministra da Saúde, Temido, percebida como incapaz de qualquer inflexão no processo degenerativo do SNS.
 
Depois veio a COVID-19, foi o que foi - de facto até à intervenção militar no processo de vacinação muito foi errático para fora e apenas reactivo no que respeita à organização interna dos serviços. O enorme peso da propaganda governativa levou a que Temido fosse promovida a "Super-Marta" pelos avençados e pelos "idiotas úteis". Depois foi ainda alcandorada (apesar de "socialista-nova") a hipotética sucessora de Costa, rumores emitidos apenas para sublinhar a propalada excelência do seu desempenho ministerial.
 
Foi reconduzida e, apenas alguns meses depois, demite-se, "sem condições" para o exercício, tão óbvio é o desnorte e a inércia que vêm sendo produzidos, antes dela e muito com ela. Podem agora os "intelectuais orgânicos" do PS, as escritoras subsidiadas, os jornalistas avençados e quejandas figuras, sair à rua a tecer loas à "dedicação" e ao "empenho" da "Super-Marta". Fazem-no pois uns são pagos para isso, directa ou indirectamente. E outros porque têm ADSE... Mas de facto Temido não foi importante, foi apenas um má ministra, na senda da decadência da Saúde no país. Um mero epifenómeno, que arregala os olhos, para encanto dos tontos, ceguetas. E dos avençados, claro.
 
(Postal que coloquei ontem no Nenhures)

Parece uma nave de loucos

Pedro Correia, 30.08.22

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Do céu ao inferno, na política, vai um curto passo. Marta Temido que o diga. Foi vedeta no congresso socialista de 2021, enaltecida pelas pitonisas ligadas ao Largo do Rato como possível futura candidata a secretária-geral do PS, mas tornou-se ministra descartável, cada vez mais ignorada por António Costa e abandonada pela mesma engrenagem mediática que lhe entoava hossanas.

Acaba de anunciar a demissão do cargo. Deixando o Ministério da Saúde muito pior do que estava quando assumiu funções, há quase quatro anos. 

 

Confirma-se: este governo socialista absoluto - o segundo, desde o de José Sócrates - transmite sinais de iniludível esgotamento.

Alguns dos seus membros parecem competir num concurso de dislates - desde a ministra da Agricultura, que se atreveu a dar um ralhete à CAP por não ter recomendado o voto no PS, ao ministro das Infraestruturas, flagelado pelo primeiro-ministro na caótica gestão do sempre adiado aeroporto de Lisboa. Passando, claro, pelo inefável titular das Finanças, envolvido na trapalhada com o amigo que lhe havia dado palco durante anos na TVI, numa escandalosa teia de favorecimentos que nenhum código de boa conduta governamental devia permitir. Ou pela secretária de Estado da Protecção Civil, que vendo Portugal devastado por incêndios, com prejuízos patrimoniais incalculáveis, congratulou-se por «apenas» ter ardido 70% do que estava previsto num suposto algoritmo que lhe serve de guião.

Parece uma nave de loucos.

 

Exausta, a ministra que abria telediários sem já nada ter para dizer acaba de bater com a porta. Não tão exaurida, apesar de tudo, como o SNS que tutelou até agora.

Como aqui escrevi há dois meses, «o Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo».

Primeira deserção no Executivo absoluto volvidos apenas cinco meses desde a posse. Costa, como de costume, reagirá com indiferença olímpica. Caiu uma simples peça do dominó político que deixou de lhe ser útil. A prioridade do primeiro-ministo é Bruxelas, não Portugal.

Está bem, mas então e antes?

