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Delito de Opinião

Presidente rasga o Governo

Frases da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa à RTP

Pedro Correia, 10.03.23

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«[Esta] é uma maioria que nasce já com o desgaste de seis anos de governo (...) numa legislatura um pouco patológica.»

 

«Foi um ano praticamente perdido.»

 

«Estamos a gerir o dia-a-dia e a olhar para o curto prazo e não para o médio prazo.»

 

«Isto [trapalhadas em série na TAP] marcou o Governo. É como a TAC, que cria radiações irreversíveis no corpo. É uma ilusão pensar que não deixa efeitos políticos.»

 

«Temos um PRR que, na minha visão, está atrasado.»

 

«É preciso corrigir as desigualdades entre professores.»

 

«É preciso uma reconstituição sistémica do Serviço Nacional de Saúde, que tem de ser repensado rapidamente.»

 

«Dar sete dias para discutir um diploma sobre habitação depois de sete anos de espera é uma coisa do outro mundo.»

 

«Já se percebeu que os municípios não têm capacidade para descobrir as casas devolutas.»

 

«A pior coisa que podia haver era votar leis a correr no Parlamento, numa matéria desta natureza e com esta incidência no futuro.»

 

«O Governo tem de ter a noção que vai ser, daqui até ao fim das suas funções, alvo de um escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões, na escolha do pessoal político. E bem. E que há, naturalmente, personalidades cimeiras: a seguir ao primeiro-ministro, o ministro das Finanças é porventura o ministro mais importante do Governo neste momento. Portanto, vai haver obviamente uma concentração de foco sobre ele.»

 

«Mantenho esse princípio de manter a legislatura até ao fim, mas não peçam para renunciar ao poder de dissolver [a Assembleia da República].»

 

«O Presidente da República, até ao dia 9 de Setembro de 2025, tem o poder de dissolução.»

 

Excertos da entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa, ontem à noite, aos jornalistas António José Teixeira (RTP) e Manuel Carvalho (Público)

Na esplanada

José Meireles Graça, 01.03.23

A esplanada estava deserta sob um sol radioso. O cão preso à perna de uma cadeira, fui lá dentro encomendar o de costume e vi no televisor Marcelo que dizia não sei quê no meio de uma chusma de gente.

É assim todos os dias há anos – não se percebe como ainda há quem o ature, disse para mim mesmo. Ainda por cima, pensei, parece que dorme muito poucas horas por dia, pelo que lhe sobra tempo para ir a inúmeros lugares para se aliviar de banalidades ou fazer figuras tristes.

Mas dorme pouco porquê? E de repente fez-se luz: deve falar a dormir, acordando-se com o barulho. E como nem ele tem paciência para se ouvir foge espavorido do quarto.

Provas? Costuma falar do Presidente da República como se não fosse ele, sinal seguro de ter dupla personalidade, ainda que ambas chatíssimas. E como, a julgar pelo que diz e escreveu ao longo de anos, não deve ocupar o tempo nem a reflectir nem a ler, só lhe resta falar.

Implausível, disse dele Vasco Pulido Valente. Eu digo que fica plausível se o virmos como uma pessoa mal dormida.

Um governo em desagregação

«Ser casada com alguém que foi acusado põe em causa a ética?»

Pedro Correia, 06.01.23

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Ana Catarina, António Costa e Mariana Vieira da Silva ontem na AR: linguagem facial expressiva

 

Catarina Martins, ontem (16.02), na Assembleia da República:

«A cada caso que é encerrado, a cada nomeação que é feita, abre-se um novo caso. Não é pelo menos absolutamente imprudente a forma como o Governo tem lidado com as nomeações e as responsabilidades dos seus membros? Não é absolutamente imprudente que depois de demissões com base em perguntas com tanto por explicar a primeira coisa que o Governo faça é mais uma nomeação em que precisa de explicar o que na verdade parece tão inexplicável à maioria dos cidadãos deste país? Como é que se pode explicar esta displicência da maioria absoluta, esta displicência do PS para com a coisa pública, para com a democracia, para as suas instituições?»

 

António Costa, ontem (16.10), na Assembleia da República:

«Supreende-me muito que seja uma deputada do Bloco de Esquerda a colocar a questão sobre a necessidade de demitir uma mulher do Governo porque o marido é acusado num processo-crime. Este caso é particularmente claro. É um caso concreto onde o Ministério Público já investigou tudo e acusou só uma pessoa. Então vou ser eu a substituir-me ao Ministério Público e vou demitir a mulher de alguém porque o marido é acusado? A secretária de Estado não foi acusada de nada. Ser casada com alguém que foi acusado põe em causa a ética? Senhora deputada: acho muito triste ser necessário, no século XXI, ter de recordar à líder do Bloco de Esquerda algo que é uma conquista civilizacional.»

