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Delito de Opinião

O momento zen de Ferreira Leite

Pedro Correia, 10.02.17

1. Comentário de ontem de Manuela Ferreira Leite na TVI 24:

«Ainda não percebi se querem, desculpem a expressão, dar cabo da Caixa de vez ou se não estão interessados em colaborar na recuperação da Caixa Geral de Depósitos. Cada um dos cenários é absolutamente inaceitável. É absolutamente inaceitável, porque estamos a discutir tricas. Eu quero cá saber o que foram os emails trocados entre o ministro das Finanças e o presidente da Caixa, que já não é presidente da Caixa, porque se ainda fosse talvez ainda percebesse que houvesse algum interesse em esclarecer quem era a pessoa que estava à frente da Caixa. Mas o senhor já se foi embora, ele já desapareceu da circulação da Caixa, nós já não temos nada a ver com ele, já temos outra administração nomeada e em funções.»

 

2. Editoriais da imprensa de hoje:

«Do penoso caminho que culminou com a ejecção de António Domingues sai um responsável pelas Finanças enfraquecido e desacreditado, apesar da defesa intransigente de António Costa e dos "até ver" de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma pasta tão importante para a credibilidade de Portugal não se compadece com a descoberta de ‘pós-verdades’ que vêm provar que agir dentro da Caixa pode ser perigoso quando se pensa fora dela.»

Leonardo Ralha, Correio da Manhã

«O momento em que Mário Centeno não mente é em 25 de Outubro passado, quando assume com uma clareza infinita que os gestores da CGD não terão que entregar declarações de rendimentos. Isso está escrito: é um comunicado oficial do Ministério das Finanças enviado a várias redacções. Se Marcelo quer um papel escrito a defender uma posição que, a seu ver, seria “inaceitável”, já tem este. Não foi um erro dos assessores. Foi assumido dias depois em voz alta pelo próprio ministro.»

Ana Sá Lopes, i

«Em todo este processo há factos tão ou mais graves que todos parecem, agora, ignorar e que mostram à exaustão a forma atabalhoada como este processo foi conduzido. E mesmo dizer que foi tudo por um bem maior não chega. É muito positivo que a CGD tenha uma recapitalização aprovada em Bruxelas e que não seja considerada ajuda de Estado. Mas não pode valer tudo.»

Vítor Costa, Público

«O caso não deixa de ter consequências políticas. O ministro enfiou-se numa camisa-de-onze-varas porque geriu mal o dossiê. Mesmo que não tenha de demitir-se, o que não é certo porque a oposição está a fazer o seu papel, Centeno sai irremediavelmente fragilizado.

André Veríssimo, Jornal de Negócios

«Coisas verdadeiramente importantes: como é que um candidato a presidente da CGD contrata uma consultora para desenhar o plano de reestruturação, quando ainda está sentado na vice-presidência de um banco da concorrência? Ou como é que esse candidato consegue convencer o Estado de que o melhor mesmo é pôr o escritório de advogados que o representa a ele a redigir alterações à lei desenhadas à medida? Demos as voltas que dermos e, por estes dias, tudo aponta para um Estado frágil e para uma regulação inexistente.»

Paulo Tavares, Diário de Notícias

 

3. Conclusão de António Costa, hoje, em sintonia com Ferreira Leite:

«Nós não podemos perder tempo com tricas, temos de nos concentrar no essencial e o que é essencial é termos uma CGD forte, continuar a reduzir o défice, aumentar as exportações e o emprego. PSD e CDS-PP não têm nada de substancial a dizer e, por isso, dedicam-se àquilo que ontem (quinta-feira) a doutora Manuela Ferreira Leite dizia, e com muita propriedade, serem pequenas tricas.»

Afinal havia outra.

Luís Menezes Leitão, 21.08.15

Primeiro António Costa anda a distribuir papéis elaborados por Mário Centeno, de onde resulta, tão certo como dois e dois serem quatro, que o PS irá criar 207.000 empregos até 2019. No dia seguinte António Costa desmente que tenha feito qualquer promessa e chama-lhe antes um compromisso de políticas nesse sentido, enquanto que Mário Centeno diz que o tal papel era um exercício de simulação. Hoje António Costa aparece a dizer ao Sol que há uma identidade de pontos de vista muito significativa entre ele e Manuela Ferreira Leite. Parece que afinal António Costa defende as políticas de Manuela Ferreira Leite para o controlo do défice: obtenção de receitas extraordinárias a qualquer custo, incluindo a venda antecipada de créditos fiscais ao Citygroup. Daqui, no entanto, resulta uma conclusão óbvia: o célebre Mário Centeno, que já era visto como o futuro Ministro das Finanças do PS, afinal vai apenas andar aos papéis.

