A maioria absoluta fez cair o que restava do pudor do PS em usar o aparelho do Estado como sua coutada privativa. Estes dias mais recentes têm demonstrado isso. De forma chocante, no momento em que os portugueses passam por extremas dificuldades: no terceiro trimestre do ano, o salário médio caiu 4,7% em termos reais.
Não certamente o salário do rapazinho da jota socialista que aos 21 anos, sem currículo de qualquer espécie, acaba de ser recrutado para o gabinete da ministra da Presidência por 3700 euros mensais. Este estudante, Tiago Cunha, nem precisa de ter profissão para ganhar já três vezes acima do salário médio nacional. Bastou-lhe o cartão do partido. «A filiação partidária no PS nunca foi critério de recrutamento», alega a ministra. Cometendo a injúria de nos tomar por tolos.
O critério é precisamente esse: o da fidelidade partidária. O Governo transforma-se em "escola de formação" de quadros do partido do poder. Com os contribuintes a pagar as chorudas mordomias desta elite, que começa bem cedo a mamar da teta pública.
Indiferente ao que se escrevia - e até às críticas que já soavam de vários sectores socialistas - António Costa manteve até ao limite no Governo um homem da sua mais estrita confiança: o antigo autarca de Caminha há dois meses empossado como secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro com a função de «assegurar a coordenação entre vários ministérios».
Os relatos fundamentados da gestão danosa que Miguel Alves protagonizou no Alto Minho, evidenciados em sucessivas investigações jornalísticas, não demoveram o chefe do Executivo. Foi preciso ser deduzida acusação formal do Ministério Público ao socialista que já o acompanhava como assessor desde a Câmara Municipal de Lisboa para Costa lhe apontar a inevitável porta de saída. Após longos dias de iniludível arrogância: nem um nem outro se dignaram prestar esclarecimentos à opinião pública.
Apesar de tudo, a justiça revelou-se benévola para o Governo: por insólita coincidência, o despacho de acusação foi revelado meia hora antes de ser conhecida a lista completa dos futebolistas portugueses que participarão no Mundial do Catar - facto que acabou por sobrepor-se aos restantes no noticiário do dia. E aliviou certamente a agenda da Comissão Política Nacional do PS, reunida esta noite.
Casos diferentes. Mas que se cruzam por fatalidade temporal, permitindo realçar um traço comum: a soberba de quem confunde Estado e partido, sem traçar fronteiras entre um e outro, o que acelera a mexicanização de Portugal.
Consequência inevitável de um Governo que actua com escasso escrutínio: conta com um Presidente dócil e um parlamento domesticado. Ou vice-versa, tanto faz.