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Delito de Opinião

Na baixa de Lisboa

jpt, 08.04.25

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É raro calcorrear a Baixa, um pouco por falta de razões, muito por falta de paciência. Aconteceu ontem, saíra de casa de mochila - a entregar uma meia dúzia de livros que me haviam encomendado. Um dos poisos de entrega era junto ao Palácio Foz, lá aportei ao encontro de portador de exemplares do "Torna-Viagem" para amigos em Maputo. Esperei um pouco, coisa curial, eu adiantara-me... Assim a avivar as causas da minha impaciência ali: as obras serão justificadas, necessárias, mas aquela área está um estaleiro - e logo o Palácio Foz o demonstrava. E o raio das tralhas circundantes, que são verdadeira perda: das tapas "de Sevilha" aos kebabs "sei-lá-de-onde", do já velho bimbo "Hard Rock Café" aos incessantes trambolhos de "recuerdos", passando pela nova macro-Zara. Pergunto-me que andarão estes magotes de turistas a fazer aqui que não possam fazer noutro sítio qualquer...
 
Estar contra o turismo? Ser conservador, com laivos de xenófobo? Como?, se a "indústria" (como lhe chamam os aldrabões) dá emprego aos compatriotas, receitas, impostos... Nem contesto.
 
Nas faldas do elevador da Glória está esta barraca, vistosa, a vender lixo "turístico" made in alhures e anunciando-se como "ponto de encontro" oficial de "citysightseeing Portugal", evidente "empreendedorismo" indostânico. Oferece aos bem-vindos visitantes passeatas pelos locais emblemáticos da cidade - entre os quais o Mosteiro dos Jeróminos...
 
Nada digo. Faço a entrega, galgo para o metro, avanço até outro ponto de entrega do tal "Torna-Viagem", no qual narro como retornei a esta tralha. Mais tarde ainda chego às colinas dos Olivais Norte, já a radiculite apertando. E avanço até às escarpas dos Olivais Sul.
 
O longe que me é possível das "sete colinas" lá deles. E dos "Jeróminos".

Um ano com D. Dinis (8)

Transferência do Estudo Geral

Cristina Torrão, 26.02.25

Faz hoje 717 anos que o papa Clemente V autorizou a transferência do Estudo Geral para Coimbra, cerca de um ano depois de ter sido feito o pedido. O Estudo Geral das Ciências, percursor da Universidade, foi fundado em Lisboa, em Agosto de 1290, mas D. Dinis decidiu transferi-lo para Coimbra cerca de dezassete anos mais tarde.

Do meu romance:

           No início de 1306, Dinis reuniu-se com o arcebispo de Braga e o bispo de Coimbra, a fim de tratar de um assunto que não tolerava mais adiamentos: a transferência do Estudo Geral para Coimbra. A situação em Lisboa tornara-se insustentável, os escolares não mais haviam parado com os seus protestos e os conflitos iam-se agravando, afectando, não só grande parte da população, como os visitantes. Ao porto de Lisboa chegavam frequentemente galés estrangeiras e os estudantes, no seu descontentamento, abusavam da imunidade que Nicolau IV lhes concedera, envolvendo-se em toda a espécie de rixas.

            O Estudo, porém, teria de ser preservado, Dinis via a necessidade de formar especialistas portugueses, sobretudo em leis. Coimbra parecia ser a solução ideal, era bem mais sossegada e o rei planeava criar um burgo, adjacente à alcáçova, exclusivamente destinado aos estudantes. Além disso, o mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, com a sua biblioteca, estaria em condições de lhes dar o mesmo apoio do de São Vicente de Fora, fundado por Afonso Henriques precisamente em homenagem ao de Santa Cruz de Coimbra.

            D. Estêvão Anes Bochardo, chanceler-mor do reino e bispo de Coimbra, regozijava-se com a transferência. A colaboração de D. Martinho Peres de Oliveira, arcebispo de Braga, era imprescindível, pois a medida teria de ser aprovada por Roma.

 

A Universidade haveria de trocar de local, sempre entre Lisboa e Coimbra, durante alguns séculos.

O que podereis fazer pela vossa cidade?

Pedro Correia, 02.01.25

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Imagens aleatórias das ruas de Lisboa por estes dias. Sabendo da greve prolongada dos trabalhadores da recolha do lixo, coincidindo com o período das festas natalícias e do Ano Novo, os moradores encolheram os ombros e insistiram em despejar na rua os "desperdícios" - mesmo aqueles que, como sucede nestes casos, podem esperar num canto de casa sem urgência de serem levados para fora. O papel não se deteriora em poucos dias nem larga mau cheiro. 

Enfim, é o que há. Os lisboetas gostam de contribuir para "enfeitar" as ruas da pior forma. Não se incomodam de ver a cidade assim. E não se pense que estas imagens foram colhidas no centro histórico ou em bairros populares: são da Lisboa burguesa das Avenidas Novas, cheias de gente da chamada classe média-alta. 

 

Falamos sempre muito em direitos. Quase só em direitos. Pouco ou nada se fala em deveres.

Um desses deveres seria a mobilização de cada um de nós para que a maior cidade do País se mostre um pouco menos suja. Antes de apontarmos o dedo acusador a terceiros, comecemos por pensar o que ainda não fizemos nesse sentido. Por vezes basta manter papéis de embrulho mais uns dias em nossa casa. Com paciência cívica. 

Parafraseando o outro, não perguntem o que pode a vossa cidade fazer por vós; perguntem antes o que podereis vós fazer por ela.

Nos 100 anos do cinema Tivoli

Teresa Ribeiro, 19.12.24

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Para quem adora Lisboa e cinema como eu, não lhe pode ter resistido. Frequento o Tivoli desde criança. Vi nesta sala, com a minha mãe, o incontornável "Música no Coração", numa das várias reposições que lá estiveram. E a Gata Borralheira. E outros filmes de bonecos que me prepararam para outras emoções, mais adultas, tendo sempre o celulóide de permeio. Mais tarde apaixonei-me por Robert Redford, para mim até hoje o homem mais bonito do mundo, quando o vi em "O Grande Gatsby", ao lado de Mia Farrow (desculpa, Leonardo Di Caprio, mas não chegas lá). Tantas vezes saí da velha sala da avenida a flutuar que quando me surgiu a oportunidade de contar a sua história em livro, para assinalar os 100 anos de vida, exultei. Não foi trabalho, foi a possibilidade de poder escrever uma longa carta de amor a um dos amores da minha vida de cinéfila e de lisboeta. Claro que por dever profissional pus de parte a minha história com o Tivoli. Mas ela inspirou-me para ir em busca das muitas histórias que tantos de nós guardámos dele. Garimpei e consegui, acho, demonstrar que não sou caso único. "Tivoli cem anos na nossa vida" (uma edição da UAU, em parceria com a Have a Nice Day) é um tributo a uma das salas mais icónicas de Lisboa onde se conta também o que fomos e vivemos ao longo do último século, através dos depoimentos de muitas das pessoas que lhe deram vida. 

À venda no site da ticketline.

