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Delito de Opinião

Dona Laurinda: uma história de Lisboa

Pedro Correia, 16.12.23

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O bom jornalismo é assim: sabe contar uma história, consegue captar com sabedoria a atenção de quem lê, rejeita o sensacionalismo e a gritaria tipográfica.

Interessa-se pelas pessoas, mantém um olhar atento ao espaço circundante, ocupa-se mais da realidade concreta do que da verdade abstracta, tantas vezes ilusória.

Trata com amabilidade o cidadão comum a quem dá voz.

Trata com discreta cumplicidade o leitor que lhe concede uns minutos de atenção: é a melhor forma de estabelecer contacto.

Com amor à língua portuguesa, nosso traço de união.

 

Isto aprende-se em escolas. Mas aprende-se sobretudo na vida.

Jornalismo desligado da vida é jornalismo condenado ao fracasso. Ao contrário desta reportagem que li hoje, publicada no jornal digital lisboeta Mensagem. Intitula-se «Drogaria Laurinda: o adeus a uma das comerciantes mais antigas da Baixa».

Título apelativo, que não ilude: é chamariz para um relato digno de ser passado a escrito. Com vagar, pausadamente, saboreando a arte de narrar.

 

Parabéns ao jornal, parabéns à autora da reportagem, Eunice Lemos - que não conheço.

Apresentou-me a Dona Laurinda, testemunho vivo de uma Lisboa que já é passado mas ainda é presente, de uma Lisboa com identidade própria que vai resistindo em cada bairro. Também com pessoas transplantadas de outras paragens, como sucede com esta senhora de 88 anos, proprietária de uma velha drogaria prestes a trocar enfim o balcão da loja pelo recato doméstico. Mas sem esconder uma apreensão que nos enche de ternura: «Se fico em casa começo a andar como as outras da minha idade, tudo assim com a bengalinha na mão. Passam a vida sentadas a ver a televisão, ficam marrecas porque a coluna está fraca. Tenho tanto medo de ficar assim.»

 

Jornalismo com gente dentro: motivo para celebrar. É o que faço aqui.

Memória cinéfila de Lisboa

Pedro Correia, 15.12.23

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Monumental (1951-1984): imponente mas malogrado cineteatro
 
Percorro ruas e avenidas de Lisboa e vou-me lembrando dos cinemas que existiam ainda não há muitos anos espalhados pela cidade. Quase todos desapareceram já, devorados pelos novos hábitos de consumo, que nos mandam recolher a casa e olharmos a vida e os filmes pelo quadradinho da televisão.
 
Na Avenida de Marquês de Tomar, atrás da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, existiu em tempos o cinema Berna: abriu em 1970, com uma fita que fez “estrondoso sucesso”, como então se dizia: Borsalino, com Jean-Paul Belmondo e Alain Delon. Outros tempos, outros hábitos: a filmografia francesa arrastava multidões.
 
Outro cinema estreado por essa altura com uma película falada em francês foi o Satélite, ali ao Saldanha, espécie de irmão mais novo do imponente mas malogrado cineteatro Monumental - onde, em criança, Mary Poppins me deslumbrou. Coisas da Vida, assim se chamava a fita inaugural do Satélite, com Romy Schneider e Michel Piccoli. Esteve cerca de um ano em cartaz, algo impossível nos dias que correm.
 
E havia o Apolo 70, atracção máxima no drugstore do mesmo nome, na Rua Júlio Dinis, ao Campo Pequeno: vi lá um dos filmes da minha vida: Apocalypse Now, de Francis Coppola.
 

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Apolo 70 (1971-1990): esteve muito na moda, mas mal chegou à idade adulta
 
No Império – outro cinema que fechou, situado na Alameda Afonso Henriques, vi em estreia Encontros Imediatos do Terceiro Grau, de Steven Spielberg. Inesquecível.
 
Nostalgia e cinefilia são dois vocábulos que caminham a par: por mim, associo antigos cinemas de Lisboa a filmes que jamais passarão de moda. No Camões, perto da praça do mesmo nome, vi a Lolita, de Stanley Kubrick. No Caleidoscópio, em pleno jardim do Campo Grande, chorei a rir com Uma Noite na Ópera, dos Irmãos Marx, e empolguei-me com Intriga Internacional, de Alfred Hitchcock.
 
Ligarei sempre o Berna a outro filme de Spielberg, Os Salteadores da Arca Perdida, e a uma película que na altura me encantou e jamais revi: Bem-Vindo, Mr. Chance, do malogrado Hal Ashby. No Satélite, vi A Regra do Jogo, de Jean Renoir. No Mundial (às Picoas), E Tudo o Vento Levou. No São Luiz (ao Chiado), vibrei com o Correspondente de Guerra, de Hitchcock. E recordo como se fosse hoje a Guerra das Estrelas, de George Lucas, em estreia no ecrã gigante do Monumental.
 

