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Delito de Opinião

Copiar isto não seria experimentalismo

Paulo Sousa, 29.11.23

A racionalidade económica recomenda frequentemente medidas contra-intuitivas. Os exemplos são inúmeros, mas podemos falar do caso de um hipermercado que funcione em concorrência. Como pode aumentar os seus lucros? Numa lógica básica imediatista, o primeiro pensamento recomendaria que se aumentasse os preços de forma a aumentar as suas margens comerciais. No entanto, com elevada probabilidade, o resultado mais provável seria uma perda de vendas para a concorrência com o resultado exactamente inverso ao pretendido. Mais adequado seria baixar os preços dos seus artigos para assim atrair mais clientes. Mesmo ganhando menos em cada artigo vendido, obteria um melhor resultado pelo aumento do número de artigos vendidos. É apenas um exemplo.

Vem isto a propósito da publicação pelo Instituto +Liberdade de uma palestra de Maurice P. McTigue, ex-ministro neo-zelandês, responsável pelas reformas implementadas nesse país nos anos 90, da qual aqui deixo um excerto. Para quem preferir o ouvir, pode aqui ouvir toda a intervenção.

 

“Quando, na Nova Zelândia, olhámos para o nosso processo de arrecadação de receita, concluímos que o sistema era extremamente complexo, de uma forma que distorcia tanto as decisões empresariais como as individuais. Então fizemos algumas perguntas a nós mesmos: o nosso sistema fiscal visava a arrecadação de receita? Visava a arrecadação de receita e também a prestação de serviços sociais? Ou visava a  arrecadação de receita, a prestação de serviços sociais e a mudança de comportamentos, tudo ao mesmo tempo? Decidimos que os serviços sociais e as componentes comportamentais não faziam parte de um sistema de tributação racional. Assim sendo, decidimos que iríamos passar a ter apenas dois mecanismos de tributação – um imposto sobre o rendimento e um imposto sobre o consumo – e que simplificaríamos estes mecanismos e baixaríamos as respectivas taxas tanto quanto o possível. A taxa mais alta do imposto sobre os rendimentos baixou de 66% para 33%, e a mais baixa de 38% para 19%, com apenas estes dois escalões. Depois, estabelecemos uma taxa de imposto sobre o consumo de 10% e eliminámos todos os outros impostos – impostos sobre mais-valias, impostos sobre a propriedade, etc.

Desenhámos este sistema cuidadosamente para obter exactamente a mesma receita que recebíamos antes, e apresentámo-lo ao público como um jogo de soma zero. Mas o que realmente aconteceu foi que passámos a arrecadar mais 20% do que antes. Porquê? Não tínhamos antecipado a redução voluntária da evasão fiscal. Se as taxas de imposto forem baixas, os contribuintes não vão contratar advogados e contabilísticas sofisticados para encontrarem mecanismos de evasão fiscal. Na verdade, todos os países que analisei um pouco por todo o mundo que simplificaram e baixaram drasticamente as suas taxas de imposto acabaram por arrecadar mais receitas, não menos."

Pré-Natal

jpt, 22.12.21

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Isto de andar alheado do mundo, coisa que não é de um solstício pessoal mas sim do verdadeiro ocaso, dá azo a surpresas. Pois só hoje, e bem atrasado, me apercebo de três notícias que a muitos parecem relevantes:
 
1) no Chile houve eleições. A esse propósito vejo quem se reencarne como Victor Jara, e cante revoluções e amanhãs que cantam. E outros que clamam "os russos vêm aí", anunciando o descalabro daquele país, até do continente e, presumo, mesmo do mundo global - ainda que, permito-me, entre estes não abundem doutas reflexões sobre o destrambelhamento social dos últimos anos chilenos;
 
2) agentes da GNR em Odemira passaram anos a deleitarem-se torturando e insultando imigrantes, e com o desplante de filmarem os actos, decerto que "para mais tarde recordar". Vá lá que alguns foram apanhados pela PJ. Mas isto mostra mesmo, sem rebuço, um ambiente geral (uma "cultura institucional", se se quiser), pelo menos permissivo. Noto, com um sorriso, que no meu universo-FB (consagrado pelo omnipresente Algoritmo), e blogal sempre tão politicamente empenhado e até abrasivo, este assunto não foi um "must". Cheira-me que enviesei um bocado demais, e em rumo destro, as minhas ligações-FB e atenções blogais. Ainda assim, e como reflexo de outras minhas estações de vida, resmungo que se eu fosse professor convocaria muitos destes doutores liberais que para aqui andam em azáfama e ensinar-lhes-ia que o liberalismo não é baixar os impostos e contestar as vacinas estatais. Pois é muito mais combater, até à última, ambientes que minguem as liberdades individuais. Dos nacionais e dos estrangeiros. Mas nem eu ensino. Nem eles aprendem.
 