O Cinema "Império"

jpt, 10.12.24

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Numa peculiar decisão a Câmara Municipal de Lisboa ("tu não votaste Moedas, Zé? E não dizias que o tipo devia era ser o primeiro-ministro, han...?!!!", dirão alguns amigos, diante do meu esgar atrapalhado, enquanto sorvo o chá de limão no nosso recanto do bairro, não lhes dizendo o óbvio "se o arrependimento matasse", que isso só murmuro no mictório, a que tanta chazada me convoca) permitiu que a IURD rebente com o que resta do cinema Império.

Os mais antigos lembramo-nos da bronca que foi quando, um bocado à sorrelfa, os mariolas da IURD - sim, nós também temos os nossos "evangélicos" - compraram o Império. E depois também quiseram comprar o Coliseu do Porto, mas então os da Invicta acorrentaram-se às grades, resmungaram imenso, fizeram-se SuperDragões daquilo. E impediram a transacção. Ao que julgo recordar então o poder atrapalhou-se e saiu da sua inacção habitual, mudando a lei, nisso impedindo a transformação de "equipamentos culturais" em templos - coisa que terá sido facilitada numa época em que os católicos andariam mais preocupados em dessacralizar igrejas do que em construí-las...

Enfim, sobre o assunto eu tenho uma opinião esclarecida. O "Cinema Império" deveria ter sido expropriado, e ainda o deverá ser. O Estado atribuiria uma utilidade social ao grande edifício: um hotel, ou mesmo um complexo de alojamento local, um xópingue, uma central de informações turísticas, um condomínio para classe média alta - estrangeira de preferência (que português endinheirado quererá viver na Almirante Reis?) -, um centro de acolhimento para imigrantes (i)legais, etc.

Entretanto a empresa IURD será compensada a preços de Estado ("então, afinal não votas na IL, não és um neoliberal, até fascista?", perguntam-me no tal recanto de bairro, enquanto eu já me empertigo, de meio Famous na mão). E a sua bispalhada vasculhada, em busca de desmandos fiscais, residências ilegais, assédios morais ou até sexuais, qualquer coisa, faróis fundidos que seja. Bem como os crentes, decerto que passíveis de coimas, revistas constantes, até detenções, num contributo activo e decisivo para a indústria de martirologia iurdesca, arrastando o mais possível dessa gente para a Portela ou Pedras Rubras, com bilhete de ida e de sem retorno ("então, agora é xenófobo?! desnuda-se...", murmuram os vizinhos, na mesa do lado, pois até já levanto a voz, entusiasmado, "E a laicidade do Estado, pá? e essas proclamações democráticas com que enches os blogs, f...-se?", atiram os da minha velha guarda. "Mate-se, esfole-se!", respondo, pronto a ingressar nas brigadas ateias, de ancinho e foice armado).

Dito tudo isto, estou a divertir-me com as reacções do espectro "esquerdista" diante do episódio. Como é que a rapaziada - a cinéfila, a da "cultura", e os seus "consumidores", os do jornal "Público" e tudo -, sempre tão atreita a contestar uns arranjos florais "colonialistas", uns vis trechos "racistas" dos oitocentistas, agora a toponímia "africanista" olisiponense, a estatueta do Vieira, até as maminhas da musa encostada ao novelista, como é que, dizia eu, essa rapaziada se arregimenta em defesa de um edifício de 1952 chamado ... "Império"?

Mais depressa se apanha um pateta do que um paraplégico.

Lisboa, tão minha e tão estranha

Ana CB, 03.10.24

Sou lisboeta. Talvez não de gema, porque os meus pais vieram de outras regiões do país; mas nem eles nem os meus avós tinham casas “na terra”, por isso criaram raízes na capital. Lisboa é a cidade onde tenho passado grande parte da minha vida e reclamo-a como minha, mesmo que sem exclusividade. Sou magnânima, não me importo de a partilhar com os outros.

A minha infância foi essencialmente passada num bairro periférico relativamente moderno para a época, onde os meus pais tinham uma loja de dimensão razoável com uma ampla zona privada, que nos permitia fazer ali a nossa vida diária e só regressarmos a casa, nos subúrbios, à noite. Estando na cidade, era quase como se vivesse numa aldeia em que todos se conheciam. O segundo pequeno-almoço era tomado sempre na mesma leitaria, os livros e as revistas comprados na única papelaria que existia naquela rua (ainda tenho exemplares da revista Tintin dessa época), o pão e os bolos na grande padaria com fabrico próprio quase ao lado da nossa loja, as fotografias tipo passe sempre tiradas pelo mesmo fotógrafo. Havia uma loja para cada coisa, e os donos e empregados eram uma espécie de círculo familiar alargado. E quando íamos à Baixa, ou a qualquer outro sítio que fosse mais no centro da cidade, dizíamos que íamos “a Lisboa”. Outros tempos e outros hábitos.

No final da minha pré-adolescência, a minha mãe decidiu regressar à sua profissão anterior e passou a trabalhar no centro de Lisboa. Também eu já mais autónoma, a minha área de vivência citadina começou a alargar-se: a Avenida da Liberdade era a meca dos cinemas, o Chiado (pré-incêndio) a zona preferida para as compras. Em São Bento visitava umas primas do lado materno, geralmente depois das aulas no Instituto Britânico. Cada ano e nova experiência acrescentaram bairros à minha vida lisboeta. Os cafés eram o ponto de encontro para os convívios, cada grupo de amigos tinha o seu local favorito. Vagueei do Calvário a Campo de Ourique, da Praça de Londres à de Alvalade, da Rua do Ouro às Avenidas Novas, da Cidade Universitária a Benfica, e mais tarde pela obrigatória vida nocturna do Bairro Alto – já então muito diferente do primeiro contacto que com ele tinha tido numa tarde de Verão, modorrento e intimidante, com personagens ocasionais que olhavam fixamente (ou assim me parecia) a adolescente meio perdida que ia fazer um exame ao Colégio dos Inglesinhos. Lisboa ia mudando aos poucos.

A vida profissional manteve-me em Lisboa, primeiro de forma intermitente, depois com constância. Aportei ao Chiado há mais de 20 anos, tempo suficiente para assistir à metamorfose contínua do bairro. Se um gato tem sete vidas, o Chiado faz-lhe concorrência, que eu já lhe conheço pelo menos três ou quatro. O Chiado dos meus tempos de adolescente tinha o Grandella e os Armazéns que davam nome ao bairro, com os seus elevadores emblemáticos, e a Jerónimo Martins ainda era só Casa, não Grupo. A loja da Ana Salazar era o supra-sumo da modernidade, com as suas montras minimalistas onde pairavam modelos sempre arrojados para a época. Na Brasileira ainda não havia a escultura do Pessoa. O poeta Chiado estava sozinho no meio do largo, sem a companhia da boca do Metro. Os carros passavam livremente pela Rua do Carmo, e o elevador de Santa Justa era operado pela Carris como qualquer outro equipamento – o passe era válido para subir e descer a qualquer hora, raramente havia filas, e qualquer um podia ir ver Lisboa da sua varanda. Era a maneira mais rápida e cómoda de ir da Baixa ao Largo do Carmo. Num dia de Agosto, ao passar de manhã a pé pela Rua da Prata, o fumo escurecia o céu. Só soube o que tinha sucedido quando cheguei ao escritório onde trabalhava na altura, na Praça da Figueira. Foi o início de um longo período negro para o Chiado, que ficou deserto durante anos. Por vezes passava por lá, a caminho de qualquer outro sítio, e era como se estivesse num filme pós-apocalíptico. O cenário era desolador: paredes negras, prédios vazios, lojas fechadas, apenas uma ou outra pessoa de passagem, como eu. Mesmo as áreas que tinham ficado a salvo do fogo se ressentiram. O bairro parecia ter perdido a sua alma: as pessoas em movimento.

