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Delito de Opinião

A primeira derrota de Donald Trump

Pedro Correia, 01.05.25

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Há quatro meses, o Partido Liberal - que dominou o panorama político do Canadá durante mais de dois terços do século XX - parecia irremediavelmente condenado ao desaire eleitoral. A 6 de Janeiro, demitiu-se o primeiro-ministro Justin Trudeau, no cargo desde 2015. Em quebra drástica de popularidade, foi substituído pelo economista Mark Carney, antigo presidente do Banco do Canadá e do Banco de Inglaterra. Já em cenário pré-eleitoral, num momento em que as sondagens atribuíam uma vantagem de 25 pontos percentuais ao Partido Conservador, histórico rival dos liberais.

Os dados pareciam lançados. Até Donald Trump entrar em cena. Mal tomou posse a 20 de Janeiro, na senda do que já afirmara durante a corrida eleitoral norte-americana (quando chamava «governador Trudeau» ao chefe do Governo), ameaçou anexar a nação vizinha, transformando-a no «51.º estado dos EUA». E decretou pautas aduaneiras de 25% às importações de produtos deste país. Quebrando uma longa, estável e frutuosa parceria vigente na América do Norte.

Carney, sem sombra de temor reverencial ao inquilino da Casa Branca, enfrentou estas ameaças à soberania e à economia do seu país com palavras vigorosas e contundentes, despertando o nacionalismo canadiano que parecia adormecido: «Trump will never break us.» Enquanto o seu rival conservador Pierre Poilièvre, próximo de Trump em termos ideológicos, ia titubeando. Quando tentou reagir, já era tarde.

Mais de 60% dos canadianos passaram a boicotar os produtos importados dos EUA. Valia muito mais do que uma sondagem, como se viu.

Trump, com a sensibilidade de um rinoceronte, conseguiu num par de meses afundar a maré conservadora e oferecer de bandeja o triunfo eleitoral aos liberais, que no início do ano nenhum analista político antevia. Carney emerge das urnas, nestas legislativas de 28 de Abril, como justo e categórico vencedor.

Foi a primeira derrota geopolítica do sucessor de Joe Biden, empossado há cem dias. Está muito longe de ser a última.

Pré-Natal

jpt, 22.12.21

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Isto de andar alheado do mundo, coisa que não é de um solstício pessoal mas sim do verdadeiro ocaso, dá azo a surpresas. Pois só hoje, e bem atrasado, me apercebo de três notícias que a muitos parecem relevantes:
 
1) no Chile houve eleições. A esse propósito vejo quem se reencarne como Victor Jara, e cante revoluções e amanhãs que cantam. E outros que clamam "os russos vêm aí", anunciando o descalabro daquele país, até do continente e, presumo, mesmo do mundo global - ainda que, permito-me, entre estes não abundem doutas reflexões sobre o destrambelhamento social dos últimos anos chilenos;
 
2) agentes da GNR em Odemira passaram anos a deleitarem-se torturando e insultando imigrantes, e com o desplante de filmarem os actos, decerto que "para mais tarde recordar". Vá lá que alguns foram apanhados pela PJ. Mas isto mostra mesmo, sem rebuço, um ambiente geral (uma "cultura institucional", se se quiser), pelo menos permissivo. Noto, com um sorriso, que no meu universo-FB (consagrado pelo omnipresente Algoritmo), e blogal sempre tão politicamente empenhado e até abrasivo, este assunto não foi um "must". Cheira-me que enviesei um bocado demais, e em rumo destro, as minhas ligações-FB e atenções blogais. Ainda assim, e como reflexo de outras minhas estações de vida, resmungo que se eu fosse professor convocaria muitos destes doutores liberais que para aqui andam em azáfama e ensinar-lhes-ia que o liberalismo não é baixar os impostos e contestar as vacinas estatais. Pois é muito mais combater, até à última, ambientes que minguem as liberdades individuais. Dos nacionais e dos estrangeiros. Mas nem eu ensino. Nem eles aprendem.
 
