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Delito de Opinião

O Muro do Fel e os Cantores Românticos

jpt, 25.10.24

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Então agora gostas do Marco Paulo?, perguntam-me por mensagem os (quase)censores Não tanto das suas canções. Mas gosto da sua figura, por ser popular e pelos enxovalhos que recebeu ao longo da carreira. Que - e com teor bem pior - perduraram para além daqueles 70s e inícios de 80s quando todos os músicos portugueses (os do rock, acima de tudo) eram destratados em público - à excepção, claro, dos "de intervenção" - coisa que minguou com o êxito do Rui Veloso.
 
A evolução do tratamento dado a Marco Paulo, paulatinamente tornado mais "respeitável", denota não só a real evolução cultural do país mas mais mostra como esta evolução veio do "povo" (sempre dito ignorante) e não da pequenota-burguesia, feroz de preconceitos e de arrogância censória, que julga "pedagógica".
 
Se gosto de cantores românticos? Sim, claro, amo Sinatra. E ouvi dezenas de vezes esta cançoneta romântica, verdadeira súmula da coisa: imaginando-me o velhote atrevido (jamais sugar-daddy, atenção...), o velhote atrevido, dizia, enleado com a bela jovem desvanecida? Antes e hoje, ainda mais no agora mesmo!? Não confesso tal coisa, apenas deixo a dúvida...
 
E avanço até que esta versão tem uma dimensão sociológica. Esmiucei-a tanto que até escrevi sobre o assunto: muitos saberão que sou dos Olivais, e sobre isso me repito. "O que é isso dos Olivais?", perguntarão. A resposta está aqui, nesta canção romântica: "Olivais" é o meneio e a onomatopeia que o velhote xunga ("pimba" também se disse) dedica aos exactos 2'35'' à tão bela jovem encantada.
 
Aqui entre nós, rapaziada, quem não gostará de canções românticas? Se estas assim, vividas assim...?
 
Viva Marco Paulo. E os seus colegas...

People have the power

jpt, 16.10.24

[People have the power (Patti Smith sings "People Have The Power" with a choir made up of 250 volunteer singers at NYC's Public Theater. This was done in 2019. Daveed Goldman on guitar and Stewart Copeland playing the frying pan.)]

Isto tudo se liga, se articula... e contradiz! No seu  mural de Facebook o Henrique Pereira Dos Santos traz esta versão coral da "People Have The Power" da Patti Smith - a qual, vos garanto por empírico conhecimento, cruza gerações. Canção hino que tantas vezes cantámos, nas pistas ou por aí afora, às vezes exultantes como se gente, outras cantarolando em ira amesquinhada. 

Tudo se liga, tudo se contradiz!, digo eu. Estou a ler o imprescindível "Tudo é Tabu" do Pedro Correia (Guerra e Paz Editores) , um rol de 100 casos de censura promovida pela vigente e descabelada ideologia "identitarista", e ontem cruzei o 75º caso, exactamente o respeitante à Patti Smith, até ela alvo do cretino modo "cancel"!

Ao mesmo tempo vou, cá de longe, recebendo as novas sobre as eleições em Moçambique - país onde a "People Have The Power" se canta "Povo no Poder" -, mais um episódio da inenarrável e despudorada apropriação do voto popular, do "Power" do "People". Até quando?, a que custos?, como se chegará ali ao "Basta" ("Chega" é uma palavra agora politicamente poluída, entenda-se...)?

Mas tudo se liga, tudo se contradiz! Pois cantarolo a canção sentado no meio deste meu Povo pensionista, decrépito, cujo poder se restringe a votar nesta pobreza mental e moral, como se vê na gritaria socialista e fascista à volta do orçamento, no dia em que juristas forçam a arrastar um homem doentíssimo num tribunal apenas para justificarem o seu lacaio imobilismo, servis a este estado do Estado.

Tem o "people" o "power"? Tem, estive ontem a ver as sondagens americanas, Estado a Estado... É quase certo que Trump ganhará.

"...the people have the power / to redeem the work of fools"?

É mesmo melhor cada um tomar o combustível que lhe apetece (Vodka tónico para mim, sff) e ir para a pista, dançar e cantar. Sem esperança. Mas não desesperado.

“Uma cortina para derrubar um muro”

Cristina Torrão, 27.08.24

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Imagem Instagram

As mulheres ainda são a minoria nas orquestras sinfónicas. Graças, porém, às audições às cegas, o seu número tem vindo a aumentar.

No Instagram da Fundação Francisco Manuel dos Santos, encontra-se o link para um artigo de Pedro Boléo, publicado originalmente na Revista XXI nº 8, sob o tema da Igualdade e com o título usado por mim neste postal (por isso, as aspas). Ou seja: ainda hoje, na nossa sociedade ocidental, tolerante e civilizada, só as audições às cegas garantem que o júri não se deixe influenciar, por exemplo, pela cor da pele ou pelo género da pessoa candidata. Pelos vistos, aos homens, adianta serem brancos; às mulheres, nem isso. Mas também não queremos ser privilegiadas pela cor da nossa pele.