 

Catarina Martins, ontem (16.15), na Assembleia da República:

«Respondeu-me com matéria criminal quando eu lhe falei em ética republicana. Esse é um erro preocupante. Este Governo acha sempre que tudo pode acontecer desde que não seja crime, ainda que ponha em causa o interesse público e a confiança da população nas instituições.»

 

António Costa, ontem (17.10), na Assembleia da República:

«Irei propor ao senhor Presidente da República que consigamos estabelecer um circuito, entre a minha proposta e a nomeação dos membros do Governo, que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação. Falarei primeiro com o Presidente da República e depois direi o que tenho a propor

 

Marcelo Rebelo de Sousa, ontem (18.52), falando aos jornalistas em Lisboa:

«Do ponto de vista do Direito, [a secretária de Estado Carla Alves] não é arguida, não é acusada, não há neste momento, com os factos conhecidos, nenhum caso de ilegalidade. Outra coisa é a questão política. E naturalmente, a questão é a seguinte: alguém que tem uma ligação familiar próxima com alguém que é acusado num processo de determinada natureza criminal, tem à partida uma limitação política. É um ónus político. Não é um problema jurídico nem - para já - ético. Politicamente, é evidente que é um peso político negativo. É uma realidade que constitui uma limitação política, à partida, para o exercício da função.»

«A haver uma intervenção para apurar problemas de legalidade ou impedimentos relativamente a quem vai ser nomeado para determinados casos, deve ser antes de o Governo apresentar a proposta. (...) O Presidente não se pode substituir ao primeiro-ministro. Se for o Presidente a formar os governos, o sistema passa a ser presidencialista.»

 

Comunicado do gabinete da ministra da Agricultura, ontem (19.58):

«A secretária de Estado da Agricultura, Carla Alves, apresentou esta tarde a sua demissão por entender não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. A demissão foi prontamente aceite [26 horas após a tomada de posse].»

 

Mensagem do primeiro-ministro no twitter, ontem (21.40):

«O Governo mantém-se firme na execução das suas políticas, cumprindo e honrando os compromissos com os portugueses [após 12 demissões em nove meses].» 

O Galamba a que isto chegou

jpt, 02.01.23

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Nesta antevéspera de Natal o Estado, por instrução governamental, distribuiu um subsídio de 240 euros aos "desfavorecidos" - como sói dizer-se nestes tempos. Um evidente (mas talvez inconsciente na mente dos burocratas) paternalismo, qual um "Estado Natal" a distribuir "prendas", o verdadeiro bodo aos pobres. Coisa que seria atroz numa república de cidadãos, e símbolo da irresponsabilidade dos próceres do regime, desatentos ao real... Nesses mesmos dias em Murça o presidente Rebelo de Sousa foi confrontado por alguns "populares" - como se dizia -, invectivando-o pela inacção que lhe atribuem. Depois acolheu-se junto de uma mole de bombeiros, à qual Sousa disse que o "povo" é "sofrido" e "ordeiro", à excepção de alguns "excitados". Talvez algo influenciado pelos até anacrónicos uniformes dos "soldados da paz" e pelo ar constrangido com que escutavam o presidente, aquelas declarações e a pose discursiva soaram-me a salazarento, uma fétida degeneração do regime...

Agora, na sequência de mais uma trapalhada da pequena elite político-administrativa, sabe-se que Costa apenas consegue mudar um pouco a disposição das suas peças. E nisso para o importante ministério das "Obras Públicas" escolhe Galamba - uma inexistência pública, cujo currículo se resume a ter sido um frenético e fidelíssimo propagandista de José Sócrates. Funções que exerceu com denodo - até, já no governo geringoncico, ter recebido ordens de se associar a Carlos César e a Fernanda Câncio para que cada um desse trio publicasse no mesmo fim-de-semana uma invectiva ao antigo líder, modo escolhido para aos olhos do público se apartar Costa do seu antecessor, de quem foi vice e apoiante. Seria Galamba depois recompensado com a tutela dos recursos minerais - e agora fica assim.

É o Galamba a que isto chegou!