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Cinema Alvalade original, inaugurado em 1953 na Avenida de Roma
 
No Estúdio, sala associada ao Império, esteve em exibição durante mais de um ano uma fita do Botsuana que fez furor: Os Deuses Devem Estar Loucos. Não a perdi, claro. Nem Kramer Contra Kramer no City Cine (Picoas), Um Cadáver de Sobremesa no Terminal (em plena estação ferroviária do Rossio, outro enorme sucesso de bilheteira na estreia deste cinema, em 1976), o francês Uns e os Outros no Star (na Avenida Guerra Junqueiro) e A Semente do Diabo no Xenon (na Avenida da Liberdade).
 
Sem esquecer o mítico Quarteto, onde assisti a filmes atrás de filmes – do Expresso da Meia Noite (1978) até Babel (2006). Ou o Alfa (na Gago Coutinho), onde vi Os Pássaros, de Hitchcock. Sem esquecer o Estúdio 444, na Defensores de Chaves; o Pathé (antigo Imperial), a Arroios; o Roxy (antigo Lys), na confluência da Almirante Reis com a Rua dos Anjos; o Aviz e o Ávila, na Duque de Ávila (assisti lá, na habitual terceira fila a contar do ecrã, a Vontade Indómita, de King Vidor, com Gary Cooper); o Castil, na Rua Castilho; o Fonte Nova e o Turim, na Estrada de Benfica; o ABCine, na Praça de Alvalade; o Roma, na avenida homónima; o Cine 222, na Avenida da Praia da Vitória; o Cinebloco, na 5 de Outubro; o Europa, em Campo de Ourique; o Zodíaco, na Rua Conde Redondo; o 7.ª Arte, junto ao viaduto dos comboios de Entrecampos; e o Cine AC Santos, num espaço comercial da Avenida da Igreja (onde vi A Morte de um Apostador Chinês, de John Cassavetes).
 
E, claro, havia o Eden, nos Restauradores: recordo-me ali da antestreia de um filme português em grande estilo, ao jeito de uma gala de Hollywood - A Vida É Bela?, de Luís Galvão Teles, com Nicolau Breyner no principal papel.
 
Do outro lado da Avenida, era o Condes: vi lá Serenata à Chuva e A Rainha Africana, entre outros clássicos. Mais acima, o Tivoli (onde apreciei o delirante Doutor Estranhoamor, de Kubrick) e o São Jorge, vocacionado para produções britânicas (uma das últimas a que ali assisti foi O Paciente Inglês).
 
Entre os meus favoritos, durante anos, contava-se o Londres, na Avenida de Roma, que chegou a ter as cadeiras mais confortáveis das salas de Lisboa: vi lá em estreia A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen, ainda com Mia Farrow como protagonista. Também o King, inicialmente chamado Vox, que acompanhei mesmo até encerrar por absoluta falta de investimento e manifesta falta de espectadores. VolverLos Abrazos Rotos, de Pedro Almodóvar, foram dois dos últimos filmes que ali me cativaram. Nunca os esquecerei.
 

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Nimas, de 1975: um dos raros sobreviventes da era do cinema com porta para a rua
 
Destes espaços autónomos que nos proporcionaram tantas horas de prazer restam muito poucos. Praticamente só o Alvalade, com traça alterada mas ainda resistente, na garbosa Avenida de Roma, o Nimas – inaugurado em 1975, na Avenida 5 de Outubro, com um filme que permaneceu largos meses em cartaz: Chove em Santiago. E o centenário mas renovado Ideal (que também já se chamou Camões), na Rua do Loreto.
 
Nada garante que não venham a fechar também num prazo curto. 
 
Lisboa é uma cidade que descura a sua memória cultural. E que parece ter deixado de gostar de cinema. Agora o que está a dar são as pipocas. 

A Lisboa que muda na Lisboa que fica

Pedro Correia, 29.11.23

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Isabel Ruth e Rui Gomes no filme Os Verdes Anos, de Paulo Rocha (1963)

 

Não houve um filme como este, não haverá um filme como este. Admirável enlace entre imagem e som, com os acordes sofridos de Carlos Paredes a sublinhar este drama de gente desenraizada nos dédalos de uma cidade que se reinventava naqueles dias de ilusória quietação pressagiando tempos de turbulência.

É um filme que bebe inspiração sobretudo no cinema italiano que lhe era contemporâneo. Há aqui muito Antonioni, há aqui muito do inesquecível início da Dolce Vita, com uma imagem de Cristo a sobrevoar de helicóptero os novos subúrbios de Roma, espécie de sorridente alegoria ao milagre económico italiano.

Era um cinema de intervenção, certamente. Mas muito mais no plano estético do que no plano político. Era um cinema que olhava com veneração para a arquitectura e acreditava com sinceridade que os arquitectos eram os novos profetas da modernidade, capazes de - com as suas linhas ousadas e arrojadas - abraçar o futuro e edificar os alicerces de uma sociedade diferente, habitada pelo homem novo.
Utopias urbanísticas tornadas pouco antes realidade, como sucedeu com a Brasília de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, conduziam a isso. Daí a veneração quase infantil que Paulo Rocha demonstra pela arquitectura, pondo as suas personagens a deambular constantemente pelos espaços mais modernos da Lisboa daquele início da década de 60 - Avenida dos EUA, Avenida de Roma, Cidade Universitária...