As audições às cegas começaram a ser usadas pela primeira vez pela Boston Symphony Orchestra em 1952, mas só a partir dos anos 70 a prática se estendeu a outras orquestras (…) A ideia seria aumentar a justiça das escolhas, garantindo (ou pelo menos favorecendo) condições de igualdade à partida. Mas Pedro Boléo questiona-se (e muito bem): porque não estariam essas condições garantidas à partida?

Já se estava em 1970, quando o maestro Zubin Mehta, que dirigia na época a Los Angeles Philharmonic, era ainda capaz de dizer ao The New York Times, com todas as letras: «Não acho que as mulheres devam tocar numa orquestra. Elas tornam-se homens. E os homens tratam-nas como iguais. Até mudam as calças à frente delas. É terrível!»

Nestas palavras, temos discriminação aberta, temos essa frase inominável “elas tornam-se homens” e temos considerar escandaloso o facto de os homens as tratarem como iguais, usando o pormenor da mudança de calças. Trata-se de um método muito usado por machistas, o chamado sexismo subtil. Não sou naturalmente apologista do gesto, como garante de igualdade. Mas aquilo que é entendido como uma maneira de proteger as mulheres, vai muito além do paternalismo. Para o maestro referido, a única solução seria evitar mulheres nas orquestras, quando, na verdade, as orquestras é que devem garantir as condições necessárias para assegurar a sua admissão! E os músicos que mudam as calças à frente delas são igualmente contra a inclusão de mulheres instrumentistas nas suas orquestras, usando uma forma assaz grosseira de protesto: “ai elas também querem pertencer? Então que aguentem!” Machismo puro e duro.

Ainda hoje, mesmo entre os músicos que aceitam mulheres como colegas de orquestra, há certos preconceitos, como considerar haver instrumentos tradicionalmente femininos (a harpa), ou masculinos (a trompa). Malcolm Gladwell, no livro Blink, em que analisa e tenta desconstruir as enganosas «impressões à primeira vista», dá o exemplo de uma instrumentista, mulher e de pequena estatura, que «nunca poderia ser uma grande tocadora de trompa porque não teria força nem capacidade pulmonar”». Ora esta mulher, Julie Landsman, é hoje trompista solista e líder do naipe da Metropolitan Opera de Nova Iorque.

O preconceito esconde-se, disfarça-se de normalidade, e até as próprias mulheres podem reproduzi-lo, como qualquer dominado pode reproduzir a ideologia que mantém a sua dominação, naturalizando-o e essencializando-o («é mesmo assim, as mulheres são isto, os homens aquilo»)

O caso mais chocante, de como os preconceitos estão ainda bem vivos na nossa Europa civilizada, é o da Filarmónica de Viena, apesar dos protestos consecutivos de várias instituições de defesa dos Direitos Humanos e da igualdade de género. A direcção e os membros desta orquestra defendem abertamente posições racistas e sexistas. Uma vez venceu, numa audição às cegas, um candidato japonês, recusado de seguida pelo facto de a sua cara não corresponder, segundo o director da orquestra, ao perfil da Pizzicato-Polka do concerto de Ano Novo.

A Filarmónica de Viena só integrou mulheres pela primeira vez em 1997, e tinha em 2013, apenas seis. A fim de justificar esta disparidade, as declarações dos seus dirigentes incluem ainda argumentos como «a diferença biológica», «dos lábios», «dos pulmões», «a possibilidade de relacionamentos amorosos no seio da orquestra».

Em Portugal, pelos vistos, a prática das audições às cegas ainda não é geral. Pedro Boléo diz-nos existirem orquestras que realizam audições às cegas, dando-nos o exemplo da Orquestra Gulbenkian que aliás pratica estas audições nas duas primeiras fases do concurso (das três que realiza) para integrar um naipe orquestral.

Há quem diga que as feministas já não são necessárias. Parece-me, porém, ser ainda necessário haver quem denuncie estas situações, para que sejam lembradas, discutidas, se mantenham presentes. Pouco importa se essas pessoas sejam, ou não, apelidadas de feministas.

Termino com as igualmente palavras finais de Pedro Boléo:

O senso comum reproduz ainda o sexismo dominante. Em português dizemos vulgarmente «sou músico». No entanto, quase não se usa “música” para uma mulher instrumentista, talvez por causa da confusão com outro substantivo, a música. Talvez seja apenas por isso. Mas podia até ser considerado belo e poético, em vez de ser visto como algo de baixo ou degradante, dizer: «Sim, sou música.»

Fausto

jpt, 01.07.24

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A morte de Fausto (Fausto Bordalo Dias, como depois veio a ser conhecido) faz-me recuar até aos anos 80 mas também me ancora no presente. Logo me lembro, como a tantos acontecerá, deste "Por Este Rio Acima", um disco magnífico. E uma surpresa na época - pois para além do íntrinseco autoral era muito bem produzido, muitíssimo melhor produto do que era a norma de então, e em especial nos muito básicos oriundos da chamada "canção de intervenção", "cantautores" vieram depois a ser ditos. A indústria musical portuguesa não era tão má, tecnologicamente, como a cinematográfica (esta era verdadeiramente uma desgraça), mas era deficitária. "Por Este Rio Acima" mudou isso. O sucesso, comercial e de reconhecimento, foi enorme. Lembro-me - mas lamentavelmente não encontro via motores de busca - de uma deliciosa primeira página de jornal que dizia "Fausto, o Chalana da Música", noticiando um novo - e bem abonado - contrato com empresa discográfica do músico (que me diziam ser um tipo profissionalmente muito difícil, exigentíssimo, até em demasia), fazendo-o equivaler ao grande ídolo da bola de então...