Outra vez Lula da Silva

jpt, 02.01.23

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Desde que o PT chegou à presidência do Brasil aquele país alargou-se por África e outro mundo afora, era a época dos militantes da virtude no reforço do "Sul-Sul", dos crentes do culto aos BRICS - a China sempre nos modos deste Xi, a Rússia já de Putin, a África do Sul no rumo de Zuma, Ramaphosa e quejandos, a Índia do afinal Modi e o nosso cálido "país irmão"... Olho para 20 anos atrás, recordo o meu cenho franzido diante daquilo, e interrogo-me se sou serei eu o deficiente, pois "portador de cepticismo", ou, se pelo contrário, serão apenas parvos os que então (e hoje) tanto se entusiasmavam com aquela "alternativa" dita desenvolvimentista...
 
Mas não vi qualquer defeito naquilo da economia brasileira se extroverter para África. É certo que dos grandes investimentos em Moçambique bem ouvia - e muitos anos antes de qualquer um de nós saber da existência do juiz Moro - histórias das articulações dos macrogrupos económicos com a elite PT e a família elementar do presidente obreirista... Mas isso eram (e são) os problemas daquele país, onde a corrupção do sistema político é endémica e não típica de uma qualquer linha ideológico/partidária. De facto, o que me mais me irritava era o folclore "afro" da abordagem brasileira - entenda-se bem, em África os portugueses armam-se das lérias da comunhão "lusófona" e os brasileiros entoam a sua cançoneta da irmandade feita da sua "africanidade". Todos desafinam...
 
Enfim, quase nada sei do país e nunca cuidei de me aprofundar nisso. Li poucos escritores (Machado de Assis, Nassar e mais alguns), ouço um punhado de cantores (facilitados pelo imediatismo da apreensão que a língua comum dá). E noto que apenas um pensador me marcou - José Guilherme Merquior, um intelectual monumental que tão infelizmente morreu com apenas 50 anos, tanto deixando por iluminar. E, já nesta idade, tenho uma muito querida amiga, dois grandes amigos e conheço ainda, com simpatia algo vaga, não mais de meia dúzia de brasileiros. Ou seja, ao longo da vida o país foi-me indiferente - à excepção da floresta - e assim continua...
 
Ontem Lula da Silva regressou ao poder. É verdade que durante as suas presidências houve um enorme retrocesso da pobreza, efectuou-se uma urgente redistribuição de recursos numa sociedade imensamente desigual. E - o que é o verdadeiramente fundamental - muito se reduziu o criminoso abate amazónico. Sucede a um boçal afascistizado, um troglodita político - o qual, muito mais grave do que tudo o que a gritaria das "identidades" apregoou, e assim até escondeu, foi um gravíssimo epifenómeno da indústria assente na desflorestação.
 
Por isso tudo é bom que Lula da Silva tenha ganho. Foi eleito resvés, dada a preferência que obteve no eleitorado do "interior" (nordestino), pobre, inculto, desapossado pela desigual redistribuição social e geográfica dos recursos, ostracizado até. Só não querendo ver é que não se nota a similitude, em abstracto, com a recente eleição de Trump..., o que deixa ver como as "análises" são acima de tudo ladainhas advindas das simpatias dos locutores, nuns casos louvando as "massas", noutros casos invectivando a plebe, crente.
 
Por cá muitos desgostam de Lula da Silva, lamentam a sua ressurreição. Muito disso advém da associação do brasileiro com o nosso Sócrates - bem patenteada durante anos, em visitas oficiais e privadas, em apoios, em amizades proclamadas. E só não viu quem era Sócrates quem não quis ver, só não percebeu o tom que ele deu ao regime quem não quis. Clientelismo, nepotismo, corrupção, ataque à separação de poderes, esbanjo de recursos públicos, ataque à liberdade de imprensa, tudo isso foi Sócrates - e com a cumplicidade de alguns e a conivência de imensos. O PS tudo fez para fazer esquecer isso - o que lhe permitiu nomear um Presidente da Assembleia da República que goza connosco a propósito de Sócrates, encher o Parlamento Europeu com gente próxima de Sócrates, encher o governo de ex-governantes de Sócrates (e quando um é apanhado a esconder alguma corrupção as pessoas ainda se surpreendem...). Pois o histriónico Sócrates pode ter caído mas o regime não mudou, é preciso ser "parolo" (para citar o inaceitável Santos Silva) para não o perceber.
 
