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Delito de Opinião

Em alemão

Cristina Torrão, 06.02.24

Publiquei o meu primeiro livro em alemão.

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O texto já tem aliás uns bons anitos. Foi com esta história que me iniciei na blogosfera, em 2010. Não passou despercebida, foi referida pelo falecido jornalista Pedro Rolo Duarte, num programa radiofónico, incluindo leitura de um excerto.

Tive, no entanto, de mexer muito no texto. O formato em que foi publicado tem regras muito definidas, nomeadamente, no que diz respeito ao número máximo de caracteres. Não foi fácil, cheguei a pensar não o conseguir. Mas desistir nunca foi meu apanágio.

Decidi apresentar-me como Cristina Santos, por duas razões. Ninguém consegue pronunciar o nome Torrão, por aqui. E, se alguém se lembra de recomendar o livro, não lhe quero dificultar a vida. O segundo motivo é a dificuldade que tenho sentido, em Portugal, em vender os meus livros. Perguntei-me então se o apelido Santos me daria mais sorte. Nem chega a ser um pseudónimo, pois faz parte do meu nome. Foi-me transmitido por um bisavô materno, que nunca conheci, mas cuja história de vida me emociona. Foi um exposto da Santa Casa de Lisboa, com apenas duas semanas de vida. Baptizaram-no Carlos da Graça e Santos. Sinto-me feliz ao honrá-lo desta maneira.

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Gostaria ainda de referir que este projecto não seria possível sem a preciosa ajuda do meu marido Horst Neumann. Apesar de possuir o meu “canudo de Germânicas” e viver neste país há trinta e um anos, ainda tenho problemas em certos pormenores gramaticais. E não seria capaz de dar um livro à estampa, sentindo dúvidas desse tipo.

O livro está à venda numa plataforma online, surgida recentemente no mercado alemão, a StoryOne, com sede em Viena. Este ano, a StoryOne tornou-se mais atractiva ao estabelecer uma parceria com uma das maiores redes livreiras alemãs, a Thalia. Um júri irá apreciar as publicações submetidas até 10 de Março e escolherá cerca de cem, que serão postas à venda, em papel, nas cinco principais filiais da Thalia: Hamburgo, Berlim, Colónia, Düsseldof e Viena.

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Estou tão entusiasmada com este tipo de projecto, que o segundo livro já está em preparação (cada pessoa é autorizada a participar com o máximo de três obras). No cinquentenário da nossa revolução, escolhi um conto baseado em certos aspectos do 25 de Abril, que tenho na gaveta há cerca de três anos. Além da tradução, não precisei de mexer muito no texto, pois não excedia o número de caracteres exigido. Falarei em breve desse projecto também.

Desejem-me sorte!

A Morte da Livraria Barata

jpt, 05.08.23

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Eu lembro-me da antiga Barata - tende calma, eu não sou do tempo dos livros (semi)proibidos "debaixo do balcão" que alguns lá iam buscar, pois velho sim mas nem tanto... E lembro-me do gentil mas sempre algo soturno Senhor Barata por lá. E também da comoção que sobreveio na sua infausta morte. E mais me lembro, já bem adulto, do "frisson" lisboeta quando a Barata se renovou, ainda com o dono presente, o ar de modernidade que trouxe, livraria espaçosa, elegante, fresca, com calçada portuguesa interna (um arrojo, na época), as estantes duplas preenchidas de bons e recentes livros - e não mero depósito semi-alfarrabista. Lembro-me das horas passadas lá, em era de bons ordenados. Lembro-me ainda mais de vir de Maputo a férias, essas que não eram "a banhos" mas sim "a livros", e de no dia seguinte à chegada já lá estarmos - até porque não havia só bons livros mas também bons livreiros, empregados que sabiam da poda e eram gentis. E da secção de discos (CDs, então) que foi crescendo em importância - a "Lisboa" sazonal era-nos família, amigos, uma ou outra refeição mais pitoresca, a roupa para a miúda sempre medrando. E livros, na Barata.

