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Delito de Opinião

Frase nacional de 2024

Pedro Correia, 19.01.25

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«O primeiro-ministro António Costa era lento, era oriental. Este [Montenegro] não é oriental mas é lento, tem o tempo do país rural.»

Marcelo Rebelo de Sousa, falando muito informalmente aos jornalistas durante um jantar com a Associação da Imprensa Estrangeira, a 23 de Abril

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases: 

 

«Mas o que é que não funciona?»

Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, a 5 de Fevereiro em debate eleitoral na SIC com Rui Rocha, da IL

 

«Quando eu era mais novo, a minha avó dizia assim [...] `isto já só vai lá com dois Salazares`. Era o que ela dizia, é verdade. E hoje eu orgulho-me muito quando as pessoas sabem que, afinal, já não é preciso Salazar nenhum

André Ventura, a 6 de Junho

 

«Algo falhou, porque senão as pessoas não tinham fugido.»

Rui Abrunhosa, director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a 8 de Setembro, sobre a fuga de cinco presos muito perigosos do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus 

 

«Sobre os meus estados de espírito, não vou alimentar especulações.»

Almirante Gouveia e Melo, a 4 de Outubro, sem confirmar nem desmentir se será candidato presidencial

 

«Se disparassem mais a matar, o país estava mais na ordem.»

Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, a 23 de Outubro, num debate na RTP3

 

«A comunicação social está um bocadinho com anemia.»

Cristina Vaz Tomé, secretária de Estado da Gestão da Saúde, a 9 de Novembro, confundindo amnésia com anemia

 

«O desmantelamento do SNS continua.»

Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, a 29 de Novembro, durante o debate da votação final do Orçamento do Estado para 2025

 

«Éramos felizes e não sabíamos.»

Marcelo Rebelo de Sousa, a 4 de Dezembro, lembrando com nostalgia a coabitação com António Costa, agora presidente do Conselho Europeu

 

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Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Frase nacional de 2020: «Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

(Ferro Rodrigues)

Frase nacional de 2021: «Já posso ir ao banco»?

(António Costa)

Frase nacional de 2022: «Haver 400 casos de abusos não me parece particularmente elevado.»

(Marcelo Rebelo de Sousa)

Frase nacional de 2023: «O Governo pôs-se a jeito, cometeu erros.»

(António Costa)

Moçambique pós-Natal

jpt, 26.12.24

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Antes do Natal aqui deixei o meu repúdio pelo seguidismo - típico de "deficientes intelectuais" - do governo e do presidente da República às posições do poder de Maputo. É um assunto que pouco interessa aos portugueses. Tal como pouco lhes interessará que nenhum dos nossos países congéneres ou das multilaterais a que pertencemos se aprestaram a fazer comunicados com o mesmo teor acrítico. Bem pelo contrário, todos se vêm distanciando do rumo daquele poder instituído.

Logo então referi que o candidato oposicionista Venâncio Mondlane - actualmente no exílio em parte incerta - fez declarações muito explícitas, criticando a posição portuguesa, sem abordar outras posições internacionais. Mas também alertou os seus seguidores no sentido de salvaguardar os "nossos irmãos portugueses" que no país habitam, irresponsáveis da irresponsabilidade dos seus governantes. (Mas quem acompanha a situação moçambicana também sabe que Mondlane não tem controlo total sobre a contestação. Entenda-se bem: não tem um partido organizado, não tem "milícias" - como especulavam os parcos apoiantes do poder -, tem "apenas" uma enorme influência "moral" / política mas a qual não é espartilho total das massas contestatárias). 

Ou seja, as posições de Montenegro e do nosso Presidente da República - esse Dâmaso Salcede da política nacional -, pressurosos em caucionar o poder Frelimo, não só descuram o processo democrático moçambicano, não só destoam das posições dos nossos aliados. Mas também perigam o bem-estar dos nossos compatriotas no país. E a estes nossos dois próceres some-se o MNE Rangel, cujas actuais contradições sobre Moçambique o recobrem da peçonha da indignidade pessoal.