Mas a memória deste disco também me traz para o presente. Pois em alguma imprensa e na na academia de algumas ciências sociais (nisso também na antropologia) vem vigorando um discurso - dito "pócolonial" ou "decolonial" -, militante de uma simplificação demagógica do passado recente e da actualidade. O seu cerne é a afirmação da inexistência de uma "descolonização" intelectual no país, da total perenidade da mundividência colonial, imperial, saudosista, após-1974. Há até textos (o jargão chama-lhes "papers") publicados nos locais "da especialidade", botados por estrangeiros (brasileiros de preferência) ou lusos empenhados, que consagram essa perenidade. Sobrevoam, apressados, o "campo literário", desatentam a (sofrível, repito-me) cinematografia. E aguçam-se, vampirescos, sobre o mundo da música popular, neste último clamando a representatividade, como se universal, daqueles obscuros festivaleiros Da Vinci. E, mais ainda, reproduzindo uma interpretação abjecta de básica desse fenómeno pop que foram os Heróis do Mar. Esses mariolas, sempre avessos à rugosidade do real, sua complexidade e  multiplicidade, a tudo o que não lhes convém às "causas" (e aos subsídios) esquecem, não só a existência como a real influência de objectos que marcaram o país, suas gentes, as mundividências. Lembro a magistral peça "Fernão, Mentes?" da Barraca, logo no início da década de 1980. E nesse já tão recuado 1984 o monumento - tão influente - que foi este "Por Este Rio Acima". Nem tantas outras coisas, as produzidas e as formas da sua recepção pública. 

E continuam "por esses rios abaixo" os tais intelectuais. E nós-outros, os avessos à aldrabice "póscolonial", deveras embrenhados no encapelado da realidade, continuaremos a entoar - e mais agora na morte de Fausto -, "Quem conquista sempre rouba / quem cobiça nunca dá / quem oprime tiraniza / naufraga mil vezes ... Já vou de grilhões nos pés / já vou de algemas nas mãos / de colares ao pescoço / perdido e achado / vendido em leilão / eu já fui mercadoria / lá na praia do Mocá...". Tudo isto, complexo, que não lhes cabe na ladainha, com a qual vão ganhando a vidinha, videirinhos que seguem.

 

Neste meu último dia de cinquentão

jpt, 01.07.24

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Neste meu último dia de cinquentão permito-me um rescaldo público - que o pessoal é mesmo privado, "nem às paredes o confesso". Para um tipo como eu, que tem a mania (vício?) de perorar em blog, algo que já percebi ser-me "prova de vida", é relevante sopesar o que os meus correspondentes apreendem do que deixo. Não refiro as coisas da política sobre as quais em tempos tanto botei. Pois já me são distantes, mesmo indiferentes ("que me interessa isso, este futuro já não é o meu", respondia eu durante o fim-de-semana às minhas mais próximas que me interrogavam sobre que raio penso eu sobre o pai do mariola de Campo de Ourique no Conselho da Europa). Pois o país do socratismo, dos seus cúmplices e da imensa mole conivente, já não mudará na minha vida, não porque a minha geração tenha falhado mas sim porque a minha geração é aquilo: "não o convides para o jantar, ele agora é de direita", confidenciava-me um meu conhecimento bíblico ter-lhe sido dito. Não foi Sócrates que fez isto ao povo burguês, foram estes burguesotes que fizeram "sócrates". Esta modorra atrapalhada. Depressiva de lamacenta. "O que sou eu?", disse no dia festivo (g'anda festa!!!) de apresentação do meu livreco "Torna-Viagem". "Acima de tudo, sou um patriota", coisa que tanto arrepia os portugueses democratas, sempre aflitos com o que "parece"... E isso basta, encerra, a "coisa pública" que me coube.
 
Enfim, voltar à "primeira forma". Sopesar o que os outros apreendem do que digo, assim aquilatar a competência (não o talento, que seria pimpão dizê-lo, mas sim a competência, a adequação) dos escritos. Nisso encontro-me deficitário, muito. Problemas devidos à minha "escrita rebuscada", disseram-me. Ou aos "textos longos", repetem-me. Mas talvez não seja isso, será mais o ínvio pensar, pouco esclarecido, assim pouco se esclarecendo. Comprovei essa minha falta de clareza há dias, ao despedir-me dos 50s com o texto mais esperançoso que me lembro de ter botado, amparando-me na magnífica "Simple Twist of Fate" do Dylan - haverá canção mais esperançosa do que aquela? e que melhor me retrate, algo trôpego, com um papagaio palrador no ombro, na senda da felicidade, fugaz que seja? Pois logo me contactaram amigos manos, antigas namoradas, colegas e gente mais distante, pois esta minha esperança soou-lhes a des-esperança...
 
