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Delito de Opinião

Telemarketing

Francisca Prieto, 20.12.15

Estás em plena época festiva. Em lugar dos guizos das renas, são os telemóveis que tilintam por toda a casa. No caso da miudagem, sabes que se trata de whatsapps com conversas infinitas que se transladam para imagens com muitos hashtags no instagram.

O teu telefone tilinta menos. Mas ainda assim, recebes votos de amigos que te são queridos, mais umas quantas mensagens a anunciar descontos. Nuns casos, provêm de lojas onde vais com alguma frequência, noutros casos são simplesmente absurdas e dão-te vontade de rir. Ficas a pensar no cuidado que algumas empresas deveriam ter em limpar as suas bases de dados.

A CHICCO oferece-te barrigadas de riso há um ror de tempo. Subscreveste o cartão vai para catorze anos quando estava para chegar o primeiro descendente. Pois não há data festiva em que não chegue um SMS a sugerir que compres um novo modelo de carrinho por um preço incrível. Nesta fase, começas a perguntar-te se vendem microcars.

Mas a cereja no topo do bolo vem da Depilclub, uma empresa que comercializa depilação definitiva. Foste lá a cinco sessões e, satisfeitíssima, verificaste que o que prometiam era verdade: Pêlos removidos para sempre.

Perguntas-te então porque é que continuas a receber com uma frequência alucinante, e já há vários anos, descontos para mais uma data de sessões.

Claro que à lista nem te atreves a acrescentar as vezes que te ligam para saber, de um a dez, quanto ficaste satisfeita com determinado serviço que te foi prestado. À sétima variável de pergunta que terás de cotar, dá-te uma vontade irreprimível de gritar que estavas satisfeitíssima com o serviço até te obrigarem a responder àquele questionário infindável.

Sabes que estamos nos tempos do Costumer Relashionship Managment, mas gostarias de ter uma relação bastante mais anónima com todas as marcas que utilizas. Especialmente com as que se foram tornando obsoletas no decorrer da tua vida.

Marketing de carreiras

João André, 09.12.14

No moderno mundo profissional vemos constantemente os conselhos para progredir na carreira. Desde os "7 hábitos de pessoas muito bem sucedidas"; aos conselhos sobre o que dizer ou perguntar e como agir em entrevistas; passando pelos inevitáveis apelos a empreendedorismo, iniciativa, destaque no meio da multidão, formas de discernir quais os maus chefes ou se estamos entalados numa determinada posição.

 

Não sou alguém que se aborreça com conselhos, bem pelo contrário, aceito-os de bom grado, mas pergunto-me onde neste mundo há espaço para as pessoas que não têm ambições especiais. Não falo daqueles que vão atingindo o seu tecto, que por força de idade, capacidades ou qualificações não se conseguem desenvolver mais. Falo apenas daqueles que, sendo capaz de se destacar, preferem não o fazer. Falo dos milhões de profissionais que gostam de facto das suas funções e não as trocariam por uma carreira de sucesso pela simples razão que... já são bem sucedidos ao serem pagos por fazer aquilo que lhes dá prazer.

 

Este é apenas mais um reflexo da cultura moderna ocidental que leoniza os profissionais muitíssimo bem sucedidos e os dá como exemplos para toda a gente. É uma cultura que também acaba por menorizar os outros, que não se desenvolveram mais simplesmente porque não era possível, não é possível a todos serem gestores. É ainda a cultura que promove encontros de antigos colegas de escola e universidade que promove confissões quando alguém é felicitado por ser um gestor sénior: «Sim, sou o gestor sénior de mim mesmo». Ou quando as boas e velhas secretárias (que continuam a ser as figuras mais influentes em muitas organizações) são promovidas a "assistentes de gestão". Não estaremos longe do momento em que o nome "Gestor de resíduos processuais administrativos" será entregue a quem despeja o cesto dos papéis.

 

Peço que não me vejam como um velho do restelo. Não quero o regresso aos tempos em que ser um manga de alpaca era o sonho promovido pelo governo ou mundo empresarial. Há no entanto um momento em que o marketing na área das carreiras deixa de ser vantajoso: esse momento chega quando deixamos de chamar os bois pelos nomes e temos que lhes dar o título de "gestores de motricidade de transportes não motorizados".

