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Delito de Opinião

Da importância de ter coluna

Pedro Correia, 22.10.12

Não há nada tão nobre na imprensa como o colunista. Mas, até por isso, ser colunista não está ao alcance de qualquer um. É preciso, naturalmente, escrever bem. Mas não basta: há também que ter ideias e tentar que sejam originais, no todo ou em parte. E há que conseguir condensá-las num número muito restrito de caracteres de imprensa e numa só coluna (daí a palavra colunista). Mas também isto é insuficiente: é preciso saber estabelecer uma certa cumplicidade com os leitores - no estilo, no tom, na forma como se alterna a fala com o sussurro, procurando seduzir pela palavra, persuadir pela estética, convencer pelo argumento adequado no momento exacto, que é sempre irrepetível.

E há ainda que saber contar uma história - que, no fundo, é sempre a mesma: a história de uma vida, a biografia daquele que a relata, desvendando-se linha a linha detrás do biombo de frases em que diariamente se refugia. Porque não há imprensa sem histórias. Não há imprensa sem pessoas dentro das linhas impressas. E não há imprensa sem um longo novelo de cumplicidades entre quem escreve e quem lê.

A penosa e angustiante crise do jornalismo contemporâneo passa também pelo fim das colunas, que vão sendo comprimidas, que vão sendo extintas, que vão sendo arrumadas na galeria dos "dispensáveis" pelas contas de somar que cedo se tornam contas de sumir.

Este ano já tivemos o fim da coluna do João Paulo Guerra no Diário Económico - uma coluna que, não por acaso, se chamava Coluna Vertebral. Despedimo-nos também da escrita do Manuel António Pina, um pilar do Jornal de Notícias, que sem a sua presença regular na última página jamais voltará a ser o mesmo. Quem sobra ao certo? Cada vez menos. Porque abundam parlapatões enquanto escasseiam colunistas. Restam o Miguel Esteves Cardoso, sobrevivente nas cada vez mais pálidas e tristes folhas do Público, o Ferreira Fernandes, âncora do Diário de Notícias - falta ver por quanto tempo - e muitos poucos mais.

Aproveitemos a sabedoria e o talento destes colunistas, espécie rara, em vias de extinção. Olhemos por exemplo uma recente crónica do Ferreira Fernandes, intitulada "A criança de cinco anos a criança de cinco anos". É sobre este jornalismo em decomposição, sobre esta sociedade em crise - é, no fundo, sobre cada um de nós. Não grita: interpela. Não silencia: incomoda.

Às vezes basta uma coluna para redimir todo um jornal.

Manuel António Pina: o lugar estará sempre ocupado

Patrícia Reis, 21.10.12

Ontem, um dia tão triste, o director do JN escreveu na última página que aquela coluna em cinza, com a fotografia de Manuel António Pina no topo, não será ocupada por ninguém. De todos os gestos no âmbito dos jornais este foi o mais comovente. Defendi o mesmo face ao espaço que Eduardo Prado Coelho ocupou dez anos no jornal Público, ninguém quis saber. Manuel António Pina escrevia no JN há 30 anos. Ainda bem que há respeito, amor e, claro, saudade.

Ainda Pina

José Navarro de Andrade, 21.10.12

Mostra a experiência que a ironia costuma ser o refúgio dos torpes. Incapaz da aspereza da sátira, da violência do drama ou da perturbação da tragédia, o irónico fica-se pela insinuação e pelo descompromisso. Pode-se então dizer – é uma hipótese – que o principal traço de Manuel António Pina foi a singular capacidade de ser irónico sem tropeçar e cair nos malogros da ironia.

A ele, cinéfilo impenitente e angariador dos imperceptíveis ridículos que surgem no cotidiano, não teria escapado, por exemplo, que a sua morte tivesse ocorrido no dia seguinte à de Sylvia Kristel – pelo menos uma bela e suspensa frase haveria de sair da sua pena.

Morrer não é fácil

Pedro Correia, 19.10.12

 

«Morrer, porém, não é fácil,
ficam sombras nem sequer as nossas,
e a nossa voz fala-nos
numa língua estrangeira.»

