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Delito de Opinião

Inaceitável

Pedro Correia, 18.03.24

Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto adora falar às comunidades portuguesas no estrangeiro, marimbou-se para o voto dos nossos emigrantes - este ano superior a qualquer outro em legislativas. Prova? Decidiu receber todos os partidos em Belém sem estes votos dos círculos eleitorais da Europa e de outras partes do mundo estarem contados, queimando etapas. E desprezando assim os compatriotas que vivem lá fora, incluindo três colegas nossos, também autores do DELITO: é como se as opções eleitorais deles não contassem.

Obviamente inaceitável, este comportamento do Presidente. 

A presidência e as eleições

jpt, 09.03.24

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1. A muito generalizada ideia de que o Presidente da República deve pairar sobre o sistema político, qual divindade do regime, nisso implicando como que uma "neutralidade axiomática", é uma aberração, tamanha a contradição que implica. O povo - o eleitorado, se se preferir - elege alguém exactamente para que intervenha. Com viés, esse que deverá ter sido explicitado no seu programa/manifesto eleitoral e fundamentado na sua biografia prévia ao exercício presidencial. A partir daí pede-se tino, ou seja respeito pela lei e fidelidade ao bom senso. 

Assim sendo, é perfeitamente curial que um presidente intervenha, de forma  mais ou menos explícita, num processo eleitoral que decorra sob sua tutela. A bem da sua figura de "primeiro magistrado da Nação" (o que é uma metáfora) talvez não convenha que ande pulando nas arruadas comicieiras dos seus preferidos. Mas só isso. De resto, com lisura - de preferência sem requebros "florentinos" - pode, e até deve, interferir no processo político.

Mas o que não é simpático é a forma "soprada" de intervenção, uma névoa de "diz-que-diz", ademane de "mentideros". Pois não sendo explícita não é falsificável, refutável. Disso lamentável exemplo é a primeira página da edição de ontem do "Expresso" - não só jornal de que Rebelo de Sousa foi director mas também consabida caixa de ressonância dos seus "recados". Pouco importa se o jornal já não tem a influência política que tinha em outras eras tecnológicas - o Pedro Correia anuncia aqui que líderes partidários já nem acedem a serem entrevistados pelos seus jornalistas, demontração da sua crescente irrelevância. E até pouco importará se a "notícia" tem fundo de verdade ("Belém" soprou) ou não (o "Expresso" inventou) - até porque poucos acreditarão que a "caixa" tenha sido inventada na sede do jornal. E também pouco importa se este "diz-que-diz" beneficiará algum dos outros partidos candidatos. Importa que isto não é uma forma democrática, "aberta", de intervir. É, evidentemente, mais uma "marcelice", das muitas. E o regime democrático terá de se depurar deste "marcelismo".

2. Em adenda, e sobre o que vai acontecer amanhã: é-me antipático o partido CHEGA, dado o seu pendor discriminatório, a sua demagogia, para além da evidente contradição entre o que vai escarrapachando nos dizeres programáticos e o conteúdo das inflamadas declarações do seu presidente. Mas ao olhar para as sucessivas sondagens que vêm sendo publicadas, e independentemente da sua fiabilidade, há algo que me parece óbvio: em relação aos resultados de há dois anos parece que o CHEGA crescerá. Atraindo mais 7, 8, 9, 10 por cento do eleitorado, talvez até mais se crermos nas expectativas do professor Ventura. Muito provavelmente será o grande vencedor, relativo, destas eleições, e mais ainda se se pensar que há 4 anos elegeu um deputado com cerca de 2% dos votos nacionais. É mais do que provável outros políticos e imensos comentadores surgirão a declará-lo derrotado: por  não ter chegado aos tais 20%, fasquia alta que ostentou, se calhar por não se ter tornado necessário para fazer maiorias, etc. Mas isso será esconder a realidade, incompreender o país. Tal como o é elidir que o partido meramente contestatário cresceu exponencialemente durante o consulado de Costa, desde o seu início propagandeado até ao máximo pelas forças da velha geringonça, pois usado como "legitimidade anti-fascista" daquela espécie de "Frente Popular", e agora usado como arma de arremesso contra os oponentes de "direita", ditos até quasi-CHEGA. No fundo, esse mais que provável apagar da vitória de Ventura será fazer política como o "Expresso", com "marcelismos" por assim dizer. É o modo da gente ufana...