Nesta alvorada deixava eu no meu blog uma plácida memória, até íntima, sobre este meu Natal. Quanto atentei, via Whatsapp, no massacre ontem acontecido em Maputo - e que talvez hoje continue. Dado o desnorte estatal houve fugas massivas das prisões de Maputo, para as quais as autoridades, já incapazes de susterem as fugas, apontam contraditórias causas: a ministra da Justiça refere que tiveram origem interna às cadeias, o comandante da polícia afirma terem sido promovidas por manifestantes oposicionistas - o que parece desmentido pelas imagens das saídas em barda, portões afora, dos prisioneiros. E figuras oposicionistas clamam que foram organizadas pelo poder, para criar uma situação de insegurança que legitime o recurso à força, para reestabelecer uma "ordem" pública, uma pax frelimica...

Entretanto, a polícia - que nos últimos meses tem vindo a reprimir "sem fé nem lei" os contestatários do poder instaurado - conseguiu recuperar algumas dezenas de fugitivos. Filmes de telemóvel realizados por agentes policiais mostram-no. Congregaram esses fugitivos, transportaram-nos, interrogaram-nos, abateram-nos. Com júbilo! Filmam os cadáveres, para registo e "relatório". "Estes julgavam que as armas não disparam", clamam, apoucando aqueles restos mortais. Deixo acima a imagem de um desses assassinados - em vários filmes aparece detido, entrevistado, transportado: diz-se um "brigadista" (entenda-se, um criminoso de baixo risco, perto de ter cumprido metade da pena e passível de liberdade condicional, já com autorização para saídas diurnas laborais nas imediações da prisão). Passadas horas está cadáver, amontoado entre dezenas de corpos, e dito pelos polícias como "nigeriano" e "agitador"...

Trata-se de um massacre em curso em Maputo. Levado a cabo pelos agentes dos poderes lestamente caucionados por este trio: Rebelo de Sousa, Montenegro, Rangel. Malditos sejam estes. E malvistos, pois execráveis.

Para quem se interesse por este assunto, mas julgue ser imperscrutável em Portugal o actual processo moçambicano, aconselho a que na SIC Notícias recue até ontem, dia 25 de Dezembro, às 21.25 h., quando decorre um desses programas de comentário político - que agora me recomendaram ver... O comentador Miguel Morgado (militante do PSD) tem uma análise informada e totalmente pertinente do que se passa em Moçambique, e uma visão radicalmente crítica das posições havidas sobre o governo e o presidente (que são do seu partido). Ou seja, é possível estar aqui e perceber não só a situação moçambicana como entender o profundo despautério que grassa em Belém, em São Bento e nas Necessidades.

E ouça-se também o que diz sobre o assunto o militante do PS e antigo governante Prata Roque, o outro comentador. Pois é amplamente denotativo do que como o poder português impensa e, em particular! Defende o homem as posições pró-regime de Maputo - cabal defensor das solidariedades internas à Internacional Socialista e, porventura, das ligações privadas entre respectivas elites políticas. Mas atente-se mais ainda na abjecta, obtusa, cavernícola mediocridade dos seus argumentos: o que lhe importa é lamentar que em Moçambique "se fale cada vez menos português" (uma imbecilidade factual), e que a população seja cada vez menos sensível à "lusofonia" e - ainda por cima - à "portugalidade"... Não é apenas uma patetice, trata-se mesmo de um escarro intelectual, para além da imoralidade ululante.

E é isto, esta nulidade, esta esterqueira, que ascende a governos do PS. É  isto que é docente na actual Faculdade de Direito de Lisboa (!). E é isto, já agora, a que as televisões pagam para "informar" e "fazer opinião" as gentes de cá. Enfim, é a tralha imunda que vem grassando, há décadas, no "Bloco Central".

Entenda-se, conhecendo e sentindo Moçambique, vendo na alvorada pós-Natal o que estou a ver a acontecer em Maputo, vomito impropérios, jorram-se-me. Nenhum dos quais tão ordinários, javardos, como dizer "Prata Roque". Sem com isso salvaguardar de desprezo similar os actuais incumbentes.