Grécia antiga (21)

Pedro Correia, 10.06.15

«A escolha dos gregos deve ser objecto de ponderação muito séria por parte de todos os responsáveis europeus e não objecto de desprezo como se se tratasse de decisões próprias de inimputáveis. Na verdade, constituiria um contributo positivo para toda a Europa, se essa ponderação ajudasse a introduzir preocupações de natureza social e também a eliminar fantasias na análise da realidade, tal como, por exemplo, aquela que acredita numa milagrosa recuperação apenas com base no valor do défice, como se uma abóbora sem pevides, por um toque de uma varinha mágica, se transformasse numa carruagem reluzente.»

Manuela Ferreira Leite, no Expresso (31 de Janeiro de 2015)

Les beaux esprits

Pedro Correia, 23.02.15

«Não concordo nada que haja uma resposta histórica [do Banco Central Europeu] à crise. Não concordo nada com isso. Há é uma resposta da evidência. Há pouco a doutora Manuela Ferreira Leite estava aqui, neste mesmo estúdio, e dizia exactamente isso. Eu estou muito de acordo com ela: o que há é uma resposta da evidência. Esta tomada de decisão do BCE é pura e simplesmente isso.»

José Manuel Pureza, Prova dos Nove (TVI 24), 22 de Janeiro

 

«A doutora Manuela Ferreira Leite estava aqui há poucos minutos e exprimiu-se de uma forma muito clara e eu quero registar isso: a destruição de uma sociedade através de políticas de corte drástico na despesa social não é outra coisa senão radicalismo. Aquilo que aconteceu na Grécia foi a maior expressão de radicalismo, que destrói uma sociedade e determina o deslaçamento social completo. Radicalismo é isso: destruir as raízes do laço social.»

José Manuel Pureza, Prova dos Nove (TVI 24), 29 de Janeiro

 

«Há a esperança de devolver a largos sectores sociais da Grécia o reconhecimento da sua dignidade essencial. Volto a lembrar: a doutora Manuela Ferreira Leite falou disso há bocadinho e falou muito bem. É exactamente isso: é resgatar a dignidade de grande parte [da população grega].»

Idem, ibidem

Sobre o manifesto (9)

Pedro Correia, 24.03.14

Sobre o manifesto (3)

Pedro Correia, 16.03.14

- É nesta altura, em que estamos a dois meses da saída da tróica, que nós vamos ter com os nossos credores e dizemos: "Desculpem lá, mas afinal não podemos... temos de repensar a maneira como os bancos nos pagam."

- Não sei se leu o papel...

- Li.

- Bom. Espero que o tenha assimilado convenientemente.

- (...)

- Há um conjunto de criaturas que se lembra de reflectir sobre um papel e os mercados ficaram todos assarapantados. Eu penso mesmo que devemos ter tirado o sono à senhora Merkel e com isso eu fico preocupada: não era nossa intenção retirar o sono a ninguém. Há-de concordar que isto é ridículo!

- E o argumento da agenda política de alguns dos subscritores?

- Considero que isso é um insulto! Como não há mais nada para dizer agora insultam-se as pessoas. Estamos numa sociedade livre e democrática. Fizemos uma mera reflexão sobre um tema. Não pusemos esse tema em nenhum jornal estrangeiro, não criámos nenhum problema de natureza política que pudesse criar alguma instabilidade. (...) As pessoas que assinaram aquela reflexão poderão dizer o que entenderem. Eu, pela parte que me toca, repudio completamente. (...) Sou uma pessoa livre, independente e que tenho este grande benefício: não tenho nada para agradecer nem nada para pedir.

- Este manifesto fez rolar duas cabeças, de dois assessores da Casa Civil da Presidência da República...

- Eu não... aah... tudo quanto eu posso dizer é que são duas pessoas de quem sou amiga e por quem tenho enormíssima consideração mas é evidente, como bem compreende, não vou falar de um assunto que desconheço.

- Mas sendo uma sociedade democrática e tendo as pessoas direito à opinião...

- Desculpe, mas eu para analisar uma situação dessas teria de saber exactamente os contornos do que é que se passou. E eu não sei. Como não sei, não falo.

 

Senhora [Manuela Ferreira] Leite, em diálogo com o jornalista Paulo Magalhães.