(A proibição de "falar de política" num dia de "reflexão" é um patético anacronismo, um paternalismo estatista inadmissível no ano do cinquentenário do regime democrático. Que a nova Assembleia da República saiba comemorar os 50 anos do 25 de Abril formalizando a consciência dos efeitos benéficos da democracia. Entre os quais a liberdade de imprensa, a disseminação da educação e nisso a consciencialização da população, para além da pacificação da sociedade. E por isso a desnecessidade das restrições apostas ao tal putativo "dia de reflexão").

Coisa chata: Marcelo votou sem reflectir

Legislativas 2024 (18)

Pedro Correia, 06.03.24

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Foto: José Sena Goulão / Lusa

 

Não imagino como é que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu exercer o direito ao voto antecipado, nas legislativas marcadas para 10 de Março, prescindindo do "dia de reflexão" obrigatório, fixado na lei eleitoral vigente desde 1975. Tão obrigatório que está prevista pena de «prisão até seis meses» a quem se atrever, nesse tal dia e na própria data do sufrágio, a apelar ao voto no partido X ou na coligação Y.

Aberração que se mantém, meio século após o 25 de Abril.

Marcelo, sempre impaciente, não quis esperar. Votou antes, no passado domingo. Aparentemente sem reflectir - tal como fizeram mais 208 mil portugueses. Dispensando o tal "dia obrigatório" durante o qual está vedado às formações partidárias o apelo directo ao voto. Apesar de na véspera desse 3 de Março ter havido campanha, propaganda, arruadas, súplicas sem fim a votar em tudo e mais alguma coisa. 

Exemplo evidente de desajustamento entre a lei e a realidade. Outro que perdura. Apesar dos apelos já feitos pelo próprio Presidente da República para extinguir o famigerado dia obrigatório e compulsivo - resquício da era analógica neste milénio digital. Eleição após eleição, os políticos persistem em manter isto inalterado. Enquanto o mundo vai girando, indiferente aos anacronismos legais de um país que parece congelado no tempo.

 

Leitura complementar: Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha

Figura nacional de 2023

Pedro Correia, 07.01.24

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MARCELO REBELO DE SOUSA

Repete o destaque já aqui alcançado há seis anos. Desta vez, sobretudo, por ter decidido dissolver a Assembleia da República, em Novembro. Tal como fizera em 2021, o que permitiu ao PS vencer as eleições seguintes e usufruir do breve interlúdio da maioria absoluta que será quebrado a 10 de Março. 

O Presidente da República volta a ocupar o principal lugar do palco num sistema político que tem reforçado a vertente parlamentar. Isto no ano em que as relações institucionais com o primeiro-ministro cessante passaram do morno para o quase gélido. Hoje quase parece impossível que António Costa tenha recomendado em Janeiro de 2021 o voto no actual inquilino de Belém. Prova - mais uma - de que a política portuguesa se alimenta de microciclos, em aceleração constante.

Assim, Marcelo Rebelo de Sousa foi escolhido pelo DELITO como Figura Nacional do Ano. Por maioria simples, muito longe de qualquer vitória arrasadora. Houve quem o elegesse pela positiva. «Não há noticiário que passe sem ele», assinalou alguém. Mas pesaram igualmente motivos menos lisonjeiros - incluindo o caso das gémeas brasileiras, ainda não esclarecido na totalidade e que contribuiu para uma quebra notória da popularidade do Chefe do Estado já reflectida nas sondagens.

«[Marcelo] parece ter perdido o sentido de Estado ou até mesmo o contacto com a realidade. Vive num mundo imaginado, onde é rei absoluto», justificou uma das vozes "delituosas".

 

Na segunda posição ficou o recém-eleito secretário-geral do PS. Pedro Nuno Santos, que passou de quase proscrito a sucessor de Costa, sufragado nas eleições internas de Dezembro, em que superou o seu rival interno, José Luís Carneiro, com cerca de 64% dos votos.

«Por ter feito a travessia do deserto socialista mais rápida dos últimos tempos e conseguido passar de persona non grata a potencial futuro primeiro-ministro num abrir e fechar de olhos (cortesia de Lucília Gago e Marcelo Rebelo de Sousa). Um verdadeiro artista do circo que é a nossa política.» Foi assim que um dos nossos votantes em PNS justificou a sua escolha.