Anos e anos em obras que pareciam não ter fim, os edifícios esventrados do Chiado foram sendo recompostos a pouco e pouco. Mais modernaços, com um ar mais “clean”, e na sua maioria com outros negócios. Ainda assim, a vida demorou a voltar. Durante muito tempo, o Chiado foi quase só de quem lá trabalhava ou morava. Ao cair da noite esvaziava-se, ficava tranquilo; só no Natal, com as iluminações e os mirones, o sossego nocturno era quebrado. As lojas, as que já existiam e outras que foram abrindo, mantiveram-se inalteradas durante vários anos. Nessa altura deixei praticamente de ir fazer compras aos centros comerciais dos arredores. Não precisava, ali tinha quase tudo. À hora de almoço passeava, ia vendo as montras, entrava quando estava à procura de alguma coisa em concreto, comprava se fosse caso disso. Sem pressas. Nas ruas secundárias havia sempre algum prédio em obras, às vezes mais do que um, e era obrigada a percorrer a rua aos ziguezagues, atravessando de um passeio para o outro, como se sofresse de uma crónica indecisão de não saber para onde ir. Se fosse uma remodelação total, os andaimes e tapumes ficavam a fazer parte da paisagem durante largos meses, até anos. O Chiado era um microcosmos da transformação que se alastrava pela cidade.

Distraída na minha vida, demorou algum tempo até perceber que Lisboa estava a tornar-se numa Meca turística. Primeiro foram as hordas de espanhóis na altura da Páscoa; depois o aumento de gente em calções e sandálias assim que o tempo aquecia, e das palavras em línguas desconhecidas ditas por quem passava por mim na rua; até que comecei a ter dificuldade em andar nos passeios ao meu ritmo normal, travada por grupos de turistas caminhando a passo de caracol ou parados a tirar a obrigatória selfie. Esta popularidade súbita criou em mim sentimentos mistos: orgulhosa por perceber que a “minha” cidade (e Portugal, na generalidade) estava finalmente a ter o reconhecimento que merecia, e ao mesmo tempo irritada pela apropriação meio selvática que dela estava a ser feita.

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Há seis anos mudei-me para a “província”. São só 65 quilómetros de distância até Lisboa, 50 minutos em auto-estrada; mas neste nosso minúsculo rectângulo encaixado entre Espanha e o Atlântico isso é mais do que suficiente para ser considerado “província”. Continuei a trabalhar em Lisboa, para onde ia todos os dias até que a mudança de hábitos derivante da pandemia me permitiu trabalhar a partir de casa durante a maior parte do tempo. Se naqueles dois anos houve algum sossego na capital, para bem de uns e mal de muitos outros, o regresso à “normalidade” veio exacerbar a tendência pré-2020 de aumento do turismo. E as consequentes mudanças no ambiente da cidade. De repente, tudo me parece estranho. A proliferação de tuk-tuks e motoretas para entrega de comida, a música por todo o lado, as esplanadas cheias a qualquer hora do dia (e às vezes da noite), as ruas a abarrotar de gente, mesmo nos meses de Inverno, as filas intermináveis para as bilheteiras do metro e do comboio, o eléctrico 28 que agora virou coqueluche dos turistas e vai sempre apinhado, com tarifa de bordo a condizer. No Cais do Sodré já não ouço a chilreada dos estorninhos ao entardecer, não sei se por causa do aumento de outros ruídos, ou por terem debandado para algures, afugentados pela agitação humana. As obras “de fundo” multiplicam-se, todas para durarem anos, com tapumes brancos a estenderem-se aqui e acolá por centenas de metros, tapando indiferentemente o que é feio e também o que merece ser visto. As mudanças são tantas e tão rápidas que quando passo por algum sítio aonde já não ia há algum tempo, às vezes mal o reconheço. Habituada ao maior sossego de outras paragens, talvez a estranha agora seja eu.

Só que isto de amar uma cidade é um pouco como amar uma pessoa, com os seus encantos e os seus defeitos, nos dias bons e nos menos bons, quando nos faz feliz ou nos irrita, ou nos desilude. Quando vejo o roxo dos jacarandás em flor e sinto o seu perfume, e o céu se tinge de rosa e laranja ao fim da tarde, quando passo na Praça do Comércio de manhã cedo, ou desço uma rua e o azul brilhante do Tejo espreita lá ao fundo, entre as casas, a zanga esfuma-se e penso na sorte que tenho em estar ali, naquele instante. Lisboa continua a ser a “minha” cidade.

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Morreu o Mário "do B'artis"

jpt, 14.08.24

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(Bar Artis, Fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

Recém-octogenário morreu ontem o Mário Pilar, o qual sempre dizíamos Mário "do B'artis". Discreto, fez do seu bar um dos grandes pólos daquele Bairro Alto que mudou Lisboa na década de 80.  Abrira-o no início de 1983, na Diário de Notícias, mesmo no centro do que veio a ser a nova azáfama noctívaga do velho e então decadente bairro. Pouco antes estabelecera-se a discoteca "Rockhouse" também na Diário de Notícias, que cedo mudou para "Jukebox", e logo depois o celebrizado "Frágil", ali ao lado, na Atalaia. E para suporte daquilo havia apenas a vetusta "Tasca Azul", como lhe chamávamos, de seu nome "Arroz Doce", que logo gentrificou (como então não se dizia) a clientela, pois defronte ao "Frágil" e pertença da Tia Alice, irmã do Alfredo que sargentava (e sargentou durante décadas) a portaria do então novo bar-discoteca, desde cedo feito coqueluche lisboeta.

E logo o "B'artis" abriu portas. Num registo diferente dessas casas e das que vieram a pulular na área, o qual manteve durante o quarto de século de existência. Uma pequena sala sob decoração levemente bric-a-brac, com mesas fresquíssimas pois com tampos de brecha da Arrábida, música jazz gravada emitida em tom baixo, a convocar conversas, e preços nada especulativos - apetecíveis naquela era de FMI, louváveis anos depois, já na era das "vacas gordas" europeias. E servindo produtos que se tornaram clássicos locais, pois corriam quantidades do excêntrico "Favaios" e, acima de tudo, ali nos socorríamos de umas decentíssimas e sempre lembradas tostas de frango, que nos escoravam noites afora. A clientela era heterogénea, descomprometida no sentido de descomplexada. Ou seja, isenta da real pinderiquice dos modismos, de vestes, modos e ademanes, que preechiam o sacrossanto "Frágil" e adjacentes. Lembro-me de ter lá chegado, aquilo muito recente, eu ainda caloiro universitário, e ter resumido o ambiente: "é um sítio de professores do liceu", naquele sentido de gente não pintalgada de parvoíces...

O Mário era afável, sem falsos companheirismos com a clientela, e isso vinculava-nos. Rapidamente me tornei, e alguns dos meus, residente naquele curto balcão - mais tarde, num aniversário meu, um amigo chegou com um pequeno presente, tinha mandado imprimir na máquina de multibanco um pacote de cartões de visita meus: a morada era a do "B'artis"! 