João Sousa, 30.08.22

Numa das primeiras empresas onde trabalhei, contava-se esta "anedota interna": certo dia, ao fim do expediente, alguns elementos da empresa decidiram fazer uma noitada pelos bares de Lisboa. Voltaram todos para casa em vários estágios de torpor alcoólico. Depois de dormir a bebedeira, o técnico de informática acordou e viu que já passava do meio-dia. Telefonou atrapalhado para o escritório e disse a quem o atendeu que pedia imensa desculpa mas tinha bebido para lá de demasiado e deixara-se dormir. A outra pessoa respondeu-lhe que sim senhor, não havia problema, mas "isso é hoje; então e ontem, porque é que faltaste?" (Nota: ele próprio não me negou a veracidade da narrativa).

Lembrei-me desta história ao ler que Marta Temido se demitiu por sentir que "deixou de ter condições para exercer o cargo". Está bem, mas isso é hoje; então e na semana passada, ou há um mês, ou há três meses, porque é que ela sentia ainda ter condições para o exercer?

Estará Temido a pôr-se já ao fresco para que seja outro qualquer a apanhar a (ainda maior) confusão que há-de vir com a época alta de doenças respiratórias (gripes, covids, etc)?

A Saúde necessita de cuidados intensivos

Marta Temido

Pedro Correia, 20.06.22

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O Serviço Nacional de Saúde, peça central da narrativa propagandística do Governo, está a precisar de cuidados intensivos. Não é de agora, mas a situação agrava-se a ritmo acelerado. E o rosto desta crise, com picos caóticos que levaram ao encerramento de diversas urgências hospitalares nos últimos dias, é o da ministra da tutela. Que por vezes fala como se fosse recém-chegada ao cargo. Mas não é: Marta Alexandra Fartura Braga Temido de Almeida Simões, 48 anos, conduz o Ministério da Saúde desde Outubro de 2018. Recebeu elogios pelo combate à pandemia, a mesma lógica leva-a ser criticada neste momento de notório desgaste do SNS, incapaz de dar resposta aos problemas que se acumulam sem solução à vista.

Nenhuma máquina de propaganda oculta as evidências. «Existe um problema estrutural sério no SNS, que se está a agravar muito, de incapacidade de planeamento e gestão de recursos», declarou há dias Adalberto Campos Fernandes, antecessor de Marta Temido, pondo o dedo na ferida em entrevista à CNN portuguesa. É médico, foi ministro, sabe bem do que fala.

A profissão está envelhecida, o sector público há muito deixou de ser aliciante. Cerca de 40% dos clínicos de medicina geral e familiar têm mais de 65 anos. Os serviços de atendimento permanente revelam incapacidade de organizar escalas face aos recursos disponíveis. Os médicos somam mais de oito milhões de horas extraordinárias no SNS, tendo atingido em Maio o limite máximo previsto para o ano inteiro.

Metade dos obstetras já transitou para o privado. E a situação agrava-se neste período em que todos os dias recebemos milhares de turistas. O caso de uma grávida que perdeu o bebé por aparente falta de especialistas no hospital das Caldas da Rainha introduziu uma componente de tragédia num quadro que se tornou dramático. Desmentindo a imagem de inefável modernidade que o Governo tenta exibir ao mundo para atrair visitantes.

A ministra, que parecia desaparecida, falou enfim esta semana. Mas quase nada disse, refugiando-se numa oratória sem conteúdo, truque retórico que aprendeu com António Costa quando nada há de concreto para anunciar.

Não adianta iludir a questão, ocultando-a com torrentes de palavras. Os extenuados profissionais do SNS exigem de Marta Temido a revisão das carreiras, a garantia de melhores remunerações e a existência de condições de trabalho que lhes permitam exercer com eficácia a relevante missão que desempenham. Caso contrário, a sangria para os hospitais privados prosseguirá. Ou até o recurso à emigração.

Há em Portugal 1,3 milhões de cidadãos sem médico de família, contrariando todas as promessas feitas pelo primeiro-ministro em campanha eleitoral. Isto ajuda a perceber por que motivo 4,5 milhões de portugueses já optaram por seguros de saúde ou subsistemas como a ADSE.

Todos fazem um diagnóstico preciso da situação. E sabem que nenhum problema sério nesta área se cura com ideologia ou hossanas incessantes a um serviço público que necessita de atendimento urgente. Para não sucumbir de vez.