O governo português e Moçambique

jpt, 24.12.24

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Em 2024 houve mundo afora um imenso, inusitado, número de eleições nacionais. A reduzir a atenção internacional sobre cada uma delas. Some-se a isso a relevância mundial das eleições americanas, até monopolizadora de interesses alheios,  a continuidade das duas guerras que mais convocam os cuidados da opinião pública e, agora, a queda do velho regime sírio. Tudo isso se congregou para a pouca relevância externa das eleições presidenciais, provinciais e legislativas moçambicanas do último Outubro. Também por cá isso aconteceu.

Nossa desatenção nacional que se reforça pelas características do nosso arco parlamentar politicamente significante. Entre o qual há em relação ao poder daquele país uma atávica solidariedade do PCP. E um desinteresse real do BE - note-se que a única intervenção significante desse partido sobre o assunto foi uma declaração da deputada Matias, a qual, de facto, apenas utilizou o caso moçambicano para criticar a posição portuguesa e europeia face à ditadura venezuelana. Quanto ao PS há uma solidariedade explícita, advinda da comunhão na Internacional Socialista, bem como - e até será mais relevante - existem liames já de décadas entre algumas figuras gradas socialistas e a oligarquia moçambicana, a vera causa do de outro modo inacreditável silêncio do PS sobre este assunto. Quanto ao PSD poder-se-á explicar o silêncio por um trio de influências: o peso de lóbi interno de algumas figuras desse partido, o rumo titubeante neste caso do seu actual Ministro dos Negócios Estrangeiros - o qual, decerto, brandirá um paupérrimo, de mítico, "sentido de Estado" para agora se justificar. E, decerto, a opinião do incompetente e ininteligente presidente da República que desse partido emanou, suas características sempre exponenciadas quando sobre Moçambique se trata. Ficarão os olhares críticos parlamentares sobre a situação moçambicana a cargo da IL, que tem tido posições pertinentes, e do ignaro bolçar revanchista colonialista desse CHEGA que para aqui anda...

Ontem, ao fim de dois meses e meio (muito mais do que ocorreu em vários processos eleitorais deste ano em África), o Conselho Constitucional moçambicano aprovou os resultados finais - como seria de esperar. Fez algumas alterações aos números inicialmente anunciados pela CNE. Grosso modo, atribui mais 4% dos votos ao segundo candidato mais votado - que tem protestado os resultados -, e mais 1% a um outro. Entretanto, ao longo destes dois meses de contestação popular dos resultados anunciados foram vários os relevantes militantes do partido do poder que confirmaram publicamente a longa tradição do seu (do seu, sublinho) partido na manipulação dos processos eleitorais. Corolário dessas más práticas no ano passado decorreram umas eleições autárquicas sob uma enorme, escandalosa, fraude. 

Neste 2024 aconteceu mais uma enorme manipulação eleitoral. Aos protestos generalizados seguiu-se uma brutal repressão policial: o assassinato de figuras do oposicionistas Podemos, mais de uma centena de mortos, pelo menos centenas de feridos. 

Não contesto que o partido Frelimo tenha ganho as eleições, julgo até ser normal que isso tenha acontecido: aconteceu uma grande abstenção, na desmobilização do voto oposicionista devido a uma longa tradição de manipulação eleitoral, na desagregação real do histórico oposicionista Renamo (de facto cooptado pelo poder, e assim compreendido pela população), na tripartição da oposição eleitoralmente significante, para além do peso histórico do partido do poder e de este ter um efectivo aparelho partidário na totalidade do país. Não contesto a sua vitória nem a afianço, pois de facto os processos eleitorais não são credíveis - como deixou explícito a declaração da missão de observação eleitoral da UE, raríssima de tão crítica. 

A toda essa tradição de prática política eleitoral some-se a atroz repressão em curso, da qual houve nos últimos dois meses incontáveis testemunhos fílmicos e fotográficos.

Mas ontem, ao fim dos tais dois meses e meio, o Conselho Constitucional validou o processo eleitoral. Duas horas depois, meras duas horas depois, o nosso governo divulga a sua concordância apoiante ao velho poder de Maputo. Articulando algumas recomendações gerais sobre "boas práticas" com a adopção, explícita, da linguagem que o Frelimo usa para agora se legitimar, como está escarrapachado na utilização de "o novo ciclo" no documento oriundo das "Necessidades", tópico na actualidade sempre propalado pelo partido incumbente. Nesta deriva, decerto que emanada por concordância entre Belém e São Bento (e as Necessidades, decerto), não houve sequer uma pausa, uma ligeira demora - tão típica da linguagem diplomática -, que significasse um desconforto - com o passado recente, com o presente, com o molde de autocracia eleitoral, com o constante viés repressivo.