De facto, o "Bairro" passou a ser o "B'artis". Claro que havia outros sítios apetecíveis. De início passava-se lá a beber um copo, ou mais, depois ia-se até ao "Lábios de Vinho", onde pontificava o Hernâni, espreitar um "Ocarina" ou outro, e subia-se ao "Frágil". Com o passar dos anos esse roteiro foi mudando mas a base, o ponto de encontro (e de fuga, também) sempre era o "B'artis". Ali se continuava a bebericar, antes de se partir à volta obrigatória. O "Frágil" foi-se tornando cansativo, crescentemente homossexual e suburbano, ia-se lá, até com fastio blasé, para se dizer que se fora, e voltava-se ao "B'artis", para depois, claro, avançar até aos "Três Pastorinhos", tornado o grande sítio, belo ambiente e excelente música. E se houvesse dinheiro (e força) seguia-se ao "Lontra" na Rua de São Bento, ou às "Caves Adão", mais tarde até aos poisos nas Escadinhas do Duque e à inicial 24 de Julho. Anos depois, ainda no Bairro Alto abriram casas apelativas, como o "Mahjong", mais coito das gentes cinéfilo-artísticas, e o "Targus", do sempiterno Hernâni, esta mais abrilhantada pelos núcleos da então viçosa publicidade e da explosiva comunicação social. Mas picava-se o ponto por lá, "viam-se as modas", e "B'artis" connosco, até porque a casa cada vez ia fechando mais tarde, e sempre cheia... Pois era ali o sítio, por estar lá o "ambiente". Sem poses, entenda-se.

Sendo ele discreto poucos lembram ter sido o Mário Pilar, casapiano desde sempre, que cativou o palacete do Casa Pia Atlético Clube para aquelas loucas "Noites Longas", que durante cerca de três anos agitaram - e mudaram - a noite lisboeta, não só alongando-a até às alvoradas como também miscigenando os convivas, como nunca antes naquela ainda velha e provinciana cidade. Mais tarde, já na Lisboa Capital de Cultura de 1994 ao Mário Pilar surgiu-lhe mais uma iniciativa de conjugação, metendo-se a empurrar as Noites de Jazz no Café Luso, esse seu vizinho, pondo o tradicionalista mundo do fado a dar espaço aos melhores músicos de jazz nacionais. Então uma quase heresia...

Desde finais dos 1980s, o Mário Pilar foi-se para a Comporta e investiu o fruto do seu industrioso e incansável labor em casas no Possanco e Brejos da Carregueira, pensando numa explosão turística por aquelas zonas. As quais se tornaram o seu mimo. E orgulho. Um precursor, como é agora evidente, sorrimos nós ao lembrá-lo. Atento. Em 2007 decidiu-se a fechar o "B'Artis", trespassando-o (ainda lá está, com o mesmo nome mas outro perfil). Há alguns anos, pouco antes do COVID, fui jantar nas cercanias do Largo do Caldas, estava à porta do restaurante a fumar e passou ele - vivia ali perto. À minha mesa estava gente da "velha guarda", também antigos residentes do balcão do "B'Artis", levei-o até lá. Foi uma festa, horas de conversa, ele notoriamente agradado com o rosário de memórias ali percorridas, e com o agrado, genuíno, que mantínhamos pelo seu bar. Contou-nos da sua vida, fruindo então de uma velhice saudável e bem-disposta. Viajava imenso, pelo Oriente, Japão e isso, chegara há pouco do Irão, preparava-se para partir para a Coreia do Norte (!), naquelas viagens guiadas pelo escritor Peixoto...

"Foi na casa dele que a gente verdadeiramente se divertiu aos 20 e 30 anos", sumarizava o amigo que me telefonou ontem a anunciar a sua morte. "Quando ainda nos divertíamos!", resmunguei, pesaroso, para sua imediata concordância.

O funeral do Mário Pilar é amanhã, quinta-feira, dia 15 de Agosto. A cremação é às 14.00 horas no cemitério do Alto de São João. Lá irei, por causa de tudo isto que narrei. E talvez encontre algum antigo residente do balcão do "B'Artis". E depois da cerimónia teremos de encontrar um qualquer sítio para se beber um "Favaios".

Cultura em Maputo, Política aqui

jpt, 31.07.24

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1. Um amigo, camarada de anos a fio em Moçambique, e que comunga o meu interesse pelo país e pelo que faz o nosso Estado nas relações bilaterais, e em particular nas questões culturais, avisa-me desta notícia: a nomeação de um novo adido cultural para a embaixada de Maputo, José Amaral Lopes, antigo secretário de Estado da Cultura e antigo presidente do Conselho de Administração do D. Maria II, deputado, entre várias outras posições de destaque. Dado o seu perfil "alto" é surpreendente a sua indicação para este posto, até modesto. Mas para todos que se interessam por estas matérias - a mescla entre "acção cultural externa" e "cooperação" - uma nomeação de alguém com este peso biográfico tem um significado: denota um grande e assisado interesse governamental no desenvolvimento destas relações culturais, decerto articulado com alguma capacidade para reforçar os  meios, materiais e humanos, dedicados a essas interacções. Fica-se assim - e mesmo que sem "pedir a Lua" - na expectativa de um período de grande desenvolvimento nas conjugações culturais entre ambos os países. Possamos nós fruir disso!

 

2. Paralelamente - mas sendo, de facto, uma irrelevância - a notícia desta nomeação tem um factor denotativo da mesquinhez intelectual dos mecanismos partidários, em particular os do PS. Amaral Lopes exerce actualmente as funções de presidente de junta de freguesia, eleito pelo PSD. Abandonará o posto para assumir estas novas funções.

O dirigente lisboeta do PS, David Amado, critica-o por ter abandonado a freguesia, dela fugido. Deixando assim até implícito um elogio ao actual presidente, dado que considera gravosa a sua substituição. Mas é a demonstração da total impudicícia desse dirigente socialista. Pois há poucos meses, nesta mesma sua concelhia partidária, um também presidente de junta de freguesia, o socialista Costa, abdicou das suas funções, indo (sem currículo que o justificasse) liderar um mecanismo televisivo de produção de opinião pública. Amado então nada contestou. Entretanto, aqui nos Olivais a socialista presidente de Junta, Rute Lima, aquando reeleita logo se foi a trabalhar para a nova Câmara PS de Loures, e vem por cá "exercendo" funções em regime "parcial". E Amado ficou mudo.

E já agora, até porque o postal é sobre "cultura"  e nisso "bibliotecas" - a do Camões em Maputo é muito relevante na cidade - convém relembrar que a biblioteca da Junta de Freguesia dos Olivais, a antiga Bedeteca, sita no Palácio do Contador-Mor (sempre associado aos Olivaes de "Os Maias") está fechada há mais de três anos. Devido a umas obras não estruturais, que se diz terem sido cabimentadas 2 vezes (!!!), e que se vieram arrastando por incúria da junta - estando agora aparentemente culminadas sem que a biblioteca reabra. Diz-se no bairro, e quem sabe, que esteve prevista a reabertura para o início deste Verão, transitando depois para Outubro. Mas que deverá acontecer apenas cerca do Ano Novo - para agitar as águas em ano de eleições autárquicas. Sobre tudo isto - e tanto mais - não fala o tal David Amado. Nem as hostes socialistas.