Nos últimos anos deixei de lá ir. Pois casa apinhada de livros por ler, bolsa leve, ânimo desvanecido, tudo isso... Pouco dela soube, talvez apenas que o bom do António Cabrita viera de Maputo para lá ser empurrado por um poeta mais aguerrido (mas talvez menos poeta), em estardalhaço literário que já não é dos nossos tempos... No Verão passado passado passei por lá e condoeu-me o "estado da arte", poucos livros, escassas revistas, umas montras preguiçosas a embrulharem a amostragem das parafernálias "digitais" ali já espalhadas. Deprimi-me, senti-me tão velho como sou, fugi - e botei sobre isso.

Leio agora que a Barata acabou - a loja chinesa que ali se instala informa que continuará a respeitar o património etc e tal. Venderá as suas quinquilharias durante algum tempo, alguns anos talvez. Depois virá outro retalhista de um qualquer pechisbeque. Não condeno. Mas lamento imenso.

A Livraria Martins

jpt, 26.08.22

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(Como ontem se inaugurou a Feira do Livro de Lisboa deixo este postal sobre uma livraria que acabo de conhecer)

Vim a Lisboa para a ver, querida e antiga amiga, companheira em Moçambique, ela andarilha lá e no mundo, agora regressada após meses, quase um ano, na "Pérola..." e a calcorrear os "distritos", para minha - até dolorosa - inveja. Abraçamo-nos, eu sigo no defeito da franqueza e "estás óptima", ela riposta, impiedosa connosco num "estou nada, estou velha!", eu rio-me, pois por mim concordo (e muito) mas não nela, que sempre lhe noto o viço do olhar límpido, esse daqueles que ainda se conseguem encantar. Com lucidez...

Sentamo-nos na esplanada, ali junta à Avenida de Roma, as cercanias dela. Encaramos o célebre - pois "dos tempos" - "Cockpit", enfrenta ela um cocktail vistoso, eu a monástica imperial, e juntos depenicamos um qualquer petisco elegante. E mergulho, até sôfrego, no que me narra sobre esse do Niassa ao Maputo que agora voltou a percorrer, dos trâmites do seu enérgico trabalho, e uns laivos (a meu pedido) sobre os amigos comuns. Não vertemos saudosismo - o muito que então nos foi bom assim nos ficou -, ambos isentos do cândido sonho de regressar ao passado. Temos, sim, interesse: o meu nela, e seus passos, e espero que tal lhe seja recíproco, apesar do baço que manco. E sobre o país, daqueles tão enviesados rumos e esdrúxulos discursos, isso tudo que quando por lá até deixamos de estranhar mas que - e felizmente - nunca se entranhou.

 

 

Até sempre, Barata

Pedro Correia, 29.05.20

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Sou há muitos anos cliente assíduo da Livraria Barata, na Avenida de Roma. Tenho até cartão de cliente, que permite um desconto residual em livros, de que ali me abasteço regularmente. Também nesta livraria lisboeta habituei-me a comprar com regularidade imprensa estrangeira há quase década e meia.

Desde que foi declarada a pandemia, a Barata fechou - como aconteceu com todos os estabelecimentos do ramo, que já atravessavam uma severa crise antes de o Presidente da República e o Governo - sabe-se lá porquê - terem considerado que as livrarias não mereciam ficar abertas durante o "estado de emergência". Ao contrário dos quiosques, das mercearias e das tabacarias. 

Na altura, não ouvi um sussurro de protesto dos chamados "agentes culturais". Todos acenaram, em sinal de concordância.

 

Entretanto, a Barata reabriu.

Acontece que desde então já tentei duas ou três vezes, mas ainda não consegui lá entrar. Motivo? Embora tenha uma área muito grande, só permitem um máximo de dez pessoas dentro do estabelecimento.

Em pelo menos duas ocasiões vi uma fila à porta, estendendo-se para o passeio: gente forçada a usar máscara, aguardando à torreira do sol, suando em bica, com notório desconforto.

Disse logo com os meus botões: nem pensar em aturar isto. E rumei a outras paragens.

 

Hoje, ao fim da manhã, tentei uma vez mais - talvez a última - entrar na Livraria Barata.

