Frases de 2018 (40)
Manuel Alegre, em declarações ao Público
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Manuel Alegre, em declarações ao Público
Manuel Alegre, hoje, no Diário de Notícias
Aproveito este espaço de discussão franca e partilha de opinião para enviar os meus parabéns ao poeta Manuel Alegre pela atribuição do Prémio Camões. Apresento ainda sinceras desculpas por não o ter feito mais cedo.
«Podia ter sido há mais tempo.»
Manuel Alegre, hoje, ao saber que foi distinguido com o Prémio Camões (declarações à Rádio Renascença)
Livro dez: Bairro Ocidental
Edição D. Quixote, 2015
55 páginas
Acompanho com interesse o que se vai escrevendo de poesia em Portugal. Não faltam vozes talentosas, que dominam bem a carpintaria do idioma e exprimem uma paleta larga de emoções poéticas – umas vezes num imediatismo espontâneo quase comovente, noutras vezes num minucioso rendilhado nunca isento de erudição.
Mas não cesso de me espantar com a persistente ausência nesta poesia de um olhar disponível para o mundo contemporâneo. Aqui não me refiro aos chamados versos de intervenção, que confundiam arte literária com propaganda política, mas ao escritor enquanto sujeito de uma oração que exige verbo e complemento directo. A produção poética actual transborda de sujeitos em transe solipsista. Como se esbracejassem no vácuo. Como se a realidade circundante pudesse conspurcar o círculo imaculado mas restrito do seu imaginário.
Por vezes penso que falta um Manuel Alegre pronto a sacudir o marasmo desta poesia tão incapaz de interpretar os sinais do vento como de captar os ruídos da rua. Mas não falta. Porque Alegre, com 80 anos enérgicos recém-completados, continua a escrever e a publicar poesia. O seu mais recente título, Bairro Ocidental, estabelece aliás uma curiosa rima interna com os dois iniciais, Praça da Canção e O Canto e as Armas.
Não há amores como os primeiros: meio século depois, o poeta revisita um território afectivo que tão bem conhece. É um território partilhado, a que ele chama pátria sem pedir licença aos patrulheiros de turno.
Indigna-se em ‘Variações sobre o desconcerto do mundo’: “Está tudo inverso: o longe o perto o certo o incerto / no grande desconcerto tudo aberto / direito avesso um verso onde tropeço / e um som disperso um tom onde me perco / horizonte encoberto.”
Magoa-o a ‘Hora inversa’: “Como chegar onde ninguém responde? / Sombra de sombra um rosto vem e foge / não há tempo no tempo não há onde. / Harpas do vento trazem-me o arpejo / de um desejo a morrer na praia extrema.”
Sente-se habitante de um amargo ‘Bairro Ocidental’: “Na Eurolândia tudo é permitido / bruxela-se um país berlina-se outro / um dia ao acordares estás eurodido / e o teu país efemizado é só um couto.”
E canta a ‘Libertação’: “Contra as palavras que não são de aqui / contra o cifrão contra a agiotagem / contra o défice nosso de cada dia.”
É uma poesia que se intromete no quotidiano e se compromete com a cidadania sem se submeter a cartilhas de feira ideológica: “A História entrou pelas meias pelas botas / entrou até pelo fato camuflado. / Entrou na pele e ficou lá. Como ser / neutro inespacial intransitivo?”
O melhor Alegre de volta. O melhor Alegre que nunca deixou de estar no local de sempre.
Manuel Alegre com os filhos Francisco, Joana e Afonso
Admiro pessoas que não cedem à tentação da renúncia nem andam na vida de braços cruzados. Admiro pessoas que se mantêm activas muito para além da data legal prevista para a reforma. Admiro pessoas que nunca se esquecem de que a cidadania, mais do que um direito, é um dever. E há muitas formas de exercê-la, como faz Manuel Alegre, que parece cada vez mais imune às inclemências do tempo. No ano passado legou-nos um dos seus melhores livros de poemas, Bairro Ocidental, que estabelece uma surpreendente rima interna com as suas primeiras obras, Praça da Canção e O Canto e as Armas. Há poucas semanas reuniu uma invulgar recolha de textos dispersos, atribuindo-lhes um título feliz: Uma Outra Memória. Li-o em dois dias, com o prazer de um leitor já antigo deste magnífico prosador que Alegre também é.
