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Delito de Opinião

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 23.01.23

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Hoje é O Dia Mundial da Liberdade 

«Em Portugal o Dia da Liberdade comemora-se a 25 de Abril, mas a data internacional para celebrar a liberdade calha no calendário internacional a 23 de Janeiro. Foi criada pela ONU e proclamada pela UNESCO. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contempla a liberdade no artigo 1.º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

O artigo 2.º refere: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação.»

Apesar de todos sabermos que a igualdade universal é uma miragem e que o corolário resume a falta de liberdade, nós, os que vivemos neste recanto português, nem nos podemos queixar dessa falta , apenas das nossas más escolhas.

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Hoje é O Dia da Escrita à Mão /Caligrafia

«A escrita, elemento que separa a pré-história da história, é uma habilidade fundamental que eleva a civilização humana e nos permite comunicar e negociar em larga escala. As verdadeiras origens da escrita são obscuras, mas sabemos que surgiu em várias regiões do mundo antigo por volta de 3400 a.C. As primeiras escritas conhecidas vêm do actual Iraque: sinais pictóricos que depois foram substituídos por um complexo sistema de caracteres baseado nos sons da língua suméria, conhecida como cuneiforme.

Os sistemas de escrita diferem na construção. Alguns contam com simbolismo pictórico, outros combinam caracteres para formar novos significados, outros usam estruturas gramaticais para criar frases completas de profundidade e de significado. A caligrafia eleva a escrita a uma forma de arte requintada. Exemplos de caligrafia tradicional incluem artigos em bronze chineses antigos, hieróglifos maias, manuscritos iluminados da Europa Ocidental e inscrições em mesquitas islâmicas.

Embora no mundo digital de hoje tenhamos a tendência de gravar tudo em dispositivos electrónicos, escrever à mão traz benefícios que o digital não oferece. Aumenta a concentração, reduz o estresse e fortalece a memória. Além disso, uma carta manuscrita tem mais valor do que qualquer correspondência digitalizada ou enviada por e-mail. Tentemos escrever uma carta, um diário ou uma simples lista de tarefas à mão e observemos a diferença por nós mesmos.»

Ainda sou do tempo... é verdade! Ainda sou do tempo em que escrevia cartas aos meus amigos ou ao meu namorado, quando ia de férias para longe, para locais distantes como eram Alfeizerão, Lagos ou Albufeira. Comprava papel de carta colorido ou com desenhos, aperfeiçoava a minha escrita, colava bonequinhos fofinhos, colava um selo de correio e enviava às dezenas, a contar as minhas aventuras diárias por terras bizarras. Escrevi centos de cartas. No Natal era imperativa a troca de postais de Boas Festas. Uma tradição que nem saía barata com tanta família e amigos, nem era fácil de executar, pois requeria muito tempo para escrever os postais e os envelopes. 

Presentemente, se recebermos dois ou três postais, é muito. Se vamos para fora, enviamos mensagens com fotos e pronto. Já ninguém escreve postais.

  (Imagens Google)

Irão e China em luta pela liberdade

Pedro Correia, 05.12.22

«A palavra "revolucionário" só pode aplicar-se a revoluções cujo objectivo é a liberdade.»

Hannah Arendt

 

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Foi preciso morrerem pelo menos 500 pessoas - incluindo muitas crianças - nos protestos iniciados em 16 de Setembro no Irão devido à fúria repressora da ditadura teocrática que ali vigora desde 1979, para os aiatolás recuarem, atemorizados pela imparável vaga de manifestações populares. O regime de Teerão acaba de anunciar a dissolução da sinistra "polícia da moralidade" que perseguia, torturava e matava mulheres só por não cobrirem todo o cabelo com o véu islâmico. É o princípio do fim da tirania, graças à imensa coragem cívica de largos milhares de jovens que correm o risco de ser condenados à morte pelo simples facto de reclamarem direitos, liberdades e garantias considerados banais em diversas outras parcelas do globo - incluindo, felizmente, em Portugal.

 

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Também em Pequim a ditadura está em recuo. Pressionada igualmente por gigantescos protestos em várias cidades e vilas do país. Da parte de gente que vai perdendo o medo e ousa desafiar os mecanismos de repressão do estado policial chinês, controlado desde 1949 em monopólio absoluto pelo Partido Comunista. Destituídos dos mais básicos direitos, incluindo o direito de sair de casa e de circular na rua a pretexto de um "controlo sanitário" que dura há quase dois anos, os chineses atrevem-se a dizer "basta". Muitos já exigem não apenas o fim das restrições impostas a pretexto do combate ao covid-19 mas a demissão do líder supremo, Xi Jinping. Acossado pelos protestos, o regime começou a suavizar as normas sanitárias. Enquanto a proscrita palavra "liberdade" vai ecoando cada vez com mais força em praças e avenidas por multidões de jovens

Pela liberdade

Paulo Sousa, 21.06.22

É difícil transmitir a energia e a intensidade que transpira das imagens dos estimados 60.000 manifestantes que ontem à ontem estiveram nas ruas de Tblisi, mostrando o seu apoio a que o seu país possa aspirar a um dia ser membro da UE.

A Geórgia é uma nação antiga que sempre esteva rodeada de grandes impérios e não foram poucas as vezes que foi desprezada e humilhada. Tem frequentes problemas de instabilidade política e nem sequer controla o território que lhe é reconhecido pela ONU como seu. A Ossétia do Sul e a Abcásia são territórios ocupados pela Rússia e, de uma forma simplificada, estão para a Geórgia como a Transnístria está para a Moldávia. São factores de destabilização permanentes que inquinam a capacidade destes países poderem focar-se na sua modernização e no cumprimento das aspirações do seu povo, por paz e prosperidade.

