Mário Centeno faria um grande favor não apenas a nós mas até a si mesmo se guardasse as suas opiniões. A nós porque já estamos abundantemente servidos de tolices, que a comunicação social serve em doses homéricas; a si porque, para voltar a dar algum brilho à cadeira de Governador depois dos exercícios das duas nulidades que o precederam no lugar, bastava estar calado.
Recebeu de prémio a sinecura do Banco de Portugal como recompensa por ter sido um demagogo que traduziu para economês as habilidades sonsas do seu chefe calculista, cobrindo com palavreado técnico quanto disparate foi feito em nome da compra de votos e da retórica anti-austeridade, só não empanando no processo as cores da sua seita de alquimistas da economia porque aquela, desgraçadamente, não tem brilho que se possa deslustrar. E deu à sola logo que lhe pareceu que se estava em fim de festa.
Deixou em herança a maior dívida na história do País, uma administração pública pletórica, um SNS exangue que nem sequer conseguiu tapar o buraco da redução do horário semanal, uma completa ausência de reformas e um deslizar consistente para os últimos lugares da tabela de rendimento por cabeça na Europa.
E isto quando beneficiou de um surto de turismo sem precedentes, fruto de circunstâncias que não criou, uma União acomodatícia, e um Banco Europeu que trocou os rigores que já foram seus pelo vale-tudo da facilitação quantitativa ou lá como se chama agora o regabofe.
Dizia há dias um amigo (Jorge Costa) no Facebook:
“Quantas empresas sobreviverão ao bombardeamento do OE 2021? Para as empresas, aquelas instituições que empregam, investem ou exportam, o OE 2021 é literalmente o annus horribilis:
--> Vão ter de pagar mais 30% em IRC. Mais 1.150 milhões de euros do que seria justificado pela sua atividade económica em 2021, uma vez que são obrigadas a devolver na íntegra o Pagamento Especial por Conta adiado em 2020. Ainda não levantaram sequer a cabeça, ainda não chegaram, muito longe disso, à tona de água, e levam com mais 30% de IRC do que no ano anterior. Sem a liquidação do Pagamento Especial por Conta de 2020, o IRC aumentaria apenas 1,4%, ou 60 Milhões de Euros. Quantas empresas sobreviverão a este bombardeamento? Porquê reaver num só ano, num ano em que a economia estará a anos-luz de recuperar do choque a que foi sujeita, todo o Pagamento Especial por Conta adiado?
--> Vão ter de pagar mais 478 Milhões de Euros de contribuições sociais, do adiamento concedido em 2021. Idem.
--> Vão ter de pagar mais 1.628 Milhões de Euros de contribuições e impostos do que aquilo que justifica o seu nível de negócio em 2021.
--> Se forem grandes (eheheh, chega-se a grande empresa em Portugal quando se atinge 50 Milhões de Euros e se emprega 250 trabalhadores) e tiverem lucros, ficam impedidas de aceder aos benefícios que o Governo ainda não terá removido (garantias, empréstimos, etc.), se eliminarem um que seja posto de trabalho. Por outras palavas, só acedem a benefícios se não fizeram nada, absolutamente nada, para se reestruturarem e responderem aos desafios de mudança a que o choque brutal na economia as sujeitou.
--> Para as micro e pequenas também há um belo brinde: um aumento do salário mínimo de 3,7%, depois de um aumento de 5,8% em 2020, perfazendo um aumento de 10% em dois anos, durantes os quais a produtividade caiu em termos acumulados.
--> Mas pronto, não sejamos demasiado exigentes, o Governo - momento de humor negro, macabro do relatório do OE 2021 - garante que as apoia porque NÃO lhes aumenta os impostos. Mas que rematados @%&/"! da 9&%$.
Quantas empresas vão sobreviver a este bombardeamento? Quantas dezenas de milhar de trabalhadores perderão os seus empregos depois desta conjugação de ataques vitais em plena crise?”
Não sou tão pessimista como Jorge, não tanto porque ele não tenha razão, mas porque há socialistas que têm empresas e, agora que o Bloco se dessoldou da Geringonça, e o PCP está morto por isso, o excesso de barulheira e bandeiras pretas à porta de empresas fechadas encontrarão eco na comunicação social, que precisa de fingir que tem um módico de independência. Razões pelas quais a pílula amarga será dourada com um surto de medidas trombeteadas como de grande rasgo – o ministro Leão já provou ter aprendido a cartilha do seu antigo chefe.
Há algum rasto disto na conferência organizada pelo Jornal de Negócios onde Centeno foi expectorar cogitações? Não: há o passar da mão pelo pêlo do Governo (“A resposta em V ‘quase perfeito’ que a economia deu à redução parcial do confinamento…’), o conselho aos bancos, que devem conceder crédito mas ter muito cuidado (por que razão um académico paraquedizado num lugar político se sente autorizado a dar aulas a quem gere é um mistério, e outro maior por que motivo haverá gestores que prestam atenção à banalidade), e o asneirol sem ambages. Centeno acha que “uma extensão das medidas de apoio daria lugar a uma indesejável manutenção do emprego e da afetação de crédito a empresas inviáveis, o que pesará nas perspetivas de crescimento futuras, sempre dependentes da realocação de recursos escassos”.
Está a falar de quê?
Do apoio de bancos às empresas? Não lhe dê isso cuidado, a banca tem uma larga tradição de apoiar empresas inviáveis, que são com frequência aquelas nas quais as autoridades veem grande futuro, e negócios especulativos, que são com frequência os que têm o patrocínio dos poderes do dia. Mas não deve ser disto que está a falar. No mais, isto é, nas PMEs que não têm os números de telemóvel certos, os cuidados que há superabundam, mesmo que com ocasionais insolvências, um preço a pagar pela economia de mercado.
Em apoios públicos? Então estes devem ser, quando existam, universais, isto é, aplicarem-se a quem preencha determinados requisitos, e independerem de decisões casuísticas. Não se pode confiar em poderes públicos para decidir o que são e não são empresas viáveis, e menos ainda no Banco de Portugal, de cujo responsável actual se pode duvidar (eu duvido) que tenha sequer competência para gerir um minimercado. A menos, já se vê, que esquecesse aquilo que julga que sabe.
¿Por qué no te callas, Mário?