 

Como se viu depois, a arquitectura serve para muito mas não para moldar o homem novo, que aliás permanecerá eternamente por criar. E a vanguarda de anteontem torna-se rapidamente uma obsoleta mercadoria académica aos olhos dos que nascem depois de amanhã.
O Cinema Novo tornou-se rapidamente prisioneiro das suas contradições, abraçando um neo-realismo tardio (em obras como Uma Abelha na Chuva, de Fernando Lopes, e A Promessa, de António de Macedo), quase sempre a preto e branco, como metáfora permanente de um regime que parecia imutável mas que se tornou também espelho de fronteiras artísticas demasiado estreitas.

Derrubado o regime, também de algum modo os seus opositores no campo artístico se tornaram anacrónicos. O fabuloso Berlamino (1964) escapa a esta sina porque recusou logo à partida encerrar-se naquela tendência de contrapor ao miserabilismo da ditadura uma linguagem artística também tocada pelo miserabilismo de circunstância.

 

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Cena do filme rodada na Avenida de Roma, em Lisboa, junto à pastelaria Suprema


Os Verdes Anos, com as suas evidentes fragilidades, interessa-me hoje sobretudo pela sua vertente documental. Era um cinema feito na rua, que recusava o estúdio, também por inspiração italiana - e este filme, que constitui uma declaração de amor a Lisboa, acaba por ter portanto as rugas que a própria cidade ostenta. Neste aspecto, como noutros, diremos que a arte imita a vida...
Ainda há dias passei pela oficina de sapateiro do Raul/Rui Furtado, naquela cave situada mesmo ao lado da Suprema: tudo tal e qual como vem no filme. Excepto que a fresta, hoje gradeada, já não está aberta à rua. Ou o Vá Vá, onde decorre a cena final: está praticamente na mesma. Inversamente, a Floresta do Ginjal, que bem conheci na outra banda e era local de romaria gastronómica ao fim de semana, está há muito encerrada - sintoma de incompreensível decadência numa localização privilegiada, onde se obtêm as melhores vistas sobre a capital.
O filme confirma que, por detrás de uma Lisboa que muda, há uma Lisboa que permanece. Outros, antes dele, fizeram o mesmo - mas talvez nenhum com a transparência e a admirável sinceridade deste. Ao som hipnótico da guitarra de Paredes e revendo para sempre o belo rosto de Ilda/Isabel Ruth, em eterno desafio às inclemências do tempo com um fulgor que só a magia do cinema dá.

 

Texto reeditado, no dia do 60.º aniversário da estreia d' Os Verdes Anos

No Ginjinha Popular

jpt, 16.10.23

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Venho à Baixa, o que me é tão raro. Subo um pouco a avenida, numa entrega que me cumpre. Estanco diante deste magnífico Hotel Vitória - há quantos anos não olhava para ele. E noto-lhe mesmo uma bela característica, por nesta ala é agora o único sítio que não vai como loja gentrificada. E roubo esta pobre imagem enquanto entoo - por essa razão, suficiente - "Avante, Camaradas!".

Depois desço, à das Portas de Santo Antão, já apenas em breve passeio. Mas iro-me, cruzando estes pacóvios wine bar, pindéricos coffee and toistery,, miseráveis kebabes, explode-me a imprecação agourenta diante de uma "tapas de Sevilha" no centro da minha capital (!) - como se atrevem eles?, ainda se fosse uma tasca galega, de tonel à porta -, e já nem o "Inhaca" fronteiro ao Gambrinus encontro.

Mas, de súbito, deparei-me com uma ainda tasca lisboeta. Acorro à esplanada, a colher alento. Passa uma pequena tuna, de quase caloiros decerto, a trautearem - muito mal, coitadinhos - uma qualquer dos velhos Delfins. Sorrio, revitalizado.

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E, ao simpático empregado, cancelo a bica pedida, lembro-me do passado como era e chamo por uma imperial com um panado, isso que se comia e há que anos não lhe chego. Vem ele como deve de ser, carcaça já algo serôdia, carne encarquilhada, o travo a augurar uma leve e tão desejada azia. 

E assim estou aqui, feliz no Ginjinha Popular, este sem ademanes nem requebros. Pois, como se canta em Moçambique, "juro, sinceramente, palavra de honra, vou morrer assim". Português...

