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Delito de Opinião

Livros de cabeceira (7) - série II

Joana Nave, 07.09.24

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Os livros são o meu vício. Leio quase sempre de manhã, enquanto tomo o pequeno-almoço, e nunca saio de casa sem um livro, porque há sempre 5 minutos de espera em que posso mergulhar e avançar na história, em vez de navegar nas redes sociais. Ler é um escape para quando quero esquecer um dia menos bom, uma forma de viajar no tempo e no espaço, sem sair da minha zona de conforto. Há livros que me deixam ansiosa, outros que quero ler muito depressa para que deixem de me incomodar. Leio sempre até ao fim, mesmo que não esteja a gostar da história ou que seja demasiado previsível. Intercalo leituras em português e inglês e apesar de gostar de ler em papel, também uso muito o meu kobo. Hoje em dia temos acesso a todo o tipo de livros, o que é fascinante, há livros para todos os gostos e interesses, escrita clássica, moderna e técnica. Sou uma ávida leitora e tento incutir esse exemplo aos que me rodeiam, falando dos livros que leio, partilhando pedaços das histórias que vou conhecendo. Não faço parte de nenhum clube de leitura, mas tenho tendência para me rodear de pessoas que gostem de ler, e partilhamos histórias e livros e é tão bom.

Leiam o que quiserem, mas leiam!

Livros de cabeceira (6) - série II

Teresa Ribeiro, 31.08.24

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Os títulos do meio, comprei-os na Feira do Livro. Li-os com a pressa e o vagar que dispenso às obras dos meus autores de estimação. Com pressa, porque confiante no prazer da sua leitura fico com vontade de as tragar de uma vez. Com vagar porque ao mesmo tempo antecipo o vazio que se segue quando chego ao fim de um livro que me encanta. E então demoro-me, relendo passagens que me impressionaram pela elegância e inteligência da escrita. Sublinho-as, tento retê-las para mais tarde recordar. De Ian McEwan e Javier Marías, dois dos meus amores literários, não posso dizer que em nada são iguais, pois têm em comum a capacidade de descrever com minúcia a complexidade da natureza humana, através de personagens tão interessantes e bem desenhadas que acabo a meditar nelas como se fossem gente.

Dispus na mesa de cabeceira os livros por ordem de leitura, portanto antes destes dois autores li Svetlana Aleksiévitch. Nunca tinha lido nada dela. Ainda bem que ganhou o prémio Nobel em 2015, porque o mais provável era demorar muito mais tempo a descobri-la. "A Guerra não tem rosto de mulher" é o resultado de um trabalho de pesquisa jornalística extraordinário sobre mulheres que combateram durante a II Guerra Mundial. Através dos depoimentos recolhidos, a escritora bielorrussa mostra bem como é diferente a relação mental das mulheres com a guerra e também como foi ocultado e/ou desvalorizado durante décadas o seu papel na frente. Como se fosse um embaraço.

Agora estou a acabar de ler Olga Tokarczuk. Também é uma estreia para mim. Este "Outrora e outros tempos" foi o seu primeiro grande sucesso. Mal entrei nele, percebi porquê. A escrita dela é poderosa, original. Mergulha o leitor num universo paralelo, onde mistura fantasia com realidade, um ardil para chegar a verdades incómodas e profundas, que aborda numa linguagem muito simples e depurada, quase infantil, sempre com a história recente da Polónia como pano de fundo. Foi Nobel em 2019, com toda a justiça.

Livros de cabeceira (5) – série II

Sérgio de Almeida Correia, 24.08.24

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Eu tenho uma mesa de cabeceira. Não tenho é livros. Na mesa de cabeceira.

Se os tivesse nunca dormiria. E sem dormir não consigo ler os livros que quero. Porque adormeço.

Não é tão simples quanto vos possa parecer. Conciliar o sono com a leitura é tarefa ingrata. Para mim e para aqueles, que estão permanentemente a querer atropelar-se mutuamente.

Optei então por separá-los. Assim não há conflitos. E quando me deito sei que não posso levar nenhum livro comigo.

Até porque há livros que devido ao seu tamanho seria sempre impossível de acomodar na mesa de cabeceira com o candeeiro, o rádio-despertador, o relógio e o comando do ar condicionado.

O problema passou para outro patamar. O da decisão. E aqui só há uma possível: enquanto as pálpebras não começarem a pesar e a cabeça se mantiver direita estou proibido de me dirigir para a mesa de cabeceira e accionar o alarme para o dia seguinte.

Dia seguinte é uma força de expressão porque acordo sempre no dia em que me deito.

Por culpa dos livros que deviam estar na mesa de cabeceira e afinal estão na secretária, na mesa da sala e no sofá.

A verdade é que quando me vou deitar transporto comigo o que estou a ler. Não fisicamente. Interiormente. O que por vezes me traz insónias. Pelo que aproveito esses momentos para ler o que trago na memória e ficou na divisão do lado.

A fotografia que ilustra este texto reúne os livros que estou a ler e a memória que por estes dias levo comigo para a cama que está ao lado da mesa de cabeceira onde os leitores gostariam de ver os meus livros.

Romances, novelas, normalmente, só leio em férias. Durante o resto do ano leio ensaios, livros de história e de arte e muitos, muitos livros sobre política, relações internacionais, biografias e livros de memórias.

No momento em que vos escrevo estou a braços com A Desoras, último volume publicado dos diários de Marcello Duarte Mathias, referente aos anos de 2017 a 2023. Gosto muito da sua escrita límpida e despretensiosa. "Escrever é ter consciência que cada palavra é única. Porque nenhuma tem sinónimos." E o autor sabe-o bem quando discorre sobre a "prosa à Augusto de Castro – breve, leve, cintilante, mozartiana", com "clareza e claridade". Ou como quando conclui, ao recordar Rubem Fonseca, umas páginas adiante, que a marca de qualquer grande escritor é não deixar ninguém indiferente. É de certo modo sentir "a força intrínseca que irradia de tudo o que escreve". Também no caso dele é assim. Sinto-me reconfortado num país onde o primeiro-ministro diz "será-lhe", onde são cada vez menos os que sabem ler e escrever, ao que eu acrescentaria os que não sabem falar nem comer, ter o privilégio de poder passar uns momentos com as suas reflexões. É viajar por outro mundo. E para outro mundo sem sair do quotidiano, apesar do regresso ser sempre doloroso. 

Entretanto, o editor enviou-me e estou entusiasmado com Played – The Games of the 1936 Olympics, em pdf, uma novela de Glenn Allen e Richard Kaufman.