Olhar para os animais e ignorar as pessoas

Pedro Correia, 15.05.24

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Sempre que se anuncia uma grande obra pública, o PAN está contra. Invocando motivos ambientais.

Após 55 anos de estudos, avaliações, documentos de todo o género, relatórios intermináveis, acaba de ser enfim anunciada a localização do futuro aeroporto que servirá Lisboa: o actual campo de tiro de Alcochete - na verdade pertencente aos concelhos do Montijo (75%) e de Benavente. 

Reacção imediata do partido animalista? Quer mais estudos, mais relatórios, mais papelada, mais discussão, mais demora, mais paralisia. Como se cinco décadas e meia não bastassem. Porque - alega Inês Sousa Real - a decisão agora anunciada «não tem em consideração as preocupações ambientais nem a qualidade de vida das populações, nomeadamente quanto à produção de ruído».

 

Extraordinário. Nunca me lembro de ver este partido insurgir-se contra a manutenção do aeroporto da Portela, situado dentro do perímetro da cidade de Lisboa, rodeado de áreas residenciais. Cada vez que um avião descola da velha pista inaugurada em 1942 lança mais de uma centena de emissões de CO2 sobre a cidade. Acrescidos de «óxidos de azoto, partículas ultrafinas (penetram profundamente nos pulmões e são absorvidas pela corrente sanguínea, chegando a todo o organismo) e compostos orgânicos voláteis», como sublinha Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero.

Além da poluição atmosférica, com péssimas consequências para o sistema respiratório, a manutenção da Portela provoca gravíssimos danos auditivos a quem vive ou trabalha na zona dos corredores aéreos. Cerca de 388 mil pessoas são directamente afectadas pela poluição sonora. Segundo a Zero, o nível de ruído dos aviões é «quase quatro vezes maior do que o limite previsto na lei». Incluindo durante a madrugada, quando há dezenas de descolagens e aterragens. Sei do que falo, porque vivo no bairro de Alvalade, talvez o mais afectado.

Sem esquecer que constitui ameaça gravíssima para a segurança dos lisboetas. Em concreto, para os 400 mil que frequentam diariamente as áreas percorridas a baixa atitude pelas aeronaves. Incluindo funcionários e utentes do Hospital de Santa Maria e da Biblioteca Nacional, além dos alunos de várias faculdades da Universidade de Lisboa e outros estabelecimentos de ensino, como o Colégio Moderno, o Colégio de Santa Doroteia e o Externato de São Vicente de Paulo.

 

Factor de perigo permanente: nestas décadas, esteve várias vezes para acontecer uma tragédia de dimensão incalculável sobre o centro da cidade. «Até ao fim do período de concessão do aeroporto, 2062, a probabilidade acumulada de haver um acidente aéreo grave em Lisboa é de aproximadamente 52%. Alguma desta probabilidade é de que o acidente aconteça dentro do aeroporto, mas em larga medida é fora, principalmente sob os corredores aéreos», acentua ainda Pedro Nunes, no Público

É poluição ambiental que não preocupa o PAN.

É poluição sonora que não preocupa o PAN.

É um sério factor de risco que não preocupa o PAN, mais atento às avezinhas de Benavente do que aos seres humanos. E aos potenciais danos atmosféricos no campo de tiro de Alcochete do que aos reais danos para quem tem o seu lar, as suas salas de aula, o seu comércio ou o seu posto de trabalho em Lisboa.

Inversão total do que devem ser as prioridades de um partido político, esta de pôr os animais à frente das pessoas. Tento compreender tal lógica, mas confesso: não sou capaz.

Dona Laurinda: uma história de Lisboa

Pedro Correia, 16.12.23

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O bom jornalismo é assim: sabe contar uma história, consegue captar com sabedoria a atenção de quem lê, rejeita o sensacionalismo e a gritaria tipográfica.

Interessa-se pelas pessoas, mantém um olhar atento ao espaço circundante, ocupa-se mais da realidade concreta do que da verdade abstracta, tantas vezes ilusória.

Trata com amabilidade o cidadão comum a quem dá voz.

Trata com discreta cumplicidade o leitor que lhe concede uns minutos de atenção: é a melhor forma de estabelecer contacto.

Com amor à língua portuguesa, nosso traço de união.

 

Isto aprende-se em escolas. Mas aprende-se sobretudo na vida.

Jornalismo desligado da vida é jornalismo condenado ao fracasso. Ao contrário desta reportagem que li hoje, publicada no jornal digital lisboeta Mensagem. Intitula-se «Drogaria Laurinda: o adeus a uma das comerciantes mais antigas da Baixa».

Título apelativo, que não ilude: é chamariz para um relato digno de ser passado a escrito. Com vagar, pausadamente, saboreando a arte de narrar.

 

Parabéns ao jornal, parabéns à autora da reportagem, Eunice Lemos - que não conheço.

Apresentou-me a Dona Laurinda, testemunho vivo de uma Lisboa que já é passado mas ainda é presente, de uma Lisboa com identidade própria que vai resistindo em cada bairro. Também com pessoas transplantadas de outras paragens, como sucede com esta senhora de 88 anos, proprietária de uma velha drogaria prestes a trocar enfim o balcão da loja pelo recato doméstico. Mas sem esconder uma apreensão que nos enche de ternura: «Se fico em casa começo a andar como as outras da minha idade, tudo assim com a bengalinha na mão. Passam a vida sentadas a ver a televisão, ficam marrecas porque a coluna está fraca. Tenho tanto medo de ficar assim.»

 

Jornalismo com gente dentro: motivo para celebrar. É o que faço aqui.

Memória cinéfila de Lisboa

Pedro Correia, 15.12.23

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Monumental (1951-1984): imponente mas malogrado cineteatro
 
Percorro ruas e avenidas de Lisboa e vou-me lembrando dos cinemas que existiam ainda não há muitos anos espalhados pela cidade. Quase todos desapareceram já, devorados pelos novos hábitos de consumo, que nos mandam recolher a casa e olharmos a vida e os filmes pelo quadradinho da televisão.
 
Na Avenida de Marquês de Tomar, atrás da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, existiu em tempos o cinema Berna: abriu em 1970, com uma fita que fez “estrondoso sucesso”, como então se dizia: Borsalino, com Jean-Paul Belmondo e Alain Delon. Outros tempos, outros hábitos: a filmografia francesa arrastava multidões.
 
Outro cinema estreado por essa altura com uma película falada em francês foi o Satélite, ali ao Saldanha, espécie de irmão mais novo do imponente mas malogrado cineteatro Monumental - onde, em criança, Mary Poppins me deslumbrou. Coisas da Vida, assim se chamava a fita inaugural do Satélite, com Romy Schneider e Michel Piccoli. Esteve cerca de um ano em cartaz, algo impossível nos dias que correm.
 
E havia o Apolo 70, atracção máxima no drugstore do mesmo nome, na Rua Júlio Dinis, ao Campo Pequeno: vi lá um dos filmes da minha vida: Apocalypse Now, de Francis Coppola.
 

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Apolo 70 (1971-1990): esteve muito na moda, mas mal chegou à idade adulta
 
No Império – outro cinema que fechou, situado na Alameda Afonso Henriques, vi em estreia Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg. Inesquecível.
 
