Da importância de ter coluna
Não há nada tão nobre na imprensa como o colunista. Mas, até por isso, ser colunista não está ao alcance de qualquer um. É preciso, naturalmente, escrever bem. Mas não basta: há também que ter ideias e tentar que sejam originais, no todo ou em parte. E há que conseguir condensá-las num número muito restrito de caracteres de imprensa e numa só coluna (daí a palavra colunista). Mas também isto é insuficiente: é preciso saber estabelecer uma certa cumplicidade com os leitores - no estilo, no tom, na forma como se alterna a fala com o sussurro, procurando seduzir pela palavra, persuadir pela estética, convencer pelo argumento adequado no momento exacto, que é sempre irrepetível.
E há ainda que saber contar uma história - que, no fundo, é sempre a mesma: a história de uma vida, a biografia daquele que a relata, desvendando-se linha a linha detrás do biombo de frases em que diariamente se refugia. Porque não há imprensa sem histórias. Não há imprensa sem pessoas dentro das linhas impressas. E não há imprensa sem um longo novelo de cumplicidades entre quem escreve e quem lê.
A penosa e angustiante crise do jornalismo contemporâneo passa também pelo fim das colunas, que vão sendo comprimidas, que vão sendo extintas, que vão sendo arrumadas na galeria dos "dispensáveis" pelas contas de somar que cedo se tornam contas de sumir.
Este ano já tivemos o fim da coluna do João Paulo Guerra no Diário Económico - uma coluna que, não por acaso, se chamava Coluna Vertebral. Despedimo-nos também da escrita do Manuel António Pina, um pilar do Jornal de Notícias, que sem a sua presença regular na última página jamais voltará a ser o mesmo. Quem sobra ao certo? Cada vez menos. Porque abundam parlapatões enquanto escasseiam colunistas. Restam o Miguel Esteves Cardoso, sobrevivente nas cada vez mais pálidas e tristes folhas do Público, o Ferreira Fernandes, âncora do Diário de Notícias - falta ver por quanto tempo - e muitos poucos mais.
Aproveitemos a sabedoria e o talento destes colunistas, espécie rara, em vias de extinção. Olhemos por exemplo uma recente crónica do Ferreira Fernandes, intitulada "A criança de cinco anos a criança de cinco anos". É sobre este jornalismo em decomposição, sobre esta sociedade em crise - é, no fundo, sobre cada um de nós. Não grita: interpela. Não silencia: incomoda.
Às vezes basta uma coluna para redimir todo um jornal.