Não vi nenhuma fila à porta, fui avançando. Deparo-me então com o Presidente da República, mais a respectiva comitiva, acrescida de um batalhão de jornalistas. Todos juntos, perfaziam mais do dobro do limite máximo de pessoas estipulado. As regras "rigorosíssimas" haviam sido mandadas às malvas.

Disseram-me que Marcelo Rebelo de Sousa estava ali para "declarar o apoio" à livraria, que enfrenta sérias dificuldades de tesouraria, sem saber se conseguirá pagar os salários neste fim de mês. Aplaudo a generosidade do Chefe do Estado. E espero que Marcelo faça o mesmo com milhares de outras empresas deste país onde muita gente trabalha sem ver a remuneração a que tem direito. Pelo mesmíssimo motivo.

 

Tudo isto é muito bonito. Acontece, no entanto, que voltei a ver-me impedido de ali entrar. Escorraçado pelo sol, pelas filas, pelas absurdas regras de "confinamento" e hoje até pelo Presidente da República mais a sua comitiva.

Sem acesso à livraria, rumei ao talho mais próximo, onde me abasteci de imediato com 600 gramas de entrecosto, e vim para casa preparar o almoço. Despedindo-me da Barata, por prazo indefinido. Com um até para o mês que vem ou um até nunca mais, não faço ideia.

Há sempre um fim para tudo.

Burrice apenas

Pedro Correia, 02.07.19

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Mania tão nossa esta, a de alterar os nomes às coisas. Como sucedeu com Uma Agulha no Palheiro, de Salinger, entretanto baptizada com um título horrível, À Espera no Centeio. E com a já clássica Cabra-Cega de Roger Vailland, que passou a um insípido Jogo Curioso. Ou - pior ainda - com o magnífico Monte dos Vendavais, de Emily Bronte, transformado sucessivamente em O Monte dos Ventos UivantesO Alto dos VendavaisA Colina dos Vendavais.

Ainda há dias vi dois destes títulos diferentes para crismar a mesma obra alinhados numa livraria em Lagos: surgem documentados nesta fotografia, como irmãos siameses. Interrogo-me se estaremos perante simples manha comercial para iludir uns incautos (que pensam adquirir uma obra diferente daquela que já terão lá por casa) ou mera vontade de mudar o que está bem, outra mania muito nossa. Sem absorver um salutar princípio colhido do futebol: em equipa que ganha não se mexe. Dos livros devemos dizer o mesmo.

Desonestidade intelectual, em qualquer dos casos. Ou nem isso: burrice apenas.

Lamento

Pedro Correia, 09.01.19

Uma das melhores livrarias de Lisboa, de que fui durante anos visitante e cliente habitual, era a Bulhosa, situada no extremo sul do Campo Grande, já quase em Entre-Campos. Um dia, há pouco mais de um ano, encerrou "para inventário", como rezava o letreiro. Não voltou a abrir: morreu assim, ingloriamente, perante o alheamento quase total desta cidade que anda de costas ostensivamente viradas para a cultura.

Há dias passei por lá. Onde morou a Bulhosa está agora um desses estabelecimentos pindéricos que prometem "depilação total nas axilas e nas virilhas" em letras garrafais estampadas à entrada. É uma actividade em expansão, ao que parece. A malta preocupa-se com a fachada e marimba-se para o intelecto: os neurónios não propiciam fotos giras no Instagram.

Lamento, claro. Mas não estranho. Ainda há pouco, numa roda de amigos com um nível cultural supostamente acima da média, perguntei-lhes quantos livros tinham comprado em 2018. Zero, nada: nem um. «Li por obrigação quando andava na escola, felizmente hoje já não preciso disso», respondeu um, sem sombra de ironia. Daí as livrarias - que também eram um espaço de convívio, de socialização, de buscas e descobertas - irem fechando, umas atrás das outras, por esse país fora. Pobre e frívolo país, tão mal instruído e tão bem depilado.

Périplo de Livrarias em Nova Iorque

Francisca Prieto, 18.01.17

Na semana passada, a Livreira Acidental concretizou um velho sonho e, argumentando tratar-se de uma viagem de trabalho, fugiu para Nova Iorque para vasculhar todas as boas ideias que pudesse encontrar, por entre as livrarias da cidade.