TVI 24, 13 de Março

Ser e não ser ou talvez não

Pedro Correia, 17.07.13

«Qualquer pessoa que conheça minimamente o PSD - e eu faço parte dessas pessoas - pensa que a última coisa que o partido podia aceitar seria essa proposta que o presidente do partido fez [ao Presidente da República]. Porque é primeiro-ministro mas é presidente do partido. É preciso não conhecer o partido - e ele conhece-o, com certeza - para pensar que o partido aceitaria uma coligação com o CDS-PP em que o CDS-PP fosse a parte mais forte dessa coligação.»

«Do ponto de vista do partido, era uma proposta que não tinha a mínima hipótese de ser aceite. Em qualquer órgão - o Conselho Nacional, o Congresso - seria inimaginável o partido aceitar.»

«Os partidos não aceitam tudo aquilo que os líderes dizem que querem fazer. É sempre bom consultá-los.»

 

«É evidente que o pedido do PS de eleições antecipadas tem muito de táctica e muito de interesse partidário e muito pouco de interesse nacional.»

 

Palavras de Manuela Ferreira Leite, no seu mais recente comentário na TVI 24.

Notável raciocínio: Pedro Passos Coelho é duramente acusado de não olhar aos interesses do PSD e António José Seguro é duramente acusado de só olhar aos interesses do PS.

A perigosa retórica antipartidos

Pedro Correia, 17.07.13

 

No seu habitual espaço de comentário da TVI 24, Manuela Ferreira Leite louvou o «belíssimo discurso» ao País do Presidente da República. Como seria de esperar. Chegou a dizer o seguinte, que aqui registo para memória futura: «Se a atitude do Presidente da República provocasse um terramoto interno nos partidos não seria mau. Se há coisa sobre a qual a opinião pública não tem uma boa opinião é relativamente aos partidos», havendo portanto que «metê-los na ordem».

Anotei a perfeita sintonia destas palavras com declarações quase simultâneas de Rui Rio, também em claro elogio ao inquilino de Belém. «Não sei se os partidos se conseguem entender. Mas foi-lhes dada pelo Presidente da República uma oportunidade única de se poderem credibilizar perante a opinião pública», declarara horas antes o presidente da Câmara Municipal do Porto.

Começa a fazer caminho, entre as personalidades que têm como principal referência política o actual Chefe do Estado, a ideia de que a democracia portuguesa está degenerada por culpa dos partidos.

É um caminho perigoso e que contradiz todo o património histórico do PSD desde os tempos do seu fundador, Francisco Sá Carneiro.

Vale a pena reler com atenção a última entrevista concedida por Sá Carneiro, publicada no próprio dia da sua trágica morte, a 4 de Dezembro de 1980, na revista espanhola Cambio 16. «Eanes, com este projecto impossível de acordo entre os socialistas e os sociais democratas, é um factor de instabilidade», criticava o malogrado fundador do PSD, visando o então Presidente da República, a quem acusava sem rodeios: «Eanes é um homem que provoca crises nos partidos porque tem uma visão da política que é a do poder pessoal.»

A história repete-se, com mais frequência do que muitos imaginam. Não deixa de ser irónico que Cavaco - ex-ministro das Finanças de Sá Carneiro - sirva hoje de bandeira à retórica antipartidos emanada de alguns dos seus apoiantes mais notórios.

 

Imagem: Cavaco Silva e Sá Carneiro em 1980

«Este é o Orçamento de que o País precisa, não há outra solução»

Pedro Correia, 23.11.12

 

Manuela Ferreira Leite, em Novembro de 2010:

«Este Orçamento de Estado [de 2011, o último elaborado por José Sócrates] é o que o País precisa.»

«Não há outra solução, pode haver umas medidas melhores, outras piores, medidas assim, medidas assado, mas temos de percorrer este caminho.»

«É o início de um percurso longo e muito exigente. E que não pode ser desperdiçado com manobras políticas.»

«Ao primeiro sinal positivo, o Governo não deve recuar ou relaxar.»

«É preciso dizer às pessoas que este tratamento não é de um ano, nem de dois. O Governo dá a entender que em 2013 já estamos todos bem e não vamos estar todos bem.»

«Portugal está refém dos credores. (...) Quem manda é quem paga.»

 

Manuela Ferreira Leite, em Setembro, Outubro e Novembro de 2012:

«Este Orçamento é um afundamento total.»

«Quando olho para o Orçamento e o leio com a atenção devida tenho duas certezas: uma é de que não é exequível e outra é que abre um buraco negro muito grande sobre o nosso futuro.»