 
Incompetência textual minha, está provada. Neste meu final cinquentão ela está patente na minha conta da rede Academia. Estão lá os meus textos mais sisudos, na maioria sobre Moçambique. Entre o longo rol de coisas inacabadas ainda lá deixarei - neste Julho que hoje começa, pois quis fazê-lo antes dos 60 mas não consegui - três artigos, um sobre o Niassa, outro sobre Cabo Delgado, e um outro sobre Gaza. Depois desses três encerrarei esta linha de escrita, a inutilidade antropológica ficar-me-á para trás.
 
E está também patente neste meu "Torna-Viagem" (o qual só se compra por encomenda através do endereço acessível  neste título "Torna-Viagem"). O tal da escrita "rebuscada", que agregou textos em demasia ("há uns que não estão lá a fazer nada", dizem-me amiúde). Que ainda assim tem sido um verdadeiro sucesso, vendeu até agora 148 exemplares e eu tinha apontado como objectivo utópico a venda de 150, estou quase a na terra utópica, privilégio de poucos. Para chegar a este número tive a ajuda propagandística de amigos e também de alguns, raros, confrades bloguistas - o Joaquim Paulo Nogueira (que acumula as condições), o Luis Novaes Tito, o Henrique Pereira Dos Santos, que me recorde. Mas está cumprido o objectivo, outro livro não farei, não vou repetir o atrevimento de chatear todos os amigos e conhecidos para vender cem livros, e nisso ainda perder dinheiro, gasto, noblesse oblige diz o burguês, em "despesas de representação"...
 
Enfim, começa-me amanhã uma nova década. A ver se será melhor do que a anterior, assim o espero, talvez até com uma "simple twist of fate". E decerto que será - e é o sentido deste postal - muito menos palavrosa.
 
Como mensagem final destes meus 50s? Deixo, em citação, esta versão do grande, Enorme, Robert Plant, a voz da minha adolescência, quando ele ali com o Page, o Bonham e o JP Jones E com isto, por favor, não me telefonem/escrevam a animar-me, a dizerem-me "estás deprimido?!". Isso sou, é condição, não estou, situação. Estar estou porreiro. Liso, como Job, mas porreiro.
 
Parabéns a todos. Ou seja, tende todo o Bem que possais abarcar.
 

Xutos em Maputo

jpt, 08.06.24

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Isto de quando um homem veio para velho sucedem-lhe as memórias, em até frenéticas associações de ideias. E, felizmente, vêm elas em molde selectivo (entenda-se: autocensório), elegendo assim as risonhas e deixando as bisonhas no limbo amnésico. Explico o caso desta manhã:
 
Fui agora ao grupo-FB "Portugueses em Maputo", a publicitar o meu "Torna-Viagem" (que só se pode comprar através desta ligação colocada no título ), na (vã) esperança que algum desses patrícios (e não só...) se possa interessar. E nesse grupo vejo que neste fim-de-semana os Xutos actuarão na cidade... Logo me lembro da estreia deles por lá, há um quarto de século.
 
Uns meses antes haviam aparecido por lá uns funcionários em ambições de organizarem um grande espavento "lusófono", como então se dizia, com "impacto popular", tipo "encher um campo de futebol". E para tal queriam levar a Daniela Mercury, cantora então muito em voga - e que seria uma contratação caríssima, presumi. Ripostei-lhes - depois de em surdina suspirar um ateu "ai, meu Deus!" - que se o objectivo era encher um campo da bola seria melhor levarem o Roberto Carlos! Eles voltaram à pátria (a antiga Metrópole, entenda-se). E passados uns dias o meu amigo António Miguel - que eles haviam contactado para operacionalizar a "coisa" - telefona-me, meio (ou mesmo todo) espantado, "ouve lá, então tu queres levar o Roberto Carlos a Moçambique?, é que me pediram para tratar do assunto!!!". Eu ia caindo da cadeira abaixo, com a gargalhada azeda. Pois esquecera-me que, já naquela época da alvorada da internet, diante de alguns tipos de gente era preciso afixar um emoji quando se ironizava (ou sarcasmava, como fora o caso)...
 
Enfim, passados os tais meses lá aportou a comitiva musical em busca das enchentes. Mas numa selecção menos histriónica, e bem mais plural. Alheio à cena acabei por me associar aos convívios. Por intermédio da querida amiga Isabel Ramos, e conjuntamente com ela, pude oferecer à extensa comitiva musical uma excelente massada de peixe, confeccionada in loco no (velho) Mercado do Peixe pelo cantor Vitorino. Dia agradabilíssimo, durante o qual eu e a minha mulher pudemos conhecer Sérgio Godinho, ali o único verdadeiramente curioso sobre a cena musical (e artística, e literária) do país.
 