Ele não tem de pedir licença a ninguém para pensar como pensa. Nem molda o discurso ao sabor das modas: por isso gosta de pronunciar na sua voz bem timbrada a palavra pátria, que outros condenam ao ostracismo. Nem autoriza que os ignorantes de turno lhe imponham listas de consoantes prontas a mutilar como tábuas de uma nova lei: ele foi um dos quatro deputados (em 230) que na Assembleia da República votaram contra a entrada em vigor do "acordo ortográfico”, rejeitado pela esmagadora maioria dos escritores portugueses. Nem necessita das funções de conselheiro de Estado, para as quais terá sido convidado e desconvidado com manifesta falta de cortesia: receber o Prémio Pessoa ou o Prémio Vida Literária da Sociedade Portuguesa de Autores são honrarias maiores. Tal como a certeza de saber que milhares de portugueses conhecem de cor os seus poemas, recitados ou cantados.
Também não necessitou do beneplácito de chefe algum para concorrer à Presidência da República fez agora dez anos, num longo e gratificante périplo pelo País que tive o gosto de acompanhar passo a passo como repórter. Ouvi-o falar largas dezenas de vezes: nunca o ouvi amesquinhar um adversário ou sequer tratá-lo com deselegância. A crítica, para dar provas de contundência, nunca necessita baixar de nível – ele, que é mestre das palavras, sabe isso melhor que ninguém. Leiam, neste seu mais recente livro, o tocante testemunho inédito sobre Mário Soares: não há ali uma palavra deslocada nem o menor vestígio de azedume. É um texto notável, a vários títulos. Também pelo pudor que revela na recusa em reabrir feridas porventura mal cicatrizadas.
Manuel Alegre tem um porte fidalgo e modos um pouco deslocados nesta época tão propícia aos sarrafeiros de turno, à esquerda e à direita. Além disso é alguém com biografia, o que parece dispensável neste tempo de celebridades-proveta, tão instantâneas como os pudins de pacote e com prazo de validade mais breve do que um iogurte.
Muito para lá das conjunturas políticas, quando estiverem extintas as fogueiras ateadas pelas paixões de circunstância, o autor de Senhora das Tempestades – um dos mais belos livros da poesia portuguesa do século XX – sobreviverá pela sua obra, que permanece inacabada.
Privilégio dele, privilégio nosso também.
Manuel Alegre, nascido a 12 de Maio de 1936, faz amanhã 80 anos.
Uma Outra Memória, de Manuel Alegre
Ensaios e crónicas
(edição D. Quixote, 2016)
"Este livro segue a grafia anterior ao Novo Acordo Ortográfico"
Foto: Nelson Garrido
Faz falta mais clareza de opiniões na nossa vida cívica, nos nossos meios culturais e nos nossos debates políticos. Pensei nisto ao fim da tarde de hoje, no auditório da Biblioteca Nacional, enquanto assistia ao lançamento do mais recente livro de Manuel Alegre, intitulado Uma Outra Memória. Um livro com notória carga confessional, em que o autor de Senhora das Tempestades percorre na sua prosa límpida diversos episódios da sua biografia pessoal, da sua vida literária e da sua intervenção política. Com saborosos e expressivos retratos de figuras tão diversas como Sophia de Mello Breyner, Amália Rodrigues, Humberto Delgado, Pedro Homem de Melo, Mário Soares, Álvaro Cunhal, Fernando Assis Pacheco, Eugénio de Andrade, José Afonso e Herberto Helder, entre vários outros.
Numa breve intervenção, após detalhada apresentação da obra por José Manuel dos Santos, Alegre fez um vibrante apelo à generalização do "estudo da História" - vital, como sublinhou, neste tempo de dispersão colectiva à mercê dos impulsos momentâneos das redes sociais, tão fugazes como ondas que se dissipam na superfície das praias.
"Há hoje uma grande crise de memória. Vivemos todos apenas na espuma dos dias", declarou o poeta, reclamando contra os "inaceitáveis preconceitos" que nos levam a ocultar factos estruturantes do nosso percurso como antiga nação de corpo inteiro: "Ninguém fala de Aljubarrota para não chatear os espanhóis."
Quantas pessoas se expressam em Portugal com tanta clareza nos dias que vão correndo?
Felizmente Manuel Alegre, em vésperas de festejar 80 primaveras, foge à regra e insiste em falar sem comer vogais nem mutilar consoantes ou ocultar ideias. Que nunca a voz lhe doa.
«[Eleição presidencial] foi uma derrota de toda a esquerda e uma derrota da esquerda é também uma derrota do PS.»
Manuel Alegre, na noite de 24 de Janeiro
A imprensa regional é felizmente um viveiro de talentos jornalísticos. Nem sempre compreendidos, nem sempre reconhecidos. Digo isto a propósito de uma entrevista a Mário Soares que acabo de ler no semanário Jornal de Leiria. Uma entrevista muito interessante, assinada por Maria Anabela Silva e João Nazário.
