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Delito de Opinião

O que podereis fazer pela vossa cidade?

Pedro Correia, 02.01.25

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Imagens aleatórias das ruas de Lisboa por estes dias. Sabendo da greve prolongada dos trabalhadores da recolha do lixo, coincidindo com o período das festas natalícias e do Ano Novo, os moradores encolheram os ombros e insistiram em despejar na rua os "desperdícios" - mesmo aqueles que, como sucede nestes casos, podem esperar num canto de casa sem urgência de serem levados para fora. O papel não se deteriora em poucos dias nem larga mau cheiro. 

Enfim, é o que há. Os lisboetas gostam de contribuir para "enfeitar" as ruas da pior forma. Não se incomodam de ver a cidade assim. E não se pense que estas imagens foram colhidas no centro histórico ou em bairros populares: são da Lisboa burguesa das Avenidas Novas, cheias de gente da chamada classe média-alta. 

 

Falamos sempre muito em direitos. Quase só em direitos. Pouco ou nada se fala em deveres.

Um desses deveres seria a mobilização de cada um de nós para que a maior cidade do País se mostre um pouco menos suja. Antes de apontarmos o dedo acusador a terceiros, comecemos por pensar o que ainda não fizemos nesse sentido. Por vezes basta manter papéis de embrulho mais uns dias em nossa casa. Com paciência cívica. 

Parafraseando o outro, não perguntem o que pode a vossa cidade fazer por vós; perguntem antes o que podereis vós fazer por ela.

O triunfo do ódio e da iliteracia

Pedro Correia, 14.04.21

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Na ânsia quase desesperada de amealhar cliques, que permitam a certos títulos continuar a subsistir no limiar da sobrevivência, a imprensa em linha continua a reproduzir injúrias e calúnias de todo o tipo. Ainda agora verifiquei isso, a propósito da morte súbita de Jorge Coelho.

Vocabulário obsceno, em diversos sentidos da expressão, foi não apenas admitido mas tolerado (se não mesmo incentivado) nas caixas de comentários dessas publicações. 

Insultos carregados de ódio pessoal ou ideológico que no DELITO DE OPINIÃO, por exemplo, vão de imediato parar ao ecoponto, ali são divulgados e ficam perpetuados na nuvem digital.

Interrogo-me se é esse o género de leitores que tais periódicos querem captar. Interrogo-me se para os responsáveis desses jornais valerá mesmo tudo para atrair e reproduzir tal lixo. Questiono-me ainda se as injúrias os visassem a eles teriam idêntica compreensão e tolerância.

E já nem me refiro apenas à linguagem caluniosa. Refiro-me também aos mais inconcebíveis erros de ortografia, que transformam a língua portuguesa numa abjecta caricatura de si própria: também ficam perpetuados, talvez para a eternidade, nessas caixas de comentários de jornais que volta e meia publicam sisudos editoriais em defesa da cultura - e desse "bem cultural" maior que é o nosso idioma, património comum de quase 300 milhões de pessoas

 

Não reproduzo aqui as injúrias, como é óbvio. Mas reproduzirei alguns dos mais primários e boçais erros ortográficos que li só numa dessas caixas de comentários de um desses jornais, supostamente de grande circulação. Para que se perceba melhor como estes títulos se demitem da sua função essencial - até reconhecida por lei - de preservação e valorização da língua portuguesa:

«Pás a sua alma...»

«... muito cordeal...»

«... acto de degnidade...»

«... falar nele nos mídea...»

«... intelectualemente honesta...»

«... desça em pás...»

«... estado portugues...»

«... sofreu 3 banca rotas económicas...»

«...quando se não vêm qualidades...»

«porque è cuando morre um pobre ninguem fala...»

 

O outro falava no triunfo dos porcos. Nós assistimos, impávidos, ao triunfo do ódio e ao triunfo da iliteracia. Todos os dias, a toda a hora, nos locais mais insuspeitos. Supostamente geridos por gente letrada que supostamente recebe ordens para acolher todo o lumpen e todo o lixo.

Estabilidade é isto

Sérgio de Almeida Correia, 28.03.15

Num outro local já tinha chamado a atenção para o que estava a suceder. Hoje li a confirmação. Continuamos no lixo. Não ignoro que a dívida pública continua subir, já passou os 130% mas, que diabo, não há-de ser isso a lixar-nos. A melhoria da balança de exportações, os cofres cheios, a antecipação do pagamento de uma parte das dívidas, o reconhecimento da chanceler Merkel e dos parceiros europeus, o percurso "imaculado" dos meninos do coro, a reeleição do Presidente da República, homem que era tu cá tu lá com os mercados e um referencial de solvabilidade do regime, o malandro do Sócrates metido no xilindró e a ver o sol aos quadradinhos, a supervisão do Costa a funcionar às mil maravilhas e a fazer um trabalho exemplar, o outro Costa a dizer aos chineses que estamos muito melhor, enfim, tanta coisa boa, todo um manancial de boas acções, de resultados positivos, de êxitos, e no fim continuamos no lixo. Porque será que a troika desconfia das perspectivas de médio prazo? Porque continuam as agências de rating insatisfeitas? Não há populistas nem partidos anti-sistema a subirem nas sondagens, a extrema-direita é inexistente, o centrão refina-se, a esquerda vegeta e definha entregue aos mesmos de sempre, o Lello continua com as lentes velhas, riscadas e embaciadas a botar discurso, os autarcas cerram fileiras. Entretanto, o primeiro-ministro diz no Japão que antevê Portugal como uma das nações mais competitivas do mundo. Os japoneses ficaram impressionadíssimos. Do mundo e arredores, faltou acrescentar esta parte. 

Quando um povo convive habitualmente com o lixo acaba por se habituar ao cheiro. O céu azul e o sol nos olhos cegou-o. Desde que o lixo não lhe tape o sol, a gente não se importa porque mesmo cega tem sol, mar e quem lhe dê música. Se um dia lhes tirarem o lixo ainda irão estranhar. Com medo que o sol que os faz assim lhes falte. 

O lixo em Lisboa.

Luís Menezes Leitão, 28.12.13

Só há uma função absolutamente imprescindível a uma Câmara Municipal: é tratar da higiene urbana, onde se inclui obviamente a recolha diária do lixo. No entanto, António Costa, que sempre encarou a gestão da Câmara como um trampolim para outras funções, acha naturalmente que a recolha do lixo é demasiado prosaica para ser uma função camarária, decidindo por isso atirá-la para as juntas de freguesia. Os trabalhadores da recolha do lixo é que obviamente não gostaram de serem assim atirados às juntas, pelo que decidiram fazer greve. Essa greve está a ter um impacto tal que hoje, dia 28 de Dezembro, o lixo acumula-se nas ruas de tal forma que praticamente não se pode circular. O que faz, no entanto, António Costa? Pede aos lisboetas candidadamente que esperem até 10 de Janeiro, altura em que conta ter o problema resolvido. E entretanto propõe-se colocar contentores de obras nas ruas, como se um contentor tivesse algum efeito prático perante o lixo já acumulado. Conclui-se assim que Lisboa vai ficar por mais 13 dias a ter o lixo a acumular-se nas ruas, com os inúmeros problemas inclusivamente de saúde que isto acarreta. No dia 10 de Janeiro a maioria dos lisboetas já nem deve conseguir sair de casa, tal o lixo em frente das portas. Resta-lhes apenas o consolo de estarem a contribuir para a glória da reforma autárquica imaginada pelo Senhor Presidente da Câmara. Esta pode traduzir-se por um slogan: "o lixo às freguesias — e se for preciso aos munícipes — rapidamente e em força".

Contra a javardice

Pedro Correia, 24.08.12

                  

                  

 

Dois membros do Bloco de Esquerda insurgiram-se contra a decisão, em boa hora anunciada pelo Ministério da Administração Interna, de combater as pichagens em locais públicos que conspurcam os edifícios da esmagadora maioria das nossas cidades (e falo em maioria, e não em totalidade, porque recentemente tive o prazer de descobrir Guimarães e Viana do Castelo como cidades praticamente livres deste flagelo). Há ruas inteiras em Lisboa, Porto ou Caldas da Rainha, por exemplo, onde nem um edifício escapa aos semeadores de tags que aproveitam as sombras da noite para as suas acções de poluição visual.

Pensava eu que qualquer cidadão civilizado estaria contra esta javardice. Enganei-me: aqueles dois bloquistas, João Teixeira Lopes e José Soeiro, declaram-se indignados não com quem polui mas com quem procura combater a poluição, bradando contra "o horror higienista" destes últimos. Aguardo as próximas tomadas de posição de tão ilustres sumidades em defesa da manutenção en su sitio dos milhares de beatas e dos dejectos de cão e de pombo que enchem ruas, praças e avenidas. Se a correcção política os conduz ao elogio das paredes conspurcadas, por maioria de razão devem procurar manter a mão da lei fora de jardins e passeios transformados em expositores de lixo: "horror higienista" é que não.

Lamento, mas penso de maneira oposta. Eleitor em Lisboa, prometo desde já apoiar o candidato à eleição municipal de 2013 que inclua com maior visibilidade no seu programa eleitoral o combate à degradação paisagística da cidade - o que implica ter mão firme contra os pseudo-grafiteiros, por mais que alguns procurem elevar os seus rabiscos à dignidade de "arte urbana". Mereciam tais vozes ver os prédios onde habitam "grafitados" da cave ao sótão para melhor se enebriarem com tanta "arte".

 

Estou com Alexandre Delgado, que hoje protesta sem rodeios no Público contra a confusão que alguns pretendem estabelecer entre grafitti e tags: os primeiros são defensáveis, os últimos não. "Quem faz grafitti de arte geralmente escolhe os locais próprios e contribui para enriquecer o espaço público. Até 'mensagens poéticas' são aceitáveis, quando feitas em edifícios devolutos. Os rabiscadores de tags não respeitam nada disso: eles são os primeiros a vandalizar grafitti artísticos (como os da Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, ou os painéis do Elevador da Glória). Não contribuem com nada, a não ser os excrementos do seu ego invasor", defende o compositor, acentuando: "Com a legislação actual, nem vale a pena fazer queixa à polícia. O Ministério da Administração Interna quer simplesmente fazer aquilo que já se devia ter feito há muito tempo: adequar a lei e criminalizar essa forma de vandalização do espaço público. É razão para aplaudir entusiasticamente. Aqui ficam duas sugestões: que a punição dos culpados inclua obrigatoriamente raspar e pintar aquilo que vandalizaram; e que se crie um imposto extraordinário sobre sprays de tinta, destinado a limpar as pichagens que tantos lucros geram a fabricantes e vendedores, e que tantos prejuízos causam a proprietários, instituições e cidadãos em geral. Esta não é uma causa de esquerda ou de direita: é uma causa de civilização contra a barbárie."

Não posso estar mais de acordo. Se Guimarães e Viana conseguem ser cidades limpas, porque não sucederá o mesmo em Lisboa, Porto ou Faro?

 

Em cima, no sentido dos ponteiros do relógio: pichagens em Lisboa (Avenida de Roma), Porto (antigo cinema Batalha), na baixa de Faro e no centro das Caldas da Rainha. Fotos minhas.