3) A artista Grada Kilomba, a qual pelas fotografias presumo ser mulata, foi excluída de uma exposição por um júri de selecção para uma exposição. E vai uma grande polémica. Tendo eu 57 anos durante os últimos 37 fartei-me de ouvir resmungos, mais ou menos irados, contra júris nas mais variadas expressões artísticas e literárias. E sabe-se que alguns "grandes vultos", com décadas como consuetudinários jurados, alguns sempre mui respeitados na hora da morte, fizeram vida de serem execráveis clientelistas nessas artes. Mas agora a polémica é enorme e deu azo a "Carta Aberta" denunciatória, subscrita por várias organizações de nomenclatura radical e personalidades estrangeiras instando-nos a bons comportamentos.
 
Mas o delicioso do documento é um excerto: "Parece também de grande importância referir que a comissão foi composta por quatro pessoas brancas, e entre elas três mulheres e um homem, (...), deixando-nos com a complexidade das estruturas patriarcais e coloniais do sistema". Ou seja, isto já nem é só estes activistas exigirem-nos que nos assumamos como mónadas raciais, qu'isso já é o "pão nosso de cada dia" destes curandeiros. É mesmo esta coisa de que se um júri tem três mulheres e um homem e não actua como os activistas querem então é fruto das "estruturas patriarcais"... Tralha, claro, que dá gáudio aos académicos "decoloniais"..., que não há nada que dê tanto jeito como argumentos "infalsificáveis", como antes alguém disse, um alguém que não lhes convém que se leia ou se recorde.
 
Enfim, face a este estado "da Nação" e "do Mundo", para além do meu próprio, nenhum dos quais se recomenda, cumpre-me uma súmula que dê alento aos compatriotas, nos seus respectivos ocasos. Por isso aqui partilho esta informação: adquiri no fronteiro Pingo Doce este tinto "Portal de São Braz" a 1,8 euro cada garrafa, dada a simpática "promoção" então em curso, o qual é muito bebível - ainda que connoisseurs e doutores ("quem rima sem querer é amado sem saber") que por aqui passem possam clamar "zurrapa" - e do vizinho Lidl trouxe a consagrada "Queen Margot", ainda abaixo dos 7 euros, apesar da inflacção natalícia. A estas associo o que belas mãos amigas, seguidoras dos conselhos da DGS, me ofertaram: uma compota de abóbora e laranja, uma marmelada, ambas de confecção caseira.
 
E a todos afianço que com esta conjugação, e apesar do referido estado geral das coisas, se não inverto o ocaso pelo menos imagino solstícios. Imaginai-os também, se vos for possível.

...Stones, bater no ar

jpt, 19.04.20

Os Stones por Zoom (a empresa que mais terá beneficiado com esta pandemia), cada um em sua casa, ontem no festival Together At Home, tocando o ícone You Can't Always Get What You Want, uma das (a?) canções da minha vida. E que magnífico Charlie Watts ...

Vendo estes mais-velhos (Watts já com 78) e sabendo do gigantesco "Live Aid" que isto foi ilumina um pouco a dimensão deste confinamento generalizado, melhor até do que as notícias o fazem.

E, entre outras coisas, lembrei-me de alguns liberais lusos (uns até ex ou ainda bloguistas) que desde há um mês andam frenéticos a bradarem que tudo isto, a suspensão dos contactos, a interrupção do trabalho, é fruto da imaginação, uma loucura, etc. (e até um bocadinho daquilo do "marxismo cultural"). Conheço alguns, são boas pessoas. Mas portam-se exactamente como os maluquinhos do BE há 15 anos ou mais. E são agora muito mais velhos, é um bocado pungente vê-los assim histriónicos. E acho que ninguém tem a piedade de lhes dizer isso.

Então digo eu, a ver se eles percebem que só o Charlie Watts pode bater no ar e soar.

A encruzilhada da Monarquia

João Carvalho, 05.10.11

 

A Constituição não serve para nada?

Em meados do século XIX, com o Liberalismo ainda sem futuro garantido e o País em crise financeira, económica, social e, acima de tudo, de regime, Mouzinho da Silveira não tem dúvidas de que «os grandes vícios do País estão nas instituições vigentes, caducas e obsoletas, o que lhe permite expressar a ideia de que, para benefício dos cidadãos, é mais importante reformar as estruturas do Estado do que proceder à mudança do sistema de governar» (João Carvalho, O Supremo Tribunal de Justiça em Portugal: Dois Séculos e Quatro Regimes de Memórias; STJ, 2003).

A Mouzinho, «verdadeiro estadista fundamentado no conhecimento profundo das causas públicas, até a Constituição lhe parece supérflua: com ou sem ela, é possível fazer mais e melhor, alterando radicalmente a teia institucional em que Portugal está enredado» (id., ib.).

 

Não, não sou monárquico. Mas sei cada vez menos se consigo ser republicano.

Dos liberais iludidos

Jorge Assunção, 12.07.09

Leio com atenção a muito interessante e boa polémica interna que opõe o Luís Naves ao Tiago Moreira Ramalho no Corta-Fitas a propósito dos subsidios à cultura (ler, por esta ordem: Ide ao teatro; Uma polémica interna; A minha ilusão liberal; e Ilusões liberais). Não concordo com nenhum, embora esteja mais próximo da posição do Tiago. Mas vou-me concentrar no último texto do Luís Naves. Primeiro numa questão de pormenor, diz este que o Tiago "defendeu auto-estradas sem portagens: se as estradas já foram pagas com os meus impostos, para quê pagar portagens?". O Luís Naves aqui comete um erro, se existem auto-estradas com portagens é exactamente para estas não serem pagas com impostos.

Mas o que me importa mais discutir é a questão da educação. A certa altura o Luís Naves diz que se "o acesso aos serviços é conforme o imposto cobrado aos pais. O estudante pobre cuja família está isenta de impostos deve pagar mais propinas; ao rico com pais que já pagaram em impostos, não se deve cobrar propinas". Não me querendo substituir ao Tiago, este não diz propriamente que o acesso aos serviços é conforme o imposto cobrado. O que diz (ele que me corrija se estiver errado), e eu concordo, é que sendo o ensino actual pago por impostos de todos, se qualquer pessoa para além de pagar impostos tiver de procurar uma alternativa privada é duplamente prejudicada. É por isso que um liberal pode defender, por exemplo, o cheque-ensino. Que, de forma simplificada, é nada mais, nada menos, do que o retorno dos impostos aos pais, com justiça social à mistura porque os pais pobres teriam direito a igual cheque pagando ou não impostos. Claro que o cheque-ensino não resolve todas as questões sobre o assunto e ainda pressupõe que o ensino tem um valor para a sociedade enquanto um todo (de forma associada e ainda de encontro a esta lógica, teríamos de abordar também a escolaridade obrigatória) que justifica que os impostos de todos sejam distribuídos pelos pais com crianças a estudar (coisa que chocará uma determinada classe de liberais), mas garante pelo menos uma maior liberdade aos pais para optarem por escolas públicas ou privadas conforme a qualidade de cada uma, sem que sejam alvo dessa penalização dupla.

Já no caso do financiamento do ensino superior, as propinas deveriam, pura e simplesmente, reflectir o preço do serviço em causa. Ou seja, tal como nas auto-estradas com portagens, aplicaríamos a lógica do utilizador-pagador. Os ricos, portanto, pagariam o serviço em causa caso tivessem filhos a estudar no ensino superior, já os pobres, na lógica de solidariedade social para que devem servir os impostos, seriam subsidiados para obter esse serviço e portanto também não deixariam de ter acesso a ele. O que não vale é apelidar parasita a um liberal por frequentar o ensino superior público subsidiado quando não lhe resta outra alternativa em Portugal para um ensino de qualidade a preço comparável. Para além do mais, importa fazer ver que a demonstração por absurdo que o Luís Naves utiliza vai desembocar ao nosso actual sistema. Para quem ainda não percebeu, o actual sistema de ensino superior público financiado na sua maioria por impostos já garante que os ricos tenham acesso a um ensino de qualidade a baixo preço, basta consultar qualquer estudo sobre o assunto que este logo nos diz que as universidades públicas estão repletas de alunos da classe média/alta, enquanto os pobres, paradoxalmente, vêem-se muitas vezes relegados para as universidades privadas ou, ainda pior, nem sequer chegam a frequentar o ensino superior.

Já na questão essencial, dos subsidios à cultura, vou fugir (para já) ao debate, mesmo porque este post já vai longo. Não sem contudo dizer que se nos Estados Unidos existem subsídios à cultura, também existe uma muito maior propensão à filantropia. O problema português não se resume à discussão sobre se o Estado deve ou não apoiar manifestações culturais, mas deriva e muito da incapacidade do surgimento de entidades exteriores ao Estado no apoio à cultura nacional.