Após quilómetros de quarteirões calcorreados e de opiniões tomadas, resolveu partilhar aquelas que considerou serem as quatro livrarias obrigatórias para um livrólico convicto.

 A McNally Jackson, na Prince Street, no Soho tem a característica de ter os livros organizados por zonas geográficas. Para além de ser um espaço com bastante personalidade, oferece uma variedade considerável de excelentes autores e revistas literárias.

 A 192 Books, em Chelsea, é uma livraria pequena mas tem uma selecção absolutamente excepcional de títulos. Percebe-se logo que o dono é alguém com um gosto literário apurado. À conversa, descobrimos que é gémeo de Fernando Pessoa - ambos nasceram a 13 de Junho - e que por isso tem o grande sonho de um dia vir a Portugal.

 A Housing Works é uma livraria solidária, onde todos os livros são doados, o staff é voluntário e 100% dos lucros revertem para uma instituição que oferece apoio a cidadãos com HIV e a sem abrigo. É aqui possível encontrar algumas raridades a óptimos preços.

 A Strand é a catedral do livro. Juntando livros novos e em segunda mão, é o paraíso para quem gosta destas andanças. Apesar de enorme, é uma livraria super personalizada, cheia de sugestões por todos os cantos e com secções temáticas de quilómetros.

Se só puder visitar uma livraria, atire-se à Strand. É possível passar lá uma tarde inteira sem nunca se aborrecer.

 

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Aventuras de Uma Livreira Acidental

Francisca Prieto, 15.09.16

Hoje, a propósito do Festival Internacional de Cultura, a Déjà Lu andou em polvorosa. A RTP tinha-nos pedido para filmar um par de entrevistas numa das nossas salas e nós não nos fizemos rogados. Estendemos a passadeira vermelha e vergámo-nos em vénia, mortinhos por assistir a tudo.

O primeiro entrevistado foi Andrew Morton, famoso biógrafo de várias personalidades, incluindo membros da família real inglesa. A conversa foi muitíssimo interessante, mas confesso que tinha o coração em pulgas. Sabia que o segundo convidado seria David Lodge. Ora, eu adoro o David Lodge, a tal ponto que já li três vezes o “Terapia” e sei várias passagens de cor.

De maneira que quando a equipa técnica, entre uma entrevista e outra, comentou que “o outro” ainda não tinha chegado, tive de me insurgir e de perguntar se se estavam a referir naqueles termos miseráveis a Sir David Lodge.

Lá chegou então o senhor, muitíssimo discreto, que se deixou entrevistar com toda a candura.

No final, convidei-o a visitar a livraria. Expliquei-lhe que se tratava de uma livraria solidária, cujos lucros eram destinados a 100% para projectos de profissionalização de jovens com Síndrome de Down. Neste momento fui interrompida: “Down Syndrome, you said? Do you know that I have a son with Down Syndrome?’”.

E foi assim que tive direito a uma prolongada cavaqueira com um dos meus escritores predilectos, que autografou com toda a boa vontade e simpatia uma data de exemplares que lhe fui pondo à frente com toda a lata do mundo.

Depois, convidei-o a voltar à livraria para passar pelas brasas num dos nossos cadeirões, prometendo que não o ia maçar nada, nada, nada. Mesmo nada.

A vida às vezes dá-nos cada presentão.

 

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Eu, em estado de comoção apocalíptica. 

 

Aventuras de Uma Livreira Acidental

Francisca Prieto, 29.01.16

Há dias em que o coração de uma livreira acidental fica à beira de um enfarte de felicidade.

Hoje, a equipa da caixotaria começou a jornada num dos nossos pontos de entrega de livros, com a missão de se lançar ao desbaste. Isto quer dizer que nos atiramos aos sacos e caixotes que os doadores por lá vão deixando e vamos separando a mercadoria por temas, títulos para seguirem directamente para a livraria, outros para armazém, outros ainda para restauro ou para serem vendidos na internet. Uma trabalheira dos diabos, mas que alguém tem de fazer.