Transcrevo aqui, com a devida vénia, um excerto dessa entrevista ao ex-Presidente da República, com uma pergunta e a respectiva resposta:
«- Se a política lhe abriu caminho para muitas amizades, também lhe custou alguns amigos como Salgado Zenha, Manuel Alegre ou Rui Mateus. Foi um preço caro?
- Salgado Zenha foi, para mim, uma espécie de irmão. Nunca deixei de ser amigo dele. Manuel Alegre, que sempre considerei - e considero - um grande poeta, foi um incidente político desagradável. Não mais do que isso. Rui Mateus foi diferente: foi um camarada mas não um amigo. É uma pessoa sem princípios nem valores.»
Soares franco e frontal. E o Jornal de Leiria a confirmar que a imprensa regional portuguesa está em boa forma.
«Dou graças por não ter sido eleito Presidente.»
Manuel Alegre
E não é que já tinha pensado nisto, depois do outro grande poeta do PS, Jorge Sampaio, ter dito que havia vida para além do deficite?! E se eles se ficassem só pela poesia?
Mais duas vozes se somam a tantas outras na rejeição liminar do impropriamente chamado "acordo ortográfico" que quer pôr os portugueses a escrever várias palavras do nosso idioma de modo diferente do que escrevem brasileiros (em palavras como 'recepção' e 'percepção'), angolanos e moçambicanos. Refiro-me a dois conselheiros de Estado: António Bagão Félix e Manuel Alegre. No programa Avenida da Liberdade, transmitido sábado na RTP Informação, Bagão Félix salientou justamente: «O património de uma língua não se faz da unicidade, faz-se da diversidade.» E Alegre - um dos três deputados que votaram contra o "acordo" quando foi aprovado na Assembleia da República - pronunciou-se sobre o tema com a autoridade que lhe advém de ser um dos nossos escritores mais prestigiados e premiados: «A ortografia faz parte da estética, do sentido histórico e da identidade da língua. [O acordo] desfigura e descaracteriza a língua portuguesa. Com moderação e bom senso, devia ser repensado. Neste momento a língua parece uma caricatura.»
Alegre desfez qualquer dúvida: ele continua e continuará «a escrever da mesma maneira.» Milhões de portugueses farão como ele.
Depois de Marcelo, proto candidato, que quer fazer concorrência a Durão Barroso, eventual futuro candidato, agora vem o ex-candidato Alegre dizer o mesmo?!
Hum! Cheira-me, como é evidente, a rato escondido com rabo de fora...
Vai ocorrer à noite, mas suponho que podemos resumi-lo já. Sócrates acusa o candidato Passos Coelho e a irresponsabilidade do PSD. Passos Coelho, de olhar vácuo, lamenta que o senhor engenheiro nos tenha colocado na situação em que estamos. Sócrates castiga Passos Coelho pela crise política que o PSD provocou enquanto ele próprio tentava salvar Portugal. Passos Coelho, compungido, recorda que o PSD ajudou o PS a atravessar as dificuldades, etc. Sócrates recorda ao país que o PSD quer acabar com o Estado Social e reduzir milhões de pensionistas a uma miséria escalavrada, ao opróbrio, ao Bangladesh. Passos Coelho responde que na actual conjuntura, e perde-se um bocadinho no seu argumento. Sócrates pergunta ao candidado Passos Coelho o que fez ele pelo país. Passos Coelho não responde à pergunta, Sócrates repete a pergunta, Passos Coelho fica um pouco emburrado com a pergunta e perdido nos seus pensamentos mas diz uma merda qualquer. Sócrates aponta para o homem que quer privatizar a água, criar uma saúde só para ricos e fazer subir o preço do pão. Passos Coelho diz que os portugueses o conhecem (não conhecem), que os portugueses sabem (não sabem, nem ele explica), e que o senhor Presidente da República. Nos minutos finais Sócrates jura ao país que precisamos de um líder capaz de enfrentar, e que a estabilidade e os tempos difíceis. Passos Coelho, num notável esforço de memorização, sustenta que Portugal está numa encruzilhada. Sócrates ganha o debate e Passos Coelho — o Zé Maria da política — ganha as eleições.