Por isso tudo, este convite para o empossamento que Lula enviou a Sócrates - em nome de uma qualquer "amizade pessoal" - é uma agressão, vil, a Portugal. E uma proclamação de que afinal não somos um "país irmão" mas sim, quanto muito, um "país sócio" para quaisquer trapaças que pareçam lucrativas. E o nosso esvoaçante Presidente deveria ter sinalizado isso. Apresentar-se, algo obrigatório como chefe de Estado, e com gravitas, nisso enfatizando a percepção da ofensa havida. Mas, claro, apaixonado por si mesmo foi-se a banhos...
 
Quanto ao Brasil? Atrevo-me a um conselho, de facto dado aos meus três queridos brasileiros: que se ouça esta "Sozinho" de Peninha cantada por Caetano Veloso e o seu interlúdio falado. E perceba-se que é falso que original e versões primevas sejam as melhores. A canção pode ser muito melhorada, tornada outra mesmo. Façam-no agora. E nisso controlem estes desafinados.
 

Caetano Veloso - Sozinho (Ao Vivo No Rio De Janeiro / 1998)

As trapalhadas do governo Costa

Executivo é o maior factor de instabilidade nacional

Pedro Correia, 29.12.22

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Dez ministros e secretários de Estado em fuga do governo desde que tomou posse, há nove meses. Uma autêntica debandada, que teve como mais recentes protagonistas, na noite de ontem, o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, logo seguido do ministro dos Transportes, Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos.

À luz da doutrina constitucional estabelecida em 2004 por um dos antecessores de Marcelo Rebelo de Sousa, as trapalhadas do governo Costa pós-geringonça põem em causa o regular funcionamento das instituições.

Se o inquilino do Palácio de Belém, neste momento, se chamasse Sampaio em vez de Sousa, a legislatura estaria em vias de ser dissolvida pelo facto, raro mas não inédito, de o governo ser o principal factor de instabilidade nacional.

 

Um governo, paradoxalmente, em fim de ciclo quando as eleições legislativas foram apenas há onze meses. É aliás já num subtexto de fim de ciclo que decorre toda a infeliz entrevista concedida há dias pelo primeiro-ministro à revista Visão - posando para a capa como "Marquês de Pimbal", na mordaz definição de Ana Gomes.

A ex-eurodeputada inclui-se entre os socialistas (como Alexandra Leitão, Álvaro Beleza e Sérgio Sousa Pinto) que não escondem o desagrado nem silenciam críticas perante estes nove meses de errático desgoverno, incapaz de encontrar um rumo. Como se estivesse órfão dos dois partidos - PCP e BE - que durante os seis anos anteriores lhe serviram de muleta.

«Alguma coisa dá uma sensação de desconforto a quem lê», comentou o ex-ministro de Estado Pedro Siza Vieira, personalidade até há pouco muito próxima de Costa, reagindo também com evidente desconforto àquela entrevista em que o primeiro-ministro esbanjou insultos e falsidades.

 

Convém recordar que ao dissolver a Assembleia da República, em Dezembro de 2004, Jorge Sampaio pôs fim a um governo apoiado pela maioria dos deputados, empossado escassos quatro meses antes. As "trapalhadas" de Santana Lopes, como na altura foram designadas, são episódios menores comparados com a sucessão de escândalos do costismo pós-geringonça.

Entre estes escândalos, inclui-se a revogação em Junho, por decisão urgente do primeiro-ministro, de um despacho, oriundo 24 horas antes do gabinete ministerial de Pedro Nuno Santos, sobre a localização do futuro aeroporto de Lisboa - numa descoordenação sem precedentes em quase meio século de governos constitucionais.

Em Novembro, ocorreu a demissão forçada do próprio secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves, acusado pelo Ministério Público do crime de prevaricação quando exercia funções de presidente da Câmara Municipal de Caminha. Esta exoneração ocorreu apenas 55 dias após a chegada do ex-autarca ao governo.

 

Ontem, o ministro das Finanças decidiu exonerar a secretária de Estado do Tesouro após ter sido divulgada a notícia de que Alexandra Reis embolsara uma indemnização de meio milhão de euros como administradora da TAP, no início de 2022, quando ainda lhe faltavam cumprir dois anos nestas funções, tendo transitado de imediato para a presidência da empresa pública Navegação de Portugal. Empossada como secretária de Estado a 2 de Dezembro, passou pelo governo só durante 26 dias.

Tem agora a palavra o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Que, como comentador político, há 18 anos foi um dos mais ferozes críticos do primeiro-ministro Santana Lopes.

 

ADENDA: Com a saída de Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, sobe para onze o número de governantes que abandonaram o Executivo nestes nove meses.

