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Delito de Opinião

Supremo erro*

José Meireles Graça, 15.05.22

Manuel Pinho continua em casa, com farto aplauso. Como a generalidade das pessoas, tal como eu, acha que o homem é um artista que navegava nas águas do tráfico de influências, os senhores juízes entenderam, com raciocínio jurídico impecável, que continua preso – a menos que pague a módica quantia de 10 milhões de Euros, caso em que poderia livremente passear a sua pesporrente pessoa e inclusive dar à sola. Este último facto – o pôr-se ao fresco, como fez o antigo Presidente do Banco Privado, é que constitui, parece, o risco invocado por Carlos Alexandre, o conhecido carcereiro contumaz, para o confinar às paredes da sua moradia, que imagino luxuosa.

Para comentar decisões judiciais é em geral recomendável lê-las e não confiar excessivamente nos resumos que delas fazem jornalistas, com frequência analfabetos, a quem escapam subtilezas dos textos, de mais a mais redigidos no juridiquês hermético que a magistratura tende a achar que sublinha a majestade da Justiça e a complexidade das decisões.

Poupo-me desta vez a esse trabalho porque a notícia me parece escorreita e o problema ser um de direitos humanos e do tipo de sociedade em que pessoas esclarecidas querem viver, antes e acima da mera subsunção dos factos a leis que se interpretam com descaso de princípios civilizacionais sãos.

Vejamos:

  1. Pinho está preso desde Dezembro do ano passado por decisão de Carlos Alexandre, o mesmo que prendeu Sócrates em Évora por espaço de uns dez meses a começar em fins de 2014, mais algum tempo em casa, por causa dos graves indícios dos crimes que cometeu. Os choferes de táxi, com pedido de perdão a esta respeitável corporação, rejubilam: lá julgamento não há ao cabo de mais de sete anos, mas aquele aninho no chilindró já ninguém lhe tira;
  2. O advogado de Pinho “meteu” um habeas corpus, conceito ao qual a Constituição se refere assim (art.º 31º): Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

Repare-se, para memória futura: “abuso de poder”. Depois o Código de Processo Penal vem, nos art.ºs 220º a 222º, regular o exercício do direito, de forma a tal ponto constrangedora que o STJ raramente, parece, dá provimento a pedidos, e isto porque, desde que quem mandou prender tivesse competência para o fazer e a prisão (para a simples detenção, se bem entendo, o STJ não é chamado, a coisa resolve-se degraus abaixo) não seja em si ilegal o tribunal não quer saber de mais nada: A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a prisão do requerente, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis.

Não andei a estudar resmas de pareceres sobre este assunto. Porém, no que li não vi nenhum rasto da ideia luminosa, que me parece ser esquecida com excessiva facilidade e frequência, de que não é a Constituição que deve ser lida segundo a interpretação que dela faz o legislador ordinário, é este que tem de se conformar com aquela quando, como me parece o caso, a ofende. Sabe Deus que a Constituição, malnascida porque enviesada pelos donos da Revolução, contém normas a mais que só a preguiça, o pendor esquerdista do regime e a relação de forças partidária ainda não demoliram, conformadoras de escolhas que não têm dignidade constitucional, como é o caso de boa parte dos chamados direitos económicos. Mas esse não é o caso da liberdade de ir e vir, que é um direito humano – a Constituição, nisso, não precisa de ser revista nem, se o for para o efeito de abundar nos limites ao exercício de tais direitos, se poderá dizer que evoluiu, antes que regrediu.

Que faz o STJ ao abuso de poder? Nada, não faz nada: contando com a interpretação do conceito estritamente à luz do CPP um juiz justiceiro (a própria qualificação como juiz é enganosa porque os juízes de instrução não presidem a verdadeiros tribunais, são apenas ancilares em processos que um dia chegarão a julgamento, e existem para prevenir abusos, não para os coonestar) pode prender quem entenda, mesmo que a razão verdadeira seja apenas prender para investigar, ou por ter a convicção da culpabilidade – como se os erros judiciários não se fundassem por vezes, precisamente, em convicções que as exigências de prova acabam por não substanciar e como se a forma de suprir as insuficiências e falta de meios da PJ e do MP fosse tripudiar em cima de direitos das pessoas.

Há um juiz que se tornou notório, e estimado pela opinião pública, por trancafiar poderosos. Ela, a opinião pública, não se engana: com ele o suspeito vai dentro com mais probabilidade do que com outros, o que quer dizer, entre outras coisas, que conservar ou não a liberdade depende de um sorteio.

