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Delito de Opinião

É da China? Não, obrigado

Pedro Correia, 15.09.22

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Entro na farmácia vizinha, onde costumo abastecer-me de produtos triviais, e peço uma caixa com 50 máscaras cirúrgicas: as que tinha de reserva chegaram ao fim.

Mas faço um pedido expresso: quero máscaras feitas em Portugal, recuso comprar produtos importados da China. 

A simpática farmacêutica vai ao interior do estabelecimento e traz-me duas caixas com aspecto diferente, mas nenhuma delas corresponde ao meu pedido: «Diz aqui que foram fabricadas em Xangai.»

Agradeço, mas recuso. E saio de mãos a abanar.

Sucede cena semelhante noutra farmácia cá do bairro. 

Só à terceira me abasteço enfim do que pretendo. Um conjunto de máscaras cirúrgicas feitas em Portugal.

Deste modo, enquanto consumidor, apoio a indústria portuguesa e contribuo para a manutenção de postos de trabalho no meu país.

 

Gostaria de ver mais compatriotas igualmente exigentes nestas questões, nada irrelevantes. Como fizemos na década de 90, quando recusávamos comprar produtos made in Indonésia. Em defesa activa da causa de Timor.

Neste caso com uma agravante a que não podemos fechar os olhos: grande parte dos produtos que a China comunista coloca nas rotas mundiais do comércio decorre da exploração de trabalho escravo, sem direitos laborais, sociais ou ambientais de qualquer espécie. 

 

Em 2020, o Instituto de Estratégia Política da Austrália, prestigiado grupo de reflexão, publicou um longo relatório em que denunciava a existência de escravidão do povo uigure, servindo as cadeias de produção de 83 multinacionais do Ocidente através dos seus fornecedores e subcontratados chineses. Marcas como a Adidas, a Lacoste, a Nike e a Zara beneficiam deste sistema iníquo. 

Como o eurodeputado francês Raphaël Glucksmann denunciou no seu livro-manifesto Carta à Geração que Vai Mudar Tudo, «esta globalização liga-nos a um crime contra a humanidade praticado noutro lado do mundo enquanto fazemos as nossas compras, aqui em nossa casa».

Campos de internamento, violações sistemáticas, campanhas em massa de esterilização, remoção forçada de órgãos, apagamento sistemático da sua língua e da sua cultura: toda esta repugnante repressão tem devastado o povo uigure, que comete o pecado de ter traços étnicos, idioma e religião diferentes da esmagadora maioria da população chinesa.

 

Não somos consumidores passivos: somos cidadãos esclarecidos e mobilizados contra as injustiças. Temos a obrigação moral e cívica de banir dos nossos mercados todos os produtos que sejam fruto da escravidão

Há que começar por algum lado. Pelas máscaras, por exemplo. Não podemos ficar indiferentes a isto.

Eu não fico.

Ainda sobre o 48.º aniversário

Paulo Sousa, 27.04.22

Há muitos anos que não se celebrava um aniversário da Revolução que derrubou a ditadura do Estado Novo, num enquadramento tão propício a apreciarmos os valores democráticos. E não me refiro apenas à guerra em curso.

A liberdade a que este dia de há 48 anos abriu a porta foi celebrada com as cerimónias protocolares habituais, mas, talvez sem o destaque merecido, foi celebrada também pelo fim da obrigatoriedade do uso da máscara.

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Imagem DN

Nestes cerca de dois anos que passaram, as máscaras impostas pela pandemia, que agora parece recuar, além de terem escondido indiscriminadamente lábios e sorrisos, perturbaram a forma como comunicamos, atrasaram a aprendizagem da fala aos mais novos, fizeram que muitas crianças não se recordem dos sorrisos das suas educadoras, impediram que reconhecêssemos amigos com que nos cruzámos, atrapalharam e reduziram a quantidade dos beijos dados pelos amantes e alteraram a forma como nos cumprimentamos.

É claro que também ocultaram os dentes cariados e falhos dos mais humildes, proporcionaram-nos uma desculpa para podermos ignorar pessoas que não queríamos realmente cumprimentar e até, talvez apenas, ajudaram-nos a entender melhor o que é o mau hálito.

Como animais de hábitos que somos desenvolvemos alertas visuais sempre que num espaço público víamos alguém sem o devido resguardo facial. Agora, e desde este Abril de 2022 já estamos a desenvolver o alerta contrário.