 

Seguiram-se votos isolados em diversas outras figuras nacionais. António Costa, que o DELITO elegeu Figura do Ano em 2015 e 2022. João Galamba, empossado em Janeiro como ministro das Infraestruturas e forçado a abandonar estas funções em Novembro após ter protagonizado em Abril um dos episódios mais caricatos e vergonhosos do Governo de maioria absoluta que o transportaram para o anedotário nacional. Lucília Gago, a procuradora-geral da República escolhida pelo Governo socialista e agora transformada em alvo frequente de críticas no PS devido à investigação anunciada ao País a 7 de Novembro. Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de Costa, que tinha quase 76 mil euros em notas no seu gabinete da residência oficial em São Bento. O antigo presidente da Iniciativa Liberal Carlos Guimarães Pinto, que um dos "delituosos" elogiou como «um dos poucos deputados que conseguiuram dar alguma qualidade ao parlamento». E, claro, Cristiano Ronaldo - que em 2023 foi o futebolista que marcou mais golos em competições oficiais de todo o mundo: 54. Já com 38 anos, promete continuar em 2024. Ninguém o pára.

 

Figura nacional de 2010: José Mourinho

Figura nacional de 2011: Vítor Gaspar

Figura nacional de 2013: Rui Moreira

Figura nacional de 2014: Carlos Alexandre

Figura nacional de 2015: António Costa

Figura nacional de 2016: António Guterres

  Figura nacional de 2017: Marcelo Rebelo de Sousa

Figura nacional de 2018: Joana Marques Vidal

Figura nacional de 2019: D. José Tolentino Mendonça

Figura nacional de 2020: Marta Temido

Figura nacional de 2021: Henrique Gouveia e Melo

Figura nacional de 2022: António Costa

O nosso Presidente Rebelo de Sousa resumido

jpt, 13.11.23

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Luís Menezes Leitão, no "O descrédito das instituições", José Meireles Graça, no "Dissolução", Paulo Sousa, no "O lamaçal" e Sérgio Almeida Correia, no "Em que condições chegaremos a Março", já aqui abordaram a trapalhada constitucional em que assenta a decisão presidencial de suportar este governo demissionário até às calendas gregas. Leigo em questões jurídicas - matéria sobre a qual da minha frequência universitária apenas retive a difusa ideia de que "onde há dois advogados há três opiniões" - apenas faço fé na estupefacção dos co-bloguistas e de outros locutores sobre a matéria. Mas para além disso há o óbvio derrame político, sobre o qual todos opinamos, independentemente dos saberes próprios, lamentava-se um grego antigo. Derrame esse que começou, em público, no sábado com Costa a exceder-se, e em privado, nas manobras subsequentes ao começo da "operação influencer", como já se nota no estado terminal do "governador" do Banco de Portugal.

As opções mostram quem é o Presidente. A sua agenda política, claro. Mas também perfil (contorno) e conteúdo. Rebelo de Sousa tem uma biografia política assente na divulgação da sua extraordinária inteligência e competência - em tempos transcrevi um elogio nesse âmbito que, ainda antes do 25 de Abril, Artur Portela (então Filho) lhe publicou, uma espécie de nascimento do mito. Quando saiu da actividade partidária e foi fazer campanha política para a televisão, como super-comentador, disseminou essa imagem de si mesmo, o do sábio inteligentíssimo e cultíssimo. E fez-se eleger presidente numa candidatura individual ("supra-partidária"), exactamente assente nos seus méritos intelectuais.

Eu gostaria de associar toda esta trapalhada constitucional e os custos políticos que dela emanam - entroncados na decisão presidencial - com algo que escrevi em Março de 2022. Quando após a crise pandémica Portugal viveu meses sob uma governação limitada, devido aos incríveis problemas havidos na contabilização dos votos dos emigrantes:

"(Os futuros historiadores) constatarão que Portugal enfrentou este final da crise pandémica mundial e o ressurgimento da guerra na Europa numa peculiar - e talvez até absurda, dado o contexto - governação. Pois o actual presidente da República decidiu, motu proprio, dissolver um parlamento funcional e promover eleições legislativas. E que estas, apesar de decorrerem após meio século de democracia parlamentar, ocorreram sob uma incúria legislativa e executiva tal que obrigou o Tribunal Constitucional - apesar do próprio Presidente, já em funções há 6 anos, ser um renomado constitucionalista - a prolongar a sua realização. 