Escogitando das razões do STJ, a primeira parece-me ser a preguiça: fosse maior a probabilidade de sucesso e seria mais uma arma nas mãos dos advogados, que, ainda por cima com prazos apertadíssimos, obrigaria a uma chusma de decisões novas.

A segunda parece-me ser o corporativismo: todos os dias há sentenças que são total ou parcialmente infirmadas em sede de recurso, mas isso só interessa às partes e por definição 50% do universo fica contente. Não é assim com casos mediáticos de âmbito criminal, em que a reversão de decisões privativas da liberdade poderia minar a confiança que a comunidade deposita no sistema judicial e policial. É como dizia uma personagem n’A Verdadeira História de Ah Q, de Lu Hsun: Mais vale mandar um chinês para a guilhotina que corrigir o erro de um juiz.

De modo que Manuel Pinho é apenas uma peça num mecanismo que o transcende, como já Sócrates foi. Que, com diferenças de grau, sejam duas personagens abomináveis, não tira nem devia pôr nada: ao contrário do que julga a opinião pública, que de todo o modo é uma rameira volúvel, a justiça não se realiza com seguidismo em relação a ela, nem à publicada; e a pergunta que pessoas com discernimento deveriam fazer é menos como é possível que gente com recursos os utilize para retardar decisões e mais o que pode suceder a quem não os tenha.

* Publicado no Observador

Pulseira electrónica ou caução de seis milhões

Manuel Pinho

Pedro Correia, 21.12.21

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Em Portugal, a instrução judicial em torno de ilícitos criminais, quando estão em causa influentes e poderosos, parece um caminho sinuoso rumo ao inevitável desfecho por prescrição. Só assim se entende que o mais emblemático dos ministros da Economia dos governos Sócrates tenha sido figura desta semana por factos supostamente ocorridos entre 2007 e 2009. Foi necessário mudar o juiz titular do processo que vegetava no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, após um sem-fim de recursos, para o caso dar um passo em frente.

Manuel António Gomes de Almeida de Pinho, 67 anos, é arguido desde 2017 por indícios de corrupção e branqueamento de capitais com verbas oriundas do Grupo Espírito Santo, ao qual esteve ligado durante cerca de duas décadas, quando Ricardo Salgado parecia mesmo o dono disto tudo. Só em 2021 começou a ser ouvido no âmbito desta instrução que avançou a passo de caracol.

O juiz Carlos Alexandre, novo titular do processo, impôs-lhe quarta-feira uma severa medida de coacção: fica sob detenção domiciliária, com pulseira electrónica, salvo se apresentar uma inédita caução de seis milhões de euros. Alega o magistrado que haveria risco de fuga, pois o antigo governante cancelou as contas bancárias em Portugal, reside habitualmente no sul de Espanha e possui residência nos EUA, além de se deslocar com frequência à China – país que visitou em 2007, enquanto ministro, apelando a Pequim para investir em Portugal por haver aqui «mão-de-obra mais barata do que em Espanha». Curioso argumento na boca de um socialista que tutelou a Economia entre 2005 e 2009.

Pinho é suspeito de ter favorecido a EDP neste país que paga hoje uma das facturas de electricidade mais pesadas da Europa. Obtendo como suposta moeda de troca um posto de professor convidado na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, após a eléctrica portuguesa ter atribuído 1,2 milhões de dólares a esta instituição. O ex-governante deverá ainda justificar os mais de 500 mil euros que aparentemente recebeu do “saco azul” do GES enquanto desempenhou funções ministeriais: cerca de 15 mil euros por mês, não declarados ao fisco, que seriam pagos através de uma sociedade offshore.

Parece o enredo de uma vulgar série de corrupção política. Onde não falta a habitual gritaria dos advogados com acesso permanente às tribunas mediáticas clamando contra hipotéticos «abusos do Ministério Público» e daqueles tudólogos que se indignam quando o aparelho judicial desperta da letargia e começa a funcionar. Alguns são os mesmos que há poucos dias ferviam de indignação contra a negligência da justiça por ter deixado escapar João Rendeiro.

Políticos envolvidos nas malhas dos negócios e uma justiça que protela e arquiva em vez de combater os crimes de colarinho branco: eis um explosivo cocktail que favorece a mais despudorada demagogia dos extremistas prontos a apontar o dedo às fragilidades do sistema democrático. Infelizmente, não é filme: são cenas demasiadas vezes repetidas da nossa vida real.