Resta apenas um frenesim, conivente, de Sousa, Montenegro & Rangel. Precaução, dirão os sacerdotes da "realpolitik". Incompetência e desatenção, direi eu, defensor da "realpolitik".

E se há dias para ter vergonha de ser português este é um deles. A causar um Natal acabrunhado.

Adenda

Ao meu postal criticam-no, por via privada, por "aceitar" a vitória do Frelimo. As pessoas querem - sobre aquilo que "torcem" - proclamações, como se adesões. Não as farei a propósito de partidos estrangeiros. O que digo é que não recuso a hipótese da vitória do Frelimo (e adianto razões plausíveis). Mas adianto que, seja qual for o resultado apurado, nada daquilo é credível. E que a reacção do governo português é execrável. Digamos assim, se por cá volta e meia se pede a demissão (até a cabeça) de um qualquer ministro (da Educação, da Administração Interna, da Justiça, etc) por causa de um qualquer episódio, por maioria de razão se deveria pedir o abate deste ministro Rangel. 

Quanto ao resto dizem-me que hoje - nas suas comunicações audiovisuais - o oposicionista Mondlane zurziu no nosso presidente e no nosso governo, com total pertinência. Tendo também a clarividência de salvaguardar os nossos compatriotas residentes no país. De facto inocentes da incompetência do nosso presidente e deste ministro dos negócios estrangeiros (entenda-se bem, o seu comunicado é inadmissível...).

Mas como é Natal e Rangel é Rangel tudo passará e ninguém por cá ligará.

Presidente sofre

Paulo Sousa, 25.06.24

Em resultado das dinâmicas da Guerra Fria, ou do espírito daquele tempo se assim preferirem, a forma como Jean-Bedel Bokassa chegou ao poder, e o exerceu, nunca pareceu importar à França, antiga potência colonial da República Centro Africana. O perigo soviético, cuja influência avançava em África ao ritmo de cada nova independência, justificava que se olhasse para o lado de forma a poder assegurar influência neste imenso território pejado de riquezas minerais.

Em 1969, Charles De Gaulle nomeou Bokassa como chefe de Estado, chefe de governo, presidente do partido único e ministro centro-africano da Informação, recebendo-o oficialmente para jantar no Eliseu. Reconhecido por tal generosidade, o antigo combatente que na Segunda Guerra Mundial se colocou ao lado das Forças Livres Francesas, entendeu tratar o presidente francês por “papá”. “Não me trate por papá!” terá dito De Gaulle embaraçado. “Oui, papá” terá respondido Bokassa.

Trago aqui este episódio em desagravo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que igualmente embaraçado, terá recebido um email de um maluco qualquer, que lá por ser não sei o quê de uma Câmara de Comércio não sei de onde, o desatou a tratar por pai para aqui, pai para ali, se o pai puder ajudar, obrigado pai… dá mesmo vontade de dizer que vá chamar pai a outro! Ao que uma pessoa se sujeita para poder servir o país. Ninguém lhe dá o devido valor, é o que é.

Marcelo: o estado a que isto chegou

jpt, 04.06.24

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(Este postal ficou mais de um mês resguardado em "rascunho" para o apartar de qualquer associação, implícita que fosse, à execrável acusação a Marcelo Rebelo de Sousa de "traição à pátria", levantada pelo partido CHEGA)

"Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos" (Capitão Salgueiro Maia, no discurso mobilizador às suas tropas na partida para a revolução de 25 de Abril de 1974)