Devido a este abstruso processo, Portugal enfrenta o final da crise Covid-19, o impacto do recrudescer do choque energético e a inesperada guerra na Europa, com um governo de gestão em funções durante 5 meses. Ao qual se seguirá, como a imprensa anuncia, um governo com várias alterações no seu organograma, implicando reformulações legislativas e reconfigurações na administração - sempre indutoras de delongas nos serviços. Se tudo isto é insignificante, então algo tem de ser constatado sobre a real importância do exercício governativo. Mas se não é insignificante - como julgo não o ser - então algo terá que constatado, e decerto que o será pelos futuros historiadores, sobre a competência do garante da ordem política, o actual presidente da República. O qual não só promoveu esta situação como permitiu que decorresse desta forma, decerto que por superficial desatenção e deficiente análise. E a futura avaliação deste mandato terá que ser imensamente negativa, até surpreendida num "como foi aquilo possível?". "

Espero que, pelo menos com o somatório destas duas longas situações de governabilidade mitigada causadas por Rebelo de Sousa, no final do seu mandato nos possamos libertar do mito criado da sua "inteligência". E se possa constatar a profunda incompetência deste presidência. Assim dele guardando a memória necessária, a da desadequação deste tipo de indivíduos políticos (perfis e conteúdos) para o exercício de altas funções públicas.

Marcelo e o Decote

jpt, 17.09.23

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A alusão presidencial ao decote de uma cidadã portuguesa que no Canadá acorrera à sua presença é, evidentemente, um disparate. Mais um. Uma marcelice, por assim dizer. Ainda para mais nesta era de exigências de mudanças de práticas e discursos - às vezes exageradas, muito mais vezes bem fundamentadas. Neste caso é mesmo absurdo - é que nem se trata apenas de referir a deselegância de trato, apoucando a função presidencial. Convoca mesmo a memória da insistência de Marcelo no uso do seu corpo  como  factor de visibilidade: as rábulas dos "mergulhos" no oceano aquando em visitas a alguns países africanos (aqui referi o politicamente contraproducente que isso é), as entrevistas em traje de banhista. E, pior do que tudo, o trocar de calções em público com um batalhão de jornalistas em seu torno. Ou seja, um homem que faz política de tronco nu vem comentar - e sarcasticamente - um decote de uma cidadã? Claro que as acusações de sexismo surgem - a activa Isabel Moreira já as proferiu. Acontece que neste caso tem razão. Mas isso nem é principal defeito. O grave é a sucessão de dislates, atitudinais, a arrombar um pouco de gravitas que a presidência requer. Tem sido um fluxo deles, intermitente mas continuado. Sobre este desnorte de Rebelo de Sousa escrevi há um ano o "A situação presidencial", sumarizando que "Honestamente, a sensação é que Rebelo de Sousa não está bem. Porventura macerado por efeito de insucessos políticos, ou por outras razões desconhecidas, a sua coreografia está descalibrada", e notando a falta de uma entourage política e pessoal que lhe vá equilibrando pose e atitudes. No fundo, lembrando que - como noutros períodos da história recente foi dito, mas agora realmente se impõe, e não apenas por motivos de querelas políticas- é preciso ajudar o Presidente a acabar o mandato com dignidade. E isto (ele) está de tal forma que para tal será preciso uma concertação nacional.

Tentar não rir

Paulo Sousa, 29.06.23

O Presidente da República afirmou ontem que os bancos centrais deveriam ter "muito cuidado naquilo que dizem publicamente".

Estou certo que os bancos centrais levarão em boa conta o aviso do nosso presidente e na próxima ocasião irão ponderar cada uma das palavras proferidas.

Quando se leva o poder da palavra para além do ponto de ebulição, essa é a consequência. Uma recomendação para se ter cuidado com o que se diz, faz a plateia rebentar de tanto rir.

marcelo.pngMiguel A. Lopes - Lusa

Lição de política à florentina

Sérgio de Almeida Correia, 05.05.23

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De quando em vez lá se consegue ver e ouvir num ecrã televisivo alguém que não seja treinador, comentador de futebol ou moço de recados, com uma conversa que não seja uma das habituais lengalengas, compridas, chatas e infestadas de banalidades.

Refiro-me à entrevista dada por Manuel Magalhães e Silva ao programa de Vítor Gonçalves.

Se quanto ao que referiu em relação ao "processo José Sócrates" se limitou a sublinhar o óbvio que muitos já sabíamos, outros suspeitavam, e o Ministério Público nunca quis ouvir, com a sua habitual falta de humildade e sapiência, o que lhe permitirá, salvo algum milagre, espalhar-se sozinho e ao comprido, já quanto à ordem do dia, com eloquência, clareza e elegância, o advogado, assessor, confidente e amigo do falecido Jorge Sampaio, mostrou uma vez mais a falta que faz um senado no nosso sistema jurídico-político, dando uma verdadeira lição de política à florentina.