Uns dias depois foi o concerto dos Xutos, na velha FACIM. Arregaçaram imenso, como então o faziam. Tanto que às tantas abandonei a pose "sô doutor" e fui lá para a primeira fila, esbracejando Xs, nisso ombreando com o patrício Hernâni, sempre soberbo no seu visual "heavy". No final subi ao camarim e logo fui interrogado pelo Kalu - que não se lembrava de mim mas que eu conhecera anos antes, pois havíamos estado os dois a servir shots de tequila num casamento de amigos comuns - "ouve lá, estes gajos não gostam de rock?", pois a reacção do público não havia sido tão entusiástica como aquela a que estavam habituados (e mereciam, afianço). "Gostam, mas não reagem da mesma maneira...", antropologizei eu em síntese, fugindo a elaborar sobre as formas diferentes de absorção musical. (E sobre os limites da comunicação "lusófona", musical e não só, que isso seria outro assunto, nada adequado àquela noite).
 
E depois seguimos todos para a casa da Nice - a sempre princesa de Pemba - para uma festarola divertidíssima, até às tantas. Eu ficando a bebericar com o Zé Pedro ("sou dos Olivais, pá!", havia-lhe dito), um tipo do caraças, de uma gentileza rockeira única. Única mesmo.
 
Enfim, se estivesse em Maputo hoje iria ao Centro Hípico ver os Xutos. Até porque no início dos 80s os vi quando tiveram os Minas e Armadilhas na primeira parte. E, depois, entre tantas outras vezes, no célebre "ao vivo no Rock Rendez-Vous", no 31 de Julho para que cantássemos em coro, já adequadamente "É amanhã dia 1 de Agosto / E tudo em mim é um fogo posto / sacola às costas cantante na mão..." E foi um longo 1º de Agosto, o fogo posto esteve ateado muito tempo. A ver se reatará..., ainda que duvide disso.
 
 

1º de Agosto - Xutos e Pontapés

No Metropolitano de Lisboa

jpt, 17.10.23

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Nos Restauradores entro no Metro, desço ao cais e fico estuporado pois - ainda que soando algo baixo - reconheço acordes dos Doors, a L.A. Women logo julgo. Sai-me palavrão, peludo - e ainda pior, logo de seguida, ao ouvir a canção interrompida com anúncio a um qualquer cartão ("Viajante"?). São-me palavrões mudos, para mim mesmo, isto de ver os velhos Doors resumidos a "música de metropolitano", que nem de hotel.... E lembro-me, eu puto, do programa musical de António Victorino de Almeida, dizendo que a população de Viena (Viena!!!!, sim, Viena...) votara contra a música ambiente no metro...

Fogo!, que menosprezo, os velhos Doors metidos a música ambiente do Metro lisboeta... Que desplante, o da empresa... Não os ouço há quanto tempo?!, nem nas minhas fileiras do spotify, dizendo-os desengraçados, ao Morrison um histriónico até piroso e - até mais do que tudo - nestes meus já 59 anos não tocando naqueles seus produtos há para aí 40 anos, vade retro, satanás, disse mesmo que ateu, avesso àqueles químicos, depois descrente do vegetal psicotrópico.

Agora, é já noite, e deparo-me comigo, nas mãos tenho este "Uma Oração Americana e Outros Escritos", editado pela Assírio e Alvim (ainda assim escrita), que comprei em Dezembro de 1981... Já tocou, bem alto, e eu cantei, o "Everybody loves my baby, everybody loves my baby, she get high, she get high, she get high, she get high, yeah"!

Agora toca, e eu leio, "As pessoas são estranhas quando nós o somos, / feias são as caras quando nos vemos só. / Toda a mulher que nos rejeita nos parece perversa, / as ruas são tortuosas quando estamos em baixo. / Quando nos sentimos estranhos, surgem-nos caras através da chuva, / quando nos sentimos estranhos, ninguém se lembra do nosso nome, / quando nos sentimos estranhos, quando nos sentimos estranhos, / quando nos sentimos estranhos." (Tradução de Manuel João Gomes). Pois é assim mesmo...

Enfim, afinal... obrigado Metropolitano de Lisboa. E, já agora, alguém por aqui tem aí alguma coisa...?

Woody Allen: o meu aplauso agradecido

Pedro Correia, 15.09.23

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Tive a imensa alegria de ver ao vivo várias estrelas do cinema, hoje quase lendárias, como Sophia Loren, Jerry Lewis e Peter Ustinov. Ontem à noite senti o mesmo, como espectador no Campo Pequeno, ao observar no palco um dos meus heróis do cinema: o pequeno-grande Woody Allen, na sua versão de músico. Com quase 88 anos, mostrou-se em excelente forma no seu clarinete e em óptima companhia: a New Orleans Jazz Band. Há cerca de 40 anos que tocam juntos. É evidente a atmosfera de cumplicidade e camaradagem entre eles. Contagiando a plateia, que não lhe regateou aplausos vibrantes ao longo de todo o concerto. 