 

Texto publicado no semanário Novo

As esponjas

Pedro Correia, 04.05.18

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«O caso Manuel Pinho é um epifenómeno da permissividade entre o Estado do bloco central e os negócios privados. Só há Manuel Pinho porque há promiscuidade entre o público e o privado. Mais nada.»

Fernando Rosas, militante do Bloco de Esquerda, ontem, na TVI 24

 

«Manuel Pinho não é o primeiro ministro que tem problemas deste género. Porque se nós recuarmos desde o 25 de Abril, há uma série de casos do mesmo tipo em ministros e secretários de Estado. O problema não é Manuel Pinho ser um caso excepcional, pelo contrário.»

José Pacheco Pereira, militante do PSD, ontem, na SIC Notícias

Frases de 2018 (22)

Pedro Correia, 02.05.18

Quase a bater no fundo

Pedro Correia, 30.04.18

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Ao saber-se - ou presumir-se, com base em forte indícios, aliás alimentados com o chocante silêncio do visado - que o antigo Dono Disto Tudo indicou, como figurante no Conselho de Ministros, alguém do seu redil que foi alimentando com choruda prebenda mensal, estamos a um passo de ver a III República bater no fundo. Não é preciso muito mais para fazer cair um regime, já desacreditado por ver um antigo primeiro-ministro, vários gestores de topo e o banqueiro mais influente da nação conduzidos em fila indiana ao banco dos réus.

Felizmente a justiça funciona em Portugal: ela é, neste momento, o principal dique contra o aparecimento de movimentos extremistas e populistas semelhantes aos que proliferam por essa Europa fora e acabarão por desembocar neste cantinho ocidental do continente.

Mais um motivo para que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa reconduza Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República. Seria arrepiante imaginá-la neste momento a dar lugar a alguém com um perfil idêntico ao de quem a antecedeu neste cargo, que só é prestigiante para quem realmente o sabe prestigiar.

Mais um dia em silêncio

Pedro Correia, 27.04.18

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«Agora quero é passar umas belíssimas férias. Creio que mereço.»

Manuel Pinho à SIC, 2 de Julho de 2009

 

Passou mais um dia e o ex-ministro Manuel Pinho continua sem proferir uma só palavra relativamente às gravíssimas acusações de que é alvo e que - a comprovarem-se - transformam a proclamada "ética republicana" num verbo de encher, bom para iludir totós e embalar meninos.

Recordo que, entre outras imputações, o antigo responsável pela pasta da Economia no executivo capitaneado por José Sócrates é suspeito de ter adquirido um apartamento em Manhattan em nome de uma sociedade convenientemente registada num paraíso fiscal e de ter recebido 15 mil euros mensais do defunto Grupo Espírito Santo enquanto mantinha assento no Conselho de Ministros.

Um silêncio ensurdecedor.

Que não fala: grita.

"Homenagem póstuma a Manuel Pinho" (2)

André Couto, 09.07.09

"O Presidente russo Medvedev recebe o Presidente americano Obama, em Moscovo. Um encontro entre líderes russo e americano evoca inevitavelmente outros tempos. Em 2009 até se comemora uma data redonda: em Moscovo, 1959 (há meio século), o vice-presidente americano Richard Nixon (nas vésperas da sua candidatura falhada contra Kennedy) foi à capital russa, levando na bagagem uma mostra de produtos americanos. Havia uma Feira Mundial e Nixon passeou o líder russo Nikita Khruschev pela cozinha do pavilhão americano: a máquina de lavar Westinghouse, o frigorífico Frigidaire, o detergente Tide... Durante o passeio, Nixon ofereceu a Khruschev água suja do imperialismo, um copo de Pepsi-Cola. Ao ver fotos desse velho encontro, reparo que o poderosíssimo nº 2 do Estado americano não se importou de fazer de caixeiro viajante dos produtos do seu país. Por cá, o ex-ministro de Economia Manuel Pinho foi várias vezes ridicularizado por ter do seu cargo uma noção idêntica. Nixon e Pinho estavam certos. Mas, diga-se, o português tinha mais dificuldade em estar certo. Nixon fazia o que os governantes americanos fizeram sempre."

Ferreira Fernandes no Diário de Notícias de ontem.