É pena que outros como ele, que tenham alguma coisa de útil para dizer, e que saibam dizê-lo, concorde-se ou não com o conteúdo, não consigam mais "aparições".

Com a rábula de ontem, o Presidente Marcelo mostrou que neste momento não sabe muito bem para onde se virar, e as palavras de Magalhães e Silva também não lhe servirão de guia.

O semi-presidencialismo português tem muito que se lhe diga, mas enquanto tiver as orelhas a arder é mesmo mais avisado que Marcelo vá comer um gelado ao Santini, aproveite o 13 de Maio para se confessar, e vá treinando a melhor forma de gerir os silêncios e as palavras.

Contributos de Belém para o epitáfio político do quase ex-ministro Galamba

Pedro Correia, 05.05.23

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«A autoridade, para existir, tem de ser responsável. Onde não há responsabilidade, na política como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade.»

 

«Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar - ainda que para efeitos de informação - um dossiê tão sensível como o da TAP, onde os portugueses já meteram milhões de euros, e merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável por "situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis" (as palavras não são minhas) suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da protecção da segurança nacional, que aliás, por definição, estão ao serviço do Estado e não de governos?»

 

«Como pode esse ministro não ser responsável pelo argumentário público sobre aquilo que afirmara o seu subordinado revelando pormenores do funcionamento interno e incluindo referências a outros membros do Governo?»

 

«A responsabilidade política e administrativa é essencial para que os portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam. Não se resolve apenas pedindo desculpa pelo sucedido. A responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer: é pagar por aquilo que se faz ou se deixou de fazer.»

 

«Foi por tudo isto que entendi que o ministro das Infraestruturas devia ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro. Não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho, mas sobre uma realidade muitíssimo mais importante: a responsabilidade, a confiabilidade, a credibilidade, a autoridade do ministro, do Governo e do Estado.»

 

«A responsabilidade dos governantes não foi assumida, como devia ter sido, com a exoneração do ministro das Infraestruturas.»

 

Excertos do discurso de Marcelo Rebelo de Sousa ontem à noite, no Palácio de Belém. O discurso mais duro que recordo de um Chefe do Estado em Portugal desde Novembro de 2004, quando Jorge Sampaio anunciou a dissolução da Assembleia da República, pondo fim ao executivo de Santana Lopes.

Bem vistas as coisas, podia ter sido bem pior

João Sousa, 04.05.23

«Marcelo filmado a comer um gelado em Belém

O Presidente da República disse hoje que "é preciso ter calma, não dar o corpo pela alma", rodeado por comunicação social, junto ao Palácio de Belém, em Lisboa, e filmado pelas televisões enquanto comia um gelado. (...)

O chefe de Estado também não quis fazer analogias entre os sabores do seu gelado, "limão, framboesa e chocolate", e a situação política nacional ou as opções que tem em cima da mesa, depois de o primeiro-ministro ter decidido manter João Galamba como ministro das Infraestruturas, contra a sua opinião.» - Sapo

 

Ainda bem (ainda bem!!!) que Marcelo teve a sensatez de não se deixar filmar com um Calippo: estremeço só de pensar nas "analogias" ou "leituras" que se tentariam fazer.

A TAP é o maior partido da oposição

Pedro Correia, 03.05.23

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Como é óbvio, António Costa decidiu ontem romper a relação institucional com o Chefe do Estado só com um objectivo: forçá-lo a dissolver sem demora a Assembleia da República e a convocar eleições legislativas antecipadas.

Com a dissolução, cai a legislatura. O que implicaria o fim prematuro da comissão parlamentar de inquérito à TAP, de longe o maior pesadelo do primeiro-ministro. Ao ponto de podermos hoje dizer que o maior "partido de oposição" ao poder absoluto do PS tem a sigla TAP.

Se o inquérito parlamentar em curso chegar ao fim, os actuais sintomas de agonia do governo irão acentuar-se - como vêm alertando socialistas mais atentos, incluindo Carlos César, Alexandra Leitão, Francisco Assis e Sérgio Sousa Pinto.