«Não tomaria nunca uma medida que tivesse um impacto tão violento.»

«Se não alterarmos a política, nada nos indica que vamos melhorar.»

«Só por teimosia se pode insistir na receita.»

«Sobre o mesmo assunto pode haver várias opiniões válidas. Um País governado com modelos é algo que me dá um enorme desconforto. Não podemos transformar o País num exercício de experimentação.»

«Este Orçamento deveria apresentar um plano B porque se por volta de Maio ou Junho se perceber que não vamos alcançar os objetivos então o que é que se faz? Vamos insistir?»

«Quando estamos no meio da ponte, temos que ter a maior das precauções, pois se vamos tomar as medidas todas muito depressa vamos cair ao fundo e quando surgirem as medidas [na Europa] já estamos afogados lá em baixo.»

«Estamos a tentar passar um atestado de estupidez aos credores, eles estão a perceber que não vamos conseguir cumprir.»

«Se conseguirmos fazer a consolidação orçamental até 2014 interessa-me pouco não entrar em falência se, simultaneamente, está tudo morto.»

«Se não houver uma alteração profunda de todo este processo de degradação política, efectivamente podemos continuar a dizer que se está em democracia mas na prática não é uma democracia.»

A entrevista de Manuela Ferreira Leite.

Luís Menezes Leitão, 13.09.12

 

Manuela Ferreira Leite, a meu ver, enterrou ontem definitivamente Vítor Gaspar, demonstrando em absoluto a sua total incompetência. O seu discurso foi o mais mortífero que alguma vez vi fazer para um  Ministro das Finanças, mas tudo o que disse constitui a verdade nua e crua. Efectivamente, um Ministro das Finanças não é um teórico que julgue que pode testar modelos abstractos, transformando o país em cobaia das suas experiências. É uma pessoa de bom senso que tem que conhecer profundamente a estrutura produtiva do país e o impacto que as suas medidas têm, ajustando as mesmas perante os efeitos que produzem nas pessoas. Afinal é para as pessoas que se governa. E nem na União Soviética se viu o Ministro das Finanças a gerir a tesouraria das empresas. Como ela bem disse, o Ministro das Finanças perante a contestação generalizada a uma medida, não pode julgar que é o único soldado com o passo certo no batalhão.

 

Passos Coelho julgava que tinha o partido na mão, convidando para o Governo Paulo Rangel (que não aceitou) e Aguiar-Branco, os seus opositores na última eleição. Deixou, porém, de fora Manuela Ferreira Leite, que teria tido um desempenho como Ministro das Finanças muito melhor do que Vítor Gaspar, como qualquer comparação demonstra, incluindo as duas entrevistas desta semana. Se Durão Barroso não tivesse decidido entregar o governo e o país a Santana Lopes nada do que se passou desde então teria ocorrido. Passos Coelho tem agora o rosto da oposição interna à sua frente a apelar aos deputados do partido para que não alinhem nesta aventura. 

 

É bom que os deputados do partido oiçam Manuela Ferreira Leite e terminem de vez com este disparate. Margaret Thatcher foi um dos melhores governantes que a Grã-Bretanha alguma vez já teve, mas o seu partido não hesitou em a derrubar quando ela teimou no disparate da "poll tax", que pôs o país a ferro e fogo e iria arrasar eleitoralmente o Partido Conservador. Efectivamente, um partido político tem que atender ao interesse nacional, não tendo que ir cegamente atrás dos governantes quando eles embarcam em aventuras disparatadas.

Perder a opção de morrer

José António Abreu, 06.05.12

Nunca usei outro perfume a não ser o que foi criado para mim a pedido de Guillaume nessa viagem a Paris. Substituiu o Bounce, fala por mim e recorda-me de que existo. Uma das minhas companheiras de apartamento passou vários anos a estudar teologia, arqueologia e astronomia, para perceber quem foi o nosso criador, quem somos, por que motivo existimos. Todas as noites, chegava a casa não com respostas mas com novas questões. Eu nunca me questionei sobre coisa alguma a não ser sobre o momento em que poderia morrer. Deveria ter escolhido esse momento antes da chegada dos meus filhos, pois desde então perdi a opção de morrer. O cheiro acre dos seus cabelos ao sol, o cheiro a transpiração nas suas costas à noite ao acordarem depois de um pesadelo, o cheiro poeirento das suas mãos quando voltam da escola obrigaram-me e obrigam-me a viver, a ficar deslumbrada com a sombra das suas pestanas, comovida com um floco de neve, transtornada com uma lágrima nas suas faces. Os meus filhos deram-me o poder exclusivo de soprar numa ferida para tirar a dor, de perceber palavras não pronunciadas, de ser dona da verdade universal, de ser uma fada. Uma fada apaixonada pelos seus cheiros.