Manuel Alegre desceu ao povoado para acusar Passos Coelho de desrespeitar o Parlamento e as figuras do PSD com a escolha de Nobre. Ora, mesmo que se pudesse aceitar a razoabilidade intrínseca da crítica, parece-me importante salientar dois pontos relativamente a esta posição. Antes de mais, pela mesma lógica, deve reconhecer-se que a escolha de Sócrates pelo PS (e por Manuel Alegre) como candidato a próximo primeiro-ministro constitui um desrespeito bem mais grave pelo país e pelos eleitores. Depois, importa constatar que, apesar da gravidade implícita na decisão de reiterar a escolha do autor moral e material da governação que nos empurrou para o estado de Bancarrota em que nos encontramos, as figuras do PS não parecem estar nada incomodadas, dedicando-se, como faz Alegre, a criticar o que se passa em casa alheia. Este é pois um caso em que a galinha da vizinha é sempre pior do que a minha. E em que, na verdade, os evidentes telhados de vidro que Alegre tem em casa aconselhariam uma atitude de recatado silêncio.
Como escrevi antes do escrutínio presidencial, Manuel Alegre terminou esta segunda corrida a Belém ainda mais isolado do que na primeira apesar de contar agora com o apoio oficial do Partido Socialista e do Bloco de Esquerda. A primeira estocada foi-lhe dada por José Sócrates na própria noite eleitoral ao declarar que os eleitores haviam optado pela "estabilidade política": uma tentativa canhestra de reaproximação a Cavaco Silva lançando para cima dos ombros de Alegre o labéu da "instabilidade". A segunda - e decisiva - estocada foi-lhe dada ontem por Francisco Louçã ao anunciar no Parlamento a primeira moção de censura pós-presidenciais ao Governo socialista, deitando por terra toda a estratégia de convergência das esquerdas que Alegre tentara construir nos últimos dois anos como plataforma para a sua candidatura presidencial. Por mero tacticismo político, apenas com o objectivo de medir forças com o PCP em radicalismo de esquerda, o líder do BE acaba de dizer aos portugueses, escassos 18 dias após a contagem dos votos, que a candidatura de Alegre não teve o menor significado político nem deixou rasto de qualquer espécie. Convém não abusar da perda de memória: o Louçã que anuncia a moção contra o Governo é o mesmo que há três semanas surgia com destacados dirigentes socialistas nos comícios do candidato apoiado simultaneamente pelo PS e pelo Bloco.
Alegre, de facto, nunca esteve tão só.
Domingo à noite, logo após terem sido conhecidos os resultados eleitorais, José Sócrates revelou-se um digno aprendiz de Maquiavel. Em poucas frases colou-se ao vencedor, com o pragmatismo de um jogador de casino ao reconhecer que os dados estão lançados. E deu um abraço de urso a Manuel Alegre, como se nunca tivesse amarrado o PS a estratégias erráticas e derrotistas em dois sucessivos escrutínios presidenciais.
Lesto em sacudir a água do capote, o primeiro-ministro proclamou: "Estas são eleições presidenciais e os portugueses sempre souberam distinguir entre opções políticas nas legislativas - em que os partidos estão directamente envolvidos - e eleições presidenciais, que são baseadas em candidaturas individuais". E logo a seguir, com aquela ligeireza que o caracteriza, acentuou: "Foi com orgulho que todos os socialistas estiveram ao seu lado [de Manuel Alegre]." Esta frase, além de contradizer a anterior, estava totalmente longe da verdade, pormenor irrelevante no habitual fio discursivo do primeiro-ministro, um hábil manipulador de pessoas e factos.
Marxismo puro, tendência Groucho: "Se estes princípios não servem, arranjam-se outros." Alegre, tal como Mário Soares antes dele, acaba de ser arrumado na galeria de troféus do pragmatismo socrático. Foi, naturalmente, um chefe do Governo com ar tranquilo que na noite eleitoral garantiu ao País que "os portugueses optaram pela estabilidade política" ao elegerem Cavaco Silva, a quem Sócrates se apressou a prometer "cooperação institucional". Subentende-se que Alegre traria instabilidade: é quase uma declaração a posteriori de voto contra o malogrado candidato socialista, duplamente derrotado no dia 23 - primeiro nas urnas, a 33 pontos percentuais do vencedor; depois na oratória daquele que é ainda o líder do seu partido, resta ver por quanto tempo.
Este Sócrates de verbo fácil e manha expedita fez-me lembrar o Marco António de Shakespeare dirigindo-se aos romanos logo após o assassínio de César às mãos de Bruto. "Friends, Romans, countrymen, lend me your ears; / I come to bury Caesar, not to praise him; / The evil that men do lives after them, / The good is oft interred with their bones."
A pressa é muita: ele veio para enterrar o candidato socialista, não para o louvar. E prestar desde logo tributo ao César de Boliqueime, renascido politicamente para novo mandato, cumprindo à risca o mandamento maquiavélico: há que "manter o ânimo dos súbditos aturdido e em suspenso", evitando que possam "urdir tranquilamente algo contra ele".
O purgatório pode esperar.