O Grau Zero

jpt, 18.11.22

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Todos sabemos (ou deveríamos saber) que a "razão de Estado" muito prevalece, por vezes (que devem ser escassas) em questões de política interna, muitas vezes em questões de política externa. E é quase sempre difícil "engolir o sapo" quando os nossos regimes democráticos (e seus próceres) vão violentando os princípios, seja compactuando com acções alheias seja elidindo assumir virtuosas oposições. Mas "é assim mesmo", a política é o possível dentro do necessário - e o máximo que podemos exigir em democracia é o funcionamento das instituições que abocanhem os políticos que violem as leis e a liberdade eleitoral para que se possam afastar os políticos que demasiado esqueçam os princípios. Enfim, na democracia nada é perfeito e isso não é defeito. É feitio, e bom.

É certo que esta II República muito apostou no futebol como indutor de patriotismo - quase como substituindo o vetusto "ultramar". Um pouco a reboque das surpreendentes vitórias internacionais das equipas de Carlos Queirós, depois através da desmesura do Europeu de 2004 - projecto nacionaleiro ao qual calçou que nem luva a peculiar e tonitruante  mundividência (reaccionária, strictu sensu) do histriónico e competente seleccionador Scolari. Em termos que ficaram célebres Portugal não precisa, como em muitos países, de reafirmar-se como "comunidade imaginada" nem de "produzir a Nação". Mas a bola vem servindo de cimento pátrio neste atrapalhado início de XXI - e numa verdadeira histeria, como percebe qualquer português que tenha vivido no estrangeiro e assim possa fazer comparações com a futebolização do nosso país. 

Mas estas desgraçadas declarações de Rebelo de Sousa nada têm a ver com isso. Não há qualquer "razão de Estado" inclusa nisto. Ou qualquer acção de produção ideológica. É apenas o inenarrável, mais um exemplo desta pungente presidência. É certo que o futebol é uma enorme indústria de entretenimento global, o seu mundial sénior é um cume de atenção. E também se torna evidente que as instituições do país se agarram a isso para "fazer Portugal" - tanto os poderes políticos como o servil "quarto poder". E tanto assim é que quase tudo é permitido aos agentes do futebol, que se tornaram um verdadeiro "Estado dentro do Estado" - basta ver como o problema fiscal da FPF com o seu seleccionador Santos não passou a escândalo..., ou como um país democrático aceita que os revisores de bilhetes no estádio possam parar espectadores porque têm camisolas "políticas", como aconteceu ontem em Lisboa. 

Nesse âmbito, entre o futebolismo dominante e o evidente mal-estar com a deriva da FIFA em vender o Mundial-2022 àquela ditadura árabe, nem sequer se pede ao nosso presidente que tenha alguma intervenção avessa. Apenas que se cale. Agora que um presidente da república nos venha dizer que esqueçamos a questão dos direitos humanos e que nos concentremos na selecção (lá está, o tal patrioteirismo...)?

Enfim, ao longo dos anos de bloguismo já muito botei sobre Rebelo de Sousa - que considero o pior que a política democrática nos trouxe (sim, incluo Sócrates nisto). Convicto está da sua excelência, que lhe foi dita em jovem (transcrevi um texto de Portella Filho de 1974 que isso augurava). Mas nada mais nos deixa do que um rol de dolorosas inépcias. Resmunguei sobre a anacrónica vacuidade do seu projecto presidencial (12.2016), que de facto intenta a despolitização da sociedade, num populismo manso mas gravoso; da sua adesão à mais rasteira das demagogias futeboleiras (6.2008); da sua desnecessária e maliciosa reescrita da História nacional (4.2017, 5.2017); do seu incumprimento face à política florestal portuguesa (6.2017); da sua incapacidade para pensar a relação com as antigas colónias (1.2020); do seu efectivo desnorte no início da pandemia (3.2020) [tendo-me nesse aspecto socorrido de uma preciosa transcrição: "O Torso Dispensável" de Clara Ferreira Alves, de 10.2020], bem como da forma como se pensa cidadão acima do cumprimento da lei, em pleno controlo pandémico [1.2021]; a sua explícita submissão à hierarquia da igreja católica (8.2022, 8.2022); do seu escandaloso descuido aquando da convocação de eleições antecipadas (2.2022), etc. E, acima de tudo, da minha crença de que algo está mal em Belém (6.2022) e não há ali ninguém para enquadrar, almofadar, o processo degenerativo.