Decorrida quase hora e meia, Woody anunciou que iriam retirar-se por se sentirem «cansados». Era uma piada. Tocaram para nós mais meia hora, fazendo-nos recuar um século, à era das jazz band com fusão de estilos e ritmos: jazz, soul, blues, ragtime, fox, quickstep... Sempre em crescendo, em atmosfera festiva. Verdadeiro património musical norte-americano, património musical da humanidade. Um hino à vida.

 

Enquanto os escutava, ia pensando no primeiro filme que vi de (e com) Woody Allen. Foi em 1975: O Inimigo Público, comédia já com os traços gerais a que nos foi habituando na parte inicial da sua extensa obra cinematográfica. Pensei também numa viagem que fiz a Nova Iorque, em 1996: fui de propósito ao Michael's Pub, onde ele costumava actuar com o seu clarinete uma vez por semana. Mas daquela vez não estava lá.

Valeu a pena esperar. Tal como vale a pena esperar pelo novo filme dele, que já teve antestreia no Festival de Veneza e será exibido em Portugal a partir do próximo mês: Golpe de Sorte. O 50.º filme do mestre Woody - e o primeiro falado em francês. Por ele estar impedido de trabalhar no seu país natal, na sua cidade natal que exibiu com tanto orgulho e tanto carinho ao mundo. O último que lá rodou, em 2017, foi Um Dia de Chuva em Nova Iorque, que esteve cerca de dois anos sem exibidor norte-americano, acabando por estrear-se na Europa.

Porquê? Porque o autor de Annie Hall continua perseguido por "crimes" supostamente cometidos há 30 anos e desenterrados pelo fanatismo mais rasteiro do movimento #MeToo - nova caça às bruxas, autêntico maccartismo sexual que arruína vidas e carreiras (aconteceu o mesmo com Kevin Spacey). "Crimes" que Allen sempre negou categoricamente.

Foi tudo investigado com minúcia por peritos policiais, procuradores, psicólogos e jornalistas: o cineasta nem chegou a ser incriminado - muito menos acusado, muito menos condenado.

«Todas as provas me apoiam, todas as investigações me ilibaram», declarou. É uma evidência. 

 

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Mesmo assim nunca faltam enxames de gente histérica a recebê-lo com urros desvairados, vá ele para onde for, condenando-o à morte civil. Aconteceu no início do mês, em Veneza. Voltou a acontecer ontem, no exterior do Campo Pequeno: alguns imbecis - certamente com alma imaculada mas nula razão jurídica e factual - exibiram uma tarja a chamar-lhe «pedófilo». A presunção de inocência, para esta escumalha, não existe. E o Estado de Direito também não.

Felizmente quase ninguém lhes ligou. Lá dentro, onde ele actuava, escutou o que merece: ovações vibrantes, calorosas, agradecidas.  

Trocou-me as voltas em 1996, mas não agora. Tive o privilégio e a honra de também lhe prestar tributo.

O Caçador

jpt, 26.08.23

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[The Shadows - Theme from The Deer Hunter 1979]

Amigos dados ao cinema, oficiais do ofício, talvez (e muito provavelmente) contestem Cimino, uma espécie de narrador oitocentista. Passantes ex-esquerdistas, agora identitaristas - ainda que, por isso mesmo, sempre pouco ou mal lidos -, talvez ainda critiquem o "reaccionário" Cimino. Mesmo assim partilho o que o zapping me trouxe, que talvez a alguém interesse. No canal Fox Movies está disponível desde hoje "O Caçador". Um filme inesquecível..., que acabo de rever passados tantos anos. Com gáudio.

(E com o tal final imperdoado pelos comunistas de várias extrações, e seus "amigos". Esse mesmo que a história veio confirmar, já agora... E aqui o deixo, para que tantos "intelectuais" de pacotilha possam compreender o que se vem passando (também) desde há décadas. À revelia das suas, tão erradas, perspectivas sobre o real, presente, passado... e futuro. Cimino, o tal "conservador", "reaccionário", entendeu  - no tempo próprio  - o que se passava. Os outros, ufanos de si, nada perceberam, perorando).

 

[The Deer Hunter ending]

 

[Michael Cimino on the final scene in The Deer Hunter]

Jane Birkin

jpt, 17.07.23

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Morreu a Jane Birkin. Sempre miúda apesar de já tardo-septuagenária. A partir de difusa altura a vida passa a ser isto, o quotidiano desaparecimento das referências, relevantes ou paisagísticas.
 
A Birkin foi-me mais do que paisagística. Soube-a na era do lendário "Quando o Telefone Toca", quando o mariola lhe cantava "je vais et je viens entre tes reins" sem que eu percebesse bem o que aquilo dizia. Mas nela intuí o fundamental, a beleza das mulheres não habita no par de mamas, muito menos no avantajado da sua apresentação.
 
Mas para que não me digam lúbrico em momento de luto aponto para outro lado: quando em 2023 um recente ministro dos Negócios Estrangeiros tem o desplante de ir à sua prelecção semanal televisiva rejubilar com mais um cardeal português (como se fosse o ranking do futebol europeu) enquanto afirmava que a Virgem Maria apareceu em Portugal (Fátima).- nisso opondo-se à própria hierarquia cardinalícia, que já nega a aparição, remetendo o "acontecimento" para uma visão das (esfomeadas, analfabetas e manipuláveis) crianças - convirá recordar a estuporada reacção da tropa eclesiástica ao "Je t'aime..." (consta que até se excomungou gente).