A Ponte do Trancão

jpt, 13.08.23

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Leio, com ligeira surpresa, que a Câmara Municipal de Lisboa quer dar à nova ponte pedonal sobre o Trancão o nome de Manuel Clemente, até há pouco cardeal de Lisboa. À igreja católica portuguesa correu bem este recente Festival Juvenil em Lisboa, uma gigantesca enchente, simpáticos visitantes, a presença de um Papa carismático, uma organização escorreita. Decerto que reanimou a congregação nacional, que se sentiria esmaecida pela perda de influência política e social nas últimas décadas. E veio doirar o clero, atrapalhado pela pérfida (é o termo) reacção ao problema geral católico, a pedofilia praticada por alguns dos seus membros diante do silêncio conivente da corporação profissional. E para quem queira negar isso (pois há holigões católicos) bastará recordar as recentes diatribes da hierarquia eclesiástica, como o bispo que se "esqueceu" de responder ao inquérito sobre essa questão ou as sucessivas declarações do feio bispo Linda, do Porto, este ciciando serem as enrabadelas aos petizes apenas "disparates" similares aos dos treinadores de futebol que se insinuam às jogadoras... Ao que constou - e tão recentemente - Manuel Clemente também se atrapalhou um bocado nas medidas disciplinares internas e nas denúncias criminais aos seus inferiores - e convém lembrar que, ao contrário do que alguns bispos mariolas quereriam, isto de andar a violar os membros (juvenis, juniores ou seniores) do rebanho não é apenas um assunto interno da igreja, é mesmo assunto de tribunal e polícia. Até porque a igreja, seja sob João Paulo, Bento ou Francisco, não é um Estado aqui. Por mais que - e repito-me - os holigões beatos perdigotem isso.
 
Mas o cardeal Clemente talvez tenha apenas sido timorato, no ocaso da sua carreira, face ao grande problema internacional católico. Terá pecado por tergiversação... Lapide quem nunca tenha pecado!
 
Agora nomear a ponte do Trancão com o seu nome parece-me descabido, e por outras razões. Sim o Estado é laico, mas isso não implica que não possa homenagear clérigos. Mas eu recordo-me que Manuel Clemente, já cardeal de Lisboa e após ter sido sufragado pela empresa de Pinto Balsemão, e políticos e intelectuais cooptados, como ilustre intelectual (Prémio Pessoa), andou na década passada a consagrar padres exorcistas, que possam "expulsar os demónios" dos pobres membros da congregação
 
Ou seja, o Estado português, o Governo da República, a Câmara Municipal de Lisboa, a Junta Metropolitana, o Presidente Carlos Moedas, a oposição PS (que não se oporá à igreja, ainda para mais agora), esta rapaziada toda prepara-se para botar à ponte do Trancão o nome de um promotor de exorcismos? Em 2023? Está tudo maluco? Andam a beber o vinho da missa?
 
(E depois vão lá ver ao domingo na TVI o dr. Portas tecer loas à igreja e invectivar as "seitas" cristãs sul-americanas...)
 

Podecastando

Conversas e pensamentos em viagem no banco de trás de um TVDE

Maria Dulce Fernandes, 24.04.23

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Com a inflação galopante, priorizar o dia a dia é fundamental. Nesta conjuntura de ideias, decidi compartilhar as viagens em TVDE de casa para o trabalho com os mais necessitados que como eu têm dores pavorosas nas pernas e horror a transportes públicos, e com o público em geral que responde aos anúncios pessoais nas páginas de classificados. É genial poder entrar na onda do carpooling dos tesos não condutores e ao mesmo tempo alargar os horizontes do conhecimento do meu próximo, porque tal como diz o único livro que todas as crianças deveriam ler (por não conter qualquer tipo de pornografia), conhece o teu próximo como a ti mesmo. E eu, que pretendo ter um conhecimento enciclopédico da minha pessoa e da existência humana, podecastarei as minhas viagens, compartilhadas com qualquer próximo de boas linhagens, ou com quem me quiser acompanhar até Belém, pagando obviamente pela excelência da companhia.

Numa altura em que toda a gente que é alguém ou assim o crê, podcasta, e que isto devia ser coisa banal e simples de entender, a verdade é que alguns vêm ao engano, como aconteceu com o grupo de 19 turistas japoneses amantes de fotografia, que aguardavam o Grand Tourer à esquina da Estrada do Seminário, e para os quais Belém é sinónimo de selfies e eggotarts. A disciplina com que se arrumaram nos assentos foi totalmente yamato damashi, o novo e altamente eficaz bushido. Interagimos maravilhosamente durante uns fantásticos quinze minutos de viagem. Chegados ao Largo dos Jerónimos, indiquei-lhes o Padrão dos Descobrimentos, expliquei-lhes mais ou menos que representava a aventura da grandiosidade portuguesa e que cada figura era uma espécie de Pokemon, sendo que na proa estava representado o treinador que veio apanhá-los todos. Anuiram e arrepiaram caminho de stick em riste, não sem antes me entregarem dezanove cêntimos cada, que traziam contados e embrulhados num toalhete desinfectante, com álcool a 70%.

Desta viagem tenho muito pouco a podcastar, porque foi um daqueles percursos perfeitos em que apenas eu me fartei de falar, ninguém entendeu, mas todos concordaram com acenos de cabeça e enormes sorrisos rasgados, que não consegui vislumbrar por detrás das máscaras com o sete a amarelo e as cores da camisola da selecção nacional, todas made in China, com que os meus companheiros de viagem se acreditam resguardados dos males que se propagam pelo éter, ilustrados por este meu podecaste.