Kim Thúy, Ru.

Edição Alfaguara, tradução de Paula Centeno.

 

No Dia da Mãe do ano passado, pouco tempo antes de ser convidado a colaborar no Delito, coloquei este excerto no meu blogue. Mas penso que merece uma audiência superior. Tal como o livro.

Contra Corrente.

Luís M. Jorge, 11.01.12

Manuela Ferreira Leite voltou a exibir o seu tacto diplomático na televisão. Com a internet em chamas (é um déjà vu), temo que nos afastemos da pergunta que ontem fazia a mim próprio e hoje gostaria de fazer a alguém: que motivos existem para que um programa de análise política convide o proprietário do canal em que é transmitido, o partner de uma grande sociedade de advogados lisboeta, o presidente de uma fundação da Jerónimo Martins e uma senhora que ainda há pouco criticava os ”ataques àqueles de acumulam vencimentos” para discutirem, vejam bem, os sacrifícios que é preciso impor ao país?

 

Há aqui uma resistência à vergonha de que os nossos jornalistas aparentemente não suspeitam, enquanto promovem mandarins a senadores.

Declarações, declarações

Ana Margarida Craveiro, 11.01.12

1. Manuela Ferreira Leite tem um talento especial para a declaração explosiva. É o chamado efeito de bombista suicida: rebenta com tudo, incluindo a si própria. Evidentemente, nas suas declarações há uma parte verdadeira, de fundo, e uma parte disparatada, que gera o tal efeito de explosão. É evidente para todos, incluindo o sr. dr. Arnaut, que o SNS tem problemas graves de sustentabilidade, e que urge resolvê-los. Também é relativamente claro para muitos que a igualdade de acesso e tratamento não significa necessariamente igualdade na participação dos custos. Não pagamos todos o mesmo de IRS, o nosso contributo para o sistema não é igual. Para alguns, incluindo o actual executivo, o pagamento do acto médico deve também ser diferenciado, conforme o rendimento. É esta a parte verdadeira: o pagamento pode, numa determinada visão, não ser todo igual. Quem tem mais, pode pagar mais. O erro de Ferreira Leite foi misturar os pagamentos com critérios etários. 

 

2. Erro? Mas será mesmo assim? Eu discordo fundamentalmente desta visão determinista, que assume que a partir de certa idade os idosos são um peso para a sociedade. Independentemente de questões médicas (alguns processos são mais lentos, doenças que seriam fulminantes num jovem têm um desenvolvimento bastante mais lento num idoso), pressupõe uma redução dos direitos básicos de uma classe etária. Parece aberrante, assim dito, mas é feito. Dou-vos um exemplo muito concreto: perto dos 80 anos, o meu avô foi diagnosticado com um cancro específico, que poderia ser operado. Seguido num IPO, foi comunicado à família e doente que não seria operado, por causa da idade. Numa idade tão tardia, não fazia sentido sujeitar um doente a uma operação. Era um desperdício do tempo de vida do doente, a quem foi proposto um tratamento paliativo, e era um desperdício dos recursos financeiros do próprio IPO. Isto pôs-nos um dilema moral enorme, que infelizmente foi resolvido pelo agravamento súbito da doença, a que se seguiu uma morte relativamente rápida. Mas voltando à questão central: podemos decidir, só pela idade, se uma pessoa "merece" sequer a escolha de um tratamento? Então, que pensar de idosos tão famosos e activos como Gentil Martins, Mário Soares, ou Manoel de Oliveira? 

Portugal já está a mudar (21)

Sérgio de Almeida Correia, 09.08.11

"E é aqui que se pode iniciar o caminho da demagogia.

(...) Um caso concreto é o que se está a passar com a divulgação dos vencimentos dos gestores públicos, ou dos membros dos gabinetes, que constitui um exemplo do que não se devia fazer em termos tão simples.

Com efeito, a publicitação destas informações, sendo importante, não corresponde a qualquer fórmula para a moralização da vida pública, se não for acompanhada da necessária consciência das funções e dos objectivos exigíveis aos respectivos titulares dos rendimentos em causa." - Manuela Ferreira Leite, Expresso, 6 de Agosto de 2011