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Delito de Opinião

Terceira derrota consecutiva

Pedro Correia, 27.05.24

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Talvez Pedro Nuno Santos seja um indivíduo com azar. Talvez seja mau-olhado que lhe lançou António Costa, que está longe - muito longe - de ser um dos seus melhores amigos. Talvez seja péssima escolha de candidatos. Talvez sejam as agruras do destino. Talvez haja por ali bastante incompetência.

O facto é este: desde que o actual secretário-geral do PS iniciou funções, a 16 de Dezembro, os socialistas já sofreram três derrotas eleitorais.

A 4 de Fevereiro, nas regionais dos Açores: primeira derrota no arquipélago desde 1996, perdendo dois deputados. Nem o crescimento do Chega os favoreceu.

A 10 de Março, nas legislativas antecipadas convocadas pelo Presidente da República: perdeu para a Aliança Democrática, embora por escassa margem, recuando 13 pontos percentuais. Em Janeiro de 2022 tinha vencido com maioria absoluta: ficou sem 40 deputados em menos de dois anos.

Ontem, nas regionais da Madeira, também antecipadas: manteve 11 deputados na Assembleia Legislativa, incapaz de potenciar o desgaste sofrido pelo PSD, que desta vez concorreu sozinho e com o seu líder, Miguel Albuquerque, indiciado por corrupção. O PS continuará arredado do poder insular.

Três desaires nas urnas em menos de seis meses. É possível que seja mesmo azar, nada mais do que isso. 

Nó cego

José Meireles Graça, 30.01.24

Costa, diz-se, aproveitou, para se pôr ao fresco, a boleia oferecida pelo comunicado da PGR que informava ir ser investigado no âmbito de um processo criminal.

Queria disponibilidade para “ir para a Europa”; o futuro próximo da economia está carregado de nuvens ominosas, outro que se amanhasse; está cansado, a vida política esgota.

Peço desculpa para não comprar nada disto: o tal lugar na Europa é tudo menos garantido, a menos que haja acordos debaixo da mesa que ignoramos; o futuro próximo, por causa das guerras e suas disrupções, mais a debilidade das economias dos países destinatários das nossas exportações, não é realmente entusiasmante, mas se há coisa em que Costa é mestre é no mecanismo de alijar responsabilidades – desculpar-se e sacudir a água do capote é, do catálogo dos seus números de prestidigitação, o que faz melhor, e as crises lá fora vêm a calhar para este efeito; está cansado coisa nenhuma, tem apenas 62 anos e não há disso o mais leve indício.

De modo que o mago foi apanhado de surpresa e esta desarmou momentaneamente o seu inato calculismo, levando-o a dar um passo em falso, do qual já deve estar arrependido.

Seja como for, o país só terá talvez perdido alguma coisa se, no caso de o PS ganhar as eleições, Pedro Nuno lhe suceder. Porque este prócere do PS, pelo passado e pelo conjunto de tolices sobre economia e Estado que lhe atulham a cabeça voluntariosa, poderá deixar ainda pior marca.

Isto porém é o menos. O mais é que, sem o comunicado da PGR e o seu famoso parágrafo assassino, não estaríamos em campanha eleitoral (tecnicamente só a partir de 25 de Fevereiro mas isso são frescuras – a campanha já começou). A Procuradora-Geral não tinha de adivinhar que Costa se demitiria mas tinha de saber que iria causar um abalo político, não pela prática de quaisquer crimes ou sequer indícios da grande probabilidade de eles terem ocorrido com culpa do PM, mas pelo facto de haver uma investigação que o envolvia indirectamente. As investigações ganham pelo secretismo – não se fazem na praça pública. E se era impossível que dos processos correlatos nada transpirasse para a opinião pública, uma coisa são hipóteses e zunzuns, que moem, e outra é um claro apontar de dedo por parte de quem tem como missão exercer a acção penal e defender a legalidade.

A referência à investigação a Costa podia assim, e devia, ter sido omitida. E a razão por que não o foi não é difícil de imaginar: o MP é, para a maior ou uma parte grande da opinião pública, ineficaz. Esta manifestação de coragem e independência vem a calhar, e aqueceu decerto os corações de muitos dos senhores magistrados. E a senhora Procuradora-Geral deve ter-se apavorado com a perspectiva de ter remetido ao STJ, para investigação, um processo que envolve o PM, e dito nada, o que no futuro podia vir a ser interpretado como uma atitude de protecção. Engano dela: em lugares de topo há momentos em que, decida-se o que se decidir, haverá sempre lugar a críticas acerbas.

Aconteceu. E ainda aturdidos somos surpreendidos com a notícia de que um pequeno exército de 270 inspectores da PJ, 6 magistrados do DCIAP com outros tantos assessores mais dois juízes invadiram por via aérea a risonha ilha da Madeira para o efeito de fazer uma razia nos poderes locais, não duvido nada que há muito e tradicionalmente acomodados numa rede clientelar de amigos e negócios obscuros.

Desde aí, há uma semana, vai um corrupio de comentários, debates apaixonados e satisfação mal disfarçada do lado esquerdo do espectro político, que murmura: é para aprenderem, corruptos não são só os do PS. E do Chega, que esfrega as mãos: estes políticos dos dois partidos do arco são tudo farinha do mesmo saco.

Ficamos a saber, entre muitas outras coisas, que o regime local é parlamentar, ao contrário do da República, que é semipresidencialista, e portanto os poderes do PR são menos extensos nas ilhas. Esta anomalia (que fere, ao contrário do que dizem leis e juristas de vária pinta, a unidade do Estado) não parece perturbar ninguém. Coisa fantástica: as autarquias locais têm de ter, e têm, um regime próprio; mas as regionais embrulham-se no manto de instituições para-estaduais, coroadas, no caso dos Parlamentos locais, com poderes que o nacional não tem. Por mim, confesso: ignorava que vivia num Estado para-federal e suspeito que esta evolução teve mão do politicamente falecido Jardim, de um lado; e de continentais cobardes, do outro.

