Ontem à noite todos os telediários portugueses - mesmo com correspondentes e enviados a Madrid - caíram na esparrela das sondagens, que em Espanha falham por sistema. Confundindo projecções com números reais, sem um sobressalto de dúvida, foram desinformando os portugueses sobre o resultado da eleição para o novo Parlamento espanhol.
Foi preciso que um par de comentadores, sem carteira de jornalista, repusesse a verdade dos factos. O que, reconheçamos, não abona nada a favor dos profissionais da informação.
Eis o filme dos acontecimentos:
RTP, 19.02: «Deu-se o sorpasso, essa expressão italiana que dominou esta campanha. Esta coligação de Pablo Iglesias, unido aos comunistas, consegue ultrapassar o Partido Socialista.»
RTP, 19.03: «O PP de Mariano Rajoy desce pelo menos dois lugares no Congresso em termos de deputados. Este é um terramoto político. É um abalo sem precedentes em Espanha.»
TVI, 19.57: «A principal mudança no sufrágio de hoje foi a passagem do Podemos para segundo lugar, ultrapassando o PSOE.»
SIC, 19.59: «O Unidos Podemos acaba por ser o grande vencedor da noite e é nesta coligação que pode estar a chave para o futuro governo espanhol.»
TVI, 21.02: «O Podemos deve ultrapassar o PSOE como segunda força política. Em termos de deputados, há a possibilidade de uma maioria de esquerda.»
SIC, 21.13: «A grande surpresa aqui é o segundo lugar do Unidos Podemos.»
Este, repito, foi o discurso jornalístico. Que se prolongou por mais de duas horas nas pantalhas lusas.
Felizmente havia comentadores - um em estúdio, outro em Madrid - a recomendar moderação, mais atentos aos factos do que à espuma.
O primeiro foi Paulo Portas, recém-contratado como comentador de temas internacionais da TVI. Eram 21.03 quando ele alertou, falando em directo da capital espanhola: «O resultado dos votos contados aponta para um sentido completamente diferente das sondagens.»
Dez minutos mais tarde, na SIC, Luís Marques Mendes também deitava água na fervura: «Aquilo que foram as sondagens à boca das urnas não está a confirmar-se na contagem dos votos.»
Tinham ambos razão. Os jornalistas é que andavam distraídos: foram os últimos a saber.