Olho para este rol de resmungos e até a mim me parece uma monomania. Mas de facto não o é. Trata-se apenas de que este Presidente é uma catástrofe. E isto não tem a ver com ser mais "à direita" ou "à esquerda". E agora, com estas declarações futeboleiras, chegou mesmo ao grau zero. Mas não nos iludamos, vai piorar, e a partir de agora é para "negativos".

Do nojo

João Campos, 11.10.22

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Para que conste: um único caso de abuso sexual de menores em qualquer instituição é mais do que suficiente para se considerar um número "particularmente elevado". 400 casos (número provisório) só em Portugal, independentemente do intervalo temporal em questão, é uma aberração absoluta, um crime imperdoável da Igreja Católica.

Sabia-se desde aquela chegada nocturna a Pedrógão em Junho de 2017 que seria impossível Marcelo acabar o mandato - qualquer mandato - com um mínimo de dignidade, mas as declarações de hoje demonstram de uma vez por todas que não está à altura do cargo. É simplesmente nojento. 

O Presidente e os Cardeais

jpt, 31.07.22

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O Presidente da República decidiu intervir, isentando a priori o cardeal de Lisboa (e o seu antecessor) de qualquer responsabilidade na ocultação de crimes de pedofilia e, por inerência, na preservação de pedófilo(s) em funções - e fê-lo numa conferência de imprensa decorrida a propósito da visita de um Chefe de Estado estrangeiro (!), assim sublinhando o desatino desta atitude de Rebelo de Sousa.

É consabida a incontinência verbal do presidente, o seu afã de sobre quase tudo pontificar - um desvio atitudinal que o leva a extremos tais que é possível vê-lo, até, a comentar jogos de futebol no cenário das entrevistas imediatas (flash) em pleno campo de jogos. Será legado psicológico das décadas de comentariado televisivo que o conduziram a Belém. Há quem aprecie, nisso veja uma salutar aproximação da instituição com o eleitorado, há quem veja nessa encenação de familiaridade uma depreciação da instituição. 

Mas, independentemente do que se possa pensar desta pose presidencial, não é aceitável que o PR intervenha numa gravíssima situação destas, deixando a sua presunção (pois nada mais é do que isso) desresponsabilizadora. A igreja católica enfrenta um problema gravíssimo, de âmbito mundial. Os seus efeitos institucionais chegaram agora a Portugal. Vive, e desde há séculos, sob uma cultura institucional que (pelo menos) induz a sexualidade pedófila, hetero e homossexual. Algo que, é evidente, deriva do seu molde organizativo - o qual nem sequer assenta em dogmas fundamentais mas em opções estratégicas de cariz económico (para quem tenha interesse deixo este célebre The Development of the Family and Marriage in Europe do antropólogo Jack Goody, que explicita o desenvolvimento histórico do celibato eclesiástico).

Diante do que se passa, da generalizada (auto)consciencialização dos contextos católicos - e da sua instituição religiosa matriz - da horrível chaga que vêm acoitando, não me parece que seja admirável recuperar um anticlericalismo "iluminista" setecentista nem o exaltado "mata-fradismo" tão vigente até à nossa I República. Poderemos, crentes e incréus, aceitar a religião que nos é estruturante (mas não mandante) e a sua instituição fundamental. E nisso exigir, mas com esta última ombreando, o seu expurgar das horríveis práticas que os seus oficiais vêm cometendo. Ou seja, deverá a sociedade portuguesa - tal como tantas outras - exigir a responsabilização e combater silêncios e os biombos que a pesada instituição clerical veio procurando manter nestas últimas décadas. Como têm sido noticiados em tantos outros países. Ora nenhuma destas posições, justas, "humanistas" (no sentido de humanitárias e também no de vivificadas pelo respeito aos saberes antigos), ecuménicas no respeito às religiões, se acolhem sob esta intempestiva intervenção do presidente. Apenas um apressado, destravado até, acto de conivência com as autoridades clericais - e é importante recordar que noutros países várias autoridades eclesiáticas, até cardinalícias, foram apontadas pelo acto de denegação sem que tivessem sido alvo de defesa apriorística por parte das autoridades políticas democráticas. Ou seja, Rebelo de Sousa, nas suas funções de presidente, opta por defender - aprioristicamente, repito - não só os cardeais. Pois nisso, também, procura socorrer a igreja católica, desvalorizando à partida a hipótese das suas responsabilidades, minimizando as teias de silêncio a que esta recorre(u).