"Homenagem póstuma a Manuel Pinho" (1)

André Couto, 09.07.09

O julgamento de José Sócrates e Manuel Pinho que amiúde é feito revela a pequenez de pensamento de alguns dos nossos políticos e paineleiros. Foi brilhante a diplomacia económica que desenvolveram em conjunto. Algo nunca antes visto em Portugal. Não temos de ter vergonha de andar em todo o lado com o que é nosso, de aproveitar as mais pequenas oportunidades para dar destaque ao que de bom se faz em Portugal. Ao tempo tive oportunidade de escrever sobre isto.

Claro que a direita wannabe e a esquerda caviar ainda hoje gozam. Governar não é estar sentado no trono, é lutar a cada hora, a cada dia, nos vários terrenos que nos surgem. E quando o espírito é grande, a batalha faz-se onde cada homem quiser. No que me toca, acho que foram bravos guerreiros.

E depois do adeus

Pedro Correia, 04.07.09

Os grupos parlamentares, por unanimidade, criticaram a inqualificável atitude de Manuel Pinho na sede máxima da democracia - atitude que desprestigiou o Governo e ridicularizou as instituições políticas portuguesas além-fronteiras, onde foi abundantemente noticiada, como já anotei aqui e aqui. O primeiro-ministro demarcou-se sem hesitar da grosseria do seu ministro - e tratou imediatamente de o substituir, atitude que só o honra. O presidente da Assembleia da República, conforme lhe competia, pronunciou-se contra Pinho. O Presidente da República, para não destoar, criticou igualmente o ex-ministro da Economia. E registo com agrado que também vários blogues que costumam apoiar o Governo não hesitaram em contestar a atitude insultuosa de Pinho sem considerandos laterais nem atenuantes de qualquer espécie - leia-se, a título de exemplo, o que escreveram Pedro Adão e Silva, Francisco Clamote e Luís Novaes Tito. Há mesmo quem descubra agora, como acentua João Galamba, que Pinho "como político sempre foi um desastre": mais vale tarde que nunca.

Em flagrante contraste, outros optaram desta vez pelo silêncio: lá saberão porquê. É pena vê-los assim: ainda recentemente andavam tão loquazes...

A degradação do regime

J.M. Coutinho Ribeiro, 03.07.09

O caricato episódio protagonizado por Manuel Pinho no Parlamento não deve ser lido à luz da imputada e merecida fama de arrogância deste governo. Nem deve ser tida como uma manifestação do claro esboroamento do poder "rosa". Se é verdade que qualquer das leituras é justificável, parece-me que o problema é mais grave: o que o episódio revela é a degradação do regime. Uma degradação que tem a ver, desde logo, com o facto de muitos dos que ocupam - e ocuparam - altos cargos políticos não terem ponta de classe para tal. Muitos deles, nem bons presidente de Junta de Freguesia dariam. E, assim, é difícil acreditar neste país.

Doces eufemismos socialistas

Pedro Correia, 03.07.09

 

Alguns blogues que apoiam fervorosamente o Governo referem-se com pinças e luvas à demissão de Manuel Pinho, esse bandarilheiro frustrado. Chega a ser tocante o cândido tratamento dado à questão, como se quase nada tivesse acontecido. Tiago Antunes, no impagável País Relativo, aborda o caso com a graciosidade de um primo ballerino: afinal tudo se deveu apenas a "uma intervenção menos feliz", quiçá mesmo "um gesto imponderado" do titular da pasta da Economia. Doces eufemismos socialistas: tivesse metado disto ocorrido num governo de outra cor e logo se sucederiam inflamadíssimos e indignadíssimos posts, dias a fio, clamando contra as monumentais trapalhadas do Executivo.

Curiosamente, há mesmo blogues aninhados nas hostes governamentais que optam por ignorar o tema, talvez com a secreta esperança de que assim tudo passe mais despercebido. Lamento desiludi-los: Pinho conseguiu ser notícia um pouco por toda a parte. Como bem se percebe aqui e aqui.

Momento de glória

Pedro Correia, 03.07.09

"La fragilidad política del primer ministro portugués, José Sócrates, se agravó ayer con un escándalo mayúsculo en el Parlamento que provocó la dimisión del ministro de Economía, Manuel Pinho." Relato do insuspeitíssimo El País: os dedos em riste de Pinho, naturalmente, são notícia em toda a Europa. O homem que ainda ontem à noite, na SIC Notícias, garantia estar "de consciência tranquila" conhece enfim o seu momento de glória.

