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Delito de Opinião

MM, há dois dias fez 52 anos que morreu

Patrícia Reis, 08.08.14

 

Só na sombra é que encontro alguma paz. O sol persegue-me, entra-me pelo azul dos olhos, enche-me a cabeça de preguiça e as ideias não me ocorrem. Tenho suor nas costas, na curva do peito. A única coisa que quero é que me deixem em paz, que não falem comigo, que não me oiçam pensar.

 

Isto é que é aquilo a que se chama skip-to-my-lou,uma dança tipicamente americana. Adoro que saiba estas coisas. Odeio que me queira ensinar. As pessoas dizem: Arthur Miller, um génio. Eu oiço-o na casa de banho, a escovar os dentes, a tomar banho, a tossir os cigarros do dia, a bebida de há pouco. É um homem como os outros.

 

Tenho 32 anos. Nasci em 1926. Já fui deste tamanho.

 

Não se esqueçam de me gritar, de me avisar quando for a minha vez. Não adianta fazer gestos bruscos ou delicados. Sou míope. Preciso que me gritem.

 

No fim da conferência de imprensa talvez peça a Laurence Olivier para dançar. É o Waldorf Astoria Ballroom. Ele ficará com aquele ar de príncipe inglês, hirto, com um sotaque snob, agarrado à minha cintura com se fosse um bloco de gelo e eu vou sorrir e depois dar uma gargalhada. Será uma boa fotografia.

 

Só quero descansar. Não aguento os sapatos. Tenho calor. E sede. Dizem-me que aqui estou protegida dos olhares. É mentira. Estes dois fixam-me como se me engolissem. Não tenho forças. Quero ser feia outra vez.

 

É uma casa de banho de aeroporto. Ainda tenho de esperar uma hora. Eu disse que queria uma bebida. E privacidade. Vou retocar o cabelo. Puxar o vestido para cima para não ficar com nódoas. Fugir do calor e dos jornalistas lá fora: Miss Monroe, miss monroe…

 

Se cortar com muita força o tabuleiro tomba e perdemos o enquadramento perfeito. Arthur não diz nada. O silêncio é uma voz como as outras. Continuo a cortar. Se pudesse deixava-me tombar.

 

E depois alguém gritou: Marilyn, sorri.

 

Não suporto festas de cidadezinhas. O estúdio manda-me como se fosse um objecto de vitrine, uma peça de porcelana. Mesmo a descansar tenho de estar em pose. Não posso estar sozinha. Não me deixam. Eu também não quero.

 

A água é tão escura, ninguém me vê. A mão no sexo, o sorriso nos lábios. Agora. Quando o fotógrafo se esquecer de dizer.

 

Fecho os olhos. A minha mão nos olhos de Montegomery. Não sei como são os beijos dele. É tudo artificial. Nada tem importância. O nosso suor é de spray, as nossas lágrimas fabricadas. Não somos nós, somos o que inventam para nós.

 

John Huston deu-me o casaco, disse-me para me recompor, mandou-me passear. Vai rever as tuas deixas, ordenou. O Gable sabe tudo, sem falhas, todas as palavras, a pontuação certa. Eu não consigo articular um bom dia.  

 

Sim? Ah, estou à espera que o verniz das unhas esteja seco, à espera para pôr o vestido, ir trabalhar, ler o cartão que vem com as flores. Nada de especial.

 

E quando eles dizem que eu posso descansar mas ficam a olhar para mim, com as máquinas prontas, os flashes, os seus olhares cheio de lascívia, as línguas a espreitar nas bocas, o suor dos pensamentos menos terrenos, eu pergunto-me: cumpro as expectativas? Não sou eu, é o meu corpo.

 

E se trocássemos? E se eu tivesse esses óculos? Esses lábios? Podias ser a Monroe, podias beijar o Clark Gable e o Montegomery Clift, ter todos os sorrisos e gentilezas do mundo. Eu trocava contigo e voltava para casa, a tua casa, para o teu marido e para os teus filhos e dizia: ah, ela tão simpática.

 

What shall I ask te dice for, John?

Don’t think honey, just throw. Don’t think, do it

 

A minha cabeça vai estoirar. Os comprimidos não fazem efeito. Já não sei o texto. A tristeza afoga-me. Não há ninguém com quem se possa falar. Daqui a pouco tenho de sorrir. Sorrir é uma das coisas que faço bem. Consigo até sorrir com os olhos. Poucas pessoas conseguem sorrir assim.