Esta inaceitável atitude do presidente não advém do seu catolicismo. Mas da sua concepção política. Sobre esta insisto naquilo que já escrevi: Rebelo de Sousa tem o projecto mais conservador ("reaccionário", para utilizar o velho termo) que este regime já acolheu. Por um lado, e num verdadeiro mimetismo do Estado Novo tardio, encena uma pose política que intenta a efectiva despolitização da sociedade - um populismo "lite", que invoca já não um pater familias até autoritário mas sim um "magister familias", o Professor afável - num rumo que é, verdadeiramente, antidemocrático ainda que nada ditatorial.

E por outro lado - e sem que isso tenha convocado reacções na sociedade, seja no espectro partidário, atrapalhado com outras circunstâncias, nem na intelectualidade ou na vasta sub-intelectualidade estabelecida no comentariado nacional -, Rebelo de Sousa investiu contra a laicidade do Estado, que é característica do nosso regime. Fê-lo, sem qualquer rebuço, desde o início do seu mandato - recordo que no dia do seu primeiro empossamento se deslocou a um templo lisboeta para se reunir com uma série de autoridades clericais de várias congregações religiosas, assim assumindo-as explicitamente como interlocutoras políticas. O que é um traço do secularismo estatal mas não é, bem pelo contrário, uma característica dos regimes laicos. E nesse viés anunciado colheu total silêncio por parte das elites partidárias, dos intelectuais e dos sub-intelectuais radiotelevisivos.

Enfim, agora surge com estas declarações sob assunto tão gravoso. As quais não lhe eram requeridas, bem pelo contrário. Poderiam ser "inaceitáveis" se efectivamente o fossem, se não estivesse a sociedade obnubilada pelo "Marcelo", tudo lhe aceitando. E assim serão consideradas apenas como mais um episódio do afável e gentil "Marcelo", justificadas (apolitizadas, entenda-se) pelo seu "catolicismo" e pela "amizade" pessoal que vota aos cardeais. 

E não haverá muito mais a dizer, tudo isto segue politicamente impune. E até moralmente impune. Sobre o assunto - de facto é mesmo (também) sobre esta matéria - recordo um postal que escrevi em 27.09.2018, encimado pela mesma fotografia. Porque disse tudo o que tinha a dizer...

Marcelo Rebelo de Sousa diz que não saudou o presidente americano por respeito à posição portuguesa sobre o multilateralismo ( 25.9.2028  ). Ou seja, explicita que as suas formas de saudação denotam a posição do país, dado que ele é Presidente da República. Muito bem. E a posição portuguesa, do Estado e da sociedade, sobre a laicidade, essa conquista da democracia? Pode o Presidente da República, nessa condição, saudar o Papa neste gesto de "islão", de submissão expressa no beijo ao anel? Não. A "direita" portuguesa, mais ou menos católica, (pelo menos disto) gosta. A "esquerda" portuguesa, entre os descendentes da capela do Rato e a igreja PCP, encolhe os ombros. Está-lhe grata, pela protecção ao governo na cena dos fogos, pela protecção ao regime na cena da substituição da Procuradora-Geral da República - e é estruturalmente avessa à laicidade [Nem a compreendem, ignorantes seguem confundindo-a com um secularismo de tempero multicultural] (...) E os "tudólogos"? Falam do resto ... 

Pedro e Marcelo

José Meireles Graça, 03.07.22

Diz o Sol que Santana Lopes, no Facebook, torceu o nariz às partes gagas de Marcelo no Brasil. Este está de visita para proferir irrelevâncias e mergulhar em Copacabana, a propósito de um festival literário em S. Paulo estrelado com a presença de Valter Hugo Mãe, ahem.

Fui conferir mas não encontrei o texto – talvez seja só acessível a amigos e eu, que tenho pela personagem mais respeito do que o que dedico à maioria das figuras públicas, não lhe vou pedir amizade, que ele ainda estourava de vaidade.

Que terá escrito, então? Isto:

"Os Chefes de Estado estrangeiros, quando vêm a Portugal encontram- se com os anteriores Presidentes? Claro que não. O que importa são os Povos? Sem dúvida. E os Povos é que pagam estes incidentes. Lula da Silva pode ganhar de novo à Presidência? Haverá tempo para encontros com o especial amigo de quem sabemos. Será que Marcelo, em França, se encontrou com Melenchon ou Marine LePen, (ou François Hollande e Nicolas Sarkozy). Julgo que não.”

Questionado ainda se Marcelo "age de modo diferente nos Países da CPLP?", responde: "É um tique colonialista". Devemos tratar os outros com as regras que exigimos para tratarem connosco. Há regras, especialmente para um Chefe de Estado".