Nestes anos da sua presidência tem sido reduzida a crítica a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS), algo notório face às constantes invectivas aos outros agentes políticos, tantas vezes abrasivas. Mesmo quando se debatem algumas das suas decisões - as recentes dissoluções da assembleia ou posições avulsas sobre medidas legislativas, para exemplos maiores -, isso advém da elite política e surge sempre num cuidadoso registo plácido, denotando a quase intocabilidade de MRS. A qual muito ultrapassa o tradicional respeito pelo estatuto simbólico da presidência, o que é visível se comparando com o crivo crítico que recaía sobre todos os seus antecessores presidenciais. E diante da sua frenética actuação, esse corropio flanante e palavroso sobre o país, reina a "distracção" pública, restam apenas alguns dichotes, quantos deles em registo complacente... Até nos casos, recorrentes, que denotam alguma sua descompensação, a qual é apenas referida em surdina e/ou em tom de jocosa simpatia - como, para exemplos, os seus comentários a um decote ou, ainda pior, o já recuado, e absurdo, episódio durante a vigência da "distância social" no COVID, quando se deixou partilhar bocados de bolos com as crianças circundantes (compare-se a acrimónia com que, décadas passadas, tantos ainda referem o episódio em que Cavaco Silva comeu atabalhoadamente uma fatia de bolo-rei com o silêncio amnésico sobre este gritante disparate político comensal). Em suma, MRS tem "boa imprensa" e grande popularidade, esta constantemente visível.

O relevante é entender como pôde um homem com as suas características pessoais e o seu percurso político assumir tamanha relevância e captar tanto apreço, este que o vem blindando às críticas. Ou seja, como as representações e os anseios que a população tem sobre política e políticos coincidiram, casaram até, com a arquitectura que Rebelo de Sousa fez de si mesmo. Dito de outro modo, "Marcelo" reflecte "o estado a que isto chegou", o presente do regime.

 

 

Uma enorme e rematada estupidez

Pedro Correia, 18.05.24

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A acusação de "traição à pátria" ao Presidente da República era tão delirante que nem pode ser classificada de populista.

Tratou-se de uma enorme e rematada estupidez.

Marcelo Rebelo de Sousa talvez até deva agradecer o dislate de André Ventura, que nenhum jurista digno desse nome se atreveu a validar. E que cobriu de ridículo o líder do Chega perante a larga maioria dos portugueses.

 

As declarações do Presidente, mais papista do que o papa, a propósito das supostas "reparações" às antigas parcelas do nosso território ultra-periférico (como se diz em jargão eurocrático) são mais do que criticáveis. Eu próprio o fiz aqui, em tom jocoso. Daí a considerá-lo "traidor à pátria" e mobilizar 50 deputados para tentarem cavalgar a desbragada onda com horas extra de espaço noticioso é patetice tão grande que quase tresanda a desespero.

Não devia valer tudo para garantir lugar cativo nos telediários que adoram circo em sessões contínuas. Mas pelos vistos vale.

Quem vive na política assim, morre na política também assim. Porque há sempre outro demagogo ainda mais alucinado ao virar de uma esquina. Estes tiros acabam por fazer ricochete, como na velha história do aprendiz de feiticeiro, obviamente sem final feliz.

Reparações às ex-colónias

Paulo Sousa, 02.05.24

A treta das reparações às ex-colónias, trazida à tona no jantar com os correspondentes da imprensa estrangeira por Marcelo Rebelo de Sousa, é um assunto em que, pela natureza das respectivas causas, a esquerda e a direita não estão nem estarão de acordo. Por isso mesmo, é um óptimo tema para desviar a atenção da trapalhada das gémeas brasileiras. O assunto está aí, a esquerda brasileira no poder já pegou nele e o líder espiritual do Chega não lhe fica atrás nos decibéis. Mais uma marcelice lançada na praça pública. O interesse do país, a crescente polarização partidária, a urbanidade no espaço público e, last but not least, as suas relações familiares, nada contam face ao seu impulso patológico na busca do desequilíbrio.

Já muita coisa foi dita sobre mais este triste momento do nosso ainda Presidente, que, não haja quaisquer dúvidas, continua a beneficiar da tolerância apenas permitida aos excêntricos. Basta imaginar o que não seria se tivesse sido Cavaco Silva a referir-se a António Costa como “oriental” e por isso “lento”. Nem é bom pensar.

Relativamente à nossa suposta dívida para com as ex-colónias, vários são os pontos que podem ser lembrados e que mostram como tudo isto não é mais do que palha para entreter, e assanhar, o público.