Elementar burrice

Pedro Correia, 30.03.23

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Dizia o outro que a esquerda mais estúpida da Europa é a francesa. E provavelmente estava cheio de razão.

Digo eu que a esquerda mais burra de Portugal é a de Lisboa. Acaba de confirmar isso chumbando, pela segunda vez em quatro meses, uma medida emblemática do programa eleitoral de Carlos Moedas - e condenando-a assim ao insucesso.

Uma medida que iria beneficiar muitos jovens - precisamente o segmento populacional de que Lisboa mais carece. A isenção, até aos 35 anos, do pagamento do famigerado IMT - Imposto Municipal sobre Transacções Onerosas de Imóveis - na compra de habitação própria até 250 mil euros.

Ou muito me engano ou estes adoradores de impostos, imbecis como poucos, andam a trabalhar para uma maioria reforçada da direita na câmara de Lisboa antes de se esgotar o prazo previsto para o fim do actual mandato. Já pouco falta para sabermos.

Uma cápsula do tempo

Paulo Sousa, 23.03.23

Tudo começou por um pedido de ajuda para limpar um quintal algures em Lisboa.

Noutros tempos, aquele espaço terá pertencido à imensidão das construções abarracadas que compunham parte significativa da área da capital, mas perante a actual pressão urbanística justifica ser recuperado. Aviso de imediato que o propósito do presente postal não é falar sobre especulação imobiliária nem sobre o plano ortopédico-ideológico, feito com os pés e com a cartilha, que o governo anunciou para a habitação.

O referido espaço deixou de ser habitado há várias décadas e, por isso, acabou por se revelar numa espécie de cápsula do tempo. Além dos objectos que ali reencontrei doutros tempos da minha infância, muitos outros são anteriores a isso e, das várias vezes que ali fui, não houve nenhuma em que não tenha sido surpreendido.

Um dos capítulos destas descobertas surgiu quando a limpeza do espaço chegou ao pé de um monte de telhas de barro. O formato é o habitualmente designado como telha tipo “marselha”. Trata-se de uma telha plana que conheço bem. Aqui perto de mim já foram fabricadas milhões delas. A tradição e o conhecimento não se perdeu e na actualidade a CS - Coelho da Silva é a única fábrica de telha da região que sobreviveu e é o maior empregador do concelho de Porto de Mós.

Desde há muito tempo que as reservas de barro existentes no lado norte na EN8, entre a Cumeira de Cima e o Chão da Feira, justificaram que aquele troço de estrada fosse ladeado por inúmeras chaminés com várias dezenas de metros de altura. A temperatura para as cozeduras era conseguida a partir da lenha retirada dos pinhais ali existentes e que, também por isso, estavam sempre limpos de mato, a mão-de-obra era suficiente e barata e a procura alimentava toda aquela cadeia de criação de valor.

Há dias, na conversa com um vizinho meu, já octogenário, ele lembrou que quando era miúdo, criança mesmo, trabalhou numa fábrica a fazer tijolo burro onde tinha a tarefa de, com os próprios dedos, alisar as face dos tijolos. “Com as luvas que a minha mãe me deu”, terminou ele o relato, a sorrir, e com as duas mãos abertas.

A dinâmica industrial aqui criada permitiu que muita gente tenha vivido com ofícios muitos específicos e especializados, como é o exemplo dos construtores de fornos e chaminés que, residindo aqui, eram requisitados por todo o país. À volta da cerâmica dirigida à construção civil, assim como da faiança utilitária e decorativa, criaram-se também algumas empresas de camionagem. Já ouvi relatos de ter havido uma camioneta, ainda a gasogénio, a ir levar telha e tijolo, a trinta, e às vezes a quarenta à hora, pela estrada antiga, Rio Maior, Alcoentre, Alenquer, Vila Franca até Lisboa. E uma vez foram ao Porto.

Mas, regressando à surpresa, no referido espaço encontrei várias telhas tipo "marselha" fabricadas na zona de Lisboa.

Fábrica de Palença

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A Fábrica de Palença localizava-se na margem sul, perto de Almada e, sobre ela, encontrei no blog Almada virtual um postal com informação detalhada e bem interessante.

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Companhia da Fabrica Ceramica Luzitania

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Imagem da face exterior da telha
"Telha Ibérica Sem Rival"

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A Companhia da Fábrica Cerâmica Luzitania existiu na Rua Saraiva de Carvalho, no Bairro de Campo de Ourique. Encontrei no blog Restos de Colecção um postal com fotos e várias imagens relativas a esta fábrica.