Não pretendo de todo aqui fazer um ensaio de geopolítica, mas tal como vimos acontecer recentemente na Ucrânia, o que seria uma anémica conformidade pelo dia-a-dia, que travava a aspiração por uma evolução rápida dos equilíbrios políticos, acabou por ser tremendamente sacudida e acelerada após a invasão russa à Ucrânia.

Há mudanças efectivas a acontecer. A guerra decorre na Ucrânia, mas para além da luta por cada metro de terreno no Donbass, o combate que se trava é entre duas visões opostas do mundo. Com todas a falhas e imperfeições da UE, é óbvio que neste combate será decidido se as gerações futuras destes povos, e de todos os europeus, poderão viver em liberdade ou sob o autoritarismo que Putin consubstancia.

Tudo está em aberto e ontem os georgianos mostraram que querem estar do lado da liberdade.

Hoje é dia de

Maria Dulce Fernandes, 03.05.22

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Celebramos neste dia 3 de Maio O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

 

"O objectivo deste dia é sensibilizar os líderes políticos e os cidadãos em geral para a defesa da liberdade de imprensa - elemento essencial para o desenvolvimento de uma sociedade. Também se presta homenagem aos profissionais do sector da imprensa que morreram enquanto desempenhavam as suas funções.

Este dia foi criado na 26.ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO, em Paris, que ocorreu em Outubro e Novembro de 1991."

 

"Se pudesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último."

( Thomas Jefferson)

 

O melhor indicador de uma democracia saudável é a sua imprensa. O jornalismo de investigação é seguramente a pedra de toque de toda a informação. A isenção, o rigor, a competência para avaliar e reflectir, e sobretudo a perspectiva de aproximação e divulgação da notícia, são os braços da  balança da democracia.

Ocorrências que chegam ao conhecimento do público do outro lado do mundo, por exemplo, em directo ou diferido em minutos, não seriam possíveis num regime totalitário onde a imprensa é controlada pelo estado, cujo crivo azula os acontecimentos à medida dos seus interesses.

Nunca me esquecerei daquele dia 17 de Janeiro de 1991, quando Peter Arnett, da varanda do seu hotel em Bagdad, transmitiu pela primeira vez para o mundo, através da CNN, a guerra em directo.

Sem grilhões e com fé no futuro, a informação continuará a espraiar conteúdos com justeza e exactidão.

 

(Foto do Google)

Ainda sobre o 48.º aniversário

Paulo Sousa, 27.04.22

Há muitos anos que não se celebrava um aniversário da Revolução que derrubou a ditadura do Estado Novo, num enquadramento tão propício a apreciarmos os valores democráticos. E não me refiro apenas à guerra em curso.

A liberdade a que este dia de há 48 anos abriu a porta foi celebrada com as cerimónias protocolares habituais, mas, talvez sem o destaque merecido, foi celebrada também pelo fim da obrigatoriedade do uso da máscara.

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Imagem DN

Nestes cerca de dois anos que passaram, as máscaras impostas pela pandemia, que agora parece recuar, além de terem escondido indiscriminadamente lábios e sorrisos, perturbaram a forma como comunicamos, atrasaram a aprendizagem da fala aos mais novos, fizeram que muitas crianças não se recordem dos sorrisos das suas educadoras, impediram que reconhecêssemos amigos com que nos cruzámos, atrapalharam e reduziram a quantidade dos beijos dados pelos amantes e alteraram a forma como nos cumprimentamos.

É claro que também ocultaram os dentes cariados e falhos dos mais humildes, proporcionaram-nos uma desculpa para podermos ignorar pessoas que não queríamos realmente cumprimentar e até, talvez apenas, ajudaram-nos a entender melhor o que é o mau hálito.

Como animais de hábitos que somos desenvolvemos alertas visuais sempre que num espaço público víamos alguém sem o devido resguardo facial. Agora, e desde este Abril de 2022 já estamos a desenvolver o alerta contrário.

As máscaras não vão desaparecer instantaneamente, não serão proibidas, nem mesmo aos que insistem em usá-la abaixo do queixo, mas o seu uso passará a depender do entendimento de cada um. E isso é uma excelente forma de celebrar a liberdade.

Vivemos em sociedade e aceitamos as regras como moeda de troca pelos incontáveis benefícios de a ela pertencer. Diferentes regimes definem de forma diversa o ponto de equilíbrio entre o que deve ser decidido pela polis ou pelo indivíduo, e cada um de nós terá também diferentes entendimentos dessa relação.

O debate sobre o seu uso foi acalorado e não irá terminar de imediato. Foi interessante para procurarmos novos argumentos e novos critérios para definirmos essa mesma fronteira entre o nós e os outros. Não há uma resposta nem um critério único. Antes de Abril, antes do Abril de há 48 anos, haveria certamente um critério único, inequívoco e inquestionável. Depois desse Abril, foi definido um critério, foram cometidos erros (claro, somos governados por palermas) mas podemos manifestar a nossa discordância. Afirmar que somos governados por palermas, além de ser verdade, é também uma forma de celebrar Abril. E de cara destapada.

A distopia chinesa

Paulo Sousa, 20.04.22

aqui postei sobre a ameaça que o regime chinês constitui para a nossa liberdade. A previsibilidade e a capacidade de decisão a longo prazo dos regimes autoritários em geral podem ser atractivos, especialmente em tempos conturbados.