No Estádio da Nação

João Carvalho, 03.07.09

ISTO...

12 de Fevereiro — Ainda há pouco tempo, tive ocasião de assinalar a chamada de atenção que o presidente da Assembleia da República fez a um secretário de Estado, quando este se dirigiu aos deputados tratando-os por «vocês». Esteve bem Jaime Gama, ao ensinar o tal secretário de Estado a portar-se com educação e respeito naquele órgão de soberania.

Ontem, de novo com o Governo presente no Parlamento, na sequência de uma cena acalorada entre Paulo Rangel e José Sócrates, ouviu-se alguém gritar: «Palhaço!» Pelas imagens, a intempestiva interjeição (?) pareceu partir de um deputado, pareceu saída de quem estava ao lado de Rangel e pareceu dirigida a Sócrates. Foi bem sonora e não constituiu um bom exemplo da elevação que devia caracterizar o hemiciclo. Jaime Gama deixou passar aquilo em claro, o que também não foi um bom exemplo.

O caso dá que pensar. Entre os habituais protagonistas das discussões mais acaloradas (membros de órgãos de soberania que até cultivam um linguajar apropriado), veja-se como José Sócrates, Paulo Rangel, Francisco Louçã, Paulo Portas, etc., se tratam entre si e se dirigem aos demais parlamentares e membros do governo: «é da sua competência», «cabe-lhe a si», «chamo a sua atenção», «fiz-lhe uma pergunta» e por aí fora.

Há tempos, este tratamento era impensável. Dizia-se: «é da competência de Vossa Excelência», «cabe a Vossa Excelência», «chamo a atenção de Vossa Excelência», «fiz uma pergunta a Vossa Excelência», etc., o que contribuía para um trato elevado, por mais aceso que fosse o tom da discórdia.

É mais ou menos como termos uma gravura pouco vistosa, mas razoavelmente interessante, ou talvez só uma mera reprodução que nos agrada, e decidirmos torná-la mais vistosa através de uma boa moldura. O resultado satisfaz o objectivo, que é valorizá-la e dignificá-la.

Ora, a crescente ligeireza no trato, ao invés de valorizar o confronto e dignificar o lugar, tem o resultado deplorável que se vê. Primeiro, dispensa-se a gravata; depois, vai-se discursar na tribuna em camisolinha de algodão de gola em colar e sem camisa por baixo; finalmente, passa-se à linguagem brejeira, à gíria e (quem sabe?) ao calão. Como se a vida em sociedade não tivesse regras e como se estar na Assembleia da República fosse o mesmo que ir comer uma sardinhada no tasco ali ao lado do mercado.

É grave não usar gravata? Sei lá se é grave. Grave é a camisa aberta e o que se lhe segue. Se a camisa 'à padre' sem colarinho e fechada em cima ou a camisola de gola alta não servem, como farão os da postura inadequada perante uma recepção em traje de noite, por exemplo? Imagino: «A esta palhaçada não vou! Cambada de palhaços!»

Palhaços? Talvez, sim. A juntar aos malabaristas, acrobatas e contorcionistas da nossa política. Se querem que o hemiciclo seja um circo, acho que já faltou mais...

... E ISTO...

22 de Maio —  Ainda ontem Jaime Gama teve de repetir uma chamada de atenção na sessão plenária com o governo. O presidente da Assembleia da República precisou de conter o ministro Manuel Pinho, que insistia em dirigir-se aos parlamentares tratando-os por «vocês». Cada vez mais elegantes, os nossos políticos.

Longe vai o tempo em que todos se tratavam por "Vossa Excelência" no hemiciclo, o que até servia para elevar os momentos mais acesos dos debates. De "Vossas Excelências" a "vocês" foi um percurso à TGV, sem paragem na estação dos "Senhores". Eles lá saberão porquê. Ou nem sabem, mas está-lhes no subconsciente.

... JÁ DEU ISTO

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(Com a preciosa colaboração do João Severino)

As frases da noite

Pedro Correia, 02.07.09

"Eu estou de consciência tranquila."

 

"O País está em crise."

 

"Os tribunais não funcionam bem, isso é gravíssimo."

 

"A sensação de impunidade que há no nosso País é muito grave."

 

"Os momentos mais felizes passei-os fora do ministério."

 

"Agora quero é passar umas belíssimas férias. Creio que mereço."

 

Manuel Pinho, em entrevista à SIC Notícias onde resistiu a fazer gestos ordinários com os dedinhos