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Ceramica Luzitania Sylvain Bessiere

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Pelo que encontrei no já referido postal do blog Restos de Colecção, neste documento dos Cadernos do Arquivo Municipal de Lisboa e neste artigo da publicação municipal "A mensagem" esta fábrica foi fundada em 1890 por Sylvain Bessiere, nos "arredores do matadouro de Picoas, entre a Rua Engenheiro Vieira da Silva, Av. Fontes Pereira de Melo e a Praça José Fontana". Após o falecimento do seu fundador, foi adquirida pela Companhia da Fábrica Cerâmica Luzitania, que para ali transferiu os seus escritórios. A chaminé do seu forno principal foi preservada e ainda pode ser vista nos jardins do edifício sede da Caixa Geral de Depósitos. Interessante é também a explicação dada à localização da cerâmica nesta zona. Naqueles terrenos existia barro e a fábrica conseguira o fecho da encomenda para o fornecimento de tijolo para a construção da Praça de Touros do Campo Pequeno.

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Ceramica Dias Coelho

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Sobre esta cerâmica não encontrei qualquer referência na internet. Chamo a atenção à data da telha que na fotografia que ficou debaixo desta: 1911.

Esta Lisboa onde se extraía barro e que o transformava em telha e tijolo de construção, com operários e chaminés a fumegar, é uma Lisboa totalmente diferente da actual. Estas peças são testemunhos desse tempo.

Termino este postal acrescentando apenas que, na sequência desta descoberta, o Museu de Lisboa foi contactado e, por ter considerado de interesse, procedeu à recolha de uma amostra de cada uma das diferentes variedades que ali encontrámos.

A procissão lisboeta

jpt, 06.03.23

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Eu gosto de Moedas. Votei nele, pedi aos meus amigos lisboetas que nele votassem. Não só porque o seu antecessor é execrável (e é, o piorio do PS), não só porque delenda est PS, mas também porque o ouvira, solto, em Bruxelas e ali mostrando-se um tipo com cabedal intelectual - ainda mais excêntrico no patético estado das elites partidárias actuais... Exultei com a sua vitória, na derrota do amigo especial de Moscovo e Tel Aviv (para ele decerto que Jerusalém) e da sua tropa fandanga, essa daquela maluquinha de Arroios, do ex-vereador Salgado, da colunista do "Público" "de referência", do rapazola de Campo de Ourique e por aí afora, toda essa malta que agora sonha acoitar-se sob a dita "Super-Marta"...

Dito isto: alguém me pode explicar o que faz um presidente da câmara (ainda por cima a da capital) metido numa procissão católica?

Pagar 150 euros por colchão

Pedro Correia, 06.02.23

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Há uns tempos, levantou-se um coro geral de indignação, entre as bempensâncias lisboetas, contra as condições infra-humanas em que viviam imigrantes contratados para a apanha de frutos vermelhos nas estufas de Odemira. Aproveitou-se a ocasião para debitar a ladainha do costume, inflamada de indignação moral. 

Lamento que muitas dessas almas cândidas e benfazejas (e grandes consumidoras de frutos vermelhos, óptimos para a saúde) se indignem mais depressa com aquilo que se passa a 200 quilómetros de distância enquanto fingem não reparar no que se passa na própria cidade onde residem. Aqueles imigrantes de Odemira, apesar de tudo, vivem em melhores condições do que estes estafetas que a todo o momento distribuem refeições ao domicílio dos mesmos lisboetas tão arrepiados com as degradantes condições no Alentejo profundo. 

O trágico incêndio ocorrido neste fim-de-semana na Mouraria, provocando dois mortos e 14 feridos (incluindo quatro crianças) demonstra o que é a realidade actual nesta Lisboa impante de modernidade e efervescente de "consciência social": imigrantes asiáticos amontoados num cubículo desse bairro.

Foi na Mouraria, mas podia ter sido noutro local. Anjos, Intendente, Arroios - numa vasta cintura em torno do centro histórico da cidade. Em casos como este, que se multiplicam como cogumelos: prédio insolvente, resgatado por um banco, que leiloa fracções a estrangeiros ligados a redes de exploração de trabalho quase escravo. Cada um destes desgraçados paga 150 euros - não por apartamento, nem por quarto, nem por cama, mas por colchão amontoado junto a tantos outros.

Neste rés-do-chão vegetavam 22 seres humanos. Esses, que não merecem um sopro de indignação da parte das tais vozes indignadinhas que incentivam a existência destas redes - e das plataformas digitais que delas se aproveitam - cada vez que pedem comidinha ao domicílio. Sem perceberem sequer a relação entre uma coisa e outra. 

Programa sobre os Olivais

jpt, 10.12.22

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Vizinhos elogiosos dão-me a conhecer este programa radiofónico (aka podcast) "Lisboa e os Lisboetas" devido a esta sessão (51 minutos) sobre o meu bairro Olivais. Avanço para o ouvir, enquanto leio: interessa-me o bairro e conheço o "entrevistado" (é uma conversa, não uma entrevista) Pedro Bidarra há 40 anos, olivalense de gema, publicitário renomado, romancista, tipo refinado e de bela verve.
 
Na introdução da conversa o autor do programa deixa algumas indicações sobre "os Olivais" (é assim que se diz) rural, pré-1950s, incidindo na rede de "quintas" das quais há apenas alguns vestígios remanescentes. E mais para a frente alude à evolução da actual "Avenida de Berlim", a velha "Entre Aeroportos" (o de Cabo Ruivo, para hidroaviões, e o posterior da Portela), memórias corográficas decerto que interessantes para os fregueses que as desconheçam.
 
No início da conversa o Pedro Bidarra deixa um pouco da sua, que é a nossa, a da geração fundadora dos Olivais, memória sobre como foi crescer no bairro no pós-25 de Abril - e faz muito bem em lembrar que algo disso deixou no seu ríspido e tão interessante romance "Azulejos Pretos" (ele tem outra ficção, "Rolando Teixo", que é um mimo, e vou avançando isto porque vem aí o Natal e dar livros é bom, e ambos são uma boa opção).
 
Depois a conversa desenrola-se, e torna-se um espaço para o autor do programa - José Sá Fernandes, um antigo vereador municipal (surgido com o BE e prosseguido no PS) -, "mudando a agulha" com constantes derivas elogiando ... a sua obra camarária. Deixo cair o livro, deliciado, ficando só a ouvir - pois ter-se-á perdido um bocado do fio à meada olivalense, mas com ganhos, pelo menos para mim, crente que sou no método indutivo. Pois é um documento, delicioso (repito-me) sobre "lisboa", aquela "que anoitece" como (não) cantava o cantor... Lá mais para o fim o Bidarra (com algum carinho - é notório que são amigos - quiçá irónico) deixa uma breve pérola, tentando matizar o fervor intervencionista, até demiúrgico, do político agora radiofónico.
 
Enfim, terminado o programa não resisto e prometo-me: depois dos quartos-de-final de hoje ouvirei o programa (30 minutos) dedicado ao "Bairro Alto" (post-Frágil, claro), cuja "entrevistada" é a articulista do "Público" Carmo Afonso, comunista, putinesca e que se queixa de os taxis lisboetas federem a "trabalhadores portugueses". Mais "lisboa", decerto...

Chove em Lisboa

jpt, 08.12.22

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Como bem sabem os meus amigos e conhecidos eu não sou um tipo de partidos (e devia ter sido, que a vida teria sido mais ... abonada). Nisso estou - apesar de ser de "direita", mesmo da "profunda", como me dizem até pesarosos amigos vistos como "intelectuais" - pronto para criticar os laranjinhas que gerem o meu município lisboeta (tal como fiz com a indigente lista que apresentaram para o meu bairro Olivais).
 
Dito isto, venho aqui botar política porque nos últimos dias vi rebotalho socialista (passe a redundância), irados fascizantes e gente distraída a gozar com o actual presidente da Câmara lisboeta - esse que sucedeu à clientela PS da inaceitável parelha presidente Medina & vereador Salgado e que tem de a enfrentar devido a uma mera maioria relativa - por causa de umas luzes de Natal que não acenderam à primeira, um mero fait-divers.
 
Vamos ter cuidado, nós munícipes lisboetas, nós amantes de Lisboa. Hoje choveu na cidade e logo inundou. Até uma pessoa morreu, na capital do "turismo"... Vamos ler este artigo, atentar nesta notícia, tão recente, a mostrar o que se está - realmente - a fazer. O PSD tem imensos defeitos, históricos e actuais. Moedas decerto que terá defeitos. Mas não é a inutilidade vistosa e viscosa do poder municipal que o antecedeu. Vamos lá a criticá-lo quando for necessário. E a defendê-lo da malvadez cúpida do partido socialista - que não está apenas acantonada, por ínvias contagens, em Campo de Ourique.

A Livraria Martins

jpt, 26.08.22

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(Como ontem se inaugurou a Feira do Livro de Lisboa deixo este postal sobre uma livraria que acabo de conhecer)

Vim a Lisboa para a ver, querida e antiga amiga, companheira em Moçambique, ela andarilha lá e no mundo, agora regressada após meses, quase um ano, na "Pérola..." e a calcorrear os "distritos", para minha - até dolorosa - inveja. Abraçamo-nos, eu sigo no defeito da franqueza e "estás óptima", ela riposta, impiedosa connosco num "estou nada, estou velha!", eu rio-me, pois por mim concordo (e muito) mas não nela, que sempre lhe noto o viço do olhar límpido, esse daqueles que ainda se conseguem encantar. Com lucidez...

Sentamo-nos na esplanada, ali junta à Avenida de Roma, as cercanias dela. Encaramos o célebre - pois "dos tempos" - "Cockpit", enfrenta ela um cocktail vistoso, eu a monástica imperial, e juntos depenicamos um qualquer petisco elegante. E mergulho, até sôfrego, no que me narra sobre esse do Niassa ao Maputo que agora voltou a percorrer, dos trâmites do seu enérgico trabalho, e uns laivos (a meu pedido) sobre os amigos comuns. Não vertemos saudosismo - o muito que então nos foi bom assim nos ficou -, ambos isentos do cândido sonho de regressar ao passado. Temos, sim, interesse: o meu nela, e seus passos, e espero que tal lhe seja recíproco, apesar do baço que manco. E sobre o país, daqueles tão enviesados rumos e esdrúxulos discursos, isso tudo que quando por lá até deixamos de estranhar mas que - e felizmente - nunca se entranhou.

 

 

A Crise

jpt, 14.04.22

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Para aqueles de memória curta ou de passado escasso talvez isto pouco interessará. Ainda assim sigo avante. Em 1980 e 1981, nos meus 16 e 17 anos, os meus pais renderam-se, regressavam a casa e deixavam-me ficar para trás, mais uns dias em São Martinho do Porto, onde sempre passávamos férias. Eu aboletado em casa de amigos ou talvez nem tanto, esticando o veraneio. Esses foram os meus inícios da boémia - lá havia uma grande discoteca, a "Pink Panther", a qual tinha um magnífico e super-actualizado disc-jockey, coisa espantosa para aquele ali nesse tempo. E um ambiente entusiástico.
 
Mas esses períodos de passagem, de iniciação às noites e outras facetas da vida, foram-me acima de tudo a aprendizagem da fome, que então ainda desconhecia. Pois o dinheiro que me deixavam era escasso, não só pela frugalidade vigente e por ser eu um ainda petiz, galarote. Mas porque então se vivia sob o espectro do FMI, entre aquelas suas duas intervenções - e falo aqui da época anterior a Ernâni Lopes ser demonizado... Nisso a espórtula paternal era escassíssima, a contribuição materna um pouco mais mimosa, e valia-me a adenda avoenga. Assim sendo comia em casa anfitiriã com a parcimónia cerimoniosa que a voracidade adolescente permitia, num noblesse oblige inculcado, e torrava os parcos escudos em tabaco (até mesmo os "Definitivos", "Provisórios" e "Kentucky") e nas cervejas e "Cubas Livres" - sim, era um miúdo - na referida "Pink Panther".
 
Nesses entretantos, às tardias alvoradas - que ainda não eram ditas horas de brunch - e às ceias acorria ao Café "Rosa", entre o Samar e o "Careca", defronte à tabacaria e à papelaria, ladeando o "Clube", e alimentava-me do peculiar prato "Crise" - pois esta não nasceu neste XXI, como pensarão alguns amnésicos. Constava ele de batatas fritas e um ovo estrelado. Ou dois, se estivéssemos esfaimados - e, se não me falha a memória, custava 5 escudos na versão de ovo duplo.
 
Confidência feita talvez os meus amigos possam compreender o enorme prazer que tenho, agora que 40 anos passados, ao sentar-me hoje, no popular Restaurante Cabeça de Touro nos Olivais, onde se confeccionam as melhores batatas fritas ao sul do Trancão, e encomendar uma réplica dessa saudosa "Crise". Estou mais espartano do que nessa era, pois falta-me o crédito do futuro que então tinha. E venho acompanhado de José Rodrigues Miguéis, nas suas belas crónicas em "É Preciso Apontar" (1964), que há tão pouco me foram ofertadas. Mas logo as largo, espraiando-me nas memórias dos tempos daquela "Crise". Quando tudo estava ainda ali mesmo à frente.
 
Mas não sou um saudosista. Por isso, para me mostrar que tudo mudou, no fim do repasto peço um "Famous Grouse".

Novo espaço

Sérgio de Almeida Correia, 16.02.22

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Dele se pode dizer que é um homem em movimento. Em movimento perpétuo, uma espécie de corpo celeste emitindo luz própria e sempre a correr daqui para lá e acolá tantos são os projectos. Hoje um, amanhã outro. E como se não lhe bastassem todos os prémios e menções que já recebeu e que em muito têm prestigiado a fotografia universal que fala em português, lembrou-se de criar, já que de um criador se trata, o Ochre Space. Ou melhor, digo eu, a Galeria Ochre.

Devido à pandemia ainda não franqueou as suas portas ao público, mas em breve fá-lo-á porque há locais onde não há mal que sempre dure.

A luz de Lisboa ficará certamente enriquecida com mais este acolhedor espaço dedicado à fotografia, onde será possível encontrar a dita em dimensões generosas, as do anfitrião e dos amigos que ele convidar, muitos livros, e todas as Zine que o João Miguel já produziu.

Eu espero lá poder passar um dia, e também visitar a família e os amigos, assim que me seja possível sair desta suave colónia onde resido e ultimamente cumpro pena com uma dose tripla de vacinas, sem ter necessidade de no regresso cumprir uns fantásticos vinte e um dias de quarentena no hotel para onde me enviarem – se houver disponibilidade de quartos, claro, pois que de outro modo ficarei "pendurado" no exterior, à falta de melhores ideias –, usufruindo de uma comida maravilhosa, os quais serão depois acrescidos de mais oito dias de castigo em casa por me ter lembrado de saltar a cerca.

Lisboa: a pesada herança

Pedro Correia, 22.10.21