Vivo com a triste convicção de que existe uma parte significativa da nossa espécie que não aprecia assim tanto a liberdade. Quando na história pessoal de um individuo existem falhas frequentes de bens essenciais como sendo refeições regulares, habitação e a possibilidade de planear o futuro, então a liberdade de expressão pode ser considerada como um preço aceitável para que se consiga assegurar os básicos. Encontramos isso actualmente em muitas geografias e também na nossa história bem recente. As carências materiais explicam essa falta de apreço.

O sucesso material chinês é por isso um desafio à própria lógica autoritária sob a qual o regime assenta. Até que ponto os seus cidadãos estarão dispostos a pagar esse preço? Os chineses sabem que se aceitarem as regras poderão prosperar e, pelo contrário, se as questionarem o regime desencadeará os procedimentos definidos para esses casos.

O confinamento que se vive actualmente em Shangai resulta de uma rígida política de Covid zero, assim como mostra que a vacina chinesa da Sinovac é francamente menos eficaz do que as que foram produzidas na Europa e EUA.

Apesar da censura chinesa que pretende filtrar toda a informação que sai do país, têm chegado ao ocidente alguns vídeos que mostram o desespero de quem está aprisionado em casa, guardado por cães robotizados e por drones equipados com câmaras e com altifalantes que transmitem as instruções do partido. Para os que se atrevem a contrariar as instruções, as autoridades não hesitam em recorrer às agressões, independentemente da idade do prevaricador. Crianças ou velhos, todos são agredidos até entenderem quem é que manda ali.

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Segundo o jornal britânico Independent alguns drones voam em frente às varandas dos apartamentos apelando à calma de todos os que estão impedidos de sair de suas casas. Pelos seus altifalantes debitam frases como: “Por favor cumpram as restrições Covid. Controlem o desejo da vossa alma por liberdade. Não abram as janelas nem cantem.

Perante estas frases fico sem saber como terminar o postal.

No silêncio, entre cadáveres

Pedro Correia, 06.04.22

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Albert Camus escreveu um dos mais fabulosos textos que conheço para uma alocução proferida em Novembro de 1948, num encontro internacional de escritores.
 
Este texto, intitulado "O Testemunho da Liberdade", tem uma espantosa actualidade perante os vertiginosos acontecimentos que se sucedem no mundo de hoje. É uma reflexão que devia constituir uma espécie de código de conduta para todos os intelectuais contemporâneos.
 
Passo a transcrever alguns trechos*:
 
«Os verdadeiros artistas não dão bons vencedores políticos, pois são incapazes de aceitar levianamente, ah, isso sei eu bem, a morte do adversário! Estão do lado da vida, não da morte. São os testemunhos da carne, não da lei. (...) No mundo da condenação à morte, que é o nosso, os artistas testemunham o que no homem é recusa de morrer. Inimigos de ninguém, a não ser dos carrascos! (...) Um dia virá em que todos o hão-de reconhecer e, respeitadores das nossas diferenças, os mais válidos de nós deixarão então de se dilacerar, como hoje o fazem. Hão-de reconhecer que a sua profunda vocação é a de defender até ao fim o direito dos seus adversários a não terem a mesma opinião que eles. Hão-de proclamar, consoante o seu estado, que mais vale uma pessoa enganar-se, sem assassinar ninguém e permitindo que os outros falem, do que ter razão no meio do silêncio e pilhas de cadáveres.»
 

Hoje, mais que nunca, estas palavras devem merecer-nos profunda meditação.
 

* Tradução (excelente) de Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes para a editora Contexto (2001)

A liberdade melhora a performance desportiva das nações

Sérgio de Almeida Correia, 21.02.22

(créditos: Helsinki Times)

Marcados pelas medidas extremas relacionadas com a pandemia, pela falta de neve natural, um boicote político por parte de alguns países, a ausência de público, as más condições oferecidas a alguns, uma comida que ficou a desejar, a subserviência do COI aos interesses económicos, o impedimento e a criação de obstáculos ao livre acesso dos participantes à informação e à Internet, e uma intensa máquina de propaganda, os Jogos Olímpicos de Inverno chegaram ao fim.

Tal como em edições anteriores, não faltaram momentos de alegria e de drama, os recorrentes casos de doping, muitas lágrimas e sorrisos. E também choveram medalhas.

Se no tempo da Guerra Fria era por via dessa contabilidade medalhística que os blocos de então se procuravam afirmar para justificarem a superioridade dos modelos políticos e sociais que representavam, não menos verdade será que nos dias de hoje e com o reavivar de tensões à escala global se volte de novo a esse padrão.

É por isso inevitável, perante as bandeiras que foram agitadas e as acusações mútuas de politização dos Jogos, agora que as competições chegaram ao fim, que se volte a olhar para os quadros. Muitos balanços e análises poderão ser feitas, embora seja previsível que se termine sempre a olhar para as medalhas.

E quanto a estas há sempre duas maneiras de olhar para elas. Há quem privilegie o número total. Há quem prefira colocar a tónica apenas nas medalhas de ouro.

Olhando apenas para o total verifica-se que a Noruega sai a ganhar com 37, logo seguida da Rússia, com 32 – dizer que a Rússia não pode participar e que quem participa é o Comité Olímpico Russo é uma falácia do COI para enganar os tolos –, da Alemanha com 27, do Canadá com 26, dos EUA com 25, da Suécia e da Áustria ex aequo com 18, e dos Países Baixos e da Itália, ambos com 9. 