As máscaras não vão desaparecer instantaneamente, não serão proibidas, nem mesmo aos que insistem em usá-la abaixo do queixo, mas o seu uso passará a depender do entendimento de cada um. E isso é uma excelente forma de celebrar a liberdade.

Vivemos em sociedade e aceitamos as regras como moeda de troca pelos incontáveis benefícios de a ela pertencer. Diferentes regimes definem de forma diversa o ponto de equilíbrio entre o que deve ser decidido pela polis ou pelo indivíduo, e cada um de nós terá também diferentes entendimentos dessa relação.

O debate sobre o seu uso foi acalorado e não irá terminar de imediato. Foi interessante para procurarmos novos argumentos e novos critérios para definirmos essa mesma fronteira entre o nós e os outros. Não há uma resposta nem um critério único. Antes de Abril, antes do Abril de há 48 anos, haveria certamente um critério único, inequívoco e inquestionável. Depois desse Abril, foi definido um critério, foram cometidos erros (claro, somos governados por palermas) mas podemos manifestar a nossa discordância. Afirmar que somos governados por palermas, além de ser verdade, é também uma forma de celebrar Abril. E de cara destapada.

Pensamento da semana.

Maria Dulce Fernandes, 03.10.21

"As máscaras vão manter-se obrigatórias em locais concretos, como sejam os transportes públicos, os hospitais e lares, ou as grandes superfícies comerciais. Nas lojas do comércio local deixam também de ser obrigatórias."

Finalmente podemos tirar as máscaras! Mas devemos ou queremos até pô-las longe das nossas vidas?

Pessoalmente, não vou deixar de usar a máscara no meu local de trabalho. Não sinto que as condições de segurança, no que concerne à saúde pública, sejam as ideais para começar a embandeirar em arco.

 

Este pensamento acompanhou o DELITO durante toda a semana.

O culto dos paradoxos

Pedro Correia, 07.09.21

«Uso de máscaras ao ar livre deixa de ser obrigatório a partir da próxima semana», noticiaram ontem alguns órgãos de informação. Assim mesmo, como se estivessem a descobrir a pólvora.

Disparate. Nunca o uso de máscaras «ao ar livre» foi de uso obrigatório. Nem poderia ser. "Livre" e "obrigatório" na mesma frase é algo que não faz qualquer sentido.

Presidenciais (7)

Pedro Correia, 15.01.21

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UNIDO À MÁSCARA

Terça à noite, na RTP, houve um espectáculo dentro do espectáculo: seis candidatos presidenciais, reunidos no Pátio da Galé, debateram com um sétimo candidato, que ali só compareceu por via digital. Privilégio de rei-soberano, que não se digna descer ao povoado. Mesmo que o "povoado", como era o caso, se situe no Terreiro do Paço.

Os primeiros falaram sem máscara. O que se manteve à distância fez questão de aparecer com ela. Apesar de se encontrar em casa. «Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?», interrogava-se há nove meses Ferro Rodrigues, segunda figura do Estado português. Sem imaginar que, nove meses depois, a primeira figura nem a dispensaria no aconchego das paredes domésticas.

O "presidente dos afectos", que distribuía abracinhos e beijinhos, deu agora lugar ao "presidente dos infectos", que se resguarda de si próprio na solidão do lar. Quem diria que se trata do mesmo intrépido aventureiro que noutro século se atreveu a mergulhar na poluição do Tejo?

Frase nacional de 2020

Pedro Correia, 05.01.21

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«Então nós íamos mascarados para o 25 de Abril?»

Ferro Rodrigues, 22 de Abril

(eleita por maioria, pelo DELITO DE OPINIÃO)

 

Também mereceram destaque estas frases:

 

.................................................................. 

 

Frase nacional de 2010: «O povo tem de sofrer as crises como o governo as sofre.»

(Almeida Santos)

Frase nacional de 2011: «Estou-me marimbando para os nossos credores.»

(Pedro Nuno Santos)

Frase nacional de 2013: «Com a apresentação do pedido de demissão, que é irrevogável, obedeço à minha consciência e mais não posso fazer.»

(Paulo Portas)

Frase nacional de 2014: «Sinto-me mais livre que nunca.»

(José Sócrates)

Frase nacional de 2015: «Temos os cofres cheios.»

(Maria Luís Albuquerque)

Frase nacional de 2016: «Já avisei a famíia que só volto no dia 11 [de Julho] e vou ser recebido em festa.»