A formação acelerada no conhecimento dos nossos arranjos constitucionais é uma vantagem colateral desta crise. Mas é a única, infelizmente. Porque a mesma Procuradoria que espoletou eleições no país com um caso de polícia inquina-as agora com outro – o da Madeira tem importância, e consequências, para as eleições nacionais.

Justiceiramente os casos são simétricos: PS de um lado e PSD do outro.

Disse acima que a senhora Procuradora-Geral não avaliou adequadamente as consequências do seu mau passo. E quanto a este novo abalo sísmico, pergunto: Estas diligências não podiam esperar cinco semanas, até à realização das eleições? Tinham de ser agora?

Não tinham, é evidente. E foram, salvo explicação melhor ou mais arguta, porque a majestade da Justiça, que se realiza, ao contrário do que parece acreditar o Ministério Público, com julgamentos e sentenças judiciais, não inclui as necessidades de investigações policiais, que não devem afectar, se isso puder ser evitado, o normal desenvolvimento do processo político em aspectos críticos. Isto não seria a mesma coisa que garantir imunidade a detentores de cargos; seria um juízo de oportunidade que a senhora PGR podia e devia ter feito, se para isso tem poderes. Se não tem, deveria tê-los.

Entender-se o contrário é negar o equilíbrio dos poderes. Se um deles se arroga o direito de destratar na prática o processo pelo qual os representantes dos outros são escolhidos é porque lhes é superior. Mas não é. E como o MP não legisla, e a independência dos juízes é uma inerência dos Estados de Direito mas a dos magistrados do MP não, corre-se o risco de o legislador ter a tentação de criar no futuro mecanismos de dependência do Executivo. Seria pior a emenda que o soneto.

Esta arrogância, finalmente, não podia deixar de manifestar-se nas prisões preventivas, que são já um ex-libris do abuso: prende-se para investigar com sossego e, no caso de os juízes de instrução não o coonestarem, sempre o preso já fica com uns dias de encarceramento, que é para aprender, mesmo que a acusação não seja consistente, ou seja mas não haja riscos atendíveis que justifiquem a prisão.

Neste momento um preso já vai com sete dias, sem um estremecer de escândalo ou sequer um franzir de sobrolho.

A opinião pública, porém, acha isto bem, e a publicada não anda longe. A justiça popular, que é sempre virulenta, mormente contra os poderosos, não é justiça. E a independência deveria servir para não ter de prestar vassalagem ao desejo da populaça de humilhação dos acusados.

E então o comentariado e a comunidade jurídica, que dizem? Pouco: ou sofrem do mesmo viés da opinião pública ou dela têm medo e das magistraturas também. A liberdade, a de opinião e as outras, sempre teve poucos amigos.

A crise política na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 27.01.24

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Tenho visto aparecer afirmações sobre a resolução da crise política na Madeira praticamente decalcadas da péssima solução que Marcelo Rebelo de Sousa adoptou para o país, que se baseou em adiar, quer a demissão do Governo, quer a dissolução do Parlamento para permitir a aprovação do orçamento. Isto implicou que o país esteja a viver num limbo durante quatro meses, em que as instituições se vão degradando à vista de todos, sem que ninguém faça nada para resolver os problemas.

Na Madeira, no entanto, esta solução não é replicável por uma razão muito simples: É que nas Regiões Autónomas vigora um regime parlamentar puro, enquanto que na República o regime é semipresidencialista. Tal leva a que grande parte do que foi feito no país não possa ser repetido na Madeira.

Assim, em primeiro lugar, não há qualquer possibilidade de o Presidente do Governo Regional apresentar a demissão e a mesma não ser logo aceite, uma vez que o art. 62º, nº1, b) do Estatuto Político-Administrativo da Madeira refere expressamente que implica a demissão do Governo Regional a apresentação pelo Presidente do Governo Regional do pedido de exoneração. Ou seja, é logo no momento da apresentação do pedido de exoneração que se verifica a demissão do Governo Regional, não podendo a mesma ser adiada, pois não é necessário qualquer acto de aceitação.

Para além disso, ao contrário do que sucede na República, onde o Programa do Governo é discutido, mas não votado, só podendo o Governo cair se for apresentada uma moção de rejeição, na Madeira o Programa do Governo Regional implica a apresentação de uma moção de confiança (art. 59º, nº1, EPAM), pelo que sem a Assembleia Regional aprovar o seu Programa, o Governo Regional ficará em gestão (art. 63º, nº1, EPAM). Assim, qualquer substituto de Miguel Albuquerque terá que ter necessariamente desde o início a confiança da maioria da Assembleia Regional.

Em qualquer caso, como a Assembleia Regional ainda não fez seis meses sobre a sua eleição, a mesma não poderá ser dissolvida pelo Presidente da República a não ser daqui a dois meses. Não parece, porém, que possa ter seguimento a evidente tentativa do Presidente da República de manter o actual Governo Regional em plenitude de funções até esse momento. Basta que algumas das anunciadas moções de censura seja aprovada para que tal já não seja possível.

Aguardemos assim pelas cenas dos próximos capítulos.

O preço do PAN no bananal laranja

Pedro Correia, 04.10.23

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Miguel Albuquerque - que jurava abandonar o Governo se não tivesse maioria absoluta nas urnas - não perdeu tempo a transformar o PAN num mero apêndice do PSD-Madeira. Algo equivalente aos defuntos "verdes", que durante três décadas serviram de muleta eleitoral ao PCP.