Nostalgia e cinefilia são dois vocábulos que caminham a par: por mim, associo antigos cinemas de Lisboa a filmes que jamais passarão de moda. No Camões, perto da praça do mesmo nome, vi a Lolita, de Stanley Kubrick. No Caleidoscópio, em pleno jardim do Campo Grande, chorei a rir com Uma Noite na Ópera, dos Irmãos Marx, e empolguei-me com Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock.
 
Ligarei sempre o Berna a outro filme de Spielberg, Os Salteadores da Arca Perdida, e a uma película que na altura me encantou e jamais revi: Bem-Vindo, Mr. Chance, do malogrado Hal Ashby. No Satélite, vi A Regra do Jogo, de Jean Renoir. No Mundial (às Picoas), E Tudo o Vento Levou. No São Luiz (ao Chiado), vibrei com o Correspondente de Guerra, de Hitchcock. E recordo como se fosse hoje a Guerra das Estrelas, de George Lucas, em estreia no ecrã gigante do Monumental.
 

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Cinema Alvalade original, inaugurado em 1953 na Avenida de Roma
 
No Estúdio, sala associada ao Império, esteve em exibição durante mais de um ano uma fita do Botsuana que fez furor: Os Deuses Devem Estar Loucos. Não a perdi, claro. Nem Kramer Contra Kramer no City Cine (Picoas), Um Cadáver de Sobremesa no Terminal (em plena estação ferroviária do Rossio, outro enorme sucesso de bilheteira na estreia deste cinema, em 1976), o francês Uns e os Outros no Star (na Avenida Guerra Junqueiro) e A Semente do Diabo no Xenon (na Avenida da Liberdade).
 
Sem esquecer o mítico Quarteto, onde assisti a filmes atrás de filmes – do Expresso da Meia Noite (1978) até Babel (2006). Ou o Alfa (na Gago Coutinho), onde vi Os Pássaros, de Hitchcock. Sem esquecer o Estúdio 444, na Defensores de Chaves; o Pathé (antigo Imperial), a Arroios; o Roxy (antigo Lys), na confluência da Almirante Reis com a Rua dos Anjos; o Aviz e o Ávila, na Duque de Ávila (assisti lá, na habitual terceira fila a contar do ecrã, a Vontade Indómita, de King Vidor, com Gary Cooper); o Castil, na Rua Castilho; o Fonte Nova e o Turim, na Estrada de Benfica; o ABCine, na Praça de Alvalade; o Roma, na avenida homónima; o Cine 222, na Avenida da Praia da Vitória; o Cinebloco, na 5 de Outubro; o Europa, em Campo de Ourique; o Zodíaco, na Rua Conde Redondo; o 7.ª Arte, junto ao viaduto dos comboios de Entrecampos; e o Cine AC Santos, num espaço comercial da Avenida da Igreja (onde vi A Morte de um Apostador Chinês, de John Cassavetes).
 
E, claro, havia o Eden, nos Restauradores: recordo-me ali da antestreia de um filme português em grande estilo, ao jeito de uma gala de Hollywood - A Vida É Bela?, de Luís Galvão Teles, com Nicolau Breyner no principal papel.
 
Do outro lado da Avenida, era o Condes: vi lá Serenata à Chuva e A Rainha Africana, entre outros clássicos. Mais acima, o Tivoli (onde apreciei o delirante Doutor Estranhoamor, de Kubrick) e o São Jorge, vocacionado para produções britânicas (uma das últimas a que ali assisti foi O Paciente Inglês).
 
Entre os meus favoritos, durante anos, contava-se o Londres, na Avenida de Roma, que chegou a ter as cadeiras mais confortáveis das salas de Lisboa: vi lá em estreia A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, ainda com Mia Farrow como protagonista. Também o King, inicialmente chamado Vox, que acompanhei mesmo até encerrar por absoluta falta de investimento e manifesta falta de espectadores. VolverLos Abrazos Rotos, de Pedro Almodóvar, foram dois dos últimos filmes que ali me cativaram. Nunca os esquecerei.
 

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Nimas, de 1975: um dos raros sobreviventes da era do cinema com porta para a rua
 
Destes espaços autónomos que nos proporcionaram tantas horas de prazer restam muito poucos. Praticamente só o Alvalade, com traça alterada mas ainda resistente, na garbosa Avenida de Roma, o Nimas – inaugurado em 1975, na Avenida 5 de Outubro, com um filme que permaneceu largos meses em cartaz: Chove em Santiago. E o centenário mas renovado Ideal (que também já se chamou Camões), na Rua do Loreto.
 
Nada garante que não venham a fechar também num prazo curto. 
 
Lisboa é uma cidade que descura a sua memória cultural. E que parece ter deixado de gostar de cinema. Agora o que está a dar são as pipocas. 

A Lisboa que muda na Lisboa que fica

Pedro Correia, 29.11.23

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Isabel Ruth e Rui Gomes no filme Os Verdes Anos, de Paulo Rocha (1963)

 

Não houve um filme como este, não haverá um filme como este. Admirável enlace entre imagem e som, com os acordes sofridos de Carlos Paredes a sublinhar este drama de gente desenraizada nos dédalos de uma cidade que se reinventava naqueles dias de ilusória quietação pressagiando tempos de turbulência.

É um filme que bebe inspiração sobretudo no cinema italiano que lhe era contemporâneo. Há aqui muito Antonioni, há aqui muito do inesquecível início da Dolce Vita, com uma imagem de Cristo a sobrevoar de helicóptero os novos subúrbios de Roma, espécie de sorridente alegoria ao milagre económico italiano.

Era um cinema de intervenção, certamente. Mas muito mais no plano estético do que no plano político. Era um cinema que olhava com veneração para a arquitectura e acreditava com sinceridade que os arquitectos eram os novos profetas da modernidade, capazes de - com as suas linhas ousadas e arrojadas - abraçar o futuro e edificar os alicerces de uma sociedade diferente, habitada pelo homem novo.
Utopias urbanísticas tornadas pouco antes realidade, como sucedeu com a Brasília de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, conduziam a isso. Daí a veneração quase infantil que Paulo Rocha demonstra pela arquitectura, pondo as suas personagens a deambular constantemente pelos espaços mais modernos da Lisboa daquele início da década de 60 - Avenida dos EUA, Avenida de Roma, Cidade Universitária...

 

Como se viu depois, a arquitectura serve para muito mas não para moldar o homem novo, que aliás permanecerá eternamente por criar. E a vanguarda de anteontem torna-se rapidamente uma obsoleta mercadoria académica aos olhos dos que nascem depois de amanhã.
O Cinema Novo tornou-se rapidamente prisioneiro das suas contradições, abraçando um neo-realismo tardio (em obras como Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes, e A Promessa, de António de Macedo), quase sempre a preto e branco, como metáfora permanente de um regime que parecia imutável mas que se tornou também espelho de fronteiras artísticas demasiado estreitas.

Derrubado o regime, também de algum modo os seus opositores no campo artístico se tornaram anacrónicos. O fabuloso Berlamino (1964) escapa a esta sina porque recusou logo à partida encerrar-se naquela tendência de contrapor ao miserabilismo da ditadura uma linguagem artística também tocada pelo miserabilismo de circunstância.