Para além destes, encetados há pouco, tenho lido e consultado três livros em francês de que já aqui vos falei – Les Lieux du Pouvoir, Les Naufrageurs – Comment ils ont tué la politique e Le Chat et le Renard –, mais o pequeno romance O meu irmão Serge, de Yasmina Reza, e And Then What?, de Catherine Ashton.

Nota ainda para alguns outros que ultimamente, a espaços, vou relendo, debruçando-me sobre pequenas passagens. O clássico Sobre a Liberdade, de John Stuart Mill, é um dos contemplados. Nesta galeria ainda repousam, há algum tempo, de Serhii Plokhy, A Guerra Russo-Ucraniana, uma reedição de Strong Democracy – Participatory Politics for a New Age, de Benjamin Barber, e uma obra editada pela Taaschen sobre Ai Weiwei.

Não tarda e estes serão em breve substituídos por outros. É preciso dar a vez a todos.

E é quanto basta, por estes dias, para me manter longe da mesa de cabeceira, refugiado da canícula, e acordado durante o fresco e aconchegante silêncio da noite projectado pela luz do meu candeeiro.

Livros de cabeceira (4) – série II

Ana CB, 17.08.24

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Longe vão os dias em que só lia um livro de cada vez, e de uma ponta à outra. Quando por acaso não tinha leituras novas, relia algum de que já não recordasse bem a história (porque não me agrada ler um livro de que já sei o final, salvo raras e honrosas excepções). Nessa altura tinha menos livros e mais tempo, o inverso do que possuo actualmente: os livros vão aumentando em número, e o tempo parece cada vez mais fugidio.

Para meu grande desgosto, tornei-me uma leitora errática. Tanto sou capaz de ler um livro em dois dias como arrastar uma leitura ao longo de meses, e aos solavancos. Horror dos horrores, há livros que leio até certo ponto e depois simplesmente desisto e abandono-os – alguns na esperança de mais tarde conseguir pegar-lhes, outros já a saber que não vale a pena insistir, não consigo digeri-los com um mínimo de prazer. E leitura que não me dá prazer, não vale a pena (só se for por razões profissionais). Há por aí muitos livros à espera que eu os descubra e goste deles.

Na minha mesa-de-cabeceira os livros demoram-se, e por várias razões. A principal é porque para ler um livro físico à noite preciso de ter a luz acesa, e o gesto de fechar o livro, pousá-lo e depois desligar o candeeiro tira-me daquela agradável sonolência em que as pálpebras pesam e o cérebro já está meio desligado. A outra é porque há livros que não são para ler de uma só vez.

É o caso de “Tal como és”, de Ryōkan, com tradução de Marta Morais a partir do japonês. Haiku é um dos meus géneros preferidos de poesia. Saborear estes pequenos poemas, frequentemente deliciosos, é relaxante e predispõe-me para uma noite tranquila. Veio substituir na minha mesa-de-cabeceira um outro, que muito aprecio, de poesia Tanka dos séculos IX-XI (uma forma de poesia essencialmente feminina, precursora do Haiku).

Um híbrido de poesia e conto é o livro de Aline Bei, “O peso do pássaro morto”. A escrita original desta autora brasileira é maravilhosa e tem a capacidade de evocar, com poucas palavras, imagens em que a dor é protagonista, sempre associada ao amor nas suas várias versões. Com uma sensibilidade tocante.

Writing down the bones”, de Natalie Goldberg, é uma inspiração para escrever melhor. E também o oposto de um livro chato e absolutista sobre o acto da escrita. Gosto de ler um ou dois dos seus capítulos leves e bem-humorados, sobretudo ao fim-de-semana de manhã, depois de acordar. Fico com vontade de desatar a escrever.

Quanto aos livros de Virginia Woolf e Olga Tokarczuk, o título é o mesmo, “Viagens”, mas o conteúdo muito diferente. Enquanto a escritora inglesa descreve, em cartas e no seu diário, partes do que foi vendo nas suas viagens pela Europa, entrelaçadas com considerações sobre ela própria, os outros e o mundo, Olga Tokarczuk conta pequenas histórias – ficcionadas ou não, frequentemente estranhas, intercaladas com pequenos apontamentos – sobre pessoas em viagem, ou simplesmente a deslocarem-se de um ponto para outro; personagens com motivações várias, em épocas várias, um caldeirão humano onde cabe tudo, e sem ordem aparente. Em comum entre as duas escritoras, o facto de as viagens conduzirem à reflexão.

Invisíveis na fotografia mas presentes no smartphone que a tirou, dois outros livros que leio actualmente em formato de ebook. A obra de grande fôlego de Simon Sebag Montefiore “O mundo - Uma história da humanidade”, que degusto em doses homeopáticas e me tem vindo a mostrar que afinal não sei nada de História. E o recente livro de Carmen Posadas, escrito a meias com o seu irmão Gervasio, cujo título revelador é “Hoje caviar, amanhã sardinhas”. Num tom divertido, os irmãos uruguaios desfiam as memórias da sua vida nos vários locais para onde o pai, um diplomata, ia sendo enviado.

Viagens ao vivo e a cores, viagens através dos livros, viagens interiores. De uma maneira ou outra, mesmo recostada na cama ou no sofá, acabo por estar sempre a viajar.

Livros de cabeceira (3) - série II

Maria Dulce Fernandes, 10.08.24

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Tenho comprado poucos livros em papel. Como a maior parte das pessoas amantes de leitura, prefiro os livros com folhas aos livros digitais, mas, por uma questão de logística e facilidade de transporte, quase todas as minhas aquisições têm sido e-books da Wook, da Kobo ou da Biblio.

Apesar de pensar que iria ter todo o tempo do mundo para me dedicar à leitura, às viagens, aos passeios pedonais, à descoberta de pequenos tesouros históricos e paisagísticos no meu país e a novas aprendizagens, acabei por verificar que o tempo disponível não é muito. Entre cuidar dos netos, a hidroginástica, as compras, os exercícios culinários e outras tarefas domésticas, etc. não sobra assim tanto tempo.

E ler na cama é, para mim, uma prática condenada à partida, porque adormeço com grande facilidade. Vou lendo meia dúzia de páginas por dia e espero que Setembro me traga as duas semanas de farniente, aquele ócio que guardo ciosamente para pôr em dia a escrita e as  leituras.

O meu cunhado de Braga, que veio de visita, deixou-me dois presentes. Ambos se enquadram nas minhas preferências, de autor e escrita. “A Troca” de John Grisham é a continuação de “A Firma" volvidos quinze anos. Gabriel Garcia Márquez dispensa apresentações. “Vemo-nos em Agosto” é um excelente romance, fácil de ler e muito agradável. Ambos os livros são para ler, enquanto os outros são para ir lendo.

