Béla Fleck e Abigail Washburn, álbum Echo in the Valley.
Dois banjos, duas vozes, efeitos acústicos simples que podem ser reproduzidos durante os concertos (por exemplo, pés a bater ou a deslizar no chão) e nada mais, porque nada mais é necessário. O segundo álbum do casal dos banjos (há quem profetize que o filho, nascido em 2013, se revelará o Messias dos banjos) prova mais uma vez quão pouco é indispensável para fazer grande música.
Tenho pouca paciência para álbuns de Natal. De vez em quando, porém, surgem alguns que, indo além do terreno mil vezes pisado, me conseguem atrair. É o caso de Midwinter Graces, de Tori Amos, ou de A Drifter in the Snow, de Aimee Mann. Posso agora juntar à lista este From Spirits and Ghosts, da finlandesa Tarja Turunen. Ao contrário dos referidos, é composto quase exclusivamente por versões de temas que toda a gente conhece, mas adaptados com uma faceta gótica que lhes adiciona um toque especial, fazendo pensar em Natais ao estilo dos filmes de Tim Burton. De resto, Tarja não quis deixar dúvidas e acrescentou um subtítulo esclarecedor: Score for a Dark Christmas. Porque, no fim de contas, tradicionalmente o Natal é - ou devia ser - um instante de harmonia e calor numa época do ano escura e fria.
A tendência actual para fugir ao humano, ou pelo menos a muitas das formas e hábitos que o têm caracterizado, consegue ser um pouco mais do que ligeiramente irritante. Contudo, se alguém, pela sinceridade e coerência demonstradas ao longo do tempo (é lembrar "Human Behaviour", do álbum Debut, já lá vão vinte e quatro anos), merece alguma indulgência, esse alguém é Björk. Depois de um álbum em que sarava as feridas de uma relação sentimental terminada, apresenta desta feita um álbum luminoso, no qual parece buscar um ideal em que o humano se dissolva nas restantes formas de vida do planeta (e até mesmo no próprio planeta). Algumas letras são básicas, o modo como Björk pronuncia os 'r' lembra a lengalenga sobre o rato que roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia, e o som de passarinhos chega a exasperar, mas justifica amplamente uma audição.
Submergindo inseguranças e tristezas em ondas de som, Gainsbourg cria um caleidoscópio que não ficaria mal como banda sonora de um filme de terror à italiana (pode não parecer, mas é um elogio).
Staples tem setenta e oito anos. Viu muito, em quase oito décadas. Passou pelas guerras da Coreia, do Vietname e do Golfo, por momentos de divisão entre os norte-americanos, como as lutas pelos direitos sociais na década de 1960, e por momentos de união, como o que se seguiu aos atentados de 11 de Setembro de 2001 (durou pouco). Hoje, com a sociedade mais uma vez dividida, mantém a esperança. Os dez temas, compostos para ela por Jeff Tweedy, dos Wilco (e que excelente trabalho ele fez), não fogem aos problemas, mas pegam-lhes numa perspectiva optimista, salientando a necessidade de entendimento e de superação. A voz experiente de Staples adiciona peso às palavras e a sonoridade, uma mistura de R&B com Country, dois estilos tão tipicamente norte-americanos, um mais associado à comunidade negra, o outro à comunidade branca, constitui a cereja no topo do bolo de um álbum baseado na ideia de união.
Ainda que, graças à manipulação electrónica da voz de Bono, Love Is All We Have Left abra o álbum com um toque de originalidade, e que Kendrick Lamar participe (fugazmente) num par de temas, a sonoridade não deixa de estar alinhada com o que os U2 já fizeram muitas vezes. Todavia, este não constitui o maior problema para um álbum que até revela uma excelente ligação entre os membros da banda, com Bono usando eficazmente a voz que lhe resta e The Edge acrescentando o tom épico sem demasiados exageros. O maior obstáculo que Songs of Experience terá de enfrentar é o cinismo. Os U2 podem ter ganho milhões e gerido as coisas de modo a pagarem o mínimo de impostos sobre esses milhões, Bono pode ter lançado campanhas humanitárias de eficácia duvidosa enquanto convivia com políticos e celebridades televisivas, mas a sinceridade dos quatro irlandeses - a mesma que os fez compor New Year's Day ou Sunday BloodySunday numa época em que a cena pop/rock estava dividida entre o niilismo dos Clash e o hedonismo dos Duran Duran - continua a marcar-lhes a música. Até mesmo o período de Achtung Baby e Zooropa, durante o qual eles próprios pareceram abraçar o cinismo, apenas na aparência contradiz esta tese: tratou-se afinal de uma encenação assumida, de envergar o cinismo - como se diz actualmente de pessoas que tentam parecer nerds - de forma irónica. O público, que tanto - e justamente - apreciou essa época, é que pode já não estar disponível para tamanha dose de sinceridade e empenho.
Science Fiction teria constituído um excelente remate para a carreira - com fim já anunciado - dos Brand New. Infelizmente, a dissolução da banda poderá ficar marcada por outro acontecimento: na senda do que tem acontecido em Hollywood, o vocalista Jesse Lacey viu-se acusado por uma mulher de comportamento inadequado e tanto as bandas de apoio à digressão em curso como os próprios colegas começam a afastar-se dele. Um dos grandes álbuns de 2017 choca de frente com um dos grandes temas de 2017.
A sonoridade punk ficou um bocadinho para trás, mas os benefícios superam os inconvenientes: V é excelente rock de garagem com matizes de psicadelismo e de shoegaze. Provavelmente o melhor álbum dos The Horrors.
A prova de que continuam a surgir bons álbuns de rock, ainda que possam não dispensar o uso de sintetizadores. Nas últimas semanas, até tenho andado ligeiramente viciado no tema "Lazarus Online".
Zola Jesus, que se identifica como Nika Danilova mas se chamará realmente Nicole Hummel (Fernando Pessoa apreciaria), continua a produzir temas que, indo beber a experiências pouco simpáticas (depressão, gente próxima dela a quem foi diagnosticado cancro ou que tentou suicidar-se), parecem negros e depressivos, mas se revelam afinal bastante reconfortantes.
Por excesso de uso, muitos termos e expressões vêm perdendo relevância. Ironicamente (ou talvez inevitavelmente), os superlativos amontoam-se à medida que os humanos parecem ficar mais cínicos e desiludidos. Mensalmente ocorrem dezenas de momentos «históricos» e centenas de acontecimentos «inéditos». Não obstante tudo isto, talvez ainda se possa aplicar o termo «inclassificável» à música de Haley Fohr.
1. Phoebe Bridgers tem 23 anos, mas escreve letras como esta: «When a machine keeps me alive, and I'm losing all my hair, I hope you kiss my rotten head and pull the plug - now that I've burned every playlist, I've given all my love.»
2. Phoebe Bridgers compôs um tema sobre uma rua em Los Angeles (Scott Street) que afinal é uma avenida. Foi um simples erro, mas encaixa perfeitamente num álbum onde o understatement impera e a aceitação da incongruência é forma de lidar com a depressão e com a ideia da morte.
3. Phoebe Bridgers (a propósito de incongruência) intitula o seu álbum Stranger in the Alps porque, na versão para canal aberto do filme The Big Lebowski, a frase do imortal Walter Sobchak (John Goodman) «Do you see what happens when you fuck a stranger in the ass?» foi transformada em «Do you see what happens when you find a stranger in the Alps?».
Há no álbum uns toques de Abba que normalmente seriam suficientes para me manter à distância que vai da foz do Porto à zona Leste de Estocolmo. Mas também há aquele estilo desenvolto, intemporal e mordaz de uns The Divine Comedy, aplicados à desilusão que, para Nick Halliwell (o homem por trás dos The Granite Shore), constitui o Brexit. What news from England, are they happy now they're free?, canta ele em The Performance of a lifetime, perfeitamente consciente de que whatever we said or we did, we were always outside looking in (no refrão de Outside, Looking In). E depois há dúvidas candentes que só o futuro esclarecerá: Will they paint the passports blue again? Provavelmente não, Nick; o azul é a cor da União Europeia.
Gosto da conjugação das vozes dos dois irmãos australianos e, ainda que não contendo grandes surpresas, da leveza elegante que a música deles frequentemente atinge. Gosto menos quando os temas se esvaem no sentido da lamechice. É pena que tal suceda demasiadas vezes neste último álbum.
Enquanto Jimmy Page parece ter ficado preso à memória dos Led Zeppelin, servindo hoje quase como seu guardião, Robert Plant continua a experimentar, misturando sons de vários estilos (Bluebirds Over the Mountain é uma versão - bastante diferente - de um tema de Ersel Hickey, que em 1968 também foi usado pelos Beach Boys) e geografias (ver - ou melhor, ouvir - tema abaixo).
(A voz feminina em Bluebirds Over the Mountain é a de Chrissie Hynde.)
A sonoridade de Anne Erin Clark vem-se normalizando. Neste álbum, produzido por Jack Antonoff (colaborador de Lorde e Tayler Swift), estará até demasiado parecida com inúmeros trabalhos lançados nos últimos tempos. Felizmente, o álbum possui outros trunfos, à cabeça dos quais se encontra uma dissecação irónica mas feroz das pressões geradas pela fama (Oh, what a bore to be so adored, canta-se no tema Masseduction), pelo dinheiro e pelo desejo de eterna juventude.
Shah é filha de uma inglesa descendente de noruegueses e de um paquistanês. Centrado nas questões da imigração, o seu novo álbum foca as dificuldades de constituir o elemento estranho numa comunidade, os enviesamentos daí decorrentes, e as por vezes inacreditáveis prioridades de quem tenta proteger o seu casulo. Shah não assume um tom de confronto, excepto quando perante este último ponto: o tema Holiday Destination (no vídeo acima) foi inspirado numa reportagem onde se relatavam as queixas de turistas na Grécia sobre a forma como a crise dos refugiados lhes estava a estragar as férias. Já o tema Evil terá resultado da leitura do poema Days, de Philip Larkin (ver abaixo). Para Shah, o «dia» é a normalidade, fora do qual surgem os medos e os ódios.
Os russos Kauan continuam o percurso em direcção a um som contemplativo e nostálgico, numa linha post-rock que inclui elementos folk e de doom metal. Como antes - e como o próprio nome da banda -, as letras são em finlandês.