(Fernando Santos)

Frase nacional de 2017: «Este ano foi um ano particularmente saboroso para Portugal.»

(António Costa)

Também não lhes dou confiança

Pedro Correia, 07.12.20

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«Sou um forte adepto do uso das máscaras e da sua obrigatoriedade. Dito isto: detesto andar de máscara, recuso tirar uma fotografia com ela posta, só uso máscaras descartáveis, para não lhes “dar confiança” e não criar a ideia de que elas vieram para ficar nas nossas vidas para todo o sempre.»

Palavras de Francisco Seixas da Costa, que me dispensam de escrever sobre o mesmo tema. Porque as subscrevo por inteiro.

Organização Mundial da Doença (actualizado)

Pedro Correia, 20.11.20

«A Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para o excesso de procura de máscaras e outros equipamentos de protecção contra o novo coronavírus, o que pode comprometer a segurança dos que realmente precisam, os profissionais de saúde.»

7 de Fevereiro

 

«A directora de saúde pública da OMS, Maria Neira, assegurou hoje que é "irracional e desproporcionado" que se esgotem as máscaras e os desinfectantes nas farmácias por medo do coronavírus. Neira afirmou que a medida mais efectiva para prevenir o contágio é lavar as mãos com frequência e insistiu que não se justifica que se esgotem as máscaras e os geles desinfectantes, referindo que a situação se baseia no "medo e na angústia das pessoas", o que deve ser evitado.»

26 de Fevereiro

 

«O director do programa de emergências sanitárias da OMS, Michael Ryan, desaconselhou o uso de máscaras generalizado por causa dos perigos do uso impróprio. (...) "Não há evidências específicas que sugiram que o uso de máscara por parte da população geral tenha algum benefício em particular. Aliás, há até indícios que sugerem o contrário", disse Ryan.»

30 de Março

 

«Maria Neira, directora do departamento de Saúde Pública da Organização Mundial de Saúde, afirmou esta segunda-feira que é "cada vez mais" improvável uma segunda grande vaga do novo coronavírus.»

25 de Maio

 

«A OMS admite que o uso generalizado de máscara, quer em espaços públicos, ou privados, pode impedir até 281 mil mortes até Fevereiro do próximo ano.»

15 de Outubro

 

«Hans Kluge, director regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa, pronuncia-se contra novas medidas de confinamento e o encerramento de escolas. "Se o uso das máscaras atingisse os 95%, os confinamentos não seriam necessários", sublinhou.»

19 de Novembro

Organização Mundial da Doença

Pedro Correia, 27.10.20

Os meios e os fins

Pedro Correia, 22.10.20

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O pior da sociedade portuguesa começa a vir à superfície neste oitavo mês de pandemia: refiro-me ao inaceitável clima de delação, a pretexto do combate às infecções, que ameaça deteriorar as relações humanas, enquanto cada qual se encerra no seu casulo, desconfiando de tudo e todos. E nem a malha familiar está livre disto, quando já tivemos o Presidente da República advertindo contra os habituais reencontros natalícios, enquanto milhares de velhos vivem em efectiva reclusão dentro de supostos "lares" que se tornam antecâmaras de morte. Com os entes queridos mantidos à distância, como ontem o JPT nos relatava aqui, em texto de leitura obrigatória.

Inverte-se o ónus da prova, transforma-se em letra morta a garantia constitucional: todos somos culpados até prova em contrário. 

 

O que sucedeu há dias a um professor universitário comprova isto. Este docente da Faculdade de Arquitectura, em Lisboa, foi abordado à saída de uma aula, em pleno estabelecimento de ensino, por agentes da PSP, que lhe impuseram uma coima de cem euros por não ter usado máscara durante parte da sua exposição aos alunos, em que permanecera sentado. Apesar de só haver 20 estudantes na sala, cada um estar separado dos restantes por uma distância mínima de cinco metros e todos se encontrarem afastados do professor. Apesar de este só não ter usado máscara durante a primeira das quatro horas de duração da aula.

Denúncia anónima e cobarde. Incentivo à bufaria, vício de péssima memória na sociedade portuguesa. Inaceitável intromissão da PSP em instalações universitárias para punir comportamentos de professores ou alunos. Tudo isto devia causar indignação. Mas, a pretexto do respeitinho absoluto pelas normas sanitárias, que aliás vão mudando ao sabor das circunstâncias, acabamos por tolerar todas as prepotências, todas as arbitrariedades, toda a desproporção de meios sempre justificados pelos fins.