No caso brasileiro, olhemos para o mapa da América do Sul. Salta à vista a desproporção territorial entre os países que dela fazem parte, em que o Brasil ocupa metade da área total, e a restante é dividida por doze outros países. Façamos, pois, um exercício de imaginação e imaginemos que o processo de independência da antiga estrela das colónias portuguesas tinha sido idêntico ao que ocorreu nas possessões espanholas. Imaginemos uma América do Sul composta não por treze, mas por vinte e quatro países. É fácil concluir que a paz entre estados que há décadas reina neste continente resulta exactamente do absoluto desequilíbrio entre todos eles. O processo de independência do Brasil, com todas as suas particularidades históricas, está visceralmente ligado à história de Portugal e permitiu que este colosso chegasse aos dias de hoje como um país que, além de ser um estabilizador regional, pela sua dimensão tem uma palavra a dizer à escala global. Tivesse, quem aposta no revisionismo para ganhar notoriedade, um conhecimento básico de história, assim como quem lhe dá atenção, e deste debate resultaria apenas um reconhecimento credor do mérito dos nossos antepassados comuns. Sobre a escravatura no Brasil, quem quiser mesmo pegar no assunto, que se entenda internamente com os descendentes dos antigos esclavagistas, pois são todos brasileiros.

O caso das reparações à Guiné-Bissau, Angola e Moçambique pode simplificar-se se, tal como acontece num contrato, começarmos por definir o que é que estes países são, como se formaram, como é que as suas fronteiras foram desenhadas, que ponto comum juntou sob a mesma bandeira diferentes tribos e etnias. Quem é que lutou, e morreu para que o que hoje é reconhecido internacionalmente como sendo as suas fronteiras, estejam onde estão? Faz ou não o respectivo território parte do que se identifica como país?

A natureza insular de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe altera a questão da definição das fronteiras, mas podemos também fazer um outro exercício de imaginação. Durante o processo de descolonização, foi considerada a hipótese de que Cabo Verde continuasse a ser parte de Portugal. Imaginemos que hoje este dois países seriam, tal como os Açores e a Madeira, outras duas regiões autónomas com uma Assembleia Regional, eleições regionais de quatro em quatro anos e que garantiriam aos seus habitantes cidadania europeia, assim como os fundos comunitários que privilegiam as regiões mais periféricas e desfavorecidas. Nem os líderes políticos portugueses dessa época, nem os fundadores das respectivas nacionalidades, tiveram a visão de que juntos estaríamos todos melhor. Não há forma de reparar esta falha que não é exclusivamente portuguesa.

Todos estes países, com as suas diferentes línguas locais, têm no português uma língua global, que lhes permite aceder à literatura clássica e científica, assim como a conteúdos multimédia e ao mundo digital. Pode isto entrar na conta das ditas reparações?

Ainda sobre o mesmo assunto, mas numa abordagem mais particular, já aqui escrevi sobre uma viagem que fiz à Guiné em 2013. Soube que depois de ter estado no Cacheu, junto ao antigo Forte Português, que ali foi construído o Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro. Eu, que gosto de história e de museus, gostaria de ali voltar para o visitar. Mas não consigo deixar de imaginar que numa terra onde uma pessoa pode morrer por lhe faltarem vinte euros, e que com cem euros se pode custear a anuidade de um aluno na Cooperativa de Ensino de São José, um dos poucos estabelecimentos que funcionam regularmente, para me questionar se as crianças do Cacheu, que correm pelas ruas em grupo e sem preocupações, sem médico ou escola, carecem mais do acesso a esses serviços, ou de um Memorial da Escravatura à sua porta.

É demasiada energia gasta em querer mudar o passado. Seria melhor canalizar tal empenho na construção de um futuro melhor.

Leituras

Paulo Sousa, 29.04.24

“Era a terra dos brandos costumes, a merda daquela terra e daquela gente de Lisboa, famílias que se conheciam, que tinham sempre um primo na oposição, outro na situação, um na esquerda, outro na direita. Era o Portugal d’Os Maias e d’A Capital, o Portugal queirosiano, dos «tipos muito meus amigos», dos Dâmasos e dos Acácios, daquela amálgama ou máfia que ficava sempre à superfície, mesmo no esgoto. O seu era mais o Portugal profundo, o Portugal rústico de carabina e navalha do Camilo.”