Hoje, estou esperançada de ganhar mais três ou quatro livrinhos de presente, mas, desconhecendo quais serão, pronunciar-me-ei sobre eles numa outra ocasião. Boas leituras.

Livros de cabeceira (2) - série II

jpt, 03.08.24

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Já o dissera na primeira série de "livros de cabeceira": este é-me "sítio de cabecear, assim de nunca trabalho. E quanto menos ando a ler mais os livros aqui apostos, alguns trazidos por mero fastio e depois aboletando-se, outros para rever só umas poucas páginas e depois esquecidos, mais aqueles vários que percorro em simultâneo, e uma ou outra escassa novidade". Ou seja, nenhum deles tem lugar cativo, alguns nem serão lidos, vieram para mera companhia, aguardando o regresso à prateleira devida.

É-me agora uma cabeceira solteira. Neste rumo, e com o passar do tempo, primeiro os livros ganharam o direito a pernoitar no leito, até dengosos a meu lado, plácidos pois nada ciumentos face às leituras alternadas (e distraídas, tantas vezes desamorosas) que lhes faço a desoras. E depois, um ou outro deles, tornados mais íntimos, arrogam-se mesmo a ali ficarem para matabicho e até "brunch", pois na manhãs de Verão nem os incomodo em arrumações, basta-me esticar lençóis e edredom. E se viesse a haver visita, companheira - sorri o mariola que em mim ainda habita, embora fenecido -, decerto seria bibliófila, não se atrapalharia.

Dorme comigo agora o "Faca...", a memória do atentado que Rushdie sofreu em Chautauqua, oferta do meu amigo Pedro. E me lembra quando evoquei os nossos que "compreendem" os terroristas islamistas, assim seguindo avessos à liberdade de expressão ao exigirem cerimónia - de "contextualização" e "multiculturalismo" feita -, que nada seja "ofensiva" das "crenças" alheias. Rushdie lembra alguns deles, os "democratas" - políticos, académicos, mas também escritores - que contra ele se indignaram, e que depois também desconsideraram os ataques aos caricaturistas franceses (e antes aos dinamarqueses, acrescento). Tal como se insurge contra os "correctistas" que querem a falsa pureza da "língua resgatada". Diz com alguma auto-ironia, diante do mais solidário ambiente que agora o acolheu após a convalescença: "Se a fortuna me tornou uma espécie de virtuosa Barbie, amante da liberdade, o Rushdie Liberdade de Expressão, abraçarei esse destino". E, denunciando a hipocrisia culturalista, culmina em grande "O respeito pela religião" tornou-se uma frase codificada que significa "medo da religião"." As religiões, tal como todas as outras ideias, merecem crítica, sátira e, sim, o nosso intimorato desrespeito". Mas o livro tem outros rumos, mostra o homem Rushdie, nas suas ambivalências, limites e vaidades. Ri-me quando - após criticar o fim da "privacidade" devido à mania das "redes sociais", - lembra ter colocado na véspera do atentado uma fotografia ("selfie"?)... na Instagram. E mais sorri, lá mais para a frente, com a nota da sua investida no Twitter. Afinal? E desilude-me quando simula um diálogo com o "A(sno)" que o atacou, páginas pouco vibrantes e demasiado autojustificativas, além das derivas "ensaísticas" sobre a religião, carregadas de um pobre evolucionismo oitocentista.

No monte, à espera, vem o "O Outro Nome", o I-II da septologia de Jon Fosse. A Ingrid, minha tão querida que eu não via há... 28 anos, ofereceu-mo durante o delicioso dia em que estivemos em Lisboa (e, tal como ela, quantos de nós - em tempos idos - não oferecemos Saramago a estrangeiros?, ufanos do nosso Nobel?). Já o provei, notei que é registo denso, monopolizador, incompatível com outras leituras simultâneas. Será em Agosto?, ou no mais soturno Inverno? Também aguarda, mas a fazer-me ansioso, o "No Cavalo de Pau com Sancho Pança", ensaio de Aquilino Ribeiro sobre Cervantes, que me foi dado pela Marta, oriundo da biblioteca do seu pai, o meu tão saudoso amigo Aventino Teixeira. Estou a acabar o "Histoire de la Province de Santa Cruz que nous nommons le Brésil", de Pero de Gândavo, autor louvado por Camões, o nosso primeiro livro sobre o Brasil (1576 - aqui em tradução francesa oitocentista), uma verdadeira pepita que nunca lera, uma atenta prenda da minha amiga Graça. E que decerto em breve será ululado pelos "reparadores da história", pois - enquanto descreve a magnífica natureza e as gentes lá alojadas - de modo bem despreocupado apresenta a boa vida dos colonos se dotados de mera meia-dúzia de escravos, quanto mais quando tendo centenas... Também por oferta, mas como se "institucional", chegou-me o "Monitoria de Políticas Públicas e Direitos Humanos em Países de Língua Oficial Portuguesa: uma Análise Comparada", que ainda aguarda o meu... sorriso descrente. E, ao invés, diante do meu sorriso crente na pilha mora o "A Trombeta do Anjo Vingador", um dos de Dalton Trevisan que comprei na última Feira do Livro. Tal como, e há pouco chegado, o "Derradeiro Suspiro Real", do nosso José Navarro de Andrade, um romance contrafactual (a República não foi...) que só descobri depois de há pouco lhe ter lido o "Terra Firme", do qual muito gostei.

Sou fraco leitor de revistas, é um suporte que nunca me agradou. Mas gosto de revistas antigas, legado dos meus pais... As literárias são uma verdadeira delícia - o tempo passado demonstra a recorrência das hipérboles, as loas aos livros "imperdíveis" já esquecidos, às grandes "revelações" entretando desvanecidas. Mas também trazem pérolas do passado, iluminações, reminiscências. Ali, já na outra mesa (como se com carimbo "visto"), de partida segue um suplemento da "Le Magazine Littéraire", o especial "Les années Apostrophes par Bernard Pivot", de 2015, simpática homenagem a Pivot que recuperei quando este morreu.