Para que não restassem dúvidas sobre quem manda no bananal laranja, Albuquerque apressou-se a anunciar a formação de novo Executivo, com menos duas secretarias regionais: serão extintas a do Mar e Pescas e a do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas. Precisamente aquelas que mais deviam sensibilizar os eleitores do PAN e talvez até reclamadas por este partido, agora ligado ao PSD-M.

Mar e Pescas? Temas sem o menor interesse, tratando-se de um arquipélago. Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas? Tudo riscado dos pelouros executivos. Eis as primeiras "conquistas" do animalismo em versão insular. Alguns dirão que o preço do PAN é demasiado baixo. Eu direi que a "masturbadora virtual" se hipotecou ao PSD praticamente de borla. 

As eleições na Madeira.

Luís Menezes Leitão, 29.09.23

Não tencionava comentar as eleições na Madeira, mas este post do JPT estimulou-me a dar também a minha opinião, no quadro da pluralidade que sempre caracterizou este blogue. Na minha opinião estas eleições foram um desastre para o PSD, o que só augura o pior para as eleições que se seguem e para a liderança de Montenegro.

As principais culpas do que se passou não podem ser atribuídas a Miguel Albuquerque, que até partia lançado para renovar a maioria absoluta e trucidou a oposição do PS. O problema ocorreu na semana anterior, com a posição do PSD nacional perante a moção de censura do Chega. Essa moção de censura fez o Chega aparecer ao eleitorado como a única oposição ao Governo de António Costa, o que lhe permitiu saltar de uma base de zero — nem se sabia se conseguia concorrer até ao último momento — para 8,5% na Madeira. E a Iniciativa Liberal entrou no Parlamento da Madeira porque apoiou essa moção. Pelo contrário, o PSD perdeu deputados ao abster-se numa censura ao Governo do PS. Se não conseguia votar ao lado do Chega, teria que apresentar ele próprio uma moção de censura e votá-la favoravelmente. A conversa de que somos o partido das soluções e não o das moções só serve para o PSD não ser visto como oposição. Espero que ao menos aprendam de vez a lição. Se amanhã aparecer de braço dado com o PS na revisão constitucional, o PSD será trucidado em quaisquer futuras eleições.

Mas a solução de Miguel Albuquerque de fazer um acordo com o PAN também é péssima para o PSD. Luís Paixão Martins, no seu livro Como perder uma eleição, assume ter cometido um erro ao aconselhar António Costa a assumir que o PS, caso não tivesse maioria absoluta, se poderia coligar com o PAN. Tal provocou uma reacção indignada de muitos militantes do PS no interior. Na verdade o PAN pode ter muitos votantes no meio urbano, mas é odiado nas zonas do interior, pelo seu posicionamento contra o meio rural. Ora o PSD ainda tem mais apoio nos distritos do interior do que o PS, pelo que um acordo com o PAN será tóxico para o partido. Aliás, pelas convulsões que o próprio PAN está a ter, aposto que esse acordo não vai valer o papel em que será escrito.

Ou o PSD muda rapidamente de estratégia ou a sua chegada ao Governo será uma miragem.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 01.07.22

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Hoje celebra-se O Dia Mundial das Bibliotecas

"Embora a comemoração não seja oficial, esta data visa enaltecer a importância da leitura na educação e formação das pessoas, tal como é referido no Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Públicas.

Este é o dia ideal para entrarmos numa biblioteca e requisitarmos um livro, embora qualquer ocasião do ano seja apropriado para este efeito."

 

O meu primeiro contacto com uma biblioteca foi há muito tempo, tinha eu nove ou dez anos. A biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian parava todas as semanas à sombra das árvores do chafariz da Memória, e lá estava eu mais cerca de uma dúzia de ledores, com os livrinhos da semana lidos avidamente na mão, para "a troca". Li todos os livros dos Cinco. Depois os dos Sete. Depois os da Colecção História. Fiquei viciada e lançada na leitura compulsiva até aos dias de hoje, já lá vão mais de 50 anos. Há lá coisa melhor do quer ler um capítulo ou dois de um livro todos os dias?

 

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Este é O Dia da Força Aérea

"A Força Aérea, criada em 1952, celebra hoje 70 anos. Sempre a defender o futuro pelos céus de Portugal e do mundo. Haverá celebrações ao longo de todo o ano, com destaque para a cidade de Beja, com Festival Aéreo na base aérea n.º 11."

 

Mais velha do que eu, a FAP, tem colaborado durante os 70 anos da sua existência, continuada e eficazmente, na defesa do espaço aéreo português e em missões no contexto da cooperação internacional. Está de parabéns. Vale sempre a pena olhar para o céu e não ser o único.

 

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1 de Julho é também O Dia Internacional da Piada

"Trata-se de uma data não oficial, mas é comemorada com pompa e circunstância.

Como o mundo já tem problemas e infelicidades que cheguem, a ideia deste dia é rir e afastar as insatisfações, começando a segunda metade do ano com boa disposição."

 

Quem não sabe uma boa piada? Todos sabemos, ou pensamos que sabemos. Rir faz bem, e fazer rir faz ainda melhor. Quantas vezes não escrevemos pensamentos sérios, que para quem lê são autênticas piadas? Olha, sabes aquela? Vá, conta!

 

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Hoje assinala-se O Dia da Região Autónoma da Madeira

"De nome oficial “Dia da Região Autónoma da Madeira e das Comunidades Madeirenses”, esta data celebra a autonomia da Região Autónoma da Madeira inscrita na Constituição Portuguesa de 1976.

É feriado oficial na Região Autónoma da Madeira."

 

A Madeira é um jardim que já visitei e tenho de voltar a visitar. Os ilhéus são afáveis e o clima uma maravilha. Preciso visitar Porto Santo.

Um abraço para a África do Sul e demais pontos do planeta onde estão radicadas as maiores e mais influentes comunidades madeirenses. 

Já basta o que basta*

José Meireles Graça, 21.11.21

A tolerância não é natural, a intolerância sim. Nos 200 ou 300 mil anos que levamos a calcorrear a Terra, mais vezes sim do que não, o diferente foi uma ameaça.

O crescimento económico, pilotado pelo progresso da ciência e da tecnologia, foi sobretudo uma invenção do séc. XVIII, antes disso tendo-se arrastado penosamente durante milénios. Daí que sempre a maneira de resolver problemas de subsistência, ou de excessos populacionais, ou de simplesmente viver melhor, tenha sido ir por aí fora a dar pranchadas no semelhante, à boleia de uma qualquer superioridade no armamento, ou na organização, ou no meio de transporte, ou na quantidade e experiência dos guerreiros, e noutros ous.

Na noite dos tempos vagas sucessivas de invasores se instalaram no meio de populações que dominaram, quando o espaço não estava deserto, e com elas se misturaram até que novas vagas vieram escaqueirar as sociedades entretanto formadas, fornecendo novas elites.

Com a agricultura e a sedentarização veio a escrita e a civilização (em sentido estrito; não estou agora para entrar em muitos considerandos), e quando civilizações floresceram que puderam construir impérios os benefícios foram derramados pelos conquistados sobreviventes, mesmo que às vezes por métodos um tanto, hum, expeditos (v.g. o exemplo de Júlio César, que mandou cortar as mãos a gauleses derrotados para inculcar convincentemente a ideia de que toda a resistência era impossível).

Gostamos de pensar que, como nas nossas sociedades do Ocidente há um conjunto de liberdades que foram consagradas na lei para todos, e que aliás nem saíram de graça nem existem, ainda, na maior parte do mundo, carregamos o farol da civilização. E é sem dúvida assim, ainda que o país líder desta maneira  de estar no mundo tenha recorrido ocasionalmente à noção, nem sempre bem-sucedida, de converter países à democracia pelo expediente de lhes despejar bombas em cima.

O passado projecta sombras compridas, porém; e a crença de que estamos de tal modo polidos, tolerantes e civilizados que somos capazes de avaliar as ameaças que as outras pessoas representam, pela sua plausibilidade, é um delírio de autocongratulação – não somos. O nazismo e a ameaça judaica foi anteontem; e qualquer guerra moderna, incluindo as civis, mostra, para quem precise de que se lhe mostre, que selvagens continuamos a ser.

O quê, guerras, nazismo, intolerância, não sei quê… isso vem a propósito de quê, é aquela coisa dos atentados de crentes da religião da paz, que gente com inclinação para a piada foleira, assim como eu, acha que é mais a religião da pás-catrapás enquanto o clero não for obrigado a recolher às mesquitas, coisa que não está perto de acontecer? Não, é coisa menos séria.

Menos séria mas mais incomodativa, por mais próxima. Temos agora um inimigo público declarado, a Covid. Espreita-nos no restaurante, não nas mesas porque em comendo o bicho que o não é fica desactivado, mas sempre que alguém se ponha de pé; no transporte público, salvo se toda a gente estiver açaimada ou se for um avião; no estabelecimento comercial, excepto se tiver menos de xis metros quadrados; e nas escolas, na rua, até mesmo dentro dos automóveis, e em todos os lugares ou situações em que as autoridades suspeitem que o Demo pode passar dos possessos para os crentes. Alguns objectos, indispensáveis embora, são particularmente ominosos, de que são exemplo as maçanetas das portas; e além do açaimo, a retirar unicamente para comer e lavar os dentes (neste último caso apenas para quem tiver esse hábito salutar), é de rigueur passar as mãos por líquidos de composição suspeita várias vezes ao dia, ainda que com riscos não menosprezáveis para a epiderme.

Que este inimigo internacional é uma ameaça não oferece dúvidas, e que tem causado grandes estragos também: por todo o lado os governos têm tomado medidas, com graus diferentes de intensidade, imaginação e empenho, o que prova o perigo; mas com o ponto em comum de terem dado cabo das economias, o que ilustra o estrago. E o inimigo é como as bruxas na Idade Média: sabe-se lá o que teria sucedido se não as tivessem queimado, a Fé hoje com certeza não seria tão sólida.

Pois bem: sucessivas vagas deste sopro dos infernos da imaginação têm varrido o mundo, deixando na esteira um número ridículo de mortos (por comparação com outras patologias, cujo tratamento entrou em descaso pela mobilização obsessiva com esta); encontram-se exemplos, de relativo sucesso e de relativo insucesso, para ilustrar todas as teses do bem-fundado das medidas, e o seu contrário; e de líquido sabe-se apenas que achatamos a curva, primeiro, depois vacinamos toda a gente, mesmo a que não pertencia a nenhum grupo de risco, para descobrir que a vacina não protege da doença, senão talvez na sua gravidade, nem impede a propagação (ou seja, não é uma vacina), que há aí uns medicamentos que talvez resolvam o problema ou talvez não, mas que o vírus é benigno, salvo em certas idades e, sobretudo, com comorbilidades, e mesmo assim nem para os velhos é uma sentença de morte.

Isto sabe-se, e deveria ser suficiente para os poderes públicos terem a lucidez de não continuarem a fazer asneiras e a praticar abusos para apagar o medo da populaça da qual se imaginam líderes, cujas brasas de cagaço a comunicação social assopra. Mas não: Marcelo, o timoneiro sem carta de marear, já veio confessar os seus medos infantis e doentios. E o régulo da Madeira, digno herdeiro do soba que por lá pontificou durante mais de três décadas, ambos, juntamente com a maior parte dos autarcas que enxundiam o país, claríssimos exemplos de que de descentralização é que não precisamos, veio pôr-se em bicos de pés e informar que vai pontapear a Constituição, as leis e o senso porque ele é el Cid das doenças infectocontagiosas.

O homem legisla, promulga e manda aplicar uma série de diktats que incluem vacinação obrigatória (passa a sê-lo na prática porque sem ela o cidadão é considerado pestífero, tendo toda a liberdade de não ir a lado nenhum), testes semanais obrigatórios mesmo para quem está vacinado, uso da máscara em quase todas as situações (incluindo, embora a “legislação” não esclareça especificamente esse ponto, enlaces íntimos com pessoas com as quais não se coabite) e uma série impressionante de minúcias. Tudo isto, supõe-se, com uma guarda pretoriana para aplicar as leis albuquérquicas e a certeza de que, se houver um maduro que recorra aos tribunais, terá a satisfação, como outros já tiveram noutras ilhas, de lhe ser dada razão sem que os autores dos abusos oficiais sejam minimamente beliscados.

Suponho que a maioria dos madeirenses, que não são nem mais nem menos portugueses que os do contenente, aplaudirá este homem de aço. Mas os direitos do cidadão nunca são mais assegurados do que quando a menor das minorias, que é o indivíduo, desafia o Estado abusador, prepotente e, no caso (mas isso é o menos), ridículo. E é por isso que o que recomendo, com a autoridade que não tenho, é a desobediência civil. Já basta o que basta.

*Publicado no Observador

A Madeira já é independente?

Pedro Correia, 31.07.21

«A Organização Mundial de Saúde pediu que os países que estão a vacinar crianças e adolescentes contra a Covid-19 deixem de o fazer e entreguem essas doses ao sistema Covax, para que possam ser distribuídas por países mais necessitados, como a África do Sul, onde nem o pessoal médico foi ainda completamente vacinado.»

Organização Mundial de Saúde, 15 de Maio

 

«A Organização Mundial de Saúde divulgou um vídeo explicando por que não recomenda que a vacinação de crianças seja uma prioridade neste momento da pandemia do novo coronavírus.»

Organização Mundial de Saúde, 11 de Junho

 

«Tudo está preparado para, nos fins-de-semana entre 14 de Agosto e 19 de Setembro, serem administradas as duas doses de vacina às cerca de 570 mil crianças e jovens entre os 12 e os 17 anos.»

António Costa, primeiro-ministro, 21 de Julho

 

«DGS recomenda vacinar crianças dos 12 aos 15 anos só com co-morbilidades.»

Notícia do Eco, 30 de Julho

 

«Decidimos aguardar por mais informação, nomeadamente a nível da União Europeia [sobre a vacinação generalizada de adolescentes entre os 12 e os 15 anos].»

Graça Freitas, directora "geral" da Saúde, 30 de Julho

 

«Madeira começa a vacinar no sábado 20 mil jovens a partir dos 12 anos.»

Notícia do Jornal de Notícias, 30 de Julho

 

«[Vacinar cerca de 20 mil adolescentes entre os 12 e os 18 anos] é uma decisão política do Governo [regional da Madeira] que segue aquilo que são as orientações da Direcção Regional da Saúde, da task force regional da vacinação e que segue no fundo aquilo que são as linhas orientadoras da Organização Mundial da Saúde.»

Miguel Albuquerque, presidente do Governo regional da Madeira, 30 de Julho

Férias sem testes nem máscaras

Pedro Correia, 13.08.20

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Praia de Burgau

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Na praia do Camilo

 

Enfim "desconfinado" (um dos nossos habituais eufemismos em jeito português suave), escolhi local de férias.

Dei prioridade aos Açores: quero conhecer a ilha de Santa Maria, antigo sonho meu, reforçado pela leitura recente de Crime em Ponta Delgada, romance (que recomendo) do meu amigo Francisco José Viegas. Azar: logo se lembrou o Governo Regional presidido pelo socialista Vasco Cordeiro de decretar testes obrigatórios ao novo coronavírus a todos os passageiros desembarcados do continente. Alguns destes supostos "empestados" chegaram a permanecer três dias compulsivamente encerrados em quartos de hotel em Ponta Delgada, sem possibilidade de rumar a outras ilhas, enquanto aguardavam os resultados dos testes.

Mudei de planos. E olhei então para a Madeira, mais concretamente para Porto Santo - onde existe uma das cinco ou seis mais belas praias portuguesas. Só lá estive uma vez, há mais de uma década: seria a ocasião ideal para regressar. Mas também aqui tudo se alterou: o Governo Regional presidido pelo social-democrata Miguel Albuquerque lembrou-se então de decretar o uso obrigatório da máscara nos espaços públicos do território insular, incluindo os que desfrutamos ao ar livre. Alguém com um módico bom senso vai de férias para andar o tempo todo de máscara arriscando pagar multas de 30 euros por ser visto sem ela? Não conheço ninguém, com excepção do Presidente da República, mesmo que tal medida - nunca aplicada no continente - suscite polémica entre os constitucionalistas.

 

Desisti, portanto. Vim para o Algarve, sem testes nem máscara ao ar livre. Um Algarve muito mais "desconfinado" do que o de 2019. Com muito menos turistas estrangeiros, alguns quase de todo ausentes - como os ingleses, os norte-americanos ou os canadianos. Mas, até por isso, com preços mais convidativos e mais espaço para manter distância física (não "distanciamento social", expressão absurda, que não é nem jamais pode ser regra sanitária) em relação a vizinhos de hotel, de apartamento, de praia ou de piscina. 

Fixei-me em Lagos. E tenho andado pelas praias das imediações, com destaque para a belíssima Burgau, que nos sugere um recorte da costa adriática. Mas também a praia do Camilo, com restaurante acoplado. E, claro, a icónica Meia Praia, onde há sempre lugar para todos - é de uma extensão só comparável a Montegordo ou ao quase vizinho Alvor.

Isto sim, é "desconfinamento". Enquanto o senhor Cordeiro e o senhor Albuquerque, regedores das ilhas, desesperam com falta de turistas, incluindo os continentais: só podem queixar-se deles mesmos. Que lhes faça bom proveito.

 

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Lagos ao anoitecer

Insegurança e desconfiança

Pedro Correia, 06.07.20

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O Presidente da República, que já se tinha deslocado duas vezes aos Açores, em Janeiro e Junho, prometendo regressar em Agosto, dignou-se enfim dar um saltinho à Madeira. Talvez estimulado pelo facto de o social-democrata Miguel Albuquerque, presidente do Governo Regional madeirense, lhe ter chamado «bengala do Governo» e admitido concorrer contra ele daqui a seis meses, na próxima eleição para o Palácio de Belém.

Antes da terceira visita ao arquipélago liderado pelo socialista Vasco Cordeiro, Marcelo Rebelo de Sousa lá se dignou picar o ponto na Madeira, numa espécie de toccata e fuga que nem durou 24 horas na ilha descoberta por Gonçalves Zarco. Além de aplacar os ânimos de Albuquerque, que poderia contribuir para lhe reduzir a ansiada fasquia dos 70% na reeleição prevista para Janeiro, o Presidente terá procurado transmitir mensagens de «segurança e confiança» no combate ao Covid-19 em solo madeirense. Para encontrarem eco nos telediários do Reino Unido, que acaba de excluir o nosso país dos "corredores turísticos" deste Verão devido ao aparente insucesso português no combate à pandemia - notícia desastrosa sobretudo para regiões como o Algarve e a própria Madeira, onde os britânicos representam 17,9% das dormidas turísticas.

Iniciativa meritória, a de Marcelo. Duvido muito, no entanto, que obtenha sucesso. Imagino como o verá um inglês médio que observe as imagens dele no Funchal, falando às pessoas na rua sem nunca abandonar a máscara e forçando os demais membros da comitiva a comportarem-se da mesma forma para não parecer mal. Quem entre nós, se fôssemos britânicos, se sentiria seguro e confiante para fazer férias num sítio destes?

Três deputados "limianos"

Pedro Correia, 11.01.20

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Ontem votou-se o Orçamento do Estado para 2020. Com o PS, minoritário na Assembleia da República e liderando um executivo monocolor, a conseguir atrair nada menos de cinco partidos para aquilo que lhe interessava: a viabilização do mais importante instrumento de governação nesta legislatura. BE, PCP, PAN, PEV e Livre agem nestes dias pós-geringonça como se ainda houvesse pactos de legislatura assinados com os socialistas. No fundo, como se estivessem no governo sem lá estarem: António Costa nem precisa de dar-se ao incómodo de lhes reservar pastas ministeriais, ao contrário do que sucede com o seu homólogo espanhol, Pedro Sánchez, que a partir de amanhã terá de sentar no Conselho de Ministros os equivalentes locais de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. O socialista português usufrui o melhor de dois mundos.

Mas desta vez Costa foi mais longe: conseguiu trazer para a sua órbita três deputados do PSD, todos eleitos pela Madeira. Que a troco da libertação de verbas destinadas ao novo Hospital do Funchal - que é obrigação do Estado e já devia estar construído há vários anos - mandaram às malvas a orientação de voto imposta por Rui Rio e associaram-se à esquerda parlamentar, viabilizando o OE2020 pela abstenção. Nem o facto de isto ter ocorrido em plena campanha interna para a eleição do presidente do PSD lhes travou o passo, desautorizando o líder nacional do partido em toda a linha.

O primeiro-ministro acaba, portanto, de garantir a fidelidade de três deputados "limianos", partindo as fileiras adversárias - sem sequer necessitar deles. Sérgio Marques, Sara Madruga da Costa e Paulo Neves são dignos sucessores do histórico deputado Daniel Campelo que a troco da promessa de ver construída uma fábrica de queijo no concelho natal, Ponte de Lima, fez transitar em 1999 o seu voto do CDS para o PS para tranquilidade e sossego do primeiro-ministro socialista, António Guterres.

Na altura, houve inflamadas atitudes de indignação na comunidade de comentadores cá do burgo. Agora, observo quase todos a encolherem os ombros ou até a acenarem em concordância, como se a pesca de votos à linha nas fileiras da oposição fosse um passatempo corriqueiro e talvez até digno de louvor. Basta este exemplo para se perceber como em duas décadas recuámos em padrões de ética política e exigência mediática. Antes havia quem mostrasse repulsa, embora pudesse ser postiça. Agora já ninguém se dá ao incómodo de aparentar indignação.

Fora da caixa (14)

Pedro Correia, 23.09.19

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«Adoro as espetadas madeirenses.»

António Costa, ontem à noite, na sede do PS 

 

O secretário-geral do PS reagiu de forma original, no Largo do Rato, à derrota eleitoral do seu partido na eleição para a Assembleia Legislativa da Madeira. Com esta declaração de amor ao principal cartaz da gastronomia insular, alicerçado na comprovada excelência do gado bovino.

Fiquei preocupado. Isto vai trazer-lhe imensos dissabores junto do lóbi animalista, da vetusta academia coimbrã e até no seio do seu próprio governo (espero que as patrulhas me autorizem a escrever a expressão "no seio", de que tanto gosto).

 

Já antevejo o reitor Falcão enraivecido de indignação, de dedo acusador apontado a Costa, repetindo o que o levou a interditar a carne de vaca nas cantinas que tutela: «Vivemos um tempo de emergência climática e temos de colocar travão nesta catástrofe ambiental anunciada.»

Antevejo também o titular da pasta do Ambiente a balbuciar protestos à entrada do próximo Conselho de Ministros, lembrando ao chefe do Executivo o compromisso governamental de declarar o País «neutro de carbono» até 2030 e a recentíssima declaração do próprio Costa sobre a substituição da carne por peixe nos jantares oficiais. Malhas que a correcção política tece.

 

Basta olhar para o líder socialista para se perceber que é bom garfo: imagino-o a deliciar-se com um leitão à Bairrada ou um chacuti de cabrito. Para ele, deve ser uma tremenda chatice aturar os fiéis devotos da rúcula e os talibãs do tofu.

Serei o último a admirar-me de o ver mais vezes na Madeira nos meses que vão seguir-se, até em incursões clandestinas, para matar saudades das suculentas espetadas em pau de loureiro. É verdade que o PSD continua ali a ganhar eleições, mas quase ninguém vota no PAN e o boicote à boa carne ainda não contaminou a Pérola do Atlântico.

 

De Costa podemos esperar muita coisa, mas sou incapaz de imaginá-lo convertido ao feijão maduro cozido com um fio de azeite, apregoe frei André Silva o que apregoar.

Percebo cada vez melhor que prefira entender-se com Jerónimo de Sousa. Não tanto por uma imperiosa necessidade de convergência política mas pela possibilidade de ambos partilharem mão de vaca com grão ou ensopado de borrego, tudo regado com tinto alentejano. A "descarbonização" pode esperar.

As ligações insulares da Líbia

João Pedro Pimenta, 30.03.18
O suposto patrocínio de Muammar Kadhafi e do regime líbio à campanha presidencial de 2007 de Nicolas Sarkozy, que levaram à detenção deste há poucos dias,  não é exactamente uma novidade nem um rumor esquecido. Já tinha sido publicitada várias vezes, a começar pelo filho do próprio ditador da Líbia durante o levantamento no país, quando a França liderou a intervenção militar externa que seria decisiva para a queda do "regime verde" e para os acontecimentos que se seguiram. 
 
A ser verdade não sei quais as razões deste patrocínio financeiro a Sarkozy, mas por certo seria para obter quaisquer objectivos financeiros ou estratégicos da parte da França. De resto, Kadhafi nunca deixou de se imiscuir nos assuntos dos outros países de forma diversa. Na sua versão mais recente fazia-o através de recursos económicos proporcionados pelo petróleo líbio, como os interesses que tinha em empresas italianas como a FIAT, ou até em clubes de futebol. Mas nas primeiras décadas, o coronel esteve envolvido em  quase todos os conflitos envolvendo terrorismo e rebelião. Do IRA à ETA, passando por todas as organizações palestinianas e estando por trás de grandes atentados dos anos oitenta, como a explosão do avião sobre Lockerbie, ou estreitamente ligado aos grandes terroristas da época, como Carlos, O Chacal, ou Abu Nidal, Kadhafi não perdia uma. E quando não tinha uma organização terrorista ou ma causa subversiva para apoiar, procurava-as. Um artigo recente de Rui Tavares conta-nos que o ditador líbio, numa reunião da Organização dos Estados Africanos, exigira a "liberdade da colónia africana da Madeira, ocupada por Portugal", dizendo o mesmo das Canárias. Se a esta ainda podia fazer referências aos guanches, o povo autóctone pré-espanhol, já dificilmente veríamos os madeirenses a querer ser libertados por Kadhafi. 

 

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Mas os líbios, sempre prestes a auxiliar um bom movimento separatista, também olhavam para os Açores, já fora da órbita africana. César Oliveira, antigo deputado e autarca do PS (e pai de Tiago Oliveira, agora muito falado por estar à frente da estrutura que previne os fogos rurais), já desaparecido, conta-nos as suas impressões da Líbia em finais dos anos setenta no seu livro de memórias de 1993, Os Anos Decisivos:

País de um novo-riquismo impressionante e avassalador, a Líbia constituiu (...) a certeza de que representava uma ameaça para a paz e no Norte de África como para o próprio Sul da Europa (...) Um alto dirigente líbio colocou-me a pergunta sobre a posição da UEDS quanto à ala esquerda da FLAMA e da FLA. E como tivéssemos respondido, naturalmente, que não víamos qualquer ala esquerda naqueles movimentos insulares e que, pelo contrário, os víamos como de extrema-direita e politicamente suspeitos, acabaram-se todas as facilidades e tive mesmo dificuldades em obter o bilhete de avião  para Lisboa, via Roma. 
 
Claro que o apoio a tais movimentos não passou de intenções, discursos e perguntas. Mas revela bem até que ponto aquele excêntrico regime líbio interferia ou procurava interferir nos assuntos dos outros países. Daí que não possa deixar de me rir quando ainda ouço inúmeras indignações A invasão e "violação da soberania da Líbia." Não que não tivesse acontecido, que aquilo não tenha redundado num caos e que a morte de Kadhafi e outros não seja condenável. Mas se houve país que se imiscuiu nos assuntos alheios, com consequências trágicas, a Líbia é o melhor exemplo, assim como Kadhafi é o responsável por inúmeras mortes e conflitos. Aplicou-se, de novo, a velha teoria de que quem com ferros mata...

A primeira derrota de Costa

Pedro Correia, 30.03.15

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 António Costa em campanha no Funchal (15 de Março)

 

António Costa decidiu derrubar António José Seguro, sem deixar o então secretário-geral do partido submeter-se ao teste das eleições legislativas após três anos em funções no Largo do Rato, com um argumento derivado do mais puro achismo lusitano: achava-se em melhores condições de protagonizar o ciclo político pós-Passos Coelho.

Isto sucedeu, note-se, no rescaldo imediato das eleições europeias de 2014, em Portugal ganhas pelo PS. Esse foi o terceiro triunfo de Seguro em três anos: antes, com ele à frente do partido, os socialistas tinham vencido as eleições regionais dos Açores e as autárquicas.

Costa achou "poucochinho" o triunfo nas europeias - que constituíram um descalabro generalizado para a família socialista no Velho Continente ao qual o PS português foi um dos raros partidos que escaparam - e, estribado na tropa de choque de José Sócrates, garantiu aos militantes que faria melhor do que os 38% das intenções de voto atribuídas a Seguro pelas sondagens à época.

 

Quase um ano depois, afinal, o PS permanece como estava: Costa não ganhou um milímetro nas pesquisas de opinião para o partido, que acaba de averbar uma estrondosa derrota nas eleições regionais da Madeira. Apesar de prometerem ser as mais propícias de sempre para a oposição socialista pois marcavam o fim do longo consulado jardinista.

Com um péssimo candidato a encabeçar a lista regional, uma desastrosa política de alianças que privilegiou o patusco Coelho - o Beppe Grillo funchalense - e o excêntrico Partido dos Animais, e sem a menor capacidade de aglutinar a esquerda local, mais dividida que nunca, o PS acaba de ser remetido para mais quatro anos de oposição no arquipélago, assistindo impotente à revalidação da maioria absoluta do PSD, desta vez comandado por Miguel Albuquerque. E sem ter sido sequer capaz de ultrapassar o CDS como segunda força política regional.

Pior ainda: os socialistas recuam em relação ao anterior escrutínio, ocorrido em 2011, não só em número de votos e percentagem, mas também em lugares no Parlamento regional. Há quatro anos elegeram seis deputados (em 47), agora têm os mesmos, mas como concorreram em coligação com três partidos, um desses assentos caberá ao patusco Coelho, que se apressou a descolar do PS, esgotado o prazo de validade deste partido enquanto barriga de aluguer.

 

António Costa participou na campanha eleitoral da Madeira, apoiou o candidato fracassado, envolveu-se. E perdeu.

Estivesse ainda Seguro ao leme do PS nacional, acossado por um batalhão de bitaiteiros televisivos dispostos a "fazer-lhe a folha", e não faltaria o coro das carpideiras a bramar contra a "frouxa" liderança no Largo do Rato.

Como Seguro já não está, resta o silêncio.

 

Leitura complementar:

Açores: dez apontamentos eleitorais (texto de 14 de Outubro de 2012)

Bolo do caco com a mesma forma

Sérgio de Almeida Correia, 30.03.15

madeira2015.jpg Na Madeira cumpriu-se democraticamente o ciclo eleitoral.

O PSD/Madeira, agora de Miguel Albuquerque, volta a estar de parabéns. Levando em linha de conta os anteriores arrufos entre o ex-líder e o actual e a perda de cerca de quinze mil votos por comparação com as eleições anteriores, o resultado, mesmo com uma abstenção elevadíssima, é digno de nota, sendo legítimo desejar-lhe uma governação à altura das responsabilidades. Resta saber qual o preço que irá ser cobrado ao PSD de Passos Coelho por este resultado regional que reedita a maioria absoluta.

Apesar dos cadernos eleitorais continuarem a aguardar limpeza, a abstenção não pode deixar de ser considerada brutal e deverá constituir um sério aviso ao que poderá vir a caminho para as eleições legislativas. Mas aqui com consequências bem mais imprevisíveis tanto em matéria de maiorias como de formação de uma equipa governativa.

Pesado, diria mesmo doloroso, foi o resultado eleitoral do PS. No final do ciclo do jardinismo, numa altura em que as críticas foram mais do que muitas aos desvarios gastadores de Jardim, e depois de um período de grande aperto, à semelhança do que aconteceu com os restantes portugueses, esperava-se outro resultado do PS/Madeira. O que aconteceu foi um desastre que retira voz e protagonismo ao partido a nível regional. Esteve por isso bem o líder regional que imediatamente se predispôs a sair de cena.

O resultado do PS/Madeira lança também um sério aviso ao PS quanto à política de alianças em que eventualmente poderá estar a pensar, se é que alguma chegou a ser pensada, para as eleições legislativas. Uma má escolha de parceiros e a realização de alianças contranatura, apenas por razões de eleitoralismo puro, poderão ter um efeito contraproducente e deitar tudo a perder. Seria bom que António Costa e a sua equipa pensassem nisso não só em matéria de alianças como, em particular, na hora de escolher os candidatos que preencherão as listas. Já chega de erros de casting e de carreiristas oportunistas e impreparados. Se não se aproveitar a oportunidade para se corrigir o que antes se fez mal, isso poderá nunca mais vir a ser possível rectificar, com consequências ainda mais nefastas do que as verificadas na Madeira.

O CDS/PP obteve um mau resultado. As palavras de Paulo Portas soam por isso a falso e tentam disfarçar o que não pode ser disfarçado. Passar de 17% para 13% e perder dois deputados só pode dizer-se que seja um resultado "consistente, resistente e sustentado" quando se está a falar para tolinhos.

Bom resultado teve, apesar de tudo, o BE ao conseguir dois deputados. Mas a palma levou-a coligação JPP (Juntos pelo Povo). Ficar com o mesmo número de deputados que o PS/Madeira na AL regional é obra e poderá indiciar, aqui sim, novidades na oposição.

Quanto ao mais, o resultado melhorado do PCP continua a não esconder a sua irrelevância, debilidade e incapacidade para sair do reduto onde há décadas ficou acantonado.

Aguardemos, pois, para se perceber até que ponto teremos mudanças na Madeira. E se os resultados agora verificados poderão vir a ter influência nacional e nos sempre efervescentes sonhos políticos do "deposto" Alberto João Jardim.

Pobre, nem por isso; mal-agradecido, certamente

José António Abreu, 08.12.13

A excepção concedida aos políticos madeirenses, permitindo-lhes acumular salários e pensões, é inqualificável (como a Teresa Ribeiro já salientou). Que Alberto João Jardim retribua prometendo um reforço da luta pela autonomia é não só típico da criatura como muito bem feito para quem lhe apara os golpes.