Jaime Nogueira Pinto, Os passageiros da sombra.

 

Ao contrário do que possa parecer, isto foi escrito antes da recente conversa de Marcelo Rebelo de Sousa com os jornalistas estrangeiros.

A logorreia de Marcelo

Pedro Correia, 19.04.24

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A 12 de Abril, confrontado pelos jornalistas a propósito de um eventual inquérito parlamentar ao chamado "caso das gémeas", que podem afectá-lo, Marcelo Rebelo de Sousa foi muito lacónico. «Estamos em campanha eleitoral», declarou, lembrando estar quase a esgotar-se o prazo para a apresentação de candidaturas às eleições europeias. Especificou que durante a pré-campanha e a campanha não se pronunciará «sobre iniciativas partidárias». Conduta apropriada num verdadeiro árbitro político, não no actual Presidente da República.

Cinco dias depois, quebrou o fugaz voto de silêncio. Promovendo à descarada a suposta candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu - segundo cargo mais destacado na hierarquia comunitária. «Tenho a sensação de que começa a ser mais provável haver um português no Conselho Europeu, no próximo Outono, em Bruxelas», declarou. Em aparente pressão sobre o poder judicial, sabendo-se que Costa é investigado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Influencer.

No dia seguinte, 18 de Abril, voltou a nadar para fora de pé, esquecendo-se do tal argumento da pré-campanha para as europeias. Desta vez para sugerir que Carlos Moedas pode vir a suceder-lhe ao afirmar que o presidente da Câmara e Lisboa é «um dos políticos mais sofisticados da cena nacional». Ele espera «viver o suficiente» para ver o futuro brilhante que imagina para o autarca - porventura no Palácio de Belém.

Marcelo continua acometido de logorreia, já esquecido do que prometeu faz hoje uma semana: parece ter regressado aos tempos frenéticos em que rabiscava as suas elucubrações políticas da página 2 do Expresso ou atribuía notas na TSF aos protagonistas da nossa vida pública. 

Sobre as gémeas é que nem um pio. 

Inaceitável

Pedro Correia, 18.03.24

Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto adora falar às comunidades portuguesas no estrangeiro, marimbou-se para o voto dos nossos emigrantes - este ano superior a qualquer outro em legislativas. Prova? Decidiu receber todos os partidos em Belém sem estes votos dos círculos eleitorais da Europa e de outras partes do mundo estarem contados, queimando etapas. E desprezando assim os compatriotas que vivem lá fora, incluindo três colegas nossos, também autores do DELITO: é como se as opções eleitorais deles não contassem.

Obviamente inaceitável, este comportamento do Presidente. 

A presidência e as eleições

jpt, 09.03.24

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1. A muito generalizada ideia de que o Presidente da República deve pairar sobre o sistema político, qual divindade do regime, nisso implicando como que uma "neutralidade axiomática", é uma aberração, tamanha a contradição que implica. O povo - o eleitorado, se se preferir - elege alguém exactamente para que intervenha. Com viés, esse que deverá ter sido explicitado no seu programa/manifesto eleitoral e fundamentado na sua biografia prévia ao exercício presidencial. A partir daí pede-se tino, ou seja respeito pela lei e fidelidade ao bom senso. 

Assim sendo, é perfeitamente curial que um presidente intervenha, de forma  mais ou menos explícita, num processo eleitoral que decorra sob sua tutela. A bem da sua figura de "primeiro magistrado da Nação" (o que é uma metáfora) talvez não convenha que ande pulando nas arruadas comicieiras dos seus preferidos. Mas só isso. De resto, com lisura - de preferência sem requebros "florentinos" - pode, e até deve, interferir no processo político.

Mas o que não é simpático é a forma "soprada" de intervenção, uma névoa de "diz-que-diz", ademane de "mentideros". Pois não sendo explícita não é falsificável, refutável. Disso lamentável exemplo é a primeira página da edição de ontem do "Expresso" - não só jornal de que Rebelo de Sousa foi director mas também consabida caixa de ressonância dos seus "recados". Pouco importa se o jornal já não tem a influência política que tinha em outras eras tecnológicas - o Pedro Correia anuncia aqui que líderes partidários já nem acedem a serem entrevistados pelos seus jornalistas, demontração da sua crescente irrelevância. E até pouco importará se a "notícia" tem fundo de verdade ("Belém" soprou) ou não (o "Expresso" inventou) - até porque poucos acreditarão que a "caixa" tenha sido inventada na sede do jornal. E também pouco importa se este "diz-que-diz" beneficiará algum dos outros partidos candidatos. Importa que isto não é uma forma democrática, "aberta", de intervir. É, evidentemente, mais uma "marcelice", das muitas. E o regime democrático terá de se depurar deste "marcelismo".

