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Delito de Opinião

Arrumar a casa e gerir uma pesada herança

Luís Montenegro

Pedro Correia, 07.06.22

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As perspectivas de sucesso do PSD são cada vez menos risonhas: quatro anos de gestão errática de Rui Rio devastaram o partido. Fosse quem fosse o sucessor, teria sempre tarefa complicada. Os sociais-democratas, com o antigo presidente da câmara do Porto ao leme, perderam duas eleições legislativas e fracassaram na oposição ao poder socialista, agora muito mais robustecido.

O sucessor já tem nome e rosto: Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, advogado. Distinguiu-se como líder parlamentar social-democrata entre 2011 e 2017, mas hoje está ausente do hemiciclo. Terá de relacionar-se com uma bancada escolhida por Rio, marcada pelo estilo que lhe foi impresso pelo dirigente cessante. Morno, cordato, quase amigável – precisamente o que agrada ao primeiro-ministro.

Missão nada fácil. E com reflexos óbvios na estrutura anímica do partido: a abstenção nestas directas do PSD rondou os 40%, com participação de pouco mais de 20 mil militantes, o que faz soar alarmes no estado-maior de Montenegro.

A seu favor, o forte apoio de quem votou – 72,5%, triunfo claro contra Jorge Moreira da Silva. Além de só haver eleições nacionais em Maio de 2024: serão as europeias. Até esse teste, não lhe faltará tempo para arrumar a casa. Devia começar por mudar a sede do partido, há décadas entrincheirado num palacete da Lapa lisboeta. E ampliar o universo eleitoral interno do PSD, imitando o ocorrido no PS em 2014. Nos tempos que correm, de progressivo desinteresse pela militância política tradicional, gestos como estes contam muito.

 

Em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa fez um rasgado elogio a Montenegro a pretexto da comemoração dos 43 anos do concelho de Espinho, cidade natal do novo líder laranja, enaltecendo-lhe as qualidades cívicas e humanas. Como se estivesse a sinalizar-lhe a rota. De Belém não faltará incentivo subliminar ao homem que se distinguiu como tribuno em São Bento e um dia disse a Costa: «Governar não é geringonçar.»

Resta ver como reagirá um partido desgastado por incessantes questiúnculas internas. E se os eleitores ainda olharão o PSD como força política indispensável e necessária. Olhando o que acontece noutros países europeus, nada está garantido.

 

Se quer afirmar-se como dirigente de futuro, Montenegro deve começar por assumir sem complexos o melhor legado do PSD como porta-voz dos sectores mais dinâmicos da sociedade – na edificação das autonomias regionais, no fim da tutela militar sobre as instituições civis, na liberalização da economia, na construção europeia.

Tem de abandonar a absurda posição de Rio, que deixou o PS ocupar o centro enquanto punha o PSD a fugir da direita. Cabe-lhe, acima de tudo, escrutinar o Governo com acutilância e competência. Em questões que mobilizam o cidadão comum. Como os computadores anunciados mas que nunca chegaram às escolas, os hospitais que não passaram de chamariz para ganhar votos, os médicos de família cada vez mais escassos, as habitações prometidas mas inexistentes.

Só assim um partido da oposição se torna útil.

 

Texto publicado no semanário Novo.

Primeiro a avançar num combate nada fácil

Luís Montenegro

Pedro Correia, 14.04.22

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À terceira será de vez? Os apoiantes de Luís Montenegro devem fazer esta pergunta na semana em que o antigo líder parlamentar social-democrata confirmou a candidatura às eleições directas para a presidência do PSD, marcadas para 28 de Maio. Avança com a convicção de que «Portugal precisa de uma oposição implacável com os desvios do Governo» e na certeza de que é necessária uma alternativa política a António Costa que «devolva ambição e esperança» num país empurrado para os lugares de baixo no campeonato europeu da prosperidade.

Nada é fácil neste combate. Luís Filipe Montenegro Cardoso de Morais Esteves, 49 anos, advogado de profissão, ambiciona suceder a Rui Rio numa das piores fases da história do partido fundado em 1974 por Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão.

A última vez que os sociais-democratas passaram a barreira dos 40%, concorrendo isoladamente numa eleição para a Assembleia da República, foi há 20 anos. O errático consulado de Rio favoreceu a recente expansão de forças alternativas no espectro político português, à custa dos sociais-democratas, enquanto o PS celebrava a segunda maioria absoluta da sua história. Pior: o ainda líder laranja, único que registou dois fracassos eleitorais consecutivos em escrutínios parlamentares, tudo tem feito para retardar o processo de sucessão. Na melhor das hipóteses, só haverá nova direcção em plenas funções daqui a três meses, já em Julho. Com meio país de férias.

Montenegro parte para esta corrida com a vantagem de ser o primeiro a declarar-se candidato. Mas também com o estigma de haver sido derrotado duas vezes por Rio em anteriores tentativas de liderar o partido. Além disso, não tendo integrado as listas de deputados, permanece ausente do palco parlamentar. As incógnitas no processo de sucessão acentuam-se com a perspectiva de enfrentar Jorge Moreira da Silva, antigo ministro de Passos Coelho, nesta corrida interna.

Ganhe quem ganhar, espera-o uma tarefa pouco invejável. A bancada laranja está reduzida a 77 parlamentares (menos dois do que os eleitos em 2019), contra os 120 socialistas. E o partido, batido nas urnas a 30 de Janeiro, vive há mais de dois meses numa espécie de vácuo, com uma liderança demissionária em câmara lenta. Vácuo preenchido por ocasionais declarações de Rio que roçam o patético, como quando se apressou a declarar que subscrevia quase por inteiro o discurso inaugural do socialista Augusto Santos Silva enquanto presidente da Assembleia da República, ou até o inaceitável, como quando alertou para possíveis efeitos perversos das sanções europeias à Rússia de Putin, responsável por crimes de guerra na Ucrânia.

Se olharmos para Espanha, percebemos que tudo podia ser diferente. Ali o líder do Partido Popular, Pablo Casado, anunciou a demissão a 22 de Fevereiro e no dia 2 de Abril já estava eleito o sucessor, Alberto Núñez Feijóo. O PSD, parceiro do PP nas fileiras do Partido Popular Europeu, devia aprender alguma coisa com os vizinhos espanhóis.

 

Texto publicado no semanário Novo