Em monólogo resmungão ressurgiu-me o tão sábio senhor Pangloss. E lembrei-me de há muito não (re)ler o "Cândido", de Voltaire. Preguiçoso estou, fui buscá-lo na versão portuguesa. E pude reviver esse precursor dos actuais turistas, algo intrigado com os nossos costumes locais: "Após o tremor de terra que destruíra três quartos de Lisboa, os sábios do país cogitaram em que o meio mais eficaz para prevenir a ruína total da cidade consistia em dar ao povo um rico auto-de-fé. Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espectáculo de várias pessoas queimadas a fogo lento, com grande cerimonial, era um seguro infalível para impedir a terra de tremer". E bem me rio com as suas espadeiradas, ainda que "cândidas", aos inquisidores e aos jesuítas, enquanto louva (sim!) o amor interracial - além de nos lembrar como se produzia a cana-de-açúcar que tanto adoça a vida. Pois, de facto, naquela sua correria (des)venturosa não fica pedra sobre pedra: "P: Mas então  com que  fim foi o mundo criado? R: Para nos enfurecer."

Uma (pequena) crónica por dia, ou um pouco mais, é como leio "A Bagagem do Viajante", antigos "dizeres de um fala-só" de José Saramago (o livro é de 1973), uns mais datados, outros bem menos: "não há dúvida que Portugal envelhece", concluiu ele há cinquenta anos após relatar o que o circunda, também já desagradado com os "flácidos" monumentos municipais, e notava seguirem já vetustas algumas expressões correntes, de tão pejorativas que soam. O naipe, mesmo se aqui e ali deixa perceber o que aí lhe vinha (como em "História do rei que fazia desertos"), muito mostra como se lhe transformou a escrita nas últimas décadas de vida.

Irritado (irritadíssimo, mesmo!) com umas disparatadas declarações sobre o passado português (publicitadas no "Público", claro, e que encontrei via Henrique Pereira dos Santos), retirei da estante e para aqui trouxe o belo "A Rota dos Escravos: Angola e a Rede do Comércio Negreiro", cujo texto fundamental é de Isabel Castro Henriques, o qual tem imensas (e apelativas) ilustrações. Entretanto ainda cá está o "Comme les Amours" de Javier Marías, mas engasguei-me na sua leitura, é provável que não a acabe. E, marinando na mesa, ali aportado em dia de maior negrume, a colecção "Ficções do Interlúdio" de Fernando Pessoa. Vou (re)lendo, mas com muito cuidado. Pois não me convém exagerar nisso do "O porto que sonho é sombrio e pálido..." Pois para pior já (me) basta assim.

Livros de cabeceira (1) - série II

Pedro Correia, 27.07.24

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Confesso: faço aqui uma pequena batota. A fotografia foi tirada em Fevereiro, a minha mesa de cabeceira mudou um pouco de então para cá. Não por ter menos livros, mas por acumular alguns outros em vez de uns quantos destes. 

É verdade: costumo ter vários em lista de espera. Não mais de dez, não menos de cinco. Assim empilhados, junto da cama. Sempre de géneros diferentes. Vou tirando o que mais me apetece - às vezes por impulso, às vezes por intenção deliberada. O que está por cima é aquele que me acompanha com maior regularidade. Será para ler até ao fim no mais curto prazo possível. E logo dá lugar a outro.

Assim aconteceu com Sagarana - edição já antiga, adquirida na Grande Livraria Santiago, outrora igreja, na bela vila de Óbidos. Senti alguma relutância inicial em mergulhar na densa prosa de João Guimarães Rosa, semeada de regionalismos e neologismos. Comparo-o nisto ao nosso Aquilino Ribeiro, de quem era costume dizer-se que só podia ser lido com um dicionário à mão. Desconfiança sem fundamento: é um livro fascinante, que nos transporta ao Brasil primitivo, rural, em que o ser humano parece inseparável da natureza em estado bruto, confundindo-se com ela.

O português recria-se pela pena inconfundível do autor de Grande Sertão: Veredas. Com ele viajamos aos confins de Minas Gerais, sua região natal, conciliando uma espantosa criatividade lexical com a ambiência juvenil das narrativas de aventuras.

 

O Gangue da Chave-Inglesa - trepidante romance ecologista norte-americano, publicado muito antes de o ambientalismo estar na moda - também já abandonou a minha mesa de cabeceira. Com nota muito positiva. Tal como já não consta O Outro Lado do Paraíso, romance de estreia de Scott Fitzgerald, publicado em 1920, quando o futuro autor de O Grande Gatsby pouco mais era do que um adolescente - e reflecte isso, na sua fragilidade que a escrita elegante mal disfarça. Outra obra entretanto removida foi Uma Casa Para Mr. Biswas, copiosa narrativa ficcional de V. S. Naipaul. Mais quantidade (de páginas) do que qualidade: não o considerei obra-prima.

Os restantes permanecem in situ. Alguns haviam sido abandonados a meio, por motivos diversos: aconteceu-me com as obras de Bellow e Canetti. Outros, nem os abri ainda. Chegará o seu tempo.

Tudo isto faz parte dos meus rituais de leitura. E dos pequenos prazeres quotidianos, em que os livros são marco permanente. Os anos passam, mas certas coisas nunca mudam.

Recordando alguns dos nossos livros de cabeceira em 2013

Pedro Correia, 04.01.14

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Patrícia Reis

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Eu

3 navarro.jpeg                                                         José Navarro de Andrade                     

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                                                            José Maria Gui Pimentel

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Teresa Ribeiro

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                                                                    Ana Vidal

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 Joana Nave  

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                                                         Helena Sacadura Cabral

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 Fernando Sousa 

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                                                          Ivone Mendes da Silva

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                          Bandeira                         

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  José Gomes André  

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                                                                    Leonor Barros

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 Laura Ramos

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                                                                     João Campos

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   Marta Spínola

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                                                              Ana Cláudia Vicente

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   André Couto 

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                                                             Ana Margarida Craveiro

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Ana Lima 

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                                                                            JPT

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  Sérgio de Almeida Correia

                                                                          Rui Rocha

Livros de Cabeceira (24)

Rui Rocha, 13.11.13

Em rigor, o Casate y Sé Sumisa ainda não está na minha mesa de cabeceira e, se tudo correr bem, não ficará por ali muito tempo. O meu objetivo é, conto com a vossa discrição, comprá-lo o mais depressa possível e colocá-lo lá como quem não quer a coisa. Depois é só esperar que a curiosidade feminina faça a sua parte. Se tudo correr bem, em menos de duas horas o livro terá transitado para as mão da belíssima proprietária da mesa de cabeceira situada do lado de lá da cama. A partir daí, e com a ajuda da providência divina e da editorial Novo Início, ligada ao Arcebispado de Granada, os ensinamentos ali recolhidos começarão a produzir efeitos. Bem sei que são 16 euros de investimento e a vida não está para loucuras. Mas o livro, originalmente publicado em Itália por Constanza Miriano e ali recordista de vendas, contém de acordo com os editores a fórmula, dirigida exclusivamente ao elemento feminino do casal, da obediência leal e generosa: a submissão. Uma pechincha, portanto. Já antecipando o sucesso desta iniciativa, colocarei também na minha mesa de cabeceira, em jeito de reforço da mensagem, o nº 167 (Janeiro de 1948) da saudosa revista Menina e Moça. Mais uma vez, conto com a curiosidade feminina como cúmplice. Se assim for, a belíssima proprietária da mesa de cabeceira situada do lado de lá da cama estará em breve a ler passagens tão inspiradoras como esta:

(...) Por conseguinte, a mulher ideal deverá ser boa dona de casa mas sem massar os outros com os acontecimentos caseiros, compreensiva dos gostos e necessidades alheios, afectuosa para a família do marido, pontual, discreta, económica, sincera e leal, com bom génio, dócil, séria, pouco tagarela e sem usar baton. 