Pela contabilidade dos ouros, a Noruega volta a vencer com 16 medalhas, seguida da Alemanha com 12, da China com 9, dos EUA, Suécia e Países Baixos todos com 8, da Áustria e da Suíça com 7, da Rússia com 6 e da França com 5.

Não deixa de ser curioso que países com uma população reduzida, e alguns também de pequenas dimensões, consigam estar à frente de outros muito maiores e mais poderosos que sentem uma necessidade quase permanente de vincarem o seu nacionalismo e patriotismo. A Noruega tem apenas 5,379 milhões de nacionais, a Suécia, a Suíça e a Áustria têm menos de 10 milhões, os Países Baixos menos de 18 milhões, enquanto a China tem 1,4 mil milhões, a Rússia 144 milhões, os EUA 329 milhões. 

E se estabelecermos o paralelo com os Jogos Olímpico de Verão, em Tóquio, verificamos que aqui os EUA ficaram à frente tanto em medalhas de ouro (39) como no total (113), com a China em segundo lugar (38 ouro, 88 no total), surgindo logo a seguir o Japão (27 de ouro, 58 no total), a Grã-Bretanha (22 de ouro, 65 no total), a Rússia (20 de ouro, 71 no total), a Austrália (17 de ouro, 46 no total), os Países Baixos (10 de ouro, 36 no total) e a França (10 de ouro e 33 no total). 

Há, todavia, uma contabilidade que nestes tempos conturbados que atravessamos também não pode deixar de ser feita. Porque se a Guerra Fria ficou lá atrás, se não faz muito sentido ver estes números em termos de blocos e alianças, há, todavia, uma comparação que se torna inevitável, posto que é essa que já no presente define as nossas escolhas e estará cada vez mais presente no futuro.

Trata-se da contabilidade entre os resultados obtidos por países democráticos e não-democráticos ou autocráticos. Por mais que nos tentem atirar areia para os olhos, ditaduras e totalitarismos não são conceitos diferentes de democracia. Não é possível falar de liberdade onde os nossos passos são permanentemente vigiados, seguidos e controlados, o acesso à informação é limitado, a liberdade de imprensa não existe, onde não é permitido o livre exercício de direitos básicos fundamentais consagrados internacionalmente, o número de filhos é controlado pelo Estado, onde é impossível afastar os incompetentes que exercem o mando e criticar o partido no poder ou o seu líder é um crime contra a segurança nacional e dá direito a prisão.

E quanto à contabilidade medalhística entre as democracias e autocracias, a verdade é que as primeiras dão uma cabazada às segundas. Até para proporcionarem condições de treino. O que só prova que também no desporto é necessária a liberdade para se garantir a prevalência de bons resultados. Por mais bandeirinhas que se agitem, por mais esmagadora que seja a propaganda, ou por todos os dólares que selem a "amizade" com os responsáveis do COI.

Será a liberdade que irá vencer?

Paulo Sousa, 01.12.21

Há alguns anos, num alfarrabista, tropecei neste “breviário de cultura”, o décimo quarto da coleção da escritora Gabrielle Froment-Meurice, dedicado à Vida Soviética e publicado no nosso país em 1976.

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A palavra “breviário” só a associava aos livros de orações diárias e por isso, por aparecer ali ao lado da foice e do matelo, despertou-me uma atenção especial.

A autora começa por descrever a grandeza do território da URSS. Para sobrevoar os seus 60.000 km de fronteiras seriam necessários três dias e três noite de voo num Tupolev 800 km/h. O clima é “sadio e tónico”, acrescentado que “os Russos veem nisso o segredo da sua robustez proverbial (“Aí onde um alemão morreria três vezes, o Russo nem sequer adoece”). O “a” minúsculo reservado para o gentílico da Alemanha é substituído por um decidido “R” maiúsculo para o congénere russo, o que também faz parte da mensagem.

Sobre os meios de transporte anotei duas passagens. “Contrariamente ao que se passa nos EUA, a aviação privada não existe na URSS” e ainda “As vias-férreas têm o afastamento de 1,52m (na Europa 1,44m) o que permite comboios mais pesados, mas reduz a velocidade.”

Sobre a população é referido que “o regime soviético procura reunir em torno de um ideal colectivo e de um trabalho comum conducente à homogeneidade social de grupos humanos pouco homogéneos por todas as suas características”. Esta passagem poderia alimentar uma extensa dissertação para quem estivesse interessado em desenvolver a temática do identitarísmo, o que não é o meu caso, mas não deixa de ser interessante.

No que respeita à urbanização o optimismo está sempre presente. É apontado o exemplo de Katchkanar no norte dos Urais “onde há dez anos se arroteava taiga, ergue-se hoje uma cidade de 35 000 habitantes, prevendo-se que dentro de poucos anos tenha 100 000. (ver link)” E continua dizendo que “Estas novas cidades não se criam por acaso, mas são inscritas no Plano.”

Depois de descrito o maior país do mundo, o assunto passa a ser o socialismo. No seu primeiro ponto “Fins e resultados” replica-se a sinopse da contra-capa.

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Não pretendo trazer para aqui todo o livro, que ainda apresenta uma extensa lista de estatísticas onde se incluem máquinas de costura produzidas, frigoríficos, aspiradores, rádios reparados e pares de calçado consertados, mas retenho um excerto da conclusão: “Ainda se está longe de resultados que satisfaçam uma sociedade à qual é cada vez mais difícil impor sacrifícios.”

