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Delito de Opinião

Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 01.11.23

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Hoje lemos: Alexandre Dumas, " O Conde de Monte Cristo".

Passagem a L-Azular: "Em política, meu caro, sabe tão bem quanto eu, não existem homens, mas ideias; não existem sentimentos, mas interesses; em política, ninguém mata um homem: suprime-se um obstáculo. Ponto final.”

Creio que Vladimir, o Terrível, tenha lido este livro, que fala de amor, traição, injustiça, conhecimento, paixão, mas sobretudo de vingança.

Fala também de redenção, mas acredito que se tratou apenas de um impulso de Dumas para ser politicamente correcto.

A vingança é um banquete que se serve frio, mas também se serve quente, a escaldar, a estourar, a pulverizar... mas de preferência de forma indelével, sorrateiramente, sicário silencioso que actua pela calada e estás morto e não sabes. Muito pior do que no Sexto Sentido, em que o espectador começa a desconfiar, assim a meio, que o médico com aquele penteadinho só pode ser o morto. 

Deve ser horrível estar vivo e descobrir que não, que afinal já se está morto e não se sabia. Muitos cérebros que marionetam carcaças fétidas andam por aí, mortos de pensamentos, palavras e obras, e nunca deram por isso. Conheço alguns bem posicionados na vida.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 28.10.23

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Hoje lemos: Joël Dicker, "Os Últimos Dias dos Nossos Pais".

Passagem a L-Azular: “Não, isso não foi nada. Estou a falar do medo que te esmaga, que te faz dormir mal, viver mal, comer mal. Aquele que não te dá trégua. O verdadeiro medo é o dos caçados, dos perseguidos, dos rebeldes, o medo daqueles que têm que viver escondidos porque correm o risco de morrer mesmo que não tenham cometido nenhum crime. O medo de existir. O medo dos judeus.”

Viver com medo.

É legítimo ter opiniões. É lícito podermos expressá-las sobre tudo e todos, porque somos livres de dizer. Falamos sobre o que pensamos saber, porque formámos um ponto de vista que cremos sólido sobre tudo o que vimos, lemos ou ouvimos dizer. Sobre tudo aquilo que nos é informado subjectivamente por terceiros.

Mas e o que dizer de perorarmos objectivamente, porque experimentámos fisicamente? Porque estivemos lá e por isso o sentimos na pele?

Sobre isso não sabemos coisa alguma. Quem de nós nasceu e viveu com medo, com o tal medo que não dá trégua, e que nos acossa e agrilhