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Delito de Opinião

Efemérides Sangrentas

jpt, 19.10.21

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Dia de efemérides. Passam hoje 35 anos sobre o incidente de Mbuzini, no qual morreu o presidente Machel e quase toda a sua comitiva. Vários amigos e conhecidos moçambicanos assinalam o facto nos seus murais de Facebook - alguns usando imagens do impressionante monumento idealizado pelo arquitecto José Forjaz para colocação no fatídico local. Acidente ou atentado?, continuam as dúvidas, as versões, as crenças, num processo de interpretação da história algo similar ao acontecido com a morte de Sá Carneiro e comitiva.
 
Por cá cumpre-se hoje o centenário do assassinato do primeiro-ministro António Granjo e de vários vultos da instauração da República, a dita "Noite Sangrenta", um dos momentos maiores do terrorismo político durante a I República, perpetrado pelo que se poderá dizer, sob anacronismo limitado, a "extrema-esquerda" terrorista de então. O Pedro Correia aqui no Delito de Opinião convoca o assunto.
 
O resto da sociedade, a corporação historiadora, os colunistas avençados, os "quadros" da função pública? Seguem fiéis militantes da higienização da I República, da produção da "amnésia organizada" sobre esse directo ascendente (republicano e maçónico) do poder socialista de hoje.
 
Nisso não só vigora o silêncio na imprensa. Mas também o popular, pois poucos (se alguns) se lembram de convocar o assunto nos seus murais. Há que preservar o mito da I República benfazeja. E para isso que faz o Estado, os seus oficiais mais importantes? Usa o dia do centenário deste brutal e tão significativo episódio para se congregar, sob o datado e anacrónico molde panteónico, em homenagem a Aristides de Sousa Mendes, morto há 67 anos, nascido a 19 de Julho e falecido a 3 de Abril. Ou seja, nem sequer há um qualquer vínculo simbólico quase inultrapassável para que a cerimónia decorra hoje.
 
Julgo que nunca tinha assistido a tão descarada manipulação da história política portuguesa. Agora venham-me dizer que é preciso derrubar a estátua do João Gonçalves Zarco. E fazer "introduções contextualizadoras" ao Frei João dos Santos...

 

Aventais são difíceis de rasgar

Pedro Correia, 09.12.19

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Consta que Rui Rio andará muito preocupado com possíveis infiltrações da Maçonaria no PSD. Admiro-me pouco ou nada. Este é um tema recorrente na logomaquia do seu principal mentor ideológico, o doutor Pacheco Pereira: quando a matéria noticiosa não abunda, recorre ao velho truque retórico de espadeirar contra maçons. Uma espécie de Bei de Tunes à moda da Marmeleira.

Lamento contrariar este par de sumidades, mas Rio não irá longe neste combate. Se quiser gastar energias a pelejar contra a Maçonaria, terá de riscar grande parte do regime republicano: o 5 de Outubro foi conduzido por conhecido maçons e a história dos últimos 110 anos em Portugal, gostemos ou não, teria sido bem diferente sem eles.

 

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Pelo menos três Chefes do Estado na I República pertenceram à organização que Rio parece abominar: Bernardino Machado, da Loja Perseverança de Coimbra, desempenhou as funções de grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido; Sidónio Pais foi iniciado na Loja Estrela de Alva, de Coimbra, embora já não fosse maçom quando ocupou o Palácio de Belém; e António José de Almeida, filiado na Loja Montanha, de Lisboa, chegou a ser eleito grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido para o triénio 1929-1931, acabando por não exercer o cargo devido à doença que viria a vitimá-lo.

 

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A Maçonaria, que esteve no 5 de Outubro, viria igualmente a comparecer no 28 de Maio.

O contra-almirante Mendes Cabeçadas, um dos protagonistas desse golpe militar e Presidente em funções durante um curto período em 1926, estava filiado na Loja Pureza, de Lisboa. Também o marechal Óscar Carmona, até hoje o mais longo detentor do cargo presidencial e figura angular do Estado Novo, aderiu à Maçonaria, aliás «ainda antes do fim do século», conforme indica a própria página oficial do Museu da Presidência da República.

 

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Salazar e Marcello Caetano - como Rio - não se deixaram contaminar pelos ritos maçónicos. Mas com o 25 de Abril os maçons regressam ao primeiro plano da política. Mário Soares, como ele próprio revelou, foi iniciado na Grande Loja de França, em Paris, e numa visita feita ao Grande Oriente Lusitano chegou a ser tratado como «poderoso irmão», segundo revelou o historiador António Ventura ao jornal i.

Maçon era também Adelino da Palma Carlos, o primeiro chefe do Governo após a Revolução dos Cravos. Por sinal um homem de quem o fundador do PPD/PSD, Francisco Sá Carneiro, foi muito próximo - a tal ponto que, sendo ministro sem pasta, abandonou o I Governo Provisório, ao fim de 55 dias, em solidariedade com o chefe do Executivo, quando Palma Carlos entendeu demitir-se.

 

5

Mas a influência da Maçonaria na política portuguesa é anterior à república: já colhia simpatias na dinastia Bragança, nos dois lados do Atlântico.

O Rei D. Pedro IV - imperador Pedro I, do Brasil - ascendeu a grão-mestre da Maçonaria no país irmão: chegou mesmo a compor o hino maçónico brasileiro. Seu filho Pedro de Alcântara, que ocupou o trono imperial no Rio de Janeiro como Pedro II, «embora nunca se tenha filiado na Maçonaria, frequentava as lojas e acompanhava com interesse as discussões políticas e filosóficas que ali ocorriam», como revela o historiador Laurentino Gomes no seu livro 1889.

Diversas eminências do liberalismo constitucional - incluindo chefes de governos ao longo do século XIX, como Passos Manuel e o Duque de Saldanha - também tiveram filiação maçónica. Eram pedreiros-livres, como se dizia à época (maçon, em francês, significa pedreiro).

 

6

Falta acrescentar que a Maçonaria também deixou marca na história do PSD - facto que Rio e o seu mentor parecem ignorar.

Emídio Guerreiro, que liderou o então PPD no turbulento período do "Verão quente" de 1975, era maçom desde 1928, tendo escolhido o pseudónimo Lenine. Quando faleceu, aos 105 anos, foram-lhe prestadas honras fúnebres na sede do Grande Oriente Lusitano (GOL), em Lisboa. E Nuno Rodrigues dos Santos, dirigente máximo dos sociais-democratas no período 1983-1984, fora iniciado em 1935 na Loja Magalhães Lima, também na capital portuguesa, com o pseudónimo Danton.

 

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Muitas dores de cabeça, portanto, para o sucessor de Pedro Passos Coelho no partido das três setas: a monarquia constitucional, o regime republicano, o 25 de Abril,  o primeiro-ministro de quem Sá Carneiro foi tão próximo e a própria história do PSD.

E como se tudo isto fosse pouco, até o homem que agora lhe assegura a comunicação no partido, João Tocha, confessa pertencer desde 1991 à Loja Lusitânia do GOL.

Nada escapa às infiltrações dos temíveis pedreiros. Rui Rio merece um aceno de comiseração: a vida é dura para quem se dedica a rasgar aventais.

O comentário da semana

Pedro Correia, 16.01.12
«Foi na Loja do mestre Mozart
Ao som de uma flauta mágica
Que se reuniu uma boa parte
Da nossa direita clássica

Entre passos e leves toques
E rituais de avental
Discutiram-se os amoques
Mas sobreveio o vendaval

E cada um ao seu jeito
Agastado p'lo ciúme
Arrancou o colar do peito
E foi-se queimar n'outro lume

Terminaram assim os atos
Que atavam a irmandade
Mostrando que estavam fartos
De tanta fraternidade!»
 
Do nosso leitor Bartolomeu. A propósito deste post do Luís M. Jorge.

Confiança, hipocrisia, mentira, segredo, Soares dos Santos e a maçonaria

Rui Rocha, 07.01.12

As relações sociais pressupõem um conhecimento mínimo daquilo que podemos esperar daqueles com quem interagimos. É por isso que certas profissões utilizam sinais distintivos. O cidadão em apuros identifica, na multidão indiferente, indiferenciada e apressada, um polícia fardado. Tipicamente, reconhecerá que, de entre todos os outros, este será aquele de quem poderá esperar uma ajuda mais eficiente. Da mesma maneira, quando se estabelece uma relação incipiente entre desconhecidos, o passo inicial é o da apresentação: o nosso nome e, em termos mais ou menos profundos, quem somos, de onde vimos, para onde vamos e o que queremos. A troca de informação que se processa nesses momentos não tem como único objectivo dar satisfação a uma curiosidade que se esgota em si mesma. A informação que passamos aos outros e a que recebemos e a que nós e os outros recolhemos de outras fontes permitem-nos ir construindo uma imagem que se situa algures entre a ideia, a realidade e os nossos pré-juízos, experiências e circunstâncias. Há pois nessa imagem uma parte de conhecimento efectivo e de ilusão (ou desilusão). Não sendo possível aspirar ao conhecimento total sobre os outros (conhecem-se, eles próprios, integralmente a si mesmos?), a relação social pressupõe uma base de confiança que tem tanto de indispensável como de frágil. Tão dependentes de confiança nas relações humanas como de alimento para a sobrevivência, toleramos todos um certo nível de hipocrisia uma vez que não é viável, a cada momento, em cada circunstância da vida, a cada interacção, pretender fazer a prova de um princípio de desconfiança. Todos já nos aproximámos alguma vez, mais ou menos, da percepção de que não se pode confiar em ninguém (polícias, juízes, políticos, família, amigos, companheiro/a) e sabemos que isso arde como se estivéssemos no inferno. Este estado de frágil equilíbrio sustenta-se, então, numa boa parte de verdade e num certo dever de hipocrisia. Assim estruturada, a confiança é definitivamente posta em causa em três tipos de situações: a) violação do dever de hipocrisia, acrescentando mais verdade do que aquela que estamos dispostos a aceitar; b) mentira c) segredo. Vem tudo isto a propósito de dois factos dominantes da semana que acaba. A primeira, a deslocalização das participações sociais da família Soares dos Santos. Digo que esta põe em causa a nossa confiança pela via da mentira. Soares dos Santos criou uma imagem através dos seus sermões. O seu comportamento, inquestionável do ponto de vista da decisão empresarial, é incoerente com a imagem que pretendeu passar-nos. Interpretá-la como mentira é uma conclusão óbvia e leva à degradação do capital (nunca melhor dito) de confiança.  A outra é a da maçonaria. Quem guarda segredo, pretende afastar os outros do (de um) conhecimento. E isso só pode minar a confiança. Sendo esse um comportamento deliberado, é inaceitável por parte de quem exerce funções políticas, por definição orientadas pela transparência e pela participação. E o mesmo se diga, por exemplo, na função judiciária. O único segredo a que um político deve estar obrigado é o que é imposto pelo interesse do Estado, na interpretação que lhe é dada pelos cidadãos que representa. E o único segredo que um magistrado deve aceitar é o devido à justiça.