 

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Cena do filme rodada na Avenida de Roma, em Lisboa, junto à pastelaria Suprema


Os Verdes Anos, com as suas evidentes fragilidades, interessa-me hoje sobretudo pela sua vertente documental. Era um cinema feito na rua, que recusava o estúdio, também por inspiração italiana - e este filme, que constitui uma declaração de amor a Lisboa, acaba por ter portanto as rugas que a própria cidade ostenta. Neste aspecto, como noutros, diremos que a arte imita a vida...
Ainda há dias passei pela oficina de sapateiro do Raul/Rui Furtado, naquela cave situada mesmo ao lado da Suprema: tudo tal e qual como vem no filme. Excepto que a fresta, hoje gradeada, já não está aberta à rua. Ou o Vá Vá, onde decorre a cena final: está praticamente na mesma. Inversamente, a Floresta do Ginjal, que bem conheci na outra banda e era local de romaria gastronómica ao fim de semana, está há muito encerrada - sintoma de incompreensível decadência numa localização privilegiada, onde se obtêm as melhores vistas sobre a capital.
O filme confirma que, por detrás de uma Lisboa que muda, há uma Lisboa que permanece. Outros, antes dele, fizeram o mesmo - mas talvez nenhum com a transparência e a admirável sinceridade deste. Ao som hipnótico da guitarra de Paredes e revendo para sempre o belo rosto de Ilda/Isabel Ruth, em eterno desafio às inclemências do tempo com um fulgor que só a magia do cinema dá.

 

Texto reeditado, no dia do 60.º aniversário da estreia d' Os Verdes Anos

No Ginjinha Popular

jpt, 16.10.23

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Venho à Baixa, o que me é tão raro. Subo um pouco a avenida, numa entrega que me cumpre. Estanco diante deste magnífico Hotel Vitória - há quantos anos não olhava para ele. E noto-lhe mesmo uma bela característica, por nesta ala é agora o único sítio que não vai como loja gentrificada. E roubo esta pobre imagem enquanto entoo - por essa razão, suficiente - "Avante, Camaradas!".

Depois desço, à das Portas de Santo Antão, já apenas em breve passeio. Mas iro-me, cruzando estes pacóvios wine bar, pindéricos coffee and toistery,, miseráveis kebabes, explode-me a imprecação agourenta diante de uma "tapas de Sevilha" no centro da minha capital (!) - como se atrevem eles?, ainda se fosse uma tasca galega, de tonel à porta -, e já nem o "Inhaca" fronteiro ao Gambrinus encontro.

Mas, de súbito, deparei-me com uma ainda tasca lisboeta. Acorro à esplanada, a colher alento. Passa uma pequena tuna, de quase caloiros decerto, a trautearem - muito mal, coitadinhos - uma qualquer dos velhos Delfins. Sorrio, revitalizado.

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E, ao simpático empregado, cancelo a bica pedida, lembro-me do passado como era e chamo por uma imperial com um panado, isso que se comia e há que anos não lhe chego. Vem ele como deve de ser, carcaça já algo serôdia, carne encarquilhada, o travo a augurar uma leve e tão desejada azia. 

E assim estou aqui, feliz no Ginjinha Popular, este sem ademanes nem requebros. Pois, como se canta em Moçambique, "juro, sinceramente, palavra de honra, vou morrer assim". Português...

A Ponte do Trancão

jpt, 13.08.23

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Leio, com ligeira surpresa, que a Câmara Municipal de Lisboa quer dar à nova ponte pedonal sobre o Trancão o nome de Manuel Clemente, até há pouco cardeal de Lisboa. À igreja católica portuguesa correu bem este recente Festival Juvenil em Lisboa, uma gigantesca enchente, simpáticos visitantes, a presença de um Papa carismático, uma organização escorreita. Decerto que reanimou a congregação nacional, que se sentiria esmaecida pela perda de influência política e social nas últimas décadas. E veio doirar o clero, atrapalhado pela pérfida (é o termo) reacção ao problema geral católico, a pedofilia praticada por alguns dos seus membros diante do silêncio conivente da corporação profissional. E para quem queira negar isso (pois há holigões católicos) bastará recordar as recentes diatribes da hierarquia eclesiástica, como o bispo que se "esqueceu" de responder ao inquérito sobre essa questão ou as sucessivas declarações do feio bispo Linda, do Porto, este ciciando serem as enrabadelas aos petizes apenas "disparates" similares aos dos treinadores de futebol que se insinuam às jogadoras... Ao que constou - e tão recentemente - Manuel Clemente também se atrapalhou um bocado nas medidas disciplinares internas e nas denúncias criminais aos seus inferiores - e convém lembrar que, ao contrário do que alguns bispos mariolas quereriam, isto de andar a violar os membros (juvenis, juniores ou seniores) do rebanho não é apenas um assunto interno da igreja, é mesmo assunto de tribunal e polícia. Até porque a igreja, seja sob João Paulo, Bento ou Francisco, não é um Estado aqui. Por mais que - e repito-me - os holigões beatos perdigotem isso.
 
Mas o cardeal Clemente talvez tenha apenas sido timorato, no ocaso da sua carreira, face ao grande problema internacional católico. Terá pecado por tergiversação... Lapide quem nunca tenha pecado!
 
Agora nomear a ponte do Trancão com o seu nome parece-me descabido, e por outras razões. Sim o Estado é laico, mas isso não implica que não possa homenagear clérigos. Mas eu recordo-me que Manuel Clemente, já cardeal de Lisboa e após ter sido sufragado pela empresa de Pinto Balsemão, e políticos e intelectuais cooptados, como ilustre intelectual (Prémio Pessoa), andou na década passada a consagrar padres exorcistas, que possam "expulsar os demónios" dos pobres membros da congregação
 
Ou seja, o Estado português, o Governo da República, a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta Metropolitana, o Presidente Carlos Moedas, a oposição PS (que não se oporá à igreja, ainda para mais agora), esta rapaziada toda prepara-se para botar à ponte do Trancão o nome de um promotor de exorcismos? Em 2023? Está tudo maluco? Andam a beber o vinho da missa?
 
(E depois vão lá ver ao domingo na TVI o dr. Portas tecer loas à igreja e invectivar as "seitas" cristãs sul-americanas...)
 

Podecastando

Conversas e pensamentos em viagem no banco de trás de um TVDE

Maria Dulce Fernandes, 24.04.23

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Com a inflação galopante, priorizar o dia a dia é fundamental. Nesta conjuntura de ideias, decidi compartilhar as viagens em TVDE de casa para o trabalho com os mais necessitados que como eu têm dores pavorosas nas pernas e horror a transportes públicos, e com o público em geral que responde aos anúncios pessoais nas páginas de classificados. É genial poder entrar na onda do carpooling dos tesos não condutores e ao mesmo tempo alargar os horizontes do conhecimento do meu próximo, porque tal como diz o único livro que todas as crianças deveriam ler (por não conter qualquer tipo de pornografia), conhece o teu próximo como a ti mesmo. E eu, que pretendo ter um conhecimento enciclopédico da minha pessoa e da existência humana, podecastarei as minhas viagens, compartilhadas com qualquer próximo de boas linhagens, ou com quem me quiser acompanhar até Belém, pagando obviamente pela excelência da companhia.