 

É certo que os tempos são outros. Será caso de aligeirar um pouco a nota e creio que a utilização do baton poderá admitir-se em certas e restritas ocasiões. Mas, em tudo o mais, estaremos de acordo que a mensagem tem ainda uma espantosa actualidade. Se tudo correr bem, a minha vida mudará radicalmente. É que, como dizia Brecht (este já tenho à cabeceira) em a Apologia da Dialéctica,  a continuação da opressão depende de nós. E eu, pela minha parte, conto com o sucesso deste plano genial para mudar as coisas cá por casa. Agora, se não se importam, vou indo. Está na hora de fazer uma máquina de roupa. Branca.

Livros de cabeceira (23)

Sérgio de Almeida Correia, 11.11.13
 
Para se poder falar de livros de cabeceira, em primeiro lugar, é necessário que exista uma mesa de cabeceira ou algo parecido, em relação à qual possamos ter um sentimento de posse, onde exista a percepção de que aquele espaço nos pertence. Esta série apanhou-me não em terra de ninguém mas em cama alheia, num interregno entre dois espaços próprios, numa fase de instalação pessoal num mundo que vive oito horas à frente do fuso onde estão aos meus companheiros de blogue e a maior parte dos leitores.
Em segundo lugar, importa que se tenha o gosto de ler na cama, coisa que em regra não faço porque acho sumamente desconfortável. E também porque a concentração que a leitura muitas vezes pede obriga-me a tomar pequenas notas à margem dos textos - sempre a lápis - que podem assumir a forma de uma seta ou de um segmento vertical a marcar duas ou três linhas. Essas marcações são as minhas referências, o que há de interessante, o que merece atenção e registo, num sentido positivo ou negativo.
Não podia por isso, pelo que referi, apresentar-vos uma fotografia bonita, devidamente enquadrada, com obras da dimensão e profundidade daquelas que os meus antecessores produziram. Porém, o que venho de afirmar não quer dizer que não folheie, que não registe e não prepare leituras para quando estou fora da cama. Muitas vezes os livros que tenho ao pé de mim são os que ainda não iniciei a leitura e em relação aos quais pretendo ter uma abordagem preparatória. Para quando iniciar a leitura já possuir uma visão sumária do que me espera.
Neste momento, na mesa de cabeceira da casa onde estou provisoriamente a viver, tenho dois livros que há cerca de um mês me acompanham. O primeiro é de Almeida Garrett e trata-se de uma compilação, já com algumas dezenas de anos, dos Discursos Parlamentares, publicado pela Europa-América na colecção Saber. Garrett continua a ser para mim uma referência e nos tempos conturbados que Portugal atravessa é importante lê-lo muitas vezes. Não sei quantos dos nossos políticos e parlamentares terão lido Garrett e possuirão um conhecimento, mesmo básico, do homem, da obra e do seu pensamento, mas estou certo que se essa referência da nossa vida parlamentar, política e cívica fosse lida com mais atenção o País não teria chegado ao século XXI nas mãos de merceeiros rafeiros e ignorantes.
O outro livro que tenho lido é uma obra editada pela Tinta da China, bem mais recente e numa colecção que apesar da juventude consegue esforçadamente manter os dois "cês", que tem por título Um Gentleman na Ásiae por autor um dos meus preferidos: Somerset Maugham. Bem escrito e melhor traduzido, trata-se de um livro que as minhas colegas de escritório, na Rua de Portugal, acharam por bem ofertar-mo na hora da minha mais recente despedida antes de rumar a Oriente. Maugham apresenta-nos o registo de uma sua viagem por terras da Birmânia, do Sião e da Indochina. São histórias e pensamentos com os quais muitas vezes me identifico e que fazem parte do meu contínuo processo de aprendizagem das leis da vida, porque, também, como fizeram o favor de me escrever na dedicatória citando Theroux, só quem está confiante de que vai descobrir algo de novo é que parte para uma viagem como a que encetei no último dia de Setembro.

 

Tenho também outras leituras, mais adequadas ao momento que vivemos e que permite estabelecer comparações entre regimes, como um pequeno opúsculo de Raul Rego que tem por título Os políticos e o poder económico, edição do autor datada de 1969, dedicado à memória de Pedro Monjardino e aos seus companheiros da Unidade Democrática na candidatura ao Círculo de Lisboa. Por ali se vê que o conúbio entre a política e a dança das cadeiras nas administrações de algumas empresas tem uma funda e detestável tradição de que o actual regime não se conseguiu livrar.
Quanto ao mais, artigos académicos sobre o aparecimento dos partidos e sobre o partido como base para um eleitorado mais responsável, ou a Asian Legal Bussiness, revista de assuntos jurídicos, não me parece que tenham qualquer interesse para os leitores. Pelo menos para os que lêem esta coluna.

Livros de cabeceira (22)

jpt, 10.11.13

 

Sítio de cabecear, assim de nunca trabalho. E quanto menos ando a ler mais os livros aqui apostos, alguns trazidos por mero fastio e depois aboletando-se, outros para rever só umas poucas páginas e depois esquecidos, também ideias a médio prazo tornadas quase projectos de vida, mais aqueles vários que percorro em simultâneo, e uma ou outra escassa novidade, nisto tornando-a verdadeira mesa de cabaceira.  Os malambes d'agora:

 