Começam assim, com casos isolados e em pequena escala. Mas sabemos muito bem onde podem desembocar. 

A vizinha de António Costa

Pedro Correia, 19.10.20

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«Noutro dia uma vizinha minha vinha de máscara e disse-me: "Então o senhor primeiro-ministro não anda de máscara?!" Eu disse: não é obrigatório. Ela disse: "Não é mas devia usar." E eu fiquei a pensar nisso.»

 

Com esta risonha declaração aos jornalistas, António Costa desvendou o segredo do processo de decisão política no seu governo. Nomeadamente na recente intenção de tornar obrigatório o uso de máscara na generalidade dos espaços públicos ao ar livre.

A sagaz vizinha de Costa funciona como conselheira. É quanto basta. Para quê ouvir epidemologistas, virologistas e especialistas em saúde pública - entre outras sumidades da medicina - em chatíssimas  reuniões tantas vezes inconclusivas, se é possível beber sabedoria num simples encontro de vão de escada?

Não quero médicos a mandar

Pedro Correia, 23.09.20

Há por aí alguns responsáveis autárquicos a exorbitar das funções que lhes são atribuídas, torcendo as normas legais: a pretexto da epidemia em curso, querem impor o uso obrigatório da máscara aos munícipes em todos os espaços públicos, incluindo ao ar livre. Algo que as autoridades centrais nunca decretaram - nem sequer quando o País se encontrava sob estado de emergência, com números de infecções e mortes mais preocupantes do que os actuais. Por um motivo muito simples: nada no nosso ordenamento constitucional autoriza tal medida.

Este excesso de zelo autárquico - e refiro-me concretamente, pelo menos, aos presidentes das câmaras municipais de Guimarães, Arruda dos VinhosCastro Marim e Vila Real de Santo António - é aplaudido por alguns talibãs do sistema sanitário que percorrem os telejornais, serão após serão, em defesa aberta de tal medida. Acontece que estes clínicos não foram eleitos para tomar decisões em nome do interesse público. É para isso que existem os governantes, sujeitos à legalidade democrática. No dia em que os médicos tomassem o poder e os políticos exercessem medicina estaríamos todos bem pior.

Três em um

Pedro Correia, 15.09.20

1

Foi impressão minha ou nesta Feira do Livro que anteontem terminou em Lisboa as jovens que atendiam nos pavilhões das editoras foram escolhidas pela beleza ocular? Nunca vi tantos olhos azuis e verdes, ainda mais em evidência devido à máscara obrigatória que todos ali usávamos, vendedores e clientes. Pode ser coincidência, claro. Mas há muito que deixei de acreditar em coincidências.

 

2

Reparo num número crescente de mulheres, ainda jovens, exibindo cabelos brancos sem constrangimentos nem complexos. Efeitos do confinamento, do teletrabalho, das longas semanas com salões de cabeleireiro encerrados. Fazem muito bem. É tempo de todos descobrirmos (a começar por elas) que os cabelos brancos nada afectam a sensualidade feminina. E podem até acentuá-la. 

 

3

Comprei já não sei o quê, numa loja em Lagos, e reparei na jovem que me passava o troco: sorria com os olhos. Felicitei-a por isso: cada vez menos gente partilha sorrisos - e, nesta circunstância, ter a capacidade de sorrir com os olhos é um dom precioso. Um dom que devíamos desenvolver nestes dias de rostos ocultos pela uniforme expansão das máscaras. Custa menos do que parece.

Elas, eles e as máscaras

Pedro Correia, 01.09.20

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Diálogo entre duas mulheres em férias algarvias:

- A minha máscara cheira a merda.

- Credo! Porque é que não a deitas fora?

- Era o que faltava, andar a comprar máscaras. Tenho muito mais em que gastar o meu dinheiro.

 

.....................................................................

 

Diálogo entre dois homens em férias algarvias:

- Ontem, ali no urinol, mijei na máscara. Levava-a na mão, estava distraído e não reparei.

- E o que fizeste?

- Tive que a pôr na cara mesmo assim. Sabes que eles não nos deixam andar sem máscara aqui no hotel.

- Mas não a lavaste antes?

- Olha, nem me lembrei disso.

De boca bem tapada

Pedro Correia, 28.08.20

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Passeio nas ruas de Lagos, onde me desloco pela segunda vez neste Verão. Mais gente por estes dias, mas confirma-se a tendência: muito menos turistas do que no ano passado. Tanto em terra como sobre as águas, fluviais ou marítimas.