Numa altura em que toda a gente que é alguém ou assim o crê, podcasta, e que isto devia ser coisa banal e simples de entender, a verdade é que alguns vêm ao engano, como aconteceu com o grupo de 19 turistas japoneses amantes de fotografia, que aguardavam o Grand Tourer à esquina da Estrada do Seminário, e para os quais Belém é sinónimo de selfies e eggotarts. A disciplina com que se arrumaram nos assentos foi totalmente yamato damashi, o novo e altamente eficaz bushido. Interagimos maravilhosamente durante uns fantásticos quinze minutos de viagem. Chegados ao Largo dos Jerónimos, indiquei-lhes o Padrão dos Descobrimentos, expliquei-lhes mais ou menos que representava a aventura da grandiosidade portuguesa e que cada figura era uma espécie de Pokemon, sendo que na proa estava representado o treinador que veio apanhá-los todos. Anuiram e arrepiaram caminho de stick em riste, não sem antes me entregarem dezanove cêntimos cada, que traziam contados e embrulhados num toalhete desinfectante, com álcool a 70%.

Desta viagem tenho muito pouco a podcastar, porque foi um daqueles percursos perfeitos em que apenas eu me fartei de falar, ninguém entendeu, mas todos concordaram com acenos de cabeça e enormes sorrisos rasgados, que não consegui vislumbrar por detrás das máscaras com o sete a amarelo e as cores da camisola da selecção nacional, todas made in China, com que os meus companheiros de viagem se acreditam resguardados dos males que se propagam pelo éter, ilustrados por este meu podecaste.

Elementar burrice

Pedro Correia, 30.03.23

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Dizia o outro que a esquerda mais estúpida da Europa é a francesa. E provavelmente estava cheio de razão.

Digo eu que a esquerda mais burra de Portugal é a de Lisboa. Acaba de confirmar isso chumbando, pela segunda vez em quatro meses, uma medida emblemática do programa eleitoral de Carlos Moedas - e condenando-a assim ao insucesso.

Uma medida que iria beneficiar muitos jovens - precisamente o segmento populacional de que Lisboa mais carece. A isenção, até aos 35 anos, do pagamento do famigerado IMT - Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis - na compra de habitação própria até 250 mil euros.

Ou muito me engano ou estes adoradores de impostos, imbecis como poucos, andam a trabalhar para uma maioria reforçada da direita na câmara de Lisboa antes de se esgotar o prazo previsto para o fim do actual mandato. Já pouco falta para sabermos.

Uma cápsula do tempo

Paulo Sousa, 23.03.23

Tudo começou por um pedido de ajuda para limpar um quintal algures em Lisboa.

Noutros tempos, aquele espaço terá pertencido à imensidão das construções abarracadas que compunham parte significativa da área da capital, mas perante a actual pressão urbanística justifica ser recuperado. Aviso de imediato que o propósito do presente postal não é falar sobre especulação imobiliária nem sobre o plano ortopédico-ideológico, feito com os pés e com a cartilha, que o governo anunciou para a habitação.

O referido espaço deixou de ser habitado há várias décadas e, por isso, acabou por se revelar numa espécie de cápsula do tempo. Além dos objectos que ali reencontrei doutros tempos da minha infância, muitos outros são anteriores a isso e, das várias vezes que ali fui, não houve nenhuma em que não tenha sido surpreendido.

Um dos capítulos destas descobertas surgiu quando a limpeza do espaço chegou ao pé de um monte de telhas de barro. O formato é o habitualmente designado como telha tipo “marselha”. Trata-se de uma telha plana que conheço bem. Aqui perto de mim já foram fabricadas milhões delas. A tradição e o conhecimento não se perdeu e na actualidade a CS - Coelho da Silva é a única fábrica de telha da região que sobreviveu e é o maior empregador do concelho de Porto de Mós.

Desde há muito tempo que as reservas de barro existentes no lado norte na EN8, entre a Cumeira de Cima e o Chão da Feira, justificaram que aquele troço de estrada fosse ladeado por inúmeras chaminés com várias dezenas de metros de altura. A temperatura para as cozeduras era conseguida a partir da lenha retirada dos pinhais ali existentes e que, também por isso, estavam sempre limpos de mato, a mão-de-obra era suficiente e barata e a procura alimentava toda aquela cadeia de criação de valor.

Há dias, na conversa com um vizinho meu, já octogenário, ele lembrou que quando era miúdo, criança mesmo, trabalhou numa fábrica a fazer tijolo burro onde tinha a tarefa de, com os próprios dedos, alisar as face dos tijolos. “Com as luvas que a minha mãe me deu”, terminou ele o relato, a sorrir, e com as duas mãos abertas.

A dinâmica industrial aqui criada permitiu que muita gente tenha vivido com ofícios muitos específicos e especializados, como é o exemplo dos construtores de fornos e chaminés que, residindo aqui, eram requisitados por todo o país. À volta da cerâmica dirigida à construção civil, assim como da faiança utilitária e decorativa, criaram-se também algumas empresas de camionagem. Já ouvi relatos de ter havido uma camioneta, ainda a gasogénio, a ir levar telha e tijolo, a trinta, e às vezes a quarenta à hora, pela estrada antiga, Rio Maior, Alcoentre, Alenquer, Vila Franca até Lisboa. E uma vez foram ao Porto.

Mas, regressando à surpresa, no referido espaço encontrei várias telhas tipo "marselha" fabricadas na zona de Lisboa.

Fábrica de Palença

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A Fábrica de Palença localizava-se na margem sul, perto de Almada e, sobre ela, encontrei no blog Almada virtual um postal com informação detalhada e bem interessante.

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Companhia da Fabrica Ceramica Luzitania

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Imagem da face exterior da telha
"Telha Ibérica Sem Rival"

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A Companhia da Fábrica Cerâmica Luzitania existiu na Rua Saraiva de Carvalho, no Bairro de Campo de Ourique. Encontrei no blog Restos de Colecção um postal com fotos e várias imagens relativas a esta fábrica.

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Ceramica Luzitania Sylvain Bessiere

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Pelo que encontrei no já referido postal do blog Restos de Colecção, neste documento dos Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa e neste artigo da publicação municipal "A mensagem" esta fábrica foi fundada em 1890 por Sylvain Bessiere, nos "arredores do matadouro de Picoas, entre a Rua Engenheiro Vieira da Silva, Av. Fontes Pereira de Melo e a Praça José Fontana". Após o falecimento do seu fundador, foi adquirida pela Companhia da Fábrica Cerâmica Luzitania, que para ali transferiu os seus escritórios. A chaminé do seu forno principal foi preservada e ainda pode ser vista nos jardins do edifício sede da Caixa Geral de Depósitos. Interessante é também a explicação dada à localização da cerâmica nesta zona. Naqueles terrenos existia barro e a fábrica conseguira o fecho da encomenda para o fornecimento de tijolo para a construção da Praça de Touros do Campo Pequeno.

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Ceramica Dias Coelho

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Sobre esta cerâmica não encontrei qualquer referência na internet. Chamo a atenção à data da telha que na fotografia que ficou debaixo desta: 1911.

Esta Lisboa onde se extraía barro e que o transformava em telha e tijolo de construção, com operários e chaminés a fumegar, é uma Lisboa totalmente diferente da actual. Estas peças são testemunhos desse tempo.

Termino este postal acrescentando apenas que, na sequência desta descoberta, o Museu de Lisboa foi contactado e, por ter considerado de interesse, procedeu à recolha de uma amostra de cada uma das diferentes variedades que ali encontrámos.