"Memórias de um caçador de elefantes" (com 32 fotogravuras) de João Teixeira de Vasconcelos (Porto, Maranus, 1924) com prefácio de Raúl Brandão, com longa dedicatória manuscrita do autor para o meu avô materno, seu amigo, a história de um caçador de elefantes pós-1914 em Angola (vou no planalto de Mazenquele), vista sob o prisma da época, o da grandiosidade épica da caça. A seguir, à espera de entrar, o recente de Ungulani Ba Ka Khosa, "Entre as Memórias Silenciadas" do qual me chegam veementes elogios. Atrás o "Odisseia", dito de Homero, tradução de Frederico Lourenço, que releio com olhos de ler (a acabar até ao final do ano); o "Rosa do Mundo. 2001 Poemas Para o Futuro", a oferta final do excelente Hermínio Monteiro, que aqui vive pois gosto das cosmogonias nele coleccionadas; o "O Escritor-Fantasma" de Zoran Zivkovic, uma delícia, e também porque o primeiro livro que a minha filha me ofertou, narrando um escritor viciado na troca e-mails, uma fantástica intuição dela nos seus 10 anos, filha de blogomaníaco, e que aproveito agora para arrumar. Também "A Biblia Sagrada contendo o Velho e o Novo Testamento", autoria colectiva (por vezes dita divina), "traduzido em portuguez pelo padre João Ferreira D'Almeida" (Lisboa, 1877), exemplar de um meu bisavô patrilateral, 1252 páginas em pequena letra que me prometi ler até aos 50 anos, que não posso continuar a conhecer apenas o Genesis. No topo traseiro o "O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote da Mancha", de Miguel De Cervantes, tradução de Daniel Augusto Gonçalves, uma saborosíssima releitura (que acompanha a minha tentativa de escrita de um artigo sobre antropologia e Portugal a que chamo "Sendo Sancho Pança"). Sob ele está outro residente de longo termo, também vagorosa releitura, "As Quybirycas" de Iohannes Gabaratus (aliás António Quadros), um poeta gigante que o engraçadismo português faz por esquecer (deixo "ligação" para alertar à urgência da sua leitura). No canto direito, em acções mais curtas, estão "O Que Diz Molero" de Dinis Machado, para reler que só o li quando miúdo, então acabado de publicar (edição Círculo de Leitores) e que me deixou uma belíssima memória; "A Ilustre Casa de Ramires" de Eça de Queirós, que chegou ontem para uma tetraleitura que com toda a certeza não terminarei, pois também não interessa, bastará fruir o encanto; "O Falador" de Vargas Llosa já terminado e recomeçado, um não excelente livro mas dedicado à antropologia, daí o recomeço a ver se dele faço algo. E no cimo "Gente Pobre" de Dostoéivski, uma tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra. Casal o qual, nas suas múltiplas versões, reside constantemente nesta cabaceira.

 

O "Na Minha Morte", de Faulkner, quase concluído, estava aberto em cima da cama, esquecido ficou na fotografia de grupo. Paciência, não se tivesse atrasado.

Livros de cabeceira (21)

Ana Lima, 09.11.13

 

Tenho dois pontos prévios a referir antes de vos falar acerca destes meus livros de cabeceira: é que nem são “livros”, nem são “de cabeceira”.

Começando pela questão da cabeceira: acho que não leio na cama desde, pelo menos, o nascimento da minha primeira filha. Esse hábito teve o seu auge na adolescência, altura em, sempre que podia, ficava manhãs inteiras deitada a ler. Actualmente na minha mesa de cabeceira raramente há livros. Esta foto foi portanto "encenada".

Por outro lado, padecendo eu de um certo distúrbio obsessivo-compulsivo (não diagnosticado e, creio eu, de pouca monta) raramente leio mais que um livro em simultâneo. 

No entanto, actualmente, por motivos profissionais, estou a ler esta obra de 1968, de Henri Lefebvre dedicada às questões da cidade e do urbano que só o ano passado foi publicada em Portugal. Já tinha lido excertos noutras circunstâncias mas nunca todo o texto que é um clássico para quem trabalha na área.

Nesta fotografia está também o pequeno livro que me tem acompanhado nos últimos dias. As suas folhas amareladas não recomendam sequer a sua permanência junto ao local onde se dorme. Comprei-o (numa daquelas vendas de livros nas estações de metro) por três razões. A primeira prende-se com a minha memória. O único livro que li deste autor (não sei qual, confesso), era eu adolescente, foi na mesma altura em que li "As Vinhas da Ira" do seu contemporâneo Steinbeck. Mal vi este "Um rapaz da georgia" apeteceu-me recordar aquela escrita e aquelas personagens tão marcadas pela dura vida no sul dos EUA, na primeira metade do séc. XX.

A segunda razão tem a ver com o objecto em si: um pequeno livro, uma edição de 1954, com muitas ilustrações de Birger Lundquist, que trabalhou sobretudo em jornais; desenhos de traços finos que acompanham as cenas facilitando muito a entrada nos ambientes descritos. 

A terceira razão de que queria falar tem a ver com o facto de a tradução e o prefácio serem da autoria de Jorge de Sena. 

Deixo-vos uns excertos desse prefácio: "... a ternura comovida e o riso poderoso das cenas ridículas, que são o estofo das suas páginas, deixam um travo amargo e um aumentado amor da liberdade, da justiça, da dignidade humana, noções cuja autenticidade as suas personagens mesquinhas e empobrecidas só caricaturalmente atingem... Neste caso de Georgia boy, publicado em 1943, o apelo toma a forma de uma voz de criança perdida na noite e implorando a toda a humanidade (de que o leitor rindo-se dele, da família dele e dos que o rodeiam, faz parte integrante) que o deixe ser livre e conscientemente um homem. Ainda quando não concordemos com a afinação da voz, ou ela nos não pareça portentosa, é uma voz humanizada. 

E se não é para assim nos ouvirmos uns aos outros que por aqui andamos, não se percebe muito bem porque seremos tantos e teremos voz."

Livros de cabeceira (20)

Ana Margarida Craveiro, 08.11.13

 

Nunca escrevi tanto como agora, e nunca escrevi tão pouco. O mesmo se aplica à leitura. Cada vez mais, chegar à cama é para dormir, e a pilha de livros até me envergonha, pelo tempo que demora a desaparecer. Sempre tive livros à minha volta, em fases diferentes da leitura, e muito diferentes entre si. Esta mesa de cabeceira reflecte bem isso: uma autobiografia de Bernard Ingham (Kill the Messenger...Again), com a importância da mensagem de um Governo, o Thinking, Fast and Slow do Daniel Kahneman, encontro procuro explicações para mim própria, o Férias de Agosto, de Cesare Pavese (tenho vergonha de dizer a página em que vou, há meses) e finalmente um policial nórdico, a roçar o terror, Lembro-me de Ti, da Yrsa Sigurdardóttir, a ver se consigo estar acordada mais uma meia horita.