 

Regressei a estes versos de Manuel António Pina ao saber, há escassos minutos, da sua morte. Sabia-o gravemente doente mas imaginei sempre que teria uma vez mais capacidade de resistir. Era há muito seu leitor, admirador dos seus textos inconfundíveis. Em verso e em prosa.

Calou-se a voz do Prémio Camões 2011, de um dos nossos melhores cronistas, de um escritor "condenado à poesia", de um grande jornalista que foi capaz de manter através dos anos um olhar de espanto jovial e juvenil perante os pequenos milagres quotidianos sem calar palavras de indignação perante todas as formas de injustiça que ainda sufocam o ser humano.

Escrevi sobre ele em vida, escrevo estas apressadas linhas na hora da sua morte. E volto sempre, comovido, à sua poesia: «No quarto ao lado alguém / a noite passada morreu, / provavelmente eu. / Os livros, as flores / da mesa de cabeceira / conhecerão estas últimas coisas / em algum sítio da minha alma?»

Soluções de génio

Ana Sofia Couto, 11.06.11

 

Há algum tempo, falei aqui deste problema: o número de cães abandonados na Serra da Arrábida estava a aumentar. Chamam-lhes animais errantes e dizem que alguns estão num estado selvagem. Há relatos de moradores assustados. Conheço algumas associações que já recolheram vários animais, e sei bem que não é possível fazer muito mais. Existem casos em que, devido à falta de espaço, os animais ficam em casotas fora das instalações da instituição. Volto agora ao tema porque, passado um ano, a situação não melhorou, e também porque li uma crónica do Manuel António Pina sobre a solução que a Câmara do Porto encontrou para o mesmo problema. Assim, fiquei a saber, depois de ler o texto, que a Câmara Municipal do Porto e o vereador Manuel Pisco (vereador da Câmara Municipal de Setúbal) estão de acordo: afinal, uma das soluções para controlar os animais errantes é matá-los à fome. Explicando: Manuel Pisco e a Câmara do Porto acham que não se deve continuar a alimentar esses animais - as pessoas que o fazem são mesmo acusadas de inconsciência -, porque isso permite a reprodução. É de génio, pois, como escreve António Pina, julga-se que é o "excesso de alimento [que] provoca o aumento das populações de animais" e não o facto de (como sucede com os vereadores, não consta que alguma vez um vereador tenha aparecido grávido depois de um banquete camarário) se reproduzirem.

Olhem, escrevemos a coluna de ontem do Manuel António Pina.

Luís M. Jorge, 27.05.11

Casualidade, causalidade

Talvez tenha visto mal mas não me apercebi de que, como vem sendo feito na Net, algum jornal se tenha ainda interrogado sobre a sucessão de três notícias em pouco mais de dois meses que, isoladas, talvez só tivessem lugar nas páginas de Economia mas que, juntas, e com um director ou um chefe de redacção curiosos de acasos, até poderiam ter sido manchete.

A primeira, de 16 de Março, a da renúncia - dois anos antes do termo do seu mandato - de Almerindo Marques à presidência da Estradas de Portugal (para que fora nomeado em 2007 pelo então ministro Mário Lino), declarando ao DE que "no essencial, est[ava] feito o [s]eu trabalho de gestão".

 

A segunda, de 11 de Maio, a de uma auditoria do Tribunal de Contas à Estradas de Portugal, revelando que, com a renegociação de contratos, a dívida do Estado às concessionárias das SCUT passara de 178 milhões para 10 mil milhões de euros em rendas fixas, dos quais mais de metade (5 400 milhões) coubera ao consórcio Ascendi, liderada pela Mota-Engil e pelo Grupo Espírito Santo. Mais: que dessa renegociação resultara que o Estado receberá, este ano, 250 milhões de portagens das SCUT e pagará... 650 milhões em rendas.

 

E a terceira, de há poucos dias, a de que Almerindo Marques irá liderar a "Opway", construtora do Grupo Espírito Santo.

 

O mais certo, porém, é que tais notícias não tenham nada a ver umas com as outras, que a sua sucessão seja casual e não causal.

 

Aqui. São trezentos euros se faz favor, António.