 

Vou descansar, a minha professora deixa-me descansar. Olha por mim, à sombra, no lugar do morto de um automóvel que não pertence a ninguém. Quando já estou perto do sono, há uma mão que me desperta.

 

Dentro desta mala tenho todos os meus segredos. Consigo transformar-me de corpo e alma. Faço o meu papel. Do outro lado do espelho há uma estranha que me cumprimenta. Tenho medo dela, mas não digo a ninguém.

 

Vou esperar aqui na sombra. Vou fechar os olhos. Quando se aperceberem, terei desaparecido. Nunca fui mais do que isto, uma rapariga a fugir do sol.

Meio século sem Marilyn Monroe

Pedro Correia, 04.08.12

 

Marilyn Monroe morreu em 5 de Agosto de 1962, aos 36 anos

 

ORACIÓN POR MARILYN MONROE

De Ernesto Cardenal

 

Señor,
recibe a esta muchacha conocida en toda la tierra con el nombre de
Marilyn Monroe
aunque ése no era su verdadero nombre
(pero Tú conoces su verdadero nombre, el de la huerfanita violada a
los 9 años
y la empleadita de tienda que a los 16 se había querido matar)
y ahora se presenta ante Ti sin ningún maquillaje
sin su Agente de Prensa
sin fotógrafos y sin firmar autógrafos
sola como un astronauta frente a la noche espacial.

Ella soñó cuando niña que estaba desnuda en una iglesia (según cuenta el Time)
ante una multitud postrada, con las cabezas en el suelo
y tenía que caminar en puntillas para no pisar las cabezas.
Tú conoces nuestros sueños mejor que los psiquiatras.
Iglesia, casa, cueva, son la seguridad del seno materno
pero también más que eso…
Las cabezas son los admiradores, es claro
(la masa de cabezas en la oscuridad bajo el chorro de luz)
Pero el templo no son los estudios de la 20th Century-Fox.
El templo – de mármol y oro – es el templo de su cuerpo
en el que está el Hijo del Hombre con un látigo en la mano
expulsando a los mercaderes de la 20th Century-Fox
que hicieron de Tu casa de oración una cueva de ladrones.


Señor,
en este mundo contaminado de pecados y radioactividad
Tú no culparás tan sólo a una empleadita de tienda.
Que como toda empleadita de tienda soñó ser estrella de cine.
Y su sueño fue realidad (pero como la realidad del tecnicolor).
Ella no hizo sino actuar según el script que le dimos
– el de nuestras propias vidas – y era un script absurdo.
Perdónala Señor y perdónanos a nosotros
por nuestra20 th Century
por esta Colosal Super-Producción en que todos hemos trabajado.
Ella tenía hambre de amor y le ofrecimos tranquilizantes
para la tristeza de no ser santos
se le recomendó el Psicoanálisis.

Recuerda, Señor, su creciente pavor a la cámara
y el odio al maquillaje – insistiendo en maquillarse en cada escena –
y cómo se fue haciendo mayor el horror
y mayor la impuntualidad a los estudios.

Como toda empleada de tienda
soñó ser estrella de cine.
Y su vida fue irreal como un sueño que un psiquiatra interpreta y archiva.

Sus romances fueron un beso con los ojos cerrados
que cuando se abren los ojos
se descubre que fue bajo reflectores

¡y apagan los reflectores!
y desmontan las dos paredes del aposento (era un set cinematográfico)
mientras el Director se aleja con su libreta
porque la escena ya fue tomada.
O como un viaje en yate, un beso en Singapur, un baile en Río
la recepción en la mansión del Duque y la Duquesa de Windsor
vistos en la salita del apartamento miserable.

La película terminó sin el beso final.
La hallaron muerta en su cama con la mano en el teléfono.
Y los detectives no supieron a quién iba a llamar.
Fue como alguien que ha marcado el número de la única voz amiga
y oye tan sólo la voz de un disco que le dice: WRONG NUMBER.
O como alguien que herido por los gangsters
alarga la mano a un teléfono desconectado.

 

Señor,
quienquiera que haya sido el que ella iba a llamar
y no llamó (y tal vez no era nadie
o era Alguien cuyo número no está en el Directorio de Los Angeles
¡contesta Tú el teléfono!


Do livro Oración por Marilyn Monroe y otros poemas (1965)