A mim o que me escandaliza não é que Marcelo vá ver Lula, ou qualquer outro ícone da moda política, ou da propriamente dita; é que a agenda de um chefe de Estado de visita contenha surpresas previsivelmente ofensivas para o seu equivalente local. Das duas, uma: ou o nosso presidente da República avisava que se ia aliviar de inanidades junto de Lula, por achar isso necessário, e as autoridades brasileiras, contrariadamente embora, aceitavam, ou, se não aceitassem, não havia visita nenhuma. Agora, o cancelamento de um almoço em Brasília e, soube-se agora, de qualquer encontro, é (não há outra maneira de encarar isto) uma claríssima ofensa.

Os argumentos de Santana são bons, excepto por tomar como regra que um chefe de Estado de visita não se deve encontrar com líderes da oposição – regra não será – e por atribuir a Marcelo tiques colonialistas.

Lá tiques o homem tem, mas não de colonialista. Não foi por albergar sentimentos colonialistas que já foi múltiplas vezes a várias ex-colónias; foi, a meu ver, porque, gostando de viajar e ir, as ex-colónias são um destino evidente, e nelas costuma ser recebido com evidente agrado popular. Não o digo com gosto, que detesto a personagem, mas o sucesso é patente.

O agrado popular é a chave para entender o comportamento marcelístico, a plasticina das posições políticas, o permanente passar a mão pelo pêlo da opinião pública, a lisonja a toda a estrela pop, a todo o intelectual, a todo o desportista, a todo o profissional bem-sucedido, a todo o conhecido em suma.

Este amor da popularidade sempre o levou a nunca ter escrito ou dito nada de memorável, nem defender nada de consistente, nem ter produzido obra de relevo. E o contraste singular entre uma tão completa nulidade de realizações e um tão evidente sucesso junto dos seus concidadãos levou-me há uns anos e perguntar a pessoa, já morta, cuja opinião considerava como nenhuma outra, e que o conhecia: Que dizes, ele é mesmo tão oco como parece? Não, não é, tem mérito – respondeu-me.

Este incidente ridículo no Brasil, que se junta a uma litania deles, levou-me a reconsiderar a questão. E fez-me lembrar uma visita a Cuba, para visitar o doente Fidel.

Que foi lá fazer? Cuba não é, em nenhum sentido, um país relevante para nós, e Fidel – até Marcelo saberia disso – era apenas um ditador desprezível do terceiro mundo, com inúmeros crimes no passivo, promovido planetariamente por uma mistura de romantismo revolucionário estúpido, ignorância contumaz e comunistas empedernidos.

Pois sim. A visita estranhou a uns maduros como eu, mas agradou à opinião publicada e à pública, e internamente agraciou Marcelo junto de comunistas e primos, que lhe guardam o respeito e a tolerância que não guardariam se ele militasse na denúncia do carácter nocivo das convicções de tais pessoas. Ou seja, do ponto de vista dele, atingiu o objectivo.

Resta que a política, na sua dimensão nobre, é a arte de levar as pessoas (em democracia; em ditadura não são precisas tais frescuras) a subscreverem as escolhas mais convenientes para o progresso do país. E, neste sentido, Marcelo, que é um político de carreira, é um falhado porque sofre da doença de popularite aguda.

De modo que nos conviria um tipo (ou tipa: eu cá não sou nenhum machista) que não tivesse necessariamente o brilho que as pessoas veem na figura, mas que  não abundasse no acessório em prejuízo da substância.

Tiro no Porta-Aviões!

jpt, 03.07.22

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Percebi (tardiamente) que os meus amigos bem preferem que bote eu sobre gastronomia, deixando-me de politiquices, assunto a reservar para os oficiais daquele ofício. E assim passei a fazer. Mas como ontem foi o meu aniversário - o dia permitido de regresso a menino - não falarei hoje de comidas, mas de recordações dos tempos de rapazola.
 
Pois lembrei-me desta "Batalha Naval", a qual joguei com o meu pai, com os amigos em dias que seriam invernosos, e - confesso - amiúde durante as aulas do Ciclo Preparatório.
 
E isto porque agora mesmo me veio à memória uma temida frase desse jogo: "Tiro no Porta-Aviões!". Pois foi o que pensei, antecedida de um "Pumba!", ao ler as declarações de Santana Lopes sobre a trapalhada de Marcelo Rebelo de Sousa no Brasil...
 
(Prometo que no próximo postal continuarei afastado das politiquices).