Para o final restavam três enormes caixotes em que ainda não tínhamos tido coragem de pegar, pelo tamanho e pelo peso.

Abrimos à cautela e fomos retirando o espólio. À primeira remessa, o meu coração começou a palpitar: saltaram-me logo para as mãos uns quantos José Régio antigos, aos quais se seguiram Stau Monteiros de que nunca tinha ouvido falar, mais umas quantas primeiras edições de poesia de primeira.

Ao segundo caixote estava perto da taquicardia quando começaram a aparecer Luiz Pachecos, um Ary dos Santos autografado, mais um Herberto Hélder muito antigo e mais uma data de volumes de Brecht iguais aos que existiam em casa dos meus pais.

O nível dos livros era de primeiríssima e, para além da alegria, a raiar a comoção, de os ter a passar pelas mãos, não nos foi alheio o sentimento de que serão certamente uma excelente fonte de angariação de fundos para a nossa causa.

Depois desta trabalheira, e com o coração em transe de gratidão por quem lá deixou os caixotes, venho para casa. Sabia que tinham passado por cá a deixar uns quantos livros provenientes do Porto.

É quando olho para o primeiro saco que o coração me cai aos pés. Não era nenhum Herberto Hélder, nem tão pouco um Luiz Pacheco. Era uma colectânea de peças de teatro infantil, compilada em 1948, onde constam duas peças escritas pelo meu pai, que foram levadas a cena vezes sem conta, mas de cujo livro original só temos um exemplar na família.

Não sei qual é o valor de mercado. Baixo, provavelmente. Mas no rating do meu coração, foi a melhor surpresa do dia. Foi a única que me levou às lágrimas.

 

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Projectos que deviam ser divulgados por todo o lado

Francisca Prieto, 06.10.14

Ouvi falar do Sr. Teste de uma vez que ocorria uma tragédia na biblioteca cá de casa: havia um título essencial que se encontrava esgotadíssimo há vários anos. Uma amiga assegurou-me ser missão para o Sr. Teste, o especialista da arqueologia livreira lisboeta, a quem recorria várias vezes em casos com o mesmo grau de seriedade.

Fui seguindo o meticuloso trabalho do Sr. Teste, ora mais de perto, ora mais de longe, através do blogue (agora meio parado) e da página do facebook (cada dia melhor) onde o tom espirituoso e as nuances humorísticas foram fazendo as minhas delícias.

Há umas semanas tive o prazer de ficar a saber que o Sr. Teste já tem casa, e que casa, meu Deus. Um r/c alto, cheio de charme, no edifício da Sociedade Guilherme Cossoul, na Av. D Carlos I, nº61, em Lisboa. De maneira que o fui logo visitar e tive o prazer de conhecer o Ricardo, uma daquelas pessoas meia tímidas, simpaticíssimas, que se percebe logo que têm um coração que desata a palpitar quando dá de caras com um título bestial.

O stock da loja é bom, com muita poesia, bons autores brasileiros, arte e fotografia. Há livros novos e usados, mas há sobretudo uma enorme vontade de nos sentarmos naquele recanto a passar um bom bocado.

Tresleituras

José Navarro de Andrade, 18.07.13

 

A propósito do recém-anunciado encerramento da Livraria Sá da Costa uma venerável critica literária & jornalista cultural recorda o fecho da Livraria Portugal e a sua substituição por uma pastelaria, para imprecar com amargura: “nunca passo pela Rua do Carmo sem um abalo e nunca resisto a desejar que as pessoas que estão sentadas a comer brioches e queques coloridos no lugar onde antes havia um balcão de livros, pessoas que recomendavam leituras, memórias de tanta gente – minhas também – e de uma cidade, se engasguem com as migalhas.”

Em jovem cheguei a supor que os livros e o amor por eles nos tornariam pessoas melhores, mais cultas e cosmopolitas, mais tolerantes e generosas. Mas conforme fui lendo um pouco mais (curiosa contradição), também fui percebendo que as maiores maldades que a humanidade perpetrou foram inspiradas em livros, uns sagrados, outros idolatrados.

