ele tinha uns ténis que, no interior, diziam: I'm what I am. Vermelhos, verdes, azuis, um arco-íris nos pés, de marca, como convém. Ela tinha uns sapatos horríveis, daqueles que fazem de uma mulher, qualquer mulher, uma deficiente. Não que isto fosse relevante. Mas estavam ali, os dois, podiam dar descanso aos pés - no caso dela -, e conversar, a conversa do costume que, entre eles, já nem faz sentido por não ter princípio ou fim, ser apenas uma tentativa de explicar qualquer coisa. Ele podia dizer: sabes uma coisa? Não tenho paciência para tanta pergunta, para tanta carência, para fragilidades repetidas. Ela podia ripostar, encolhida, que o que sente é que se abandonaram. Mas não. Aliviou os pés, bebeu mais um pouco, tentou comer com o estômago às voltas, depois foi à casa de banho e, quando regressou, ele já lá não estava. Leu, no bilhete abandonado: não precisas de te preocupar, já paguei a conta.