Não gosto de muita confusão à volta dos meus livros: há um candeeiro, de luz abundante (chega-me a miopia que tenho), o meu Tivoli, a obrigatória embalagem de Aerius e um biberão vazio, de alguém que gosta de camas quentinhas nas primeiras horas da manhã. E assim me apercebo de como a minha vida cabe bem num post sobre livros de cabeceira.

Livros de cabeceira (19)

André Couto, 07.11.13

Divido a mesa de cabeceira em três, como se de uma roda dos alimentos se tratasse.

Num canto um livro mais relacionado com política, e a sua ciência, uma das áreas que mais me prendem.

Actualmente, e por muito tempo, estou a ler Ideologia e Razão de Estado, de Jaime Nogueira Pinto, leitura obrigatória que tanta falta faz à maioria da nossa classe política.

Noutro canto dou lugar à fantasia, à vivência de outras histórias e mundos. Debruço-me então sobre Lídia Jorge e o seu Combateremos a Sombra, onde vou psicanalisando o psicanalista Osvaldo Campos.

Porém nem só de livros vive o espírito.

Tendo o mau hábito de ter televisão no quarto, os DVDs também marcam lugar.

The Stanley Kubrick Collection, já a ser percorrida pela segunda vez, é o embalar definitivo, e o aglutinador das pragas que rogo de manhã, percebendo que mais uma vez não dormi o que devia...

Livros de cabeceira (18)

Ana Cláudia Vicente, 06.11.13

Há quem tenha nenhuma; eu tenho duas que também não o são.

No subúrbio lisboeta a última prateleira da estante que fica acima da cama contém livros de trabalho, algumas colectâneas de ficção, crónicas e poesia. Em termos historiográficos, o segundo volume da História da Vida Privada em Portugal, coordenado pelo Nuno G. Monteiro e dirigido por José Mattoso; é a época que mais desconheço, a Idade Moderna, aquela que mais subestimei durante e depois da licenciatura - agora, como dizem os primos brasileiros, vou correndo atrás do prejuízo. Um pouco mais abaixo está o volume do Luís Salgado de Matos sobre A Separação da Igreja e do Estado em Portugal, outro acerca da Questão Religiosa no Parlamento (1935-1974), da Paula Borges - República e Estado Novo, os tempos que mais me interessam.

Há depois uma rima de pequenos Essenciais da INCM mesmo abaixo daquela gambiarra ultrabarata e suficientemente eficaz do ikea, de Averróis a Adolfo Casais Monteiro; gosto muito da simplicidade nada desprendida da correcção científica que demonstram quase todos os opúsculos desta colecção.  Constam ainda um Mazagran, de J. Rentes de Carvalho, e as Fábulas de Jean La Fontaine (uma das poucas obras que releio). Depois vêm os chamados novíssimos, Daniel Faria e Pedro Mexia: a Obra Completa de um, a Vida Oculta de outro.

 

 

A outra cabeceira assolapada é um camiseiro e vive numa aldeia alentejana, afeito à existência de uma professora de cidade pequena: testes sumativos e monografias regionais; Manuel Antunes, bom para quem teima em não desistir nem sair do país; Manuel Ribeiro, um dos alentejanos mais interessantes e inquietos do século passado; Luiz Pacheco, dose de vidas que não consigo compreender, mas preciso conhecer.
Quanto vou conseguindo ler? Pouco, devagar. Há não muito, virava quatro livros por semana. That was then. Isto é agora.

Livros de cabeceira (17)

Marta Spínola, 05.11.13

 

Adormecer a ler é das melhores sensações do mundo. Aquela altura em que leio e releio a mesma linha, teimo com o sono e as pálpebras, já não vejo nada mas quero ver. Gosto muito, desde criança. 

Sempre andei com livros atrás e em pilha, mesmo que os deixe a meio ou a preguiça ciclicamente me impeça de ler ao ritmo e na quantidade que idealizo em esboços imaginários de "daqui para a frente vou ser assim". Nunca sou. 

Sempre tive pilhas ao lado da cama, ou em cima como é o caso por estes dias. Reduzi-a recentemente ou teria de lhe arranjar uma almofada também, já que partilhamos a mesma cama. 

Explicando: há sempre um livro de mesinha de café para folhear pontualmente, no caso o dos Sopranos (alterno com uma fotobiografia de JFK e todas as crianças Kennedy em Martha's Vineyard numa altura em que as tragédias eram menos (sempre as houve na família, já sabemos).

Há sempre uma ou outra revista, a Time Out vê-se bem e não pesa. Fica a representar bem essa camada da minha cabeceira. 

O "Por Entre As Guerras", de Mário de Carvalho é daqueles livros (tal como o de Leonardo Da Vinci) que já li mas gosto de reler de vez em quando, com a vantagem de cada capítulo ser um relato de um conflito diferente e poder saltitar por entre as guerras. Gosto muito deste testemunho bélico na primeira pessoa, muito respeito por este impressionante cv de quinze cenários de guerra para captar imagens.

Por último, mas no topo, sempre o livro que leio actualmente. No caso "Abraço" de José Luis Peixoto. Ainda no início, salientarei apenas que gosto sempre de ler um autor que domina a nossa língua, e José Luis Peixoto além disso é de uma sensibilidade extraordinária nos seus livros. 

Livros de cabeceira (16)

João Campos, 04.11.13

Talvez o artefacto mais curioso da minha ínfima mesa de cabeceira não seja algum livro, mas sim o relógio - um banalíssimo despertador digital, de dígitos encarnados, quase tão antigo como eu. É certo: na nossa época, e felizmente, vinte e oito anos não combinam muito bem com o adjectivo "antigo" no que às pessoas diz respeito; já o mesmo não se poderá dizer sobre aparelhos electrónicos. E nota-se. Está gasto, o aparelho: os botões funcionam mal há anos, o indicador de que o despertador está ligado já nem aparece no mostrador. Mas continua a funcionar, enfim, como um relógio (bem sei, o trocadilho é fácil, e pior, óbvio); e se o indicador falha, já o despertador continua a soar estridente como sempre. Terá sido uma das minhas tias-avós a residir no estrangeiro que deu o relógio lá para casa - e, sem outro lugar para ocupar, acabou por se instalar no meu quarto, e por vir para Lisboa comigo há uma década. Após tantos anos, já se tornou um hábito ver aqueles dígitos rubros antes de adormecer, ou ao acordar.