 

Naturalmente, agora que a guerra entre Belém e São Bento deflagrou, Marcelo Rebelo de Sousa não fará a vontade a António Costa: vai dissolver, sim, mas apenas no momento em que entender. Que será, não por coincidência, quando der menos jeito ao primeiro-ministro

Só depois de Costa engolir até à última gota as conclusões do inquérito parlamentar à TAP - onde ainda irão desfilar Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e João Galamba, entre outras luminárias socialistas metidas até ao pescoço na monumental trapalhada em que a gestão desta empresa pública se tornou. 

 

Costa pagará com juros a sua bravata de ontem, comportando-se perante os portugueses como se comesse Marcelo de cebolada a pretexto de segurar in extremis um dos ministros mais desacreditados do actual elenco, algo tão desproporcionado que soa a falso desde o primeiro minuto. Entrámos numa nova etapa, nada edificante: um dos piores conflitos institucionais de que há memória entre um Governo e um Presidente - logo este, que durante cinco anos quase levou o Executivo ao colo. Episódio digno de figurar em qualquer antologia da ingratidão.

De Gaulle dizia que o poder usa-se, não se delega. Mas Costa é fraco aprendiz do velho general: a bravata irá sair-lhe cara. Mais cedo do que pensa.

Marcelo mete-lhes medo

«É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no maior pesadelo»

Pedro Correia, 06.04.23

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«Não podemos correr o risco de perder o apoio político do Presidente. Se a disposição dele muda, está tudo perdido. É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo.»

Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, em comunicação electrónica com a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, agora divulgada na comissão parlamentar de inquérito

Presidente rasga o Governo

Frases da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à RTP

Pedro Correia, 10.03.23

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«[Esta] é uma maioria que nasce já com o desgaste de seis anos de governo (...) numa legislatura um pouco patológica.»

 

«Foi um ano praticamente perdido.»

 

«Estamos a gerir o dia-a-dia e a olhar para o curto prazo e não para o médio prazo.»

 

«Isto [trapalhadas em série na TAP] marcou o Governo. É como a TAC, que cria radiações irreversíveis no corpo. É uma ilusão pensar que não deixa efeitos políticos.»

 

«Temos um PRR que, na minha visão, está atrasado.»

 

«É preciso corrigir as desigualdades entre professores.»

 

«É preciso uma reconstituição sistémica do Serviço Nacional de Saúde, que tem de ser repensado rapidamente.»

 

«Dar sete dias para discutir um diploma sobre habitação depois de sete anos de espera é uma coisa do outro mundo.»

 

«Já se percebeu que os municípios não têm capacidade para descobrir as casas devolutas.»

 

«A pior coisa que podia haver era votar leis a correr no Parlamento, numa matéria desta natureza e com esta incidência no futuro.»

 

«O Governo tem de ter a noção que vai ser, daqui até ao fim das suas funções, alvo de um escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões, na escolha do pessoal político. E bem. E que há, naturalmente, personalidades cimeiras: a seguir ao primeiro-ministro, o ministro das Finanças é porventura o ministro mais importante do Governo neste momento. Portanto, vai haver obviamente uma concentração de foco sobre ele.»

 

«Mantenho esse princípio de manter a legislatura até ao fim, mas não peçam para renunciar ao poder de dissolver [a Assembleia da República].»

 

«O Presidente da República, até ao dia 9 de Setembro de 2025, tem o poder de dissolução.»

 

Excertos da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa, ontem à noite, aos jornalistas António José Teixeira (RTP) e Manuel Carvalho (Público)

Na esplanada

José Meireles Graça, 01.03.23

A esplanada estava deserta sob um sol radioso. O cão preso à perna de uma cadeira, fui lá dentro encomendar o de costume e vi no televisor Marcelo que dizia não sei quê no meio de uma chusma de gente.

É assim todos os dias há anos – não se percebe como ainda há quem o ature, disse para mim mesmo. Ainda por cima, pensei, parece que dorme muito poucas horas por dia, pelo que lhe sobra tempo para ir a inúmeros lugares para se aliviar de banalidades ou fazer figuras tristes.

Mas dorme pouco porquê? E de repente fez-se luz: deve falar a dormir, acordando-se com o barulho. E como nem ele tem paciência para se ouvir foge espavorido do quarto.

Provas? Costuma falar do Presidente da República como se não fosse ele, sinal seguro de ter dupla personalidade, ainda que ambas chatíssimas. E como, a julgar pelo que diz e escreveu ao longo de anos, não deve ocupar o tempo nem a reflectir nem a ler, só lhe resta falar.

Implausível, disse dele Vasco Pulido Valente. Eu digo que fica plausível se o virmos como uma pessoa mal dormida.