A surpresa
Muitos emigrantes portugueses na Europa votaram no Chega e temos de perguntar o que se passa com o projecto europeu. As votações mais expressivas foram na Suíça, Luxemburgo e Brasil, mas em todos os consulados da UE houve forte inclinação para a formação de extrema-direita, o que é surpreendente, já que os dois círculos eleitorais da emigração escolhiam tradicionalmente os dois grandes partidos e havia tendência para voto útil. Talvez parte da explicação esteja na política interna dos países, com marés de protestos eleitorais que terão profundo efeito nas eleições europeias de junho.
A Europa está a mudar depressa, tem medo da Rússia e desconfia dos EUA, criou um sistema que não é socialista nem liberal, que avaliou por cima as suas capacidades. Na crise das dívidas soberanas, a solidariedade dos ricos foi um simulacro. O bar aberto das migrações, em nome dos "valores europeus", visou conter os aumentos de salários e prejudicou os mais pobres. A tecnocracia não eleita de Bruxelas humilhou Estados-membros, teimou em erros, nomeadamente insultando países terceiros. Parte da classe média empobreceu, os protestos dos trabalhadores foram ignorados, os serviços públicos degradaram-se, a despesa social diminuiu, as indústrias partiram para a Ásia, os privilegiados promoveram guerras culturais identitárias que a população recusava.
A estratégia da guerra da Ucrânia, subordinada desde o início aos interesses americanos, deu a machadada final: dependíamos da energia barata vendida a pataco por Moscovo, agora não temos meios para enfrentar uma Rússia que não se rendeu após as primeiras sanções. A hipocrisia ocidental é evidente e está em curso uma mudança que implica enterrar de vez as ilusões federais, embora o pânico dos políticos continue a impedir qualquer rasto de lucidez.
Os nossos emigrantes na Europa votaram maioritariamente no Chega e alguns observadores interpretam isso como a escolha da ralé pouco esclarecida. Esquecem-se daquilo que escreveram sobre os milhares de compatriotas forçados a emigrar por não terem condições de trabalho compatíveis com os seus altos diplomas académicos.