 

Mas adiante, que o tema do artigo não é relojoaria, mas sim livros. Sempre tive o hábito, mais ou menos regular, de ler na cama. Nem que seja um único capitulo de um livro, ou apenas duas páginas de uma banda desenhada; regra geral, porém, acaba por ser bem mais do que isso, e não é incomum distrair-me na leitura até começar a ver claridade pelas portadas da janela. Por isso, há sempre livros na minha mesa de cabeceira. Serenity: Those Left Behind é uma banda desenhada do universo ficcional criado por Joss Whedon para a extraordinária e malograda série televisiva Firefly; encontrei-a há uns anos numa loja de banda desenhada de Lisboa e não resisti: as aventuras da tripulação da nave "Serenity" são demasiado boas para deixar passar, venham em que formato vierem. Logo de seguida, um pequeno livrinho de poesia, um dos poucos da minha biblioteca. Não sou leitor habitual de poesia, admito, mas regresso sempre a Edgar Allan Poe; e esta Complete Poetry há muito que deixou de apanhar pó na estante para conquistar lugar cativo na mesa de cabeceira. Segue-se ficção científica, como não podia deixar de ser: World of Exile and Illusion, colectânea dos três primeiros romances publicados por Ursula K. Le Guin entre 1966 e 1967 (Rocannon's WorldPlanet of Exile e City of Illusions). Será uma das minhas próximas leituras. E, no topo, o livro que me tem ocupado nos últimos dias: River of Gods, do britânico Ian McDonald, uma história fascinante e multifacetada de ficção científica passada na Índia. Dele já li Brasyl, uma excelente história tripartida num Brasil passado, presente e futuro (que aproveito para recomendar) e, mais recentemente, Desolation Road, o seu romance de estreia ainda nos anos 80, uma história ousada que transporta um realismo mágico sul-americano e uma certa nostalgia bradburyana (passe o neologismo) para um Marte futurista. Ian McDonald irá estar em Portugal em breve, como convidado especial do Fórum Fantástico; nada como actualizar as leituras antes de ter a oportunidade de estar à conversa com o autor. 

Livros de cabeceira (15)

Laura Ramos, 03.11.13
Ao contrário do que me acontecia em criança (depois do 'recolher obrigatório', eu e a minha irmã líamos às escondidas, com a mão na pera do candeeiro para ser premida ao menor som de passos) hoje em dia leio durante pouco tempo, na cama. Deito-me sempre demasiadamente tarde, e os livros com enredos empolgantes, aptos à devora, não são consentâneos com a disciplina do sono, que nunca fez parte dos meus amigos íntimos. Por isso, os livros que moram na minha mesa são sempre do género que aguenta uma leitura intermitente e que nunca perdem interesse: autobigrafias, poesia, correspondência.
No caso, a obra de Jaime Nogueira Pinto, Jogos Africanos: se não leram, não percam este relato fascinante e autêntico sobre uma África portuguesa que eu nunca conheci e que finalmente, começo a entender.
Depois, Os Dias e os Anos, Diário 1970-1993, de Marcello Duarte Mathias: o período diz tudo sobre a minha curiosidade. Não é propriamente um relato político, mas é a política que o envolve, numa prosa muito bem escrita em episódios, apontamentos ou reflexões que nos arrancam sorrisos, como no caso do retrato de Mário Soares, manso mas certeiro, a páginas 106. É claro que tem de ser-se muito complacente para aturar aquele outro lado deselegante da sua intelectualidade que irrompe, indisfarçável, aqui e ali: a soberania pesporrente, muito à la diplomate, assim como se detivesse a chave da plenitude lógica, ética, estética da vida.
Por fim, a inesgotável Poesia Completa e Prosa, de Vinicius de Moraes, brochura com muitos anos e com lugar cativo. Este está longe de ser O meu poeta, entre os tantos de quem dependo, mas é talvez a música que acompanha os seus versos aquilo que me faz transportar para o calor de trópicos e para uma vida que gira em torno dos sentidos, sem horários nem regras... Quem não queria tê-la? 
Ainda um dia hei-de voltar a ler até clarear, lá fora...

Livros de cabeceira (14)

Leonor Barros, 02.11.13

 

“At the end of a school day you leave with a head filled with adolescent noises, their worries, their dreams. They follow you to dinner, to the movies, to the bathroom, to the bed.”

Frank McCourt, Teacher Man.

 

O malogrado Frank McCourt da minha querida Ilha Esmeralda não poderia ter descrito melhor este mester de se ser professor. No fim do dia são os momentos falhados, as frustrações de se saber que talvez se pudesse ter feito melhor, as expressões do olhar. Ontem trouxe uma dessas para casa, agarrada a mim, os olhos aflitos da rejeição, as lágrimas quase a saltar. E estarão comigo. Seguem-me. Perseguem-me. E depois há os momentos bons, plenos, conseguidos e que dão sentido à profissão, um sorriso, um caminho bem trilhado, uma aula bem-sucedida e o sorriso que fica quando abandono a escola, atravesso a estrada e julgo que assim a deixei lá, os deixei lá, enganando-me a mim própria.
A minha mesa-de-cabeceira é ecléctica. Nunca tem apenas um livro e reflecte sempre o que sou: professora, mulher, leitora curiosa que paira por vários sítios, escolhe um poiso temporário e parte para outras paragens. Tenho entre mãos os manuais de Alemão, um livro de sugestões didácticas e, por fim, um empréstimo de uma colega, A Purga sobre a história de duas mulheres que se cruzam na Estónia depois da queda do Muro de Berlim, um dos meus momentos preferidos da História. Para a semana mudarão. Manter-se-á A Purga, vou sensivelmente a meio, e outros substituirão os manuais. Sou muitas e nunca sou a mesma.

Livros de cabeceira (13)

José Gomes André, 01.11.13

 

Três paixões: clássicos russos, biografias e história alternativa. Dostoievski é provavelmente o maior escritor de todos os tempos. "Os Irmãos Karamazov" e "Crime e Castigo" são livros que releio com frequência. Nunca encontrei melhor descrição do abismo que habita a natureza humana. Lutero é uma figura decisiva da história europeia, mas do qual na verdade pouco se sabe. Esta biografia descreve-o como um fanático com pretensões políticas e sugere que, sem figuras alternativas (como Calvino), o protestantismo não teria certamente resgatado a Europa do seu sono dogmático. Harry Turtledove é um mestre da ficção científica e este livro não escapa à regra: e se o Sul tivesse acesso a milhares de Ak-47 e derrotasse o Norte em 1864? Decorrendo em torno da notável figura de Robert E. Lee (de longe o maior general da Guerra Civil, um grande cavalheiro que se juntou ao Sul por amor à sua Virgínia natal), imagina uma América dividida e a continuação do grande debate sobre a escravatura no Novo Mundo.

Nada disto tem qualquer relação entre si? Há 32 anos - quase 33 - que vivo imerso em contradições e não vejo jeito nenhum de a coisa melhorar.