Cruzo-me com um número crescente de pessoas, na rua, usando máscaras. Devem confundir o Algarve com a Madeira, onde - aí sim - as autoridades forçam a utilização permanente de máscara em todos os locais públicos ao ar livre, exceptuando (por enquanto) praias e piscinas.

 

Não falta, no entanto, quem utilize aquilo só como enfeite. Transportando-a na testa, no queixo, na orelha, no ombro, no pulso, no cotovelo, onde calha. Para andar assim, não será melhor ficar guardada?

No passeio público, junto à ribeira de Bensafrim, cruzo-me com um pai e dois filhos pequenos: vão todos de máscara encarnada, com o símbolo do Benfica. Sinto-me como espectador de um Carnaval antecipado.

 

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Bem à portuguesa, na hora de comer, formam-se filas. Todos acorrem à mesma hora aos mesmos locais. Largas dezenas de pessoas - sem manterem distância de segurança - amontoam-se, aguardando vez, à porta de estabelecimentos como a Casa do Prego e a Adega da Marina.

Chegam a esperar mais de uma hora por um lugar em espaços apinhados, onde a comida é de uma banalidade confrangedora, quando existem, ali bem perto, muitos restaurantes com melhor ementa e espaço disponível.

 

Nunca hei-de entender estes comportamentos. Mais risíveis só as pessoas que vou vendo, de toalha estendida no areal da Meia Praia, também de máscara posta: devem imaginar que a brisa marítima transporta o vírus.

Reparo num par de namorados caminhando de mão dada à beira-mar. Vão ambos mascarados, como se receassem contaminação mútua. Até o amor cede passo à disciplina sanitária, mesmo na idade em que a líbido comanda a vida.

Também se beijarão de máscara? Não me custa imaginar tal coisa. Em tempo de pandemia, todas as precauções são poucas.

 

O maior dilema ocorre na hora de comer. Creio ter chegado a hora de o Presidente da República fazer um apelo aos criativos da indústria portuguesa, incentivando-os a conceber uma máscara com fresta removível na zona labial para permitir a rápida ingestão de alimentos sem necessidade de retirar o famigerado adereço. Portugal registaria a patente e mostraria ao mundo como se faz.

Poderia chamar-se Máscara Marcelo, em merecida homenagem ao cidadão português que transporta aquilo há mais tempo e durante mais tempo. Foi, aliás, o primeiro a correr sagazmente para casa, encerrando-se durante duas semanas em voluntária quarentena doméstica, enquanto quase todos andávamos por aí, à vontadinha, expostos à codícia do Covid.

Ele é que a sabe toda, vou pensando entre dois mergulhos. A praia continua desafogada - sinal evidente de que o inquilino de Belém permanece longe daqui.

 

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Seguras ou não seguras?

Cristina Torrão, 02.07.20

Os portugueses estão a usar máscaras “que não protegem o suficiente” da Covid-19 e as autoridades “facilitaram” ao admitirem modelos que oferecem apenas 70% de filtragem, quando existem no mercado “alternativas que superam os 90%”. O alerta, em jeito de lamento, é de Lourenço Aroso, dire(c)tor operacional da empresa PPTex, de Santo Tirso, que produz as máscaras comunitárias Protect Others, com um grau de filtragem certificado acima dos 95%.

Sinceramente, acho as palavras deste industrial um exagero. O artigo, com grande destaque na página principal do Sapo, hoje de manhã, cheira muito a publicidade.

Temos de ter em mente que o uso de máscaras não anula o chamado distanciamento social de, pelo menos, 1,5m. Respeitando-o, as máscaras com 70% de filtragem cumprem perfeitamente o seu objectivo: evitar a circulação livre do ar entre as pessoas, ao respirar. Ninguém precisa de máscaras cirúrgicas, com mais de 90% de eficácia, no dia-a-dia (a não ser talvez, em certos transportes públicos). Na Alemanha, até se aceitam simples lenços a cobrir a boca e o nariz nos supermercados e comboios e a pandemia, neste país, está bastante controlada (o maior problema continuam a ser os matadouros).

Apesar de reconhecer que as autoridades portuguesas cometeram erros desnecessários (e, para isso, baseio-me largamente nos textos aqui publicados pelos meus colegas de blogue), declarar que elas  “facilitaram” ao admitirem modelos que oferecem apenas 70% de filtragem é, na minha opinião, de um grande atrevimento.