3) A artista Grada Kilomba, a qual pelas fotografias presumo ser mulata, foi excluída de uma exposição por um júri de selecção para uma exposição. E vai uma grande polémica. Tendo eu 57 anos durante os últimos 37 fartei-me de ouvir resmungos, mais ou menos irados, contra júris nas mais variadas expressões artísticas e literárias. E sabe-se que alguns "grandes vultos", com décadas como consuetudinários jurados, alguns sempre mui respeitados na hora da morte, fizeram vida de serem execráveis clientelistas nessas artes. Mas agora a polémica é enorme e deu azo a "Carta Aberta" denunciatória, subscrita por várias organizações de nomenclatura radical e personalidades estrangeiras instando-nos a bons comportamentos.
 
Mas o delicioso do documento é um excerto: "Parece também de grande importância referir que a comissão foi composta por quatro pessoas brancas, e entre elas três mulheres e um homem, (...), deixando-nos com a complexidade das estruturas patriarcais e coloniais do sistema". Ou seja, isto já nem é só estes activistas exigirem-nos que nos assumamos como mónadas raciais, qu'isso já é o "pão nosso de cada dia" destes curandeiros. É mesmo esta coisa de que se um júri tem três mulheres e um homem e não actua como os activistas querem então é fruto das "estruturas patriarcais"... Tralha, claro, que dá gáudio aos académicos "decoloniais"..., que não há nada que dê tanto jeito como argumentos "infalsificáveis", como antes alguém disse, um alguém que não lhes convém que se leia ou se recorde.
 
Enfim, face a este estado "da Nação" e "do Mundo", para além do meu próprio, nenhum dos quais se recomenda, cumpre-me uma súmula que dê alento aos compatriotas, nos seus respectivos ocasos. Por isso aqui partilho esta informação: adquiri no fronteiro Pingo Doce este tinto "Portal de São Braz" a 1,8 euro cada garrafa, dada a simpática "promoção" então em curso, o qual é muito bebível - ainda que connoisseurs e doutores ("quem rima sem querer é amado sem saber") que por aqui passem possam clamar "zurrapa" - e do vizinho Lidl trouxe a consagrada "Queen Margot", ainda abaixo dos 7 euros, apesar da inflacção natalícia. A estas associo o que belas mãos amigas, seguidoras dos conselhos da DGS, me ofertaram: uma compota de abóbora e laranja, uma marmelada, ambas de confecção caseira.
 
E a todos afianço que com esta conjugação, e apesar do referido estado geral das coisas, se não inverto o ocaso pelo menos imagino solstícios. Imaginai-os também, se vos for possível.

A saúde dos portugueses vs o grande capital

Paulo Sousa, 17.07.20

Como acontece com todas as utopias, o liberalismo utópico equivaleria a um retrocesso civilizacional.

Depois de salvaguardado este ponto prévio, tenho de salientar que apesar da fama de defender sempre o grande capital, o liberalismo representado no nosso país pela IL mostra um lado humano defendendo que o dinheiro gasto para salvar a TAP seria mais bem gasto na saúde dos portugueses.

A quem não sofra de frémitos de autocensura recomendo a leitura desta entrevista, onde Carlos Guimarães Pinto desmonta o discurso de Pedro Nuno Santos, e demonstra com clareza a dimensão de mais este erro do governo.

"O dinheiro que será injectado na TAP, apenas nesta primeira fase, daria para pagar ao sector privado as consultas e cirurgias em atraso, evitando parte deste desastre. Infelizmente para o governo a saúde dos portugueses não é estratégica, ao contrário da TAP. Talvez fosse boa altura para mudar as prioridades."

É curioso como são os socialistas, os sempre autodenominados donos dos valores do humanismo, a pôr em práctica exactamente o contrário.

São vários os analistas que defendem que António Costa entregou o Ministério das Infraestruturas a Pedro Nuno Santos para o queimar. Quanto pior lhe corra a vida política e mais desastrosas forem as consequências das suas decisões, mais distante ele ficará da liderança do PS. Este é o tipo de decisões que mostram que entre as lutas internas no seu partido e o interesse do país, o PM coloca as nossas algibeiras e o nosso futuro último lugar.

O indivíduo pelo que é vs o indivíduo pelo grupo a que pertence

Paulo Sousa, 13.10.19

Após as eleições legislativas do passado dia 6, fomos confrontados com algumas novidades, das quais destaco os novos partidos que pela primeira vez elegeram deputados. Falo do Chega, do Livre e o do IL.

A representação de cada um deles no hemiciclo de São Bento é limitada mas cada um representa novas e diferentes abordagens da realidade, com que naturalmente iremos ser confrontados.

Estes três partidos têm características em comum e outras que os distingue. Cada qual à sua maneira representam duas visões do mundo.

Num dos lados desse mundo estão aqueles que acreditam que uma pessoa vale pelo que é, pela forma com que enfrenta o mundo, pela forma como se relaciona com os demais, pela capacidade de dar e pelo que aceita em troca disso. Acham também que cada ser humano tem um potencial de acrescentar coisas boas ao mundo e por isso deve ser tido em consideração pela pessoa que é. Lidar com um desconhecido de acordo com esta abordagem é exigente e trabalhoso. Mais fácil seria classifica-lo pelo grupo em que o poderíamos encaixar. E essa é a abordagem alternativa. Essa é a abordagem que classifica o indivíduo de acordo com uma caracterização pré-definida e que dessa forma lhe rouba a individualidade. No fundo é uma abordagem preconceituosa, e o preconceito é um atalho de raciocínio que simplifica e poupa o esforço necessário à avaliação e ao conhecimento do outro. Tem um elevado potencial de criar erros de avaliação e por isso de impedir a realização pessoal das vítimas destas avaliações errôneas. No momento seguinte é a sociedade que fica a perder pela ausência do benefício que as vítimas destes preconceitos poderiam acrescentar aos seus pares.

Esta segunda forma de estar na vida, e também na política, é preguiçosa, é injusta e racista.

Para o Chega e para o Livre o indivíduo é menor que o grupo a que pertence e por isso não deve ser avaliado pelo que é. Um e outro dizem representar grupos em contraponto com outros grupos de uma forma em que é difícil encontrar pontes de entendimento.

Pelo contrário o IL, e o liberalismo que representa, defende que acima de tudo está o indivíduo. Avaliar o indivíduo pelo grupo a que pertence é redutor do seu potencial e isso não deve ser o motivo para que as portas do elevador social lhe sejam fechadas.

Não é o estado que deve reconhecer direitos ao indivíduo, mas sim o indivíduo que deve definir os limites do estado. O estado não é a concretização da liberdade pois o inverso é o que deve acontecer.

Após anos e anos em que a política esteve refém da economia, parece que finalmente o debate ideológico regressou à Assembleia da República. Os debates de quinta-feira vão ser mais interessantes e são bem vindos.

O exercício da liberdade

Pedro Correia, 01.10.18

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O liberalismo não é uma ideologia, não é uma doutrina fechada que suscite aplausos acéfalos ou seguidores incondicionais. Em tempo de trincheiras, potenciadas pelas chamadas redes sociais, um liberal à moda antiga – cultor da tolerância, da moderação, da justa medida, da liberdade apenas condicionada ao império da lei – é menos mobilizador do que um populista incendiário apelando ao encerramento das fronteiras. Mas nem por isso deixa de ter a razão do seu lado.

Disto nos fala Mario Vargas Llosa num livro já transformado num marco editorial deste ano em Espanha, onde foi originalmente publicado. La Llamada de la Tribu [“O Apelo da Tribo”] é a autobiografia intelectual do escritor hispano-peruano, galardoado em 2010 com o Nobel da Literatura, desde a sua inicial sedução pelo marxismo até ao seu presente combate contra as tiranias de todos os matizes. Passando pela ruptura com o Partido Comunista, em que chegou a militar durante um ano, na década de 50, enquanto estudante universitário em Lima.

 

As ideias contam

 

O autor de obras-primas da literatura universal como Conversa na Catedral e A Guerra do Fim do Mundo é daqueles para quem as ideias contam. E não se inibe de confessar que o seu ideário político foi modificado por influência de um conjunto de pensadores, todos afins ao liberalismo clássico: Adam Smith, Ortega y Gasset, Friedrich von Hayek, Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Jean-François Revel. Rende-lhes homenagem num conjunto de ensaios aqui reunidos sob um fio condutor comum, sem esquecer o contributo de escritores antitotalitários que, como ele, foram mestres da ficção enquanto mantinham intervenção cívica e política: Albert Camus, Arthur Koestler e George Orwell.