Em 1976, este tipo de literatura podia condicionar escolhas políticas, era aliás esse o seu objectivo. Tal e qual como acontece em algumas religiões, o comunismo pratica um proselitismo quase agressivo e publicações como esta faziam parte do esforço de propaganda do país e do regime que aspirava a “mostrar o caminho para todo o Universo”.

Simultaneamente decorria a chamada corrida espacial que, se não servisse para mais nada, pelo menos servia para mostrar ao mundo a capacidade científica e tecnológica da URSS.

Pouco se sabia relativamente ao dia-a-dia efectivo do povo soviético. Era difícil confirmar a informação que chegava ao ocidente e os vazios que daí resultavam eram preenchidos pela imaginação dos apoiantes assim como dos opositores. O que se passou em Budapeste, e mais tarde em Praga, bastou para afastar alguns defensores do comunismo, mas nunca faltou quem continuasse a acreditar nos amanhãs que cantam.

Dúvidas relativas às falhas do capitalismo assim como das democracias liberais, eram alimentadas pela propaganda que garantia as vantagens da previsibilidade do Plano. Qual seria o desenlace deste confronto? Venceria o rigor do socialismo científico ou, pelo contrário, seria o caótico sistema liberal a perdurar no tempo? Quais os resultados da justaposição de uma infinidade de escolhas ditadas pelo livre arbítrio dos indivíduos e das empresas em concorrência, quando confrontados com o rigor da economia planificada?

O que aconteceu no virar da década de 80 para 90 já sabemos, mas enquanto que agora quando ouvimos tanta balela podemos esboçar um sorriso condescendente, nos anos 70 e 80 as dúvidas sobre a comparação dos dois modelos eram reais e o cenário de um possível holocausto nuclear era tudo menos animador.

No entanto, o confronto entre o sistema liberal e o autoritarismo socialista está longe de estar resolvido.

O que temos visto acontecer na China nas últimas duas décadas pode alimentar dúvidas similares. Que hipóteses têm os países democráticos, por muita criatividade e capacidade científica que tenham, perante um colosso industrial e económico dirigido a uma só voz, com uma visão de longo prazo, que não perde tempo na contagem de votos nem receia levar a cabo reformas repentinas? A URSS caiu devido às suas debilidades económicas, dirão alguns, mas o modelo chinês, além de parecer ter encontrado forma de que isso não lhe aconteça, lidera algumas áreas do conhecimento e da tecnologia e ousa desafiar a hegemonia dos EUA, e consegue-o mesmo sem ter um único aliado.

Encontram-se explicações para todos os gostos. Para uns o segredo estará na respectiva matriz cultural confucionista, que define a lealdade do indivíduo, para com os seus próximos e para com o seu governante, como uma das grandes virtudes humanas. Por oposição, a matriz judaico-cristã, da qual emana a essência cultural do ocidente, dá uma importância muito superior ao indivíduo. Numa conversa de café pouco preocupada com o rigor da terminologia, isto podia ser resumido como se os chineses e outros povos orientais vivessem numa lógica de formigueiro, em que os indivíduos não hesitam sem se sacrificar pela comunidade, o que nunca seria tão linear no mundo individualista do ocidente.

Os defensores da  China argumentam que o Império do Meio já foi na antiguidade, e durante muitos séculos, o país com a maior economia e o mais poderoso do mundo, estando agora apenas a regressar ao estatuto que já teve, e de caminho aproveita para acertar contas das humilhações sofridas nos séc. XIX e XX.

Quem se identifica com este regime autoritário explica que o perverso sistema dos créditos sociais é muito querido entre os cidadãos chineses, e que apesar de até obrigar à leitura diária de algumas passagens do pensamento do Sr. Xi Jinping, é uma excelente medida para que todos se motivem a fazer parte do que descreveu num artigo de opinião no Diário de Notícias como sendo a Comunidade de Destino Comum da Humanidade.

Os que não aplaudem este Grande Irmão Orwelliano não têm sequer oportunidade de se manifestar, sendo-lhes reservado assim o papel das formiguinhas sacrificadas pelo bem da comunidade.

Será a dimensão da economia chinesa e a sua capacidade científica e tecnológica o seguro de vida deste regime autoritário? Até que ponto o seu sucesso constitui uma ameaça para os regimes liberais?

Jaime Nogueira Pinto, num dos excelentes podcasts em que participa, Radicais Livres e Conversas à Quinta, referindo-se ao fim da URSS, acrescenta um ponto que merece ser destacado. Segundo ele, mesmo com a baixa de preço do petróleo orquestrada pelos EUA e pelos sauditas nos anos 80, que conseguiu abalar irremediavelmente as finanças soviéticas, o que realmente desencadeou o seu colapso foi o fim do medo. A abertura do sistema iniciada pela Glasnost e seguida pela Perestroika levou ao fim do medo e, esse sim, era o cimento do regime.

A mais alta nomenclatura do PC Chinês sabe isso e não abre a mão do controlo férreo sobre os eventuais dissidentes. Alguns alertas sobre a solidez da economia do Sr. Xi Jinping mostram que o capitalismo de estado não está livre de erros nem das respectivas correcções, e correcções significam sempre crises. Mas, como disse acima, os donos da China sabem que mais importante que do manter o crescimento económico a um ritmo regular, o que precisam mesmo é de mostrar aos espíritos rebeldes, àqueles que aspiram a uma “liberdade” diferente, que se não seguirem ordeiramente dentro dos curros colocados pelo PCC, então têm tudo a perder. Os casos do desaparecimento temporário do empresário Jack Ma, ou mais recentemente da tenista Peng Shuai, são bem exemplificativos da forma como o regime chinês lida com quem internamente o afronte ou pense estar fora da sua alçada.

Não podemos esquecer também a forma como a minoria uígure é tratada. Apesar das poucas informações que conseguem cruzar a fronteira, o que sabemos é suficiente para a podermos designar como sendo o Gulag comunista do sec. XXI.

Tudo isto para enquadrar a questão que dá título ao postal. Do confronto entre os regimes liberais e o comunismo soviético, já sabemos o resultado. Qual será então o desenlace da competição estratégica em curso? Estará o mundo livre condenado a recuar naquilo que o define e, pouco a pouco, a aceitar o escrutínio de pensamentos idêntico ao do regime do Sr. Xi Jinping, ou poderão de facto todos os seres humanos aspirar a decidir sobre as suas vidas, a exprimir-se livremente e até a criticar os seus líderes se assim o entenderem?

Passarão muitos anos até que esta questão possa ser respondida, talvez tantos que muitos de nós não assistirão a esse dia. O trajecto até lá não será rectilíneo, mas não duvido que a aspiração pela liberdade é algo partilhado por todos os seres humanos, onde os chineses estão obviamente incluídos. Por isso, o comunismo voltará a ser derrotado.

Liberdade sim, mas só para nós

Pedro Correia, 31.08.21

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Quarenta e sete anos depois do 25 de Abril, chegámos a isto: queremos a democracia para nós enquanto toleramos e até aplaudimos a implantação de ditaduras noutros quadrantes. Tenho pensado nisto enquanto escuto à minha volta várias vozes mostrando indiferença ou até um discreto regozijo pela queda do regime de Cabul, substituído pela sinistra turba talibã.

Ao ouvir isto concluo, uma vez mais, que pecamos por falta de apego à liberdade. Tenho a convicção de que muitos portugueses não se importariam de voltar a ver por cá um regime "musculado". Só isso explica a defesa que fazem, nas redes sociais, dos regimes autoritários ou ditatoriais implantados além-fronteiras.

O mais contraditório é que muitas das pessoas que emitem opiniões deste género estão sempre a enaltecer o "nosso" 25 de Abril. Enquanto negam que outros povos tenham o seu próprio 25 de Abril. Democracia aqui, tudo bem; ditadura noutros países, tudo bem também.

«Não me venham falar em direitos humanos», vou lendo e escutando demasiadas vezes. Frase que poderia ter sido proferida por Salazar, reeditada neste Portugal do século XXI. Como se a atracção pelos regimes de "pulso forte" estivesse inscrita no nosso código genético. E se calhar está mesmo.

O salto de Pichardo para a liberdade

Pedro Correia, 06.08.21

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Pedro Pichardo tornou-se ontem no quinto português a conquistar uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos. Mas este é um português especial, nascido em 1993 em Santiago de Cuba e naturalizado em Dezembro de 2017. Porque, como tem acontecido com tantos desportistas do seu país de origem, decidiu dar um salto sem retorno para a liberdade. Fugindo do opressor regime cubano, que transformou a ilha num gigantesco cárcere.

 

O principal noticiário da RTP chamou-lhe ontem "desertor", adoptando a linguagem militar da ditadura em Havana, onde o Partido Comunista exerce o poder total desde 1959 - sem imprensa livre, sem sindicatos livres, sem eleições livres - o que já conduziu ao exílio mais de dois milhões de cubanos desde a instauração do actual regime.

Pichardo é apenas mais um entre tantos. O seu exemplo foi seguido no mês passado por Jordan Díaz: este jovem de 20 anos, um dos mais promissores talentos do atletismo cubano, abandonou o estágio em Espanha, pedindo asilo político. Foi um rude golpe para a ditadura, que transforma cada proeza desportiva em peça de propaganda. Jordan tem a melhor marca mundial no triplo salto para menores de 18 anos.

Aconteceu o mesmo com o basquetebolista Raudelis Guerra, que em Junho aproveitou uma escala da selecção cubana da modalidade no aeroporto de Barajas, em Madrid, para solicitar também asilo às autoridades espanholas. 

No mesmo mês, três elementos da selecção cubana de basebol que fazia uma digressão nos EUA decidiram permanecer lá, recusando regressar a Havana: César Prieto, Lázaro Blanco e Andy Rodríguez.

 

Trocam honrarias e medalhas pelo maior dos bens: a liberdade. Num país oprimido há 62 anos pelos tentáculos do partido único, cada vez mais militarizado e entrincheirado num obsoleto e demencial slogan político: o hiper-nacionalista "Pátria ou morte". Como se este disjuntivo fosse a coisa mais normal do mundo.

A juventude rebelde em Cuba responde com uma canção que se tornou num hino da novíssima geração: "Pátria e vida". Algo que faz muito mais sentido. Sobretudo num país com «hospitais em colapso, centros de acolhimento em péssimas condições, recordes diários de casos activos de covid-19, escassez de medicamentos», como relata um despacho da agência EFE, desmentindo a propaganda oficial que exalta as conquistas do regime em matéria sanitária. 

«Com 1.441 casos por cada cem mil habitantes, Cuba é actualmente o país com maior incidência de covid-19 no continente americano e um dos primeiros do mundo», lê-se nesta peça da prestigiada agência noticiosa espanhola. «Nas localidades mais afectadas do país surgem imagens de hospitais superlotados pelo elevado número de doentes, uma situação agravada pela escassez de medicamentos e produtos básicos.» Num país onde há nove meses o salário mínimo mensal era equivalente a 13 euros e um médico recebe, em média, 30 euros por mês.

Reflexos óbvios de uma economia descapitalizada e de um modelo estatal centralizado totalmente ineficaz. Que asfixia a sociedade e condena ao desterro muitos dos seus melhores filhos. Outros estão na prisão. «As autoridades continuam a reprimir todas as formas de dissidência, incluindo a detenção de artistas independentes, jornalistas e opositores políticos», sublinha o mais recente relatório da Amnistia Internacional.

Por tudo isto se entende o gigantesco salto de Pichardo para a liberdade. Um salto de campeão, que merece a maior de todas as medalhas: a de um homem que não se verga perante a tirania. Orgulho-me de que seja nosso compatriota, com ouro ou sem ele.

 

ADENDA: Inqualificável, o ex-eurodeputado comunista Miguel Viegas, ao afirmar que a medalha de ouro a Pichardo «não é 100% portuguesa». Mesmo gerada pelo mais rasteiro sectarismo político, não deixa de ser uma expressão xenófoba e contaminada de racismo. O Chega certamente aplaude.

“Abajo los perros comunistas”

Paulo Sousa, 12.07.21

Decorrem em Cuba as maiores manifestações de sempre contra o regime comunista.

Da mesma forma que terá sido a subida dos preços dos cereais a desencadear a chamada Primavera Árabe, poderá ser a pandemia que irá desencadear o fim o regime castrista?

Será desta que os cubanos poderão vir a ter uma democracia burguesa, tão burguesa como aquela em que o PCP se passeia? Se for essa a vontade dos cubanos, o que dirá o PCP? Aceitará que eles “descem” a um “martírio” como aquele que os comunistas portugueses têm de suportar?

Ainda existe oposição neste país?

Pedro Correia, 10.07.21

Três semanas depois, justamente confrontado com acusações de violação dos direitos constitucionais vindas dos mais diversos sectores, o Governo apressou-se a deixar cair a absurda "cerca sanitária" à Área Metropolitana de Lisboa, com recolher obrigatório e proibição de circulação entre concelhos - prontamente denunciada aqui - que visava deter a chamada "variante delta" entretanto espalhada em todo o País e até já dominante na Europa.  

Agora, com a ministra Mariana Vieira da Silva novamente transformada em mensageira de más notícias (António Costa nunca está presente nestes momentos complicados), o Governo faz pior ainda: transforma cada proprietário de restaurante e cada gerente de hotel em polícia e agente de saúde pública. Isto na "época alta" do pobre turismo que nos resta. Totalmente inaceitável.

Neste contexto, o que faz o PSD? Defende as liberdades ameaçadas? Não: apresenta uma proposta de revisão constitucional. Totalmente alheado da realidade, como se vivesse no país das maravilhas.

O colaboracionismo de Rui Rio com o Executivo socialista deixou de ser apenas danoso para o partido. Ameaça tornar-se danoso para a democracia em Portugal.

Sair à rua dá cadeia: cheira a ditadura

Pedro Correia, 05.07.21

O Governo já veio ameaçar com medidas repressivas. Incluindo cadeia. Em causa está o crime de desobediência, com moldura penal de prisão até um ano ou 120 dias de multa. Neste caso agravado em um terço - podendo passar a um ano e quatro meses de prisão ou 160 dias de multa a quem circule pelas ruas confinadas sem proclamação do estado de emergência em 45 concelhos do País. Abrangendo toda a Área Metropolitana de Lisboa e a cidade do Porto, o que afecta quase quatro milhões de portugueses.

É curioso: a pretexto do corona, este Governo já libertou mais de dois mil presos. Agora, também a pretexto do corona, ameaça prender uns largos milhares. Só por se atreverem a sair de casa após as 23 horas.

Constitucionalistas como Jorge Miranda, Teresa Violante e Paulo Otero alertam: estas medidas de séria limitação de liberdades fundamentais, impondo "cercas sanitárias" e recolher obrigatório à revelia do escrutínio do Parlamento e apenas a coberto da Lei de Bases da Protecção Civl, estão feridas de ilegalidade. Lesando a lei das leis: a Constituição da República. Algo próprio de ditaduras.

«Tomaram-se medidas discricionárias e perigosas, aplicaram-se critérios contraditórios a eventos idênticos, gerou-se uma confusão que desautorizou o Estado e aumentou a distância entre governantes e governados» , escreveu o filósofo José Gil na última edição do Expresso. Concluindo, sem hesitação: «A pandemia em Portugal está a minar o espíríto da democracia.»

Convém recordar aos mais esquecidos o que estipula o artigo 44.º, n.º 1, da Constituição portuguesa: «A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.»

António Costa, amparado pelo coro dos comentadores amigos, encolhe os ombros e não quer saber. Só lhe interessa verificar se o PS mantém uma liderança confortável nas próximas sondagens.

 

ADENDA. Por uma vez, totalmente de acordo com o PCP: o recolher obrigatório «é próprio de um estado de excepção»,  estamos num cenário de grave lesão de direitos e liberdades.

Estranha forma de governar

Pedro Correia, 30.05.21

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Transitaram da "emergência" à "calamidade" - escolha absurda das palavras. Como se ignorassem o idioma.

Mantiveram o "dever geral de recolhimento", para todos nós, como se isso fizesse algum sentido no momento em que apelam quase em desespero à vinda de turistas ingleses. Como se uma coisa jogasse com a outra.

Mantiveram o "uso obrigatório da máscara em locais públicos" enquanto fingem não ver milhares de britânicos sem a dita, todos amontoados e bebendo no centro histórico do Porto como se não houvesse amanhã, a pretexto dum jogo de futebol aberto a pelo menos 16.500 estrangeiros enquanto a presença de portugueses em estádios permanece interdita. Como se fôssemos cidadãos de segunda no nosso país.

Anunciaram que os adeptos britânicos estariam confinados a "bolhas de segurança" enquanto largos milhares de súbditos da Rainha deambulavam como queriam e faziam os distúrbios que entendiam, motivando críticas até do Presidente da República. Como se os anúncios do Governo não devessem ser levados a sério.

 

No fim, remetem-se ao silêncio. Como já tinha acontecido aqui e aqui, entre muitas outras ocasiões.

Eis uma estranha forma de governar.

Se for português, tome cuidado

Pedro Correia, 29.05.21

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Ingleses aos milhares, tomando de assalto as esplanadas do Porto (onde hoje se realiza a final da Liga dos Campeões) e os bares algarvios, enquanto a polícia persegue portugueses nas praias. Sem estado de emergência.

Caso para perguntar se os ladrões estão em greve. Caso para perguntar também, em tom mais sério, se os direitos, liberdades e garantias - desde logo o direito de nós, portugueses, frequentarmos as mesmas praias que o Governo deseja ver povoadas de súbditos britânicos - já foram revogados de vez.

O lado da liberdade

Paulo Sousa, 22.05.21

Radicais Livres é um dos podcasts que oiço regularmente. Depois da partida de Rúben de Carvalho, podemos ouvir Pedro Tadeu no braço esquerdo do debate em oposição a Jaime Nogueira Pinto.

Ao ouvi-los aprende-se imenso, e é especialmente interessante o modo intelectualmente honesto como os dois falam com espessura sobre os mais variados acontecimentos históricos e da actualidade, em que, e entremeando com algumas gargalhadas, esgrimem as suas visões diferentes do mundo.

Num dos episódios mais recentes, e quando falavam sobre o policiamento da linguagem em curso, Pedro Tadeu reconheceu que a esquerda poderá a estar a cair na armadilha de ser ela a que impede as pessoas e de ser ela a que limita as liberdades. Acrescenta que na sua juventude, era a direita que proibia e limitava, e assume que é de esquerda por oposição a isso mesmo.

Este reconhecimento será mais uma prova dos movimentos pendulares da história, e não desligo isto do detalhe do nosso, sempre histriónico, Presidente da Assembleia da República ter empurrado o deputado único da IL para a direita do hemiciclo. Na mesma linha podemos também lembrar o slogan da surpreendente vencedora das eleições regionais madrilenas, Isabel Díaz Ayuso – Libertad.

Este é o tempo que nos é dado a viver. A esquerda é hoje limitadora, restringe, impõe, proíbe, quer policiar as palavras e, entretanto, os pensamentos. E eu sei de que lado não quero estar.

 

PS: Pedro, esta senhora merece o destaque de um postal num destes viernes

Tolhidos perante isto

Paulo Sousa, 09.05.21

O silêncio do mundo ocidental perante a luta que os habitantes de Hong Kong têm travado, para escaparem ao totalitarismo do Partido Comunista Chinês pode ter diversas explicações. Não pretendo elaborar nenhum ensaio sobre as várias dimensões que podem explicar o “olhar para o lado” do mundo que se diz defensor da liberdade. Mas há uma que salta à vista e que é a fragilidade financeira do nosso país, com especial relevo para com o estado chinês.

Há mais de duzentos anos, David Hume alertou que o endividamento a longo prazo dos países, além de imoral para com as gerações futuras, poderia colocar em risco a sua própria soberania. Os exemplos disso são inúmeros. Basta lembrar que o Canal do Suez foi vendido pelo Egipto ao Reino Unido exactamente como forma de pagar a dívida contraída pela sua construção.

No passado recente o mesmo aconteceu no nosso país, quando diversas empresas com participação pública, foram entregues à China em troca de uma ajuda para pagar dívidas contraídas. O mesmo repetiu-se na Grécia, quando tiveram de vender o Porto do Pireu e exemplos idênticos seguem-se pelo mundo fora.

E é esta fragilidade, de quem está na posição mais fraca, de mão estendida, que nos coíbe de alinhar no lado certo da barricada. Os mais incomodados com a “injustiça do mundo” – como se a nossa situação não resultasse de decisões legítimas e validadas eleitoralmente – poderão aliviar a consciência assinando uma qualquer petição on-line, indo em seguida ao frigorífico à procura de qualquer coisa para fazer uma bucha.

Quando estiverem no sofá, a saborear um qualquer petisco, convido-vos a todos a ver este vídeo.

A liberdade não tem donos

Pedro Correia, 22.04.21

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Manifestação salazarista (27 de Agosto de 1963)

 

Só em ditaduras existem praças e avenidas com proprietários privados. Era assim o Terreiro do Paço no tempo de Salazar: ali se organizavam as grandes manifestações em apoio do regime.

Só em ditaduras existem datas com donos. Era assim o 10 de Junho, alegado "Dia da Raça", no tempo de Salazar.

Em democracia, nenhuma data do calendário civil tem proprietário privado. Muito menos o 25 de Abril, que não assinala só a Revolução dos Cravos: celebra também o aniversário do primeiro dia em que os portugueses disseram o que queriam em sufrágio livre, directo, secreto e universal.

Em democracia, nenhuma avenida tem dono. Muito menos a Avenida da Liberdade.