Marketing infernal

João André, 12.07.13

Segundo notícia do Público, os tradutores do novo livro de Dan Brown, Inferno, estiveram essencialmente encarcerados numa cave durante dois meses a traduzir a obra. A explicação é a tradicional: a pirataria. «Estamos numa época de pirataria e em que os editores querem vender livros» foi a epifânia pessoal que Brown nos transmitiu. Sem querer entrar (ainda) na questão da qualidade, a verdade é que o livro estava provavelmente disponível para download à borla cerca de 30 segundos após ser colocado à venda. A sinopse do livro na Wikipédia ficou completa pela primeira vez às 22:07 do dia 15 de Maio, dia seguinte ao lançamento. Qualquer história sobre sigilo e protecção contra pirataria não é mais que treta. Ou, noutra palavra, marketing.

 

Por outro lado fiquei impressionado com a passagem relativa aos comentários da tradutora francesa:

 

Carole Del Porte, tradutora francesa do livro, disse à revista italiana Sorrisi e Canzoni em Abril, depois de terminada esta operação, que aqueles dias lhe permitiram mergulhar completamente no trabalho de Dan Brown. “Foi uma experiência única e fantástica. Não tinha nada com que me preocupar e pude concentrar-me no meu objectivo: conseguir a melhor tradução possível para os leitores”, disse.

 

Ou seja, não só parece que gostou de ter ficado presa, também parece ter gostado do livro. Cá para mim, aquilo que lhe fizeram foi lavagem ao cérebro. Ou pagaram-lhe uma batelada para participar desta operação de marketing. Quanto à qualidade, só lendo, mas vendo pelos anteriores, o título pode muito bem referir-se à experiência de quem leia o livro.

Espelho meu, espelho meu

Leonor Barros, 12.11.12

Presumo que sejamos todos belos, esbeltos, magros, sem rugas, jovens e um primor na vestimenta, o supra-sumo do bom gosto. Podem acusar a Merkel de quase tudo, agora este exagero na aparência dela é muito triste. A política não é um concurso de beleza, senão o Passos Coelho não teria aquele cabelo ralo nem o Gaspar aquele semblante de Mr. Bean. 

EDP, uma empresa cada vez mais humanizada

Rui Rocha, 11.04.12
 

 

A EDP podia limitar-se a promover o seu produto. Não é difícil imaginar mensagens adequadas para campanha: dê às suas tomadas uma energia rica em cargas eléctricas (campanha tipo ração para cães), a energia eléctrica da EDP tem uma fina camada de electrões que prolonga a vida útil dos electrodomésticos (tipo detergente), o vento utilizado pelos nossos parques eólicos é 100% natural (tipo sumo de laranja) e por aí fora. Mas não. A EDP não quer apenas promover o seu produto. A EDP é tão extraordinária como as suas (dela) rendas. Por isso, quer-nos vender valores. Para tal, na nova campanha institucional, recorre a filhos de trabalhadores (diz-se colaboradores em edepês) que são quase todos loiros. Como era de esperar numa empresa com operações na Península Ibérica e no Brasil. O nome da campanha é “Pela Energia de Amanhã” e demonstra, dizem, o que a empresa é hoje. E o que é hoje a EDP? Pelo visto, é uma empresa com posicionamento global, postura inovadora e cada vez mais humanizada (sim, alguém pagou a outrem para escrever isto). Meras intenções? Nada disso. A EDP não deixa para amanhã o que pode fazer hoje. Por isso, cortou o fornecimento de energia eléctrica ao Centro de Saúde de Meadela. Que serve cerca de 3.500 seres humanos. Se não fosse cada vez mais humanizada, a EDP poderia ter provocado um pico de tensão de que resultasse o estoiro do frigorífico onde se guardam as vacinas para as crianças ou da máquina de raio X com que se avalia a evolução da osteoporose das velhinhas. Mas a EDP limitou-se a cortar a corrente. Poupou, assim, os utentes ao susto, à comoção e, quem sabe, às quebras de tensão. Se dúvidas houvesse, estão definitivamente afastadas. A EDP é uma empresa coerente com os valores que nos quer vender. O Emerson é o melhor jogador da equipa da Luz. E o Mexia e o Catroga são uns génios. Da lâmpada.