 

Texto publicado no semanário Novo.

Temido

jpt, 17.06.22

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A situação dos serviços públicos de Saúde é complicada. E tendendo para o deficitário face às expectativas sociais. Nos últimos dias, para além dos consabidos problemas estruturais e das reclamações dos sectores profissionais, aconteceram mortes em instalações públicas que convocaram a atenção. Há uma década alguns lamentáveis incidentes similares convocaram uma chuva de reclamações na imprensa - na redução de maternidades proposta sob Correia de Campos e, depois, durante o governo de Passos Coelho. Mas agora a reacção da imprensa (jornalistas e colunistas) é muito mais pacífica. O poder de Costa é-lhes mais atractivo, mais sexy.

Nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. É assim absolutamente inaceitável a continuidade do discurso que responsabiliza a "direita" e os seus "interesses privados" (os "barões da medicina", como alguns ainda adornam) pelo estado actual dos serviços de saúde públicos. É um aldrabismo, puro e simples.

A governação da ministra Temido exerce-se há sete anos, ela tem o posto há quatro e é o seu terceiro governo consecutivo. E sobre o seu desempenho é relevante percebermos a influência de uma imprensa - a institucional e a dita de "cidadania", a dos apparatchiki, avulsos nas redes sociais - que cria "boa imagem", ao governo e a alguns dos seus membros. E a esta ministra, muito em particular.

Recordo que durante o longo período sob a Covid-19, muito se falou, bem e mal, fundamentado e infundamentado. Mas nada vi tão baixo como este episódio: no início de 2021 Portugal tornou-se, por algum tempo, um dos piores países do mundo, talvez mesmo o pior, no controlo da pandemia. É evidente que o rumo desta era algo inesperado e que os seus efeitos seriam sempre duríssimos. Mas tal descontrolo nacional muito se deveu à atrapalhação governativa (executiva e comunicacional) durante o Outono-Inverno de 2020. Nesse nosso pico pandémico - com o sistema de saúde em sobreesforço - vingou o "negacionismo" informativo: passados alguns meses foi notícia constante a "catástrofe indiana", pois naquele país de infraestruturas sanitárias bem mais escassas do que as nossas, morriam diariamente cerca de 11 vezes mais pessoas do que naquele nosso Janeiro. Mas os indianos são 140 vezes mais do que nós!... E aqui o que se afirmara não fora a "catástrofe lusa" mas sim, ao invés, a excelência de Temido. Esse trabalho propagandístico foi eficiente, por mais baixo que o possamos considerar: lembro que no rescaldo de uma entrevista de Temido à RTP, onde ela se escapou às críticas respondendo de modo abrasivo, tornou-se "viral" (como se deixou de dizer...) um apoio partidário que a tratava como "Super Marta". Quando éramos, repito, um dos piores ou mesmo o pior país do mundo nos efeitos da Covid-19.

De facto, Temido era má ministra antes da Covid-19. Não foi uma boa ministra durante a Covid-19. E não é a ministra necessária para o pós-Covid-19. Tem uma "boa imagem", pois não é um decano façanhudo e porque teve a imprensa (a institucional e os tais avençados) a cuidar de si. Entretanto, o SNS está numa crise estrutural profunda. E anunciada. E ela nada tem para responder.

Mas nada ganharemos se apenas a tornarem numa "cabra expiatória", enviando-a para um qualquer posto internacional. Pois, de facto, o  problema ultrapassa-a. E o cerne é este, repito-me: nos últimos 27 anos o PS esteve no poder, a solo, durante 21. Com vários governos, primeiros-ministros e ministros da Saúde. E o SNS está como está. É esse o busílis. Necessário para reflectir antes da próxima e necessária demissão de Temido. Que não é "Super" nem nunca o foi. A não ser nas palavras avençadas. E nos aplausos inconscientes. Até suicidários.