«O liberalismo é uma doutrina que não tem respostas para tudo, como pretende o marxismo, e admite no seu seio a divergência e a crítica, a partir de um corpo pequeno mas inequívoco de convicções. Por exemplo, que a liberdade é o valor supremo, sem ser divisível nem fragmentária, que é una e deve manifestar-se em todos os domínios – económico, político, social e cultural – numa sociedade genuinamente democrática.» Palavras do Nobel no prefácio a esta obra de leitura imprescindível (tradução minha, a partir do original em castelhano, aguardando-se para breve a edição portuguesa).

 

Popper e Berlin

 

O autor de Como Peixe na Água presta especial tributo a dois vultos desta galeria de referências máximas do pensamento liberal: Popper (1902-1994), nascido no Império Austro-Húngaro, naturalizado cidadão do Reino Unido, e Berlin (1909-1997), judeu russo nascido na Letónia nos anos crepusculares do império czarista, igualmente convertido à cidadania britânica na idade adulta.

Chegou a conhecer ambos pessoalmente. Elogia o primeiro por «fazer do exercício da liberdade crítica o fundamento do progresso». Destaca o segundo por lhe ter ensinado que «a tolerância e o pluralismo são, mais do que imperativos morais, necessidades práticas para a sobrevivência da espécie humana». De ambos reteve o conceito de justa medida na relação do indivíduo com a sociedade. Sem esquecer, como lhe ensinou Berlin, que a irrestrita liberdade económica, no século XIX, «encheu de crianças as minas de carvão».

Afastado das cartilhas que o empolgaram na juventude, Vargas Llosa insurge-se hoje contra a ascensão – com novo nomes – do velho «espírito tribal, fonte do nacionalismo», que foi, a par do fanatismo religioso, uma das causas dos mais sangrentos morticínios que a História registou. O melhor antídoto contra as tentações totalitárias, a seu ver, está plasmado em obras como A Riqueza das Nações (de Smith), A Rebelião das Massas (de Ortega), O Caminho da Servidão (de Hayek), A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos (de Popper), O Ópio dos Intelectuais (de Aron) Quatro Ensaios Sobre a Liberdade (de Berlin) ou Como Acabam as Democracias (de Revel).

Autores incómodos, impopulares, que ousaram navegar contra a corrente. Mas a reler sempre, até por isso.

 

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La Llamada de la Tribu, de Mario Vargas Llosa (Alfaguara, Barcelona, 2018). 313 páginas.
Classificação: *****
 
Publicado originalmente no jornal Dia 15

O que diz Vargas Llosa

Pedro Correia, 27.02.18

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Excelente entrevista de Mario Vargas Llosa à revista dominical do El País a propósito do seu mais recente livro, O Apelo da Tribo - ensaio sobre sete pensadores liberais: Adam Smith, Friedrich von Hayek, Isaiah Berlin, Jean-François Revel, José Ortega y Gasset, Karl Popper e Raymond Aron.

 

Alguns excertos:

«A democracia avançou e os direitos humanos passaram a ser reconhecidos fundamentalmente graças aos pensadores liberais.»

«O liberalismo não apenas admite mas estimula a divergência. Reconhece que uma sociedade está composta por seres humanos muito diferentes e que é importante preservá-la assim.»

«O nacionalismo é uma tendência retrógrada, arcaica, inimiga da democracia e da liberdade, e está sustentado em ficções históricas, em grandes mentiras, nisso a que agora chamamos pós-verdades históricas.»

«O liberalismo defende algumas ideias básicas: a liberdade, o individualismo, a rejeição do colectivismo e do nacionalismo; no fundo, de todas as ideologias ou doutrinas que limitam ou interditam a liberdade na vida social.»

«Ninguém medianamente lúcido quer para o seu país um modelo como o da Coreia do Norte, ou o de Cuba, ou o da Venezuela: o marxismo já é marginal na vida política, ao contrário do populismo, que ameaça corromper as democracias por dentro, é muito mais sinuoso do que uma ideologia.»

«A correcção política é inimiga da liberdade porque rejeita a honestidade e a autenticidade. Devemos combatê-la como um desvio da verdade.»

«Andamos sobrecarregados por uma tecnologia que se colocou ao serviço da mentira, da pós-verdade, e que pode chegar a ser, se não combatermos este fenómeno, profundamente destruidora e corruptora da civilização, do progresso, da verdadeira democracia.»