Confesso que me impressiona bastante que alguém deseje a infelicidade ou o mal dos outros como forma de compensar a dor que sente. Mas esta cultura do lamento, que tão candidamente a autora expõe, procede de uma ética altiva, em que faz prova de refinamento o sentimento de superioridade intelectual e o despeito pelos miseráveis ignaros que não partilham os meus inteligentíssimos gostos. Todavia, quem diz viver rodeado de bestas talvez devesse ponderar se foi ali parar por engano ou se não fará parte da manada.

Este país não é para livros

Ivone Mendes da Silva, 01.03.12

Faz uns meses, fui à livraria de uma grande superfície sita a dois passos de minha casa para comprar Um mundo iluminado de Hubert Dreyfus e Sean Dorrance Kelly. Queria oferecê-lo para comemorar efeméride cuja data já passara e daí a pressa. Não tenho o hábito de fazer lá compras, prefiro a pequena e antiga Gil Pais, no centro de Torres Novas, onde digo o título e mo põem nas mãos em segundos. Se não houver, mandam vir e é rápido.

Entrei, pois, na referida livraria e dirigi-me ao local onde vira a obra numa anterior passagem. Pensei que, não estando na prateleira dos destaques, o local indicado seria a estante da temática respectiva. Procurei, procurei e nada. Procurei também uma funcionária. Andavam por lá duas ou três com um ar azafamado que se transformou num ar enfadado quando perguntei pela obra a uma delas:

- Isso é sobre o quê?

Há caras que não enganam. Decidi que seria melhor dizer que não o encontrava na estante onde repousavam os livros de temática congénere.

- Ah! E viu bem?

- Sim, tenho o hábito de ver bem, não quero é estar a desarrumar tudo, há livros por detrás de livros …

Respirou fundo:

- Vou ver.

Viu, remexeu, viu. Nada. Já andava pela zona dos livros de Gestão, quando lhe travei as manobras.

- Desculpe, não têm uma base de dados onde possam verificar as existências?

- Base?

-Sim. Por exemplo: um computadorzinho onde possa escrever o título e obter a informação. Ou há ou não há.

Passou outra empregada:

- Algum problema?

- Esta senhora queria um livro.

- E sabe o título?

Se eu não lhe dei um par de estalos ali mesmo, é porque nunca na vida baterei em alguém.

- Claro que sei.

Deve ter sido qualquer coisa no meu olhar (não faço ideia do quê …) que fez a segunda empregada caminhar em direcção ao computador.

- Como é o título?

Procurou.

- Sabe como é capa? Veja lá se é este?

Sim, eu sabia. Sim, era aquele.

- Há dois!

- Óptimo. Basta-me um.

Não deu sinais de se querer mexer. Chegou a terceira empregada. As pontas dos meus cabelos deviam estar a ficar verdes e as unhas tinham pensamentos nefastos.

- Esta senhora queria este livro.

- Já procuraram?

- Não há nenhum aqui em cima.

- Então deve estar lá em baixo.

Ninguém se mexeu para ir lá abaixo. Perguntei:

- Não estou a perceber uma coisa: há pouco tempo o livro estava ali em destaque. Neste momento há dois exemplares lá em baixo, seja lá isso o que for…

- Sim, ainda não vieram para cima.

- Desculpe, qual é a vossa política de reposição de livros nas estantes?

- Política??

- Pronto, não se incomodem mais. Eu vou comprá-lo a um sítio onde vendam livros.

Saí porta fora perante a mais completa indiferença daquelas duas pessoas. Quinze minutos depois, saí novamente. Desta vez da Gil Pais, com livro, embrulho e lacinho.

Lembrei-me disto há pouco, quando vi na SIC a Livraria Portugal a fechar. Sei, infelizmente sei muito bem, que há coisas mais tristes na vida do que o encerramento de uma livraria. Mas o encerramento de uma livraria é uma coisa triste. Lentamente, vamos ficando reduzidos a espaços onde não cheira a livros, onde não se respira o pó dos livros (é para o Jaime, claro), onde dois ou três exemplares da mais esplendorosa iliteracia nacional circulam por ali como podiam circular pela charcutaria. Eu sei que a vida está difícil. A minha também.

(também aqui)