2. Em adenda, e sobre o que vai acontecer amanhã: é-me antipático o partido CHEGA, dado o seu pendor discriminatório, a sua demagogia, para além da evidente contradição entre o que vai escarrapachando nos dizeres programáticos e o conteúdo das inflamadas declarações do seu presidente. Mas ao olhar para as sucessivas sondagens que vêm sendo publicadas, e independentemente da sua fiabilidade, há algo que me parece óbvio: em relação aos resultados de há dois anos parece que o CHEGA crescerá. Atraindo mais 7, 8, 9, 10 por cento do eleitorado, talvez até mais se crermos nas expectativas do professor Ventura. Muito provavelmente será o grande vencedor, relativo, destas eleições, e mais ainda se se pensar que há 4 anos elegeu um deputado com cerca de 2% dos votos nacionais. É mais do que provável outros políticos e imensos comentadores surgirão a declará-lo derrotado: por  não ter chegado aos tais 20%, fasquia alta que ostentou, se calhar por não se ter tornado necessário para fazer maiorias, etc. Mas isso será esconder a realidade, incompreender o país. Tal como o é elidir que o partido meramente contestatário cresceu exponencialemente durante o consulado de Costa, desde o seu início propagandeado até ao máximo pelas forças da velha geringonça, pois usado como "legitimidade anti-fascista" daquela espécie de "Frente Popular", e agora usado como arma de arremesso contra os oponentes de "direita", ditos até quasi-CHEGA. No fundo, esse mais que provável apagar da vitória de Ventura será fazer política como o "Expresso", com "marcelismos" por assim dizer. É o modo da gente ufana...

(A proibição de "falar de política" num dia de "reflexão" é um patético anacronismo, um paternalismo estatista inadmissível no ano do cinquentenário do regime democrático. Que a nova Assembleia da República saiba comemorar os 50 anos do 25 de Abril formalizando a consciência dos efeitos benéficos da democracia. Entre os quais a liberdade de imprensa, a disseminação da educação e nisso a consciencialização da população, para além da pacificação da sociedade. E por isso a desnecessidade das restrições apostas ao tal putativo "dia de reflexão").

Coisa chata: Marcelo votou sem reflectir

Legislativas 2024 (18)

Pedro Correia, 06.03.24

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Foto: José Sena Goulão / Lusa

 

Não imagino como é que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu exercer o direito ao voto antecipado, nas legislativas marcadas para 10 de Março, prescindindo do "dia de reflexão" obrigatório, fixado na lei eleitoral vigente desde 1975. Tão obrigatório que está prevista pena de «prisão até seis meses» a quem se atrever, nesse tal dia e na própria data do sufrágio, a apelar ao voto no partido X ou na coligação Y.

Aberração que se mantém, meio século após o 25 de Abril.

Marcelo, sempre impaciente, não quis esperar. Votou antes, no passado domingo. Aparentemente sem reflectir - tal como fizeram mais 208 mil portugueses. Dispensando o tal "dia obrigatório" durante o qual está vedado às formações partidárias o apelo directo ao voto. Apesar de na véspera desse 3 de Março ter havido campanha, propaganda, arruadas, súplicas sem fim a votar em tudo e mais alguma coisa. 

Exemplo evidente de desajustamento entre a lei e a realidade. Outro que perdura. Apesar dos apelos já feitos pelo próprio Presidente da República para extinguir o famigerado dia obrigatório e compulsivo - resquício da era analógica neste milénio digital. Eleição após eleição, os políticos persistem em manter isto inalterado. Enquanto o mundo vai girando, indiferente aos anacronismos legais de um país que parece congelado no tempo.

 

Leitura complementar: Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha