Não deixem o homem voltar a assassinar o hino nacional se querem mesmo que ele seja eleito Presidente da República.
Implorem-lhe que fique calado: ninguém é menos patriota se escutar o hino em silêncio. Mau (péssimo) é destroçá-lo nota por nota, numa confirmação viva, quase desesperada, da profunda incultura musical dos portugueses.
Se ele insistir, assegurem-se de que não tem nenhum microfone perto dele. Ou desliguem-no, se for necessário. Os fins justificam os meios.
(Texto para o meu novo "O Pimentel". Onde colocarei os textos mais "pessoais", desadequados aqui. Fica a informação para quem o quiser/puder subscrever, em modalidade paga ou gratuita)
Hoje vou ao São Jorge ver o espectáculo do Tim. Eu gosto dos (seus) Xutos. Continuo a pensar que o português mais relevante - e não só na música - da minha geração é o Pedro Ayres de Magalhães, por razões que agora não desenvolvo mas sumarizo: na grandeza de si próprio, Homem que é, descomplexou este traste país. Sim, então o mais-velho Soares fez-nos, para o bem e para o mal, “mediterrânicos”, desse mar do meio afinal charco do qual ainda não saímos. E sim, nessa época Lopes e Mota convenceram-nos que poderíamos ser campeões. E, mais ainda, sim, Saramago (e Lobo Antunes) explicaram que até éramos inteligentes. Mas o Magalhães fez mais, foi português! E convocou-nos a nisso segui-lo, refez-nos. E estou feliz pois, há poucos anos, tive a honra de o (re)conhecer - cruzara-o superficialmente “nos tempos” - e o privilégio de lhe dizer isto mesmo. Julgo que o Ayres - o marechal Ayres, se se quiser aceitar o que sinto - não terá desatinado com o meu emotivo arrazoado, até balbuciado.
Mas isso - esse “isso” que agora, velhote, me é o fundamental - é outra coisa. E nada obsta a que os “meus” hinos, as minhas memórias, sejam as do Xutos. Desde o inicial concerto com os Minas e Armadilhas nos meus 15 anos, já nem me lembro onde correu esse verdadeiro “punkismo”, terei bebido demais… Mas lembro bem o “1º de Agosto” do Rock Rendez-Vous em 1984, ali ido com amiga boazuda, mais velha e com o namorado ausente - a malta dos Olivais sabe do que, de quem, falo, mas quarenta (!!!) anos depois já nem é inconfidência -, eu puto num “a ver no que isto dá”, mas a esquecer-me disso - até porque ela também indiferente, diga-se -, pois logo exultante, pulando, diante do “Já estou farto de procurar / um sítio para me encaixar… / eu vou para longe, para muito longe / … falta-me o ar para cá ficar”, isso que vim a seguir na vida. E sim, naquele dia terei urrado “se me amas / se me queres…”, mas para o ar, desarrumado. Vinte anos!, tinha, e ali com uns tipos a rockarem o que tinha eu no âmago…
E nesse longo entretanto vi-os imensas vezes. Um dia num qualquer recanto do Ribatejo, a esgalharem imenso num meio vazio rinque de patinagem, ali tendo uma primeira parte dos Radar Kadafi - a banda da minha rua, a Bolama, quando o Tiago, o Guli, o Ambrósio, o Fernando e o Sampaio tinham decidido que seria eu o “road manager” da banda então em ascensão, eu puto atrapalhado (e ganzado, diga-se) em demasia para ser “manager” de mim-mesmo quanto mais de outros negócios “on the road”…
E lembro o 1986, quando o amigo António Miguel - ele próprio um mito no nosso meio estudantil, pois “manager” dos à época rutilantes Trovante, veterano de palco da festa do Avante, um gajo soberbo, cabeça muito madura (digo-o mesmo, então meu colega de grupo de faculdade, no meio daquilo tudo o que fazia) - me deu acesso ao então celebrado Xutos no Pavilhão do Restelo. Assim eu ascendendo ao “lá em cima”, onde estava ele, produtor, camarote ou lá o que era. E eu, carregado do tão estupidificante haxe, a ver e a urrar o “conta-me histórias daquilo que eu não vi” já e a clamar “amas a vida e eu amo-te a ti” para aquela quem nem ali estava. Mas também momento (crucial, sim) de transição pessoal, percebi-o, pois subindo o degrau para estatuto de observador analítico, ao olhar lá para baixo, o recinto do pavilhão apinhado de gente exultante, imensas bandeiras agitadas, todos “loucos” com os Xutos - “isto é um fenómeno”, disse-me, aprendiz de antropólogo, para logo voltar ao êxtase diante de quem me cantava avisava “contra tudo lutas / contra tudo falhas / todas as tuas explosões / redundam em silêncio”.
Muito tempo depois, e em tão diferentes tempos…, no final do milénio as paupérrimas mentes de então do Instituto Camões enviaram os Xutos a Maputo, num festival (dito “Pontes Lusófonas”) que eu logo percebera me viria a custar o belo e apetecido emprego. Mas isso, o tétrico embrulho, não era coisa deles, lá foram… Na Feira Popular acorreram algumas centenas de pessoas. Eu, mesmo se amargurado (forma educada de dizer fodido) com tudo aquilo, escondi-me na felicidade de … ver os Xutos em Maputo. Ali na primeira fila, já sem o fato-e-gravata, que então me era curial, e ao lado do patrício Hernâni (um rijo heavy barbudo e gordo, desses “como deve de ser”) alçando os nossos “X”… Subi ao camarim, o Kalu a perguntar-me “estes gajos não gostam de rock?”, diante do silêncio que os acolhera, eu a rir-me, dorido com a imbecilidade de quem os tinha ali levado, “sim” mas “não vos percebem”. E tinha sido uma bela rockada… Logo depois a Nice, a belíssima Nice - das mulheres mais bonitas que conheci na vida -, a verdadeira princesa de Pemba, ofereceu uma festa em sua casa, deu para todos nos conhecermos.
As décadas foram passando. Regressei à “terra”, num riff muito desafinado destruí a minha família! Ou talvez apenas a mim mesmo. Poucos anos depois a minha então juvenil filha pediu-me para a acompanhar a um festival rock. Trinta anos depois voltei a pedir uns bilhetes ao amigo António Miguel, o qual não via há anos, desde que fora a Maputo num concerto qualquer… E lá segui, já um pouco trôpego, à Costa da Caparica para um “estranho brilho na areia molhada”, mas já mais para que o sentisse a minha filha Carolina, qu’a vida é agora dela… Mas fiquei estupefacto, pois à chegada dos Xutos logo ela - e os seus, putos quatorzinhos - entraram em modo rock, entusiasmados, conhecedores… “pai, não tocaram a "Maria”", queixava-se depois, no fim, eufórica, a minha filha, mostrando-me que seguiam eles, afinal, fiéis aos mais-velhos. E “Mulher do Leme” ali a sonhei, em erupção de carinho amoroso…
Depois zanguei-me com os Xutos, coisas de se associarem aos políticos. Não era preciso, sempre tinham passado ao lado disso - sim, iam à Festa do Avante mas … sempre haviam seguido sem as merdas do “sistema”, num verdadeiro it’s only rock’n roll e nós gostamos.... Mas ao vê-los no falso Rock in Rio, entenda-se bem, ao vê-los no festival no velho “Cambodja” - esse onde os nossos iam buscar o “cavalo” -, a meter o Marcelo, o Ferro Rodrigues, o Medina e o Costa, essa gente a pantominar o nosso “X” em pleno palco? A ira foi-me terrível: apaguei os postais de blog em que os louvava, deitei fora os CDs que deles tinha, parti os vinis…
Claro, quando depois o Zé Pedro morreu fui até ao cemitério aqui nos Olivais - e nisso ombreando com a mais bela beldade aqui da rua, lendária mesmo, então já sexagenária avó, “nos tempos” inacessível tamanha a diferença de idade, aqueles 3 ou 4 anos… Fui lá para fazer o X à passagem do féretro. Fi-lo! Com lágrimas internas, despedindo-me do verdadeiro “Homem do Leme”.
Mas a zanga não podia demorar. Pois há anos tentei fazer um doutoramento, já ia nas 400 páginas ou mais. Desvaneceu-se entretanto - para quê fazê-lo?, para quê “remar, remar / forçar a corrente” se sabendo-me já sem cabimento? Mas nesse esforço, inglório, escrevera 30 páginas sobre o “Método” da minha disciplina, essa antropologia, as quais quis que fossem um “berras às bestas / que t(m)e sufocam / em braços viscosos / cheios de pavor”, os eunucos convictos que pululam nos “corredores”. E apresentei-me, nu, pobre pila à mostra, (quase) concluindo sobre como trabalhei 20 anos em Moçambique, como fui antropólogo ao som dos Xutos, deste modo:
E ontem, já quarenta anos depois, o António Miguel pergunta-me “queres ir ver o Tim?, dou-te um bilhete”, “está a esgotar, despacha-te”. Claro que sim!, entusiasmo-me, lesto, pronto a ouvir o Tim d’agora, num “conta-me histórias, daquilo que eu não vi”. Hoje anuncio na vizinhança que irei ao concerto. “Onde vais comprar as ganzas?”, riem-se, “aos Candeeiros? ao Gordo?”, já com sarcasmo… arqueológico (sabem, sacanas, que a última vez que comprei uma pedra tinha 21 anos). “Vais com quem?”, avançam, cruéis, sabendo que não tenho “miúda” para içar às cavalitas, e mesmo se a tivesse a radiculite o vetaria. Mas estrearei o cantil que herdei do meu pai, vou comprar a vodka barata e bebível do Lidl, e seguirei ao São Jorge, “à minha maneira”, “Sacola às costas, cantante na mão”. Pois, sei bem, ainda “tudo em mim, é um fogo posto”, até porque “a vida é sempre a perder”.
Eram mesmo outros tempos, tínhamos muito menos informações. À Marianne Faithfull cheguei na adolescência apenas por apanhar este LP "Broken English" - comprado na do Apolo 70?, na loja de discos baratos da Baixa? - que teria ouvido num ápice na rádio. Não sabia quem era ela, o enorme pedigree rock que tinha - sabia lá eu que teria sido a musa da canção da minha vida, a "You Can’t Always Get What You Want" dos Stones, sabia lá eu do implícito desta "Broken English"... Ficou-me ela para sempre. E ainda mais quando fui crescendo e sabendo quem era ela.
Morreu agora. Lembro-a não como a beldade do panteão rock. Mas como esta matrona imensa... intensa.
Deixei ontem uma breve nota sobre a morte de Marco Paulo. Mesmo estando habituado ao fel desabrido de algum do comentariado anónimo no DO - uma espécie de secção "Muro de Fel" do blog - fiquei surpreendido com o azedume resmungão de alguns comentários recebidos. A alguns, que me eram dirigidos, apaguei-os, até por se tratar de um postal "in memoriam".
Tudo se originou por eu ter usado a expressão "cantor romântico", a qual é de uso corrente no âmbito da música "popular" - termo este também de vasta amplitude, que em inglês abrange (pelo menos) o que dizem ser música "pop" e "folk", algo diverso na nossa língua dado que damos um uso diferente a música "folclórica". Logo surgiu um (típico) comentário empertigado, seguido de outros, refutando o uso de "romântico". Não se tratou de uma mera discordância, mas sim de um explícito "vá estudar" (na wikipédia, ainda por cima), logo seguido de invectivas pessoais e de, num registo não menos "doutoral" mas não tão conflitual, considerações de que "o termo 'romântico' deve ser empregado com propriedade".
Um outro anónimo também se empertigou, insurgindo-se contra o breve postal que dediquei ao cantor, clamando "Parece que alguns não sabem que todos os dias morrem pessoas de doença. O importante é escrever sobre algo que possa ser útil e fazer a diferença e fazer algo pelos que estão vivos.". Esta abrasiva invectiva mostra, mais do que tudo, um profundo desnorte, uma desorientação. Ou seja, um desconhecimento da localização própria. Pois é um comentário-exigência colocada num blog, uma plataforma comunicacional gratuita e voluntária, em que nem os escribas ganham nem os leitores pagam. Deste modo não há qualquer "deontologia" subjacente, não existe qualquer obrigatoriedade para se escolherem temas "úteis" ou "diferenciadores". Em suma, quem escreve fá-lo sobre o que lhe apetece. E se os leitores podem reclamar nos órgãos de comunicação social ou noutro tipo de publicação "clássica" remunerável esse "utilitarismo" ou essa "pedagogia", não têm qualquer razão para o fazer em blogs. Ao dizê-lo denotam-se desnorteados. Ou demonstram-se ignorantes.
Ainda assim pego no mote desse comentador pimpão e enveredo aqui pela via "pedagógica", respondendo aos empertigados comentadores contestatários do uso de "romântico", julgando-se sábios por o reclamarem monopólio do "romantismo" oitocentista, esse tão heterogéneo estado de consciência presente em diversas expressões artísticas e intelectuais. De facto, essa ideia não é correcta - e torna risível a mão na anca dos furiosos comentadores. Pois a expressão "romântico" atribuída a alguns tipos de música "popular" não deriva apenas do uso, não é uma extensão vinda de um facilitismo, ou uma metáfora preguiçosa. Mas advém da história do termo. Vou avançar alguma fundamentação sobre isso - nem que seja para tentar que os comentadores que discordam dos conteúdos dos postais os debatam, em vez de os invectivarem e aos seus autores.
Para isso cito Jacques Barzun, de cujo magnífico "From Dawn To Decadence: 1500 to the present, 500 years of western cultural life", fui reler excertos há muito pouco tempo, a propósito de ter ido ouvir Berlioz e falar sobre o "Frankenstein" de Mary Shelley, dois "românticos", desse Romantismo oitocentista. O historial dos diversos rumos semânticos do termo "romântico" é assim resumido pelo grande historiador:
"The use of romantic in English goes back to the 17C when it was used to denote imagination and inventiveness in storytelling and, soon after, to characterize scenery and paintings. (...) At the core of the epithet, obviously, is a proper name: Rome, Roman. From the start, the image is many-sidded. Centuries after the fall of the empire, the vernacular spoken along the Mediterranean was no longer vulgar Latin but a variable dialect called roman. From it came French, Spanish, Italian, and other romance language, still called by that name in academic departments. After a time, roman was applied to tales written in that dialect as spoken in southern France.
These tales were often love and adventure, as contrasted with epic narratives or satires. In French today the word for novel is still roman, while in English a romance is one kind of novel and by further extension one kind of love affair. On this account romantic gets used to denote the blissful state and character of the participants." (...) - (467, e o assunto segue na página seguinte).
Enfim, não é grave que não se tenha um entendimento aperfeiçoado do termo "romântico". E que se debata isso num blog, nos seus postais e nos comentários. Mas para quê surgir altaneiro e abrasivo, invectivador? Quando nem sequer se tem o conhecimento? E mesmo quando se tem?
Dito isto, aqui replico o postal sobre "canções românticas" que coloquei antes no meu Nenhures. Nem que seja para que os resmungões possam resmungar...
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[I Don't Want To Talk About It (from One Night Only! Rod Stewart Live at Royal Albert Hall)]
Então agora gostas do Marco Paulo?, perguntam-me por mensagem os (quase)censores Não tanto das suas canções. Mas gosto da sua figura, por ser popular e pelos enxovalhos que recebeu ao longo da carreira. Que - e com teor bem pior - perduraram para além daqueles 70s e inícios de 80s quando todos os músicos portugueses (os do rock, acima de tudo) eram destratados em público - à excepção, claro, dos "de intervenção" - coisa que minguou com o êxito do Rui Veloso.
A evolução do tratamento dado a Marco Paulo, paulatinamente tornado mais "respeitável", denota não só a real evolução cultural do país mas mais mostra como esta evolução veio do "povo" (sempre dito ignorante) e não da pequenota-burguesia, feroz de preconceitos e de arrogância censória, que julga "pedagógica".
Se gosto de cantores românticos? Sim, claro, amo Sinatra. E ouvi dezenas de vezes esta cançoneta romântica, verdadeira súmula da coisa: imaginando-me o velhote atrevido (jamais sugar-daddy, atenção...), o velhote atrevido, dizia, enleado com a bela jovem desvanecida? Antes e hoje, ainda mais no agora mesmo!? Não confesso tal coisa, apenas deixo a dúvida...
E avanço até que esta versão tem uma dimensão sociológica. Esmiucei-a tanto que até escrevi sobre o assunto: muitos saberão que sou dos Olivais, e sobre isso me repito. "O que é isso dos Olivais?", perguntarão. A resposta está aqui, nesta canção romântica: "Olivais" é o meneio e a onomatopeia que o velhote xunga ("pimba" também se disse) dedica aos exactos 2'35'' à tão bela jovem encantada.
Aqui entre nós, rapaziada, quem não gostará de canções românticas? Se estas assim, vividas assim...?
[People have the power (Patti Smith sings "People Have The Power" with a choir made up of 250 volunteer singers at NYC's Public Theater. This was done in 2019. Daveed Goldman on guitar and Stewart Copeland playing the frying pan.)]
Isto tudo se liga, se articula... e contradiz! No seu mural de Facebook o Henrique Pereira Dos Santos traz esta versão coral da "People Have The Power" da Patti Smith - a qual, vos garanto por empírico conhecimento, cruza gerações. Canção hino que tantas vezes cantámos, nas pistas ou por aí afora, às vezes exultantes como se gente, outras cantarolando em ira amesquinhada.
Tudo se liga, tudo se contradiz!, digo eu. Estou a ler o imprescindível "Tudo é Tabu" do Pedro Correia (Guerra e Paz Editores) , um rol de 100 casos de censura promovida pela vigente e descabelada ideologia "identitarista", e ontem cruzei o 75º caso, exactamente o respeitante à Patti Smith, até ela alvo do cretino modo "cancel"!
Ao mesmo tempo vou, cá de longe, recebendo as novas sobre as eleições em Moçambique - país onde a "People Have The Power" se canta "Povo no Poder" -, mais um episódio da inenarrável e despudorada apropriação do voto popular, do "Power" do "People". Até quando?, a que custos?, como se chegará ali ao "Basta" ("Chega" é uma palavra agora politicamente poluída, entenda-se...)?
Mas tudo se liga, tudo se contradiz! Pois cantarolo a canção sentado no meio deste meu Povo pensionista, decrépito, cujo poder se restringe a votar nesta pobreza mental e moral, como se vê na gritaria socialista e fascista à volta do orçamento, no dia em que juristas forçam a arrastar um homem doentíssimo num tribunal apenas para justificarem o seu lacaio imobilismo, servis a este estado do Estado.
Tem o "people" o "power"? Tem, estive ontem a ver as sondagens americanas, Estado a Estado... É quase certo que Trump ganhará.
"...the people have the power / to redeem the work of fools"?
É mesmo melhor cada um tomar o combustível que lhe apetece (Vodka tónico para mim, sff) e ir para a pista, dançar e cantar. Sem esperança. Mas não desesperado.
As mulheres ainda são a minoria nas orquestras sinfónicas. Graças, porém, às audições às cegas, o seu número tem vindo a aumentar.
No Instagram da Fundação Francisco Manuel dos Santos, encontra-se o link para um artigo de Pedro Boléo, publicado originalmente na Revista XXI nº 8, sob o tema da Igualdade e com o título usado por mim neste postal (por isso, as aspas). Ou seja: ainda hoje, na nossa sociedade ocidental, tolerante e civilizada, só as audições às cegas garantem que o júri não se deixe influenciar, por exemplo, pela cor da pele ou pelo género da pessoa candidata. Pelos vistos, aos homens, adianta serem brancos; às mulheres, nem isso. Mas também não queremos ser privilegiadas pela cor da nossa pele.
Nestas palavras, temos discriminação aberta, temos essa frase inominável “elas tornam-se homens” e temos considerar escandaloso o facto de os homens as tratarem como iguais, usando o pormenor da mudança de calças. Trata-se de um método muito usado por machistas, o chamado sexismo subtil. Não sou naturalmente apologista do gesto, como garante de igualdade. Mas aquilo que é entendido como uma maneira de proteger as mulheres, vai muito além do paternalismo. Para o maestro referido, a única solução seria evitar mulheres nas orquestras, quando, na verdade, as orquestras é que devem garantir as condições necessárias para assegurar a sua admissão! E os músicos que mudam as calças à frente delas são igualmente contra a inclusão de mulheres instrumentistas nas suas orquestras, usando uma forma assaz grosseira de protesto: “ai elas também querem pertencer? Então que aguentem!” Machismo puro e duro.
Há quem diga que as feministas já não são necessárias. Parece-me, porém, ser ainda necessário haver quem denuncie estas situações, para que sejam lembradas, discutidas, se mantenham presentes. Pouco importa se essas pessoas sejam, ou não, apelidadas de feministas.
Termino com as igualmente palavras finais de Pedro Boléo:
A morte de Fausto (Fausto Bordalo Dias, como depois veio a ser conhecido) faz-me recuar até aos anos 80 mas também me ancora no presente. Logo me lembro, como a tantos acontecerá, deste "Por Este Rio Acima", um disco magnífico. E uma surpresa na época - pois para além do íntrinseco autoral era muito bem produzido, muitíssimo melhor produto do que era a norma de então, e em especial nos muito básicos oriundos da chamada "canção de intervenção", "cantautores" vieram depois a ser ditos. A indústria musical portuguesa não era tão má, tecnologicamente, como a cinematográfica (esta era verdadeiramente uma desgraça), mas era deficitária. "Por Este Rio Acima" mudou isso. O sucesso, comercial e de reconhecimento, foi enorme. Lembro-me - mas lamentavelmente não encontro via motores de busca - de uma deliciosa primeira página de jornal que dizia "Fausto, o Chalana da Música", noticiando um novo - e bem abonado - contrato com empresa discográfica do músico (que me diziam ser um tipo profissionalmente muito difícil, exigentíssimo, até em demasia), fazendo-o equivaler ao grande ídolo da bola de então...
Mas a memória deste disco também me traz para o presente. Pois em alguma imprensa e na na academia de algumas ciências sociais (nisso também na antropologia) vem vigorando um discurso - dito "pócolonial" ou "decolonial" -, militante de uma simplificação demagógica do passado recente e da actualidade. O seu cerne é a afirmação da inexistência de uma "descolonização" intelectual no país, da total perenidade da mundividência colonial, imperial, saudosista, após-1974. Há até textos (o jargão chama-lhes "papers") publicados nos locais "da especialidade", botados por estrangeiros (brasileiros de preferência) ou lusos empenhados, que consagram essa perenidade. Sobrevoam, apressados, o "campo literário", desatentam a (sofrível, repito-me) cinematografia. E aguçam-se, vampirescos, sobre o mundo da música popular, neste último clamando a representatividade, como se universal, daqueles obscuros festivaleiros Da Vinci. E, mais ainda, reproduzindo uma interpretação abjecta de básica desse fenómeno pop que foram os Heróis do Mar. Esses mariolas, sempre avessos à rugosidade do real, sua complexidade e multiplicidade, a tudo o que não lhes convém às "causas" (e aos subsídios) esquecem, não só a existência como a real influência de objectos que marcaram o país, suas gentes, as mundividências. Lembro a magistral peça "Fernão, Mentes?" da Barraca, logo no início da década de 1980. E nesse já tão recuado 1984 o monumento - tão influente - que foi este "Por Este Rio Acima". Nem tantas outras coisas, as produzidas e as formas da sua recepção pública.
E continuam "por esses rios abaixo" os tais intelectuais. E nós-outros, os avessos à aldrabice "póscolonial", deveras embrenhados no encapelado da realidade, continuaremos a entoar - e mais agora na morte de Fausto -, "Quem conquista sempre rouba / quem cobiça nunca dá / quem oprime tiraniza / naufraga mil vezes ... Já vou de grilhões nos pés / já vou de algemas nas mãos / de colares ao pescoço / perdido e achado / vendido em leilão / eu já fui mercadoria / lá na praia do Mocá...". Tudo isto, complexo, que não lhes cabe na ladainha, com a qual vão ganhando a vidinha, videirinhos que seguem.
Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
Bob Dylan - Simple Twist of Fate (Official Audio)
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a na terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.
Isto de quando um homem veio para velho sucedem-lhe as memórias, em até frenéticas associações de ideias. E, felizmente, vêm elas em molde selectivo (entenda-se: autocensório), elegendo assim as risonhas e deixando as bisonhas no limbo amnésico. Explico o caso desta manhã:
Fui agora ao grupo-FB "Portugueses em Maputo", a publicitar o meu "Torna-Viagem" (que só se pode comprar através desta ligação colocada no título ), na (vã) esperança que algum desses patrícios (e não só...) se possa interessar. E nesse grupo vejo que neste fim-de-semana os Xutos actuarão na cidade... Logo me lembro da estreia deles por lá, há um quarto de século.
Uns meses antes haviam aparecido por lá uns funcionários em ambições de organizarem um grande espavento "lusófono", como então se dizia, com "impacto popular", tipo "encher um campo de futebol". E para tal queriam levar a Daniela Mercury, cantora então muito em voga - e que seria uma contratação caríssima, presumi. Ripostei-lhes - depois de em surdina suspirar um ateu "ai, meu Deus!" - que se o objectivo era encher um campo da bola seria melhor levarem o Roberto Carlos! Eles voltaram à pátria (a antiga Metrópole, entenda-se). E passados uns dias o meu amigo António Miguel - que eles haviam contactado para operacionalizar a "coisa" - telefona-me, meio (ou mesmo todo) espantado, "ouve lá, então tu queres levar o Roberto Carlos a Moçambique?, é que me pediram para tratar do assunto!!!". Eu ia caindo da cadeira abaixo, com a gargalhada azeda. Pois esquecera-me que, já naquela época da alvorada da internet, diante de alguns tipos de gente era preciso afixar um emoji quando se ironizava (ou sarcasmava, como fora o caso)...
Enfim, passados os tais meses lá aportou a comitiva musical em busca das enchentes. Mas numa selecção menos histriónica, e bem mais plural. Alheio à cena acabei por me associar aos convívios. Por intermédio da querida amiga Isabel Ramos, e conjuntamente com ela, pude oferecer à extensa comitiva musical uma excelente massada de peixe, confeccionada in loco no (velho) Mercado do Peixe pelo cantor Vitorino. Dia agradabilíssimo, durante o qual eu e a minha mulher pudemos conhecer Sérgio Godinho, ali o único verdadeiramente curioso sobre a cena musical (e artística, e literária) do país.
Uns dias depois foi o concerto dos Xutos, na velha FACIM. Arregaçaram imenso, como então o faziam. Tanto que às tantas abandonei a pose "sô doutor" e fui lá para a primeira fila, esbracejando Xs, nisso ombreando com o patrício Hernâni, sempre soberbo no seu visual "heavy". No final subi ao camarim e logo fui interrogado pelo Kalu - que não se lembrava de mim mas que eu conhecera anos antes, pois havíamos estado os dois a servir shots de tequila num casamento de amigos comuns - "ouve lá, estes gajos não gostam de rock?", pois a reacção do público não havia sido tão entusiástica como aquela a que estavam habituados (e mereciam, afianço). "Gostam, mas não reagem da mesma maneira...", antropologizei eu em síntese, fugindo a elaborar sobre as formas diferentes de absorção musical. (E sobre os limites da comunicação "lusófona", musical e não só, que isso seria outro assunto, nada adequado àquela noite).
E depois seguimos todos para a casa da Nice - a sempre princesa de Pemba - para uma festarola divertidíssima, até às tantas. Eu ficando a bebericar com o Zé Pedro ("sou dos Olivais, pá!", havia-lhe dito), um tipo do caraças, de uma gentileza rockeira única. Única mesmo.
Enfim, se estivesse em Maputo hoje iria ao Centro Hípico ver os Xutos. Até porque no início dos 80s os vi quando tiveram os Minas e Armadilhas na primeira parte. E, depois, entre tantas outras vezes, no célebre "ao vivo no Rock Rendez-Vous", no 31 de Julho para que cantássemos em coro, já adequadamente "É amanhã dia 1 de Agosto / E tudo em mim é um fogo posto / sacola às costas cantante na mão..." E foi um longo 1º de Agosto, o fogo posto esteve ateado muito tempo. A ver se reatará..., ainda que duvide disso.
Nos Restauradores entro no Metro, desço ao cais e fico estuporado pois - ainda que soando algo baixo - reconheço acordes dos Doors, a L.A. Women logo julgo. Sai-me palavrão, peludo - e ainda pior, logo de seguida, ao ouvir a canção interrompida com anúncio a um qualquer cartão ("Viajante"?). São-me palavrões mudos, para mim mesmo, isto de ver os velhos Doors resumidos a "música de metropolitano", que nem de hotel.... E lembro-me, eu puto, do programa musical de António Victorino de Almeida, dizendo que a população de Viena (Viena!!!!, sim, Viena...) votara contra a música ambiente no metro...
Fogo!, que menosprezo, os velhos Doors metidos a música ambiente do Metro lisboeta... Que desplante, o da empresa... Não os ouço há quanto tempo?!, nem nas minhas fileiras do spotify, dizendo-os desengraçados, ao Morrison um histriónico até piroso e - até mais do que tudo - nestes meus já 59 anos não tocando naqueles seus produtos há para aí 40 anos, vade retro, satanás, disse mesmo que ateu, avesso àqueles químicos, depois descrente do vegetal psicotrópico.
Agora, é já noite, e deparo-me comigo, nas mãos tenho este "Uma Oração Americana e Outros Escritos", editado pela Assírio e Alvim (ainda assim escrita), que comprei em Dezembro de 1981... Já tocou, bem alto, e eu cantei, o "Everybody loves my baby, everybody loves my baby, she get high, she get high, she get high, she get high, yeah"!
Tive a imensa alegria de ver ao vivo várias estrelas do cinema, hoje quase lendárias, como Sophia Loren, Jerry Lewis e Peter Ustinov. Ontem à noite senti o mesmo, como espectador no Campo Pequeno, ao observar no palco um dos meus heróis do cinema: o pequeno-grande Woody Allen, na sua versão de músico. Com quase 88 anos, mostrou-se em excelente forma no seu clarinete e em óptima companhia: a New Orleans Jazz Band. Há cerca de 40 anos que tocam juntos. É evidente a atmosfera de cumplicidade e camaradagem entre eles. Contagiando a plateia, que não lhe regateou aplausos vibrantes ao longo de todo o concerto.
Decorrida quase hora e meia, Woody anunciou que iriam retirar-se por se sentirem «cansados». Era uma piada. Tocaram para nós mais meia hora, fazendo-nos recuar um século, à era das jazz band com fusão de estilos e ritmos: jazz, soul, blues, ragtime, fox, quickstep... Sempre em crescendo, em atmosfera festiva. Verdadeiro património musical norte-americano, património musical da humanidade. Um hino à vida.
Enquanto os escutava, ia pensando no primeiro filme que vi de (e com) Woody Allen. Foi em 1975: O Inimigo Público, comédia já com os traços gerais a que nos foi habituando na parte inicial da sua extensa obra cinematográfica. Pensei também numa viagem que fiz a Nova Iorque, em 1996: fui de propósito ao Michael's Pub, onde ele costumava actuar com o seu clarinete uma vez por semana. Mas daquela vez não estava lá.
Valeu a pena esperar. Tal como vale a pena esperar pelo novo filme dele, que já teve antestreia no Festival de Veneza e será exibido em Portugal a partir do próximo mês: Golpe de Sorte. O 50.º filme do mestre Woody - e o primeiro falado em francês. Por ele estar impedido de trabalhar no seu país natal, na sua cidade natal que exibiu com tanto orgulho e tanto carinho ao mundo. O último que lá rodou, em 2017, foi Um Dia de Chuva em Nova Iorque, que esteve cerca de dois anos sem exibidor norte-americano, acabando por estrear-se na Europa.
Porquê? Porque o autor de Annie Hall continua perseguido por "crimes" supostamente cometidos há 30 anos e desenterrados pelo fanatismo mais rasteiro do movimento #MeToo - nova caça às bruxas, autêntico maccartismo sexual que arruína vidas e carreiras (aconteceu o mesmo com Kevin Spacey). "Crimes" que Allen sempre negou categoricamente.
Foi tudo investigado com minúcia por peritos policiais, procuradores, psicólogos e jornalistas: o cineasta nem chegou a ser incriminado - muito menos acusado, muito menos condenado.
Mesmo assim nunca faltam enxames de gente histérica a recebê-lo com urros desvairados, vá ele para onde for, condenando-o à morte civil. Aconteceu no início do mês, em Veneza. Voltou a acontecer ontem, no exterior do Campo Pequeno: alguns imbecis - certamente com alma imaculada mas nula razão jurídica e factual - exibiram uma tarja a chamar-lhe «pedófilo». A presunção de inocência, para esta escumalha, não existe. E o Estado de Direito também não.
Felizmente quase ninguém lhes ligou. Lá dentro, onde ele actuava, escutou o que merece: ovações vibrantes, calorosas, agradecidas.
Trocou-me as voltas em 1996, mas não agora. Tive o privilégio e a honra de também lhe prestar tributo.
Amigos dados ao cinema, oficiais do ofício, talvez (e muito provavelmente) contestem Cimino, uma espécie de narrador oitocentista. Passantes ex-esquerdistas, agora identitaristas - ainda que, por isso mesmo, sempre pouco ou mal lidos -, talvez ainda critiquem o "reaccionário" Cimino. Mesmo assim partilho o que o zapping me trouxe, que talvez a alguém interesse. No canal Fox Movies está disponível desde hoje "O Caçador". Um filme inesquecível..., que acabo de rever passados tantos anos. Com gáudio.
(E com o tal final imperdoado pelos comunistas de várias extrações, e seus "amigos". Esse mesmo que a história veio confirmar, já agora... E aqui o deixo, para que tantos "intelectuais" de pacotilha possam compreender o que se vem passando (também) desde há décadas. À revelia das suas, tão erradas, perspectivas sobre o real, presente, passado... e futuro. Cimino, o tal "conservador", "reaccionário", entendeu - no tempo próprio - o que se passava. Os outros, ufanos de si, nada perceberam, perorando).
[The Deer Hunter ending]
[Michael Cimino on the final scene in The Deer Hunter]
Morreu a Jane Birkin. Sempre miúda apesar de já tardo-septuagenária. A partir de difusa altura a vida passa a ser isto, o quotidiano desaparecimento das referências, relevantes ou paisagísticas.
A Birkin foi-me mais do que paisagística. Soube-a na era do lendário "Quando o Telefone Toca", quando o mariola lhe cantava "je vais et je viens entre tes reins" sem que eu percebesse bem o que aquilo dizia. Mas nela intuí o fundamental, a beleza das mulheres não habita no par de mamas, muito menos no avantajado da sua apresentação.
Mas para que não me digam lúbrico em momento de luto aponto para outro lado: quando em 2023 um recente ministro dos Negócios Estrangeiros tem o desplante de ir à sua prelecção semanal televisiva rejubilar com mais um cardeal português (como se fosse o ranking do futebol europeu) enquanto afirmava que a Virgem Maria apareceu em Portugal (Fátima).- nisso opondo-se à própria hierarquia cardinalícia, que já nega a aparição, remetendo o "acontecimento" para uma visão das (esfomeadas, analfabetas e manipuláveis) crianças - convirá recordar a estuporada reacção da tropa eclesiástica ao "Je t'aime..." (consta que até se excomungou gente).
Tina Turner - What's Love Got To Do With It (Live)
Vi a Tina Turner em 1991, talvez, depois dos Stones e do Bowie, antes do Santana, lá no José de Alvalade, então sede lisboeta do rock... - aquilo dava-nos cabo do relvado mas valia bem a pena, pelas receitas para dissipar pelo clube e pelos grandes espectáculos. Lá cheguei um bom bocado antes do concerto, como sempre dirigi-me ao nosso "ponto de encontro" - "onde nos encontramos?", perguntavam os neófitos mais ansiosos. "No sítio onde o Oceano joga", respondia, veterano, para desnorte alheio, logo acabrunhados num "isso é onde?" para acolherem um ríspido e rústico "em qualquer lugar do lugar do relvado!!", tão omnipresente era o nosso grande Oceano, que eles decerto desconheciam. Ou seja, ia lá para o rock e não para o convívio.
Enfim, lá aportei, aproximei-me da velha Bancada Central. Estava apinhada. A Tina original, a Turner, havia ressurgido há anos, estava no topo dos topos, o grande Mad Max também ajudara. Lembro bem que ao lusco-fusco do crepúsculo, ainda ao som de música gravada, o público já dançava exultante. Mas mais do que isso, estava pejado de Tinas - negras, mulatas, até brancas. E de Tinos também, que não Ikes. Tudo dançando. Depois encheu o relvado. Sim, ela reaparecera anos antes neste pop-rock até manso, mais do que tudo sexy, um embrulho abrangente que a tantos agradava - será que os miúdos de hoje poderão perceber o impacto daquilo? E nisso a quantidade de noites bamboleando nestas cançãozinhas que ela tornava um "must"? Um caldo comum?
Não tenho qualquer vinil ou cd dela. Mas ficou a memória dessas imensas danças. E de um grande concerto, esfuziante. E de como - perceba quem quiser - este embrulho amalgamado, produtor de amálgamas, era virtuoso. Por isso aqui deixo esta versão ao vivo. Com ela cantando e dançando de calças - porque era muito mais do que umas "hot legs".
"On the road", esta assim encrespada, enquanto na rádio o velho Slowhand entoa a lendária "Wonderful Tonight", aquela do fantástico meneio "and the wonder of it all / Is that you just don't realize how much I love you". Depois, meter a primeira e avante...!, sacudindo o vislumbre do passado.
Eric Clapton - Wonderful Tonight [Official Live In San Diego]
Leio que uma tal de "comunidade judaica" em Portugal veio protestar devido ao concerto de Roger Waters em Lisboa, gente que o quereria "cancelado"... No fundo querem destratá-lo como outros o fazem, alhures, ao Morrissey. A gente veio-se habituando a este culto do "cancelamento" dos artistas (e não só) promovido por uma certa "esquerda" - identitarista, dita falaciosamente "pós-"marxista -, essa que vegeta num pensamento "lite" importado dos "campi" norte-americanos. Ou seja, e se à primeira vista até pode surpreender isto dos judeus locais virem replicar a esquerdalhada festiva, sabendo da genealogia desta "censura activa" reinante até se poderá perceber alguma homologia "étnica" no atrevimento censório...
Enfim, eu não gosto do Roger Waters. Não por causa de quaisquer causas políticas que venha tendo. Mas porque se tornou um abrasivo oponente dos outros Floyd. Desconhecedor disso que os grandes grupos rock são algo alquímico - o que aprendemos com os Beatles, o que os Zeppelin souberam comprovar. Ou seja, pode até haver alguma mudança ocasional ou obrigatória (a morte de Moon, por exemplo), há lideranças, uninominais ou em duo (os Glimmer Twins, para exemplo maior). Mas isto de um dos membros aparecer aos gritos a dizer que é o "dono da bola" é o avesso do rock. E é o que o Waters anda a fazer há 35 anos...
O primeiro single que comprei foi o "Money" e o primeiro LP foi o "Animals" (cuja capa está pendurada na sala da minha casa...). Comprei vários discos dos Floyd, até o sempre inaudível "Ummagumma". Mas nunca este "The Wall", coisa dos meus 15/16 anos, que já me pareceu demasiado "operático" (termo pejorativo que na altura desconhecia) - nas festinhas dançava e entoava aquela do "teachers leave the kids...", porque todos o faziam, vi o filme. Mas então já muito mais "The Clash", a caminho do "Babylon by Bus" e "Kaya" do Marley, envergonhadamente seduzido pelos "Chic" e a estrear-me no Dexter, Coltrane e Miles, todo aquele aparato floydiano 80s era-me desnecessário, soava pomposo. Por tudo isto mais depressa iria agora ver o já impossível trio Guilmour, Mason & Wright do que o Waters a "solo", nesta velha birra do tal "dono da bola".
E também não irei porque ninguém me convida, que fará um quase sexagenário solitário, completamente alheado dos psicotrópicos, diante de todo aquele aparato, decerto que excessivamente sonoro e em potlatch de luminotecnia? Não há nostalgia de adolescência suficiente, nem mesmo qualquer luxúria senil, que me transporte até lá... Ainda assim trago esta breve "Is there anybody out there?", uma das músicas da minha vida (sim, é do tal "The Wall"), durante tanto tempo, tantas vezes, verdadeira banda sonora do meu prosseguir. Acompanhando este meu corolário, o do resmungo: os compatriotas judeus que tenham juízo e se deixem de coisas...