 

Tina Turner

jpt, 24.05.23

 Tina Turner durante apresentação na O2 Arena, em Londres, em março de 2009 — Foto:  REUTERS/Stefan Wermuth/Arquivo

 

Vi a Tina Turner em 1991, talvez, depois dos Stones e do Bowie, antes do Santana, lá no José de Alvalade, então sede lisboeta do rock... - aquilo dava-nos cabo do relvado mas valia bem a pena, pelas receitas para dissipar pelo clube e pelos grandes espectáculos. Lá cheguei um bom bocado antes do concerto, como sempre dirigi-me ao nosso "ponto de encontro" - "onde nos encontramos?", perguntavam os neófitos mais ansiosos. "No sítio onde o Oceano joga", respondia, veterano, para desnorte alheio, logo acabrunhados num "isso é onde?" para acolherem um ríspido e rústico "em qualquer lugar do lugar do relvado!!", tão omnipresente era o nosso grande Oceano, que eles decerto desconheciam. Ou seja, ia lá para o rock e não para o convívio.

Enfim, lá aportei, aproximei-me da velha Bancada Central. Estava apinhada. A Tina original, a Turner, havia ressurgido há anos, estava no topo dos topos, o grande Mad Max também ajudara. Lembro bem que ao lusco-fusco do crepúsculo, ainda ao som de música gravada, o público já dançava exultante. Mas mais do que isso, estava pejado de Tinas - negras, mulatas, até brancas. E de Tinos também, que não Ikes. Tudo dançando. Depois encheu o relvado. Sim, ela reaparecera anos antes neste pop-rock até manso, mais do que tudo sexy, um embrulho abrangente que a tantos agradava - será que os miúdos de hoje poderão perceber o impacto daquilo? E nisso a quantidade de noites bamboleando nestas cançãozinhas que ela tornava um "must"? Um caldo comum?

Não tenho qualquer vinil ou cd dela. Mas ficou a memória dessas imensas danças. E de um grande concerto, esfuziante. E de como - perceba quem quiser - este embrulho amalgamado, produtor de amálgamas, era virtuoso. Por isso aqui deixo esta versão ao vivo. Com ela cantando e dançando de calças - porque era muito mais do que umas "hot legs".

Roger Waters

jpt, 08.03.23

Pink Floyd - Is There Anybody Out There?

Leio que uma tal de "comunidade judaica" em Portugal veio protestar devido ao concerto de Roger Waters em Lisboa, gente que o quereria "cancelado"... No fundo querem destratá-lo como outros o fazem, alhures, ao Morrissey. A gente veio-se habituando a este culto do "cancelamento" dos artistas (e não só) promovido por uma certa "esquerda" - identitarista, dita falaciosamente "pós-"marxista -, essa que vegeta num pensamento "lite" importado dos "campi" norte-americanos. Ou seja, e se à primeira vista até pode surpreender isto dos judeus locais virem replicar a esquerdalhada festiva, sabendo da genealogia desta "censura activa" reinante até se poderá perceber alguma homologia "étnica" no atrevimento censório...

Enfim, eu não gosto do Roger Waters. Não por causa de quaisquer causas políticas que venha tendo. Mas porque se tornou um abrasivo oponente dos outros Floyd. Desconhecedor disso que os grandes grupos rock são algo alquímico - o que aprendemos com os Beatles, o que os Zeppelin souberam comprovar. Ou seja, pode até haver alguma mudança ocasional ou obrigatória (a morte de Moon, por exemplo), há lideranças, uninominais ou em duo (os Glimmer Twins, para exemplo maior). Mas isto de um dos membros aparecer aos gritos a dizer que é o "dono da bola" é o avesso do rock. E é o que o Waters anda a fazer há 35 anos...

O primeiro single que comprei foi o "Money" e o primeiro LP foi o "Animals" (cuja capa está pendurada na sala da minha casa...). Comprei vários discos dos Floyd, até o sempre inaudível "Ummagumma". Mas nunca este "The Wall", coisa dos meus 15/16 anos, que já me pareceu demasiado "operático" (termo pejorativo que na altura desconhecia) - nas festinhas dançava e entoava aquela do "teachers leave the kids...", porque todos o faziam, vi o filme. Mas então já muito mais "The Clash", a caminho do "Babylon by Bus" e "Kaya" do Marley, envergonhadamente seduzido pelos "Chic" e a estrear-me no Dexter, Coltrane e Miles, todo aquele aparato floydiano 80s era-me desnecessário, soava pomposo. Por tudo isto mais depressa iria agora ver o já impossível trio Guilmour, Mason & Wright do que o Waters a "solo", nesta velha birra do tal "dono da bola".

E também não irei porque ninguém me convida, que fará um quase sexagenário solitário, completamente alheado dos psicotrópicos, diante de todo aquele aparato, decerto que excessivamente sonoro e em potlatch de luminotecnia? Não há nostalgia de adolescência suficiente, nem mesmo qualquer luxúria senil, que me transporte até lá... Ainda assim trago esta breve "Is there anybody out there?", uma das músicas da minha vida (sim, é do tal "The Wall"), durante tanto tempo, tantas vezes, verdadeira banda sonora do meu prosseguir. Acompanhando este meu corolário, o do resmungo: os compatriotas judeus que tenham juízo e se deixem de coisas...

O dia das mulheres

jpt, 08.03.23

Peter Gabriel - Shaking The Tree (Secret World Live HD) - uma versão magnífica desta canção

Compreendo, até com carinho (másculo), o que vejo repetido por muitos - isso de que hoje, 8 de Março, é o "dia das mulheres da minha vida". Mas não é, esses são os outros dias todos, ainda que nisso desconseguidos pelas trapalhadas, e falo mais das minhas, nelas amiúde caindo, cometendo-as, incompetente.
 
Pois hoje é o dia das outras mulheres todas, as que não conhecemos ou as que não nos são relevantes. Para a todos lembrar que muita coisa - consoante o local - tem de mudar.
 
Há nisso uma coisa que não mudarei, nunca utilizarei esse folclore burguesote do @..., essa pantomina abjecta de que é na língua que se tem de mexer. Quanto ao resto? É mesmo necessário abanar as árvores...
 
 

Crosby...

jpt, 20.01.23

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O velho hippie morreu agora. E nunca cortou o cabelo, justiça lhe seja feita... Aqui o(s) deixo, em especial para os que julgam que o rock de estádio começou no Live Aid... (A minha irmã e o meu cunhado tinham o LP Crosby, Stills & Nash e também o Déjà Vu, daqueles Crosby, Stills, Nash & Young - este último bem antes do Rust Never Sleeps e de ser avoengo do agora também já velho grunge. E assim cresci com eles).

CROSBY & STILLS & NASH & YOUNG - Almost Cut My Hair ( Live In Wembley Stadium , London, 1974)

E qui uma das minhas muito preferidas do trio "original" (o célebre CS&N), em excelente versão... septuagenária: vale a pena ouvir, qual posfácio da selecção de 20 canções de David Crosby feita pela Rolling Stone...

Na passagem de ano

jpt, 31.12.22

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Aconteceu-me que em pleno dia de Natal, indo a caminho da casa da minha irmã para as tradicionais celebrações, estreei-me em acidentes rodoviários após 39 anos de condução. Estraguei o meu dia, incomodei a minha filha, que lá me esperava, a qual padece deste pai. E sofri uma fractura exposta no osso orgulho. Para além um derrame na conta bancária, que seria letal não fora o caso desta estar já ligada à máquina, em condição dita irreversível.

Atendendo à data festiva, e concomitantes folgas, tive de esperar umas horas pelo reboque. Era já início de noite quando chegou, levando-me da via rápida verdadeiramente fronteira ao Trancão até à planície nas cercanias do Sado. Simpaticíssimo o motorista, e basto falador - tentando (e conseguindo, justiça lhe seja feita) animar-me, macambúzio que me encontrou, culminando ambos (e logo na Vasco da Gama) num quase nada estóico "foi só (pouca) chapa e plástico" "que se lixe!", isto que sobre angústias monetárias não me deixei espraiar...

E nisso o homem foi-se alongando, confirmando-me que são estes dias, os das Festas, de muita azáfama. Pois poucos colegas de serviço e muita gente a ter problemas, "no Natal saem da casa das famílias com um copito a mais...", no "Ano Novo vêm das festas...". Às vezes cenas dramáticas - e algumas contou mas tenho pejo de as convocar - mas a maioria das vezes pequenas coisas, toques, choquezitos, a perturbarem ou mesmo a magoarem mesmo que felizmente não irremediáveis. Aquele copito de vinho a mais no Natal, só mais, só mais um brinde de Ano Novo - "Feliz" terá ele de ser -, até com o raisparta do espumante, ou mesmo a saideira seguida da abaladiça, e nisso já se está num registo mais desengonçável...

Enfim, lá me largou ele diante da oficina onde parqueei o carro (emprestado, ainda por cima). E agora, antes do reveillon de tantos, ou da "passagem" de outros, nem sequer tenho de me lembrar daqueles inícios dos 80s, antes da instauração do "balão" e das campanhas - nem o cinto de segurança era prescritivo -, das loucuras acontecidas, dos amigos perdidos... Lembro-me só da conversa desta semana com o loquaz motorista de reboque, a desmontar-me a ideia de que após tantas décadas passadas, tantas campanhas feitas, as coisas ao volante tinham mesmo mudado.

Eu sei que a esta canção é foleira, e o vídeo também. Mas muito mais foleiro é guiar acima dos limites da segurança. Portanto, hoje em especial, "não guies com os copos". Mesmo que seja só aquele "bocadinho" de nada... Esse que se calhar até é o pior, dá aquela sensação de "falsa segurança" que a dra. Graça Freitas e a ministra Temido tanto combatiam - quando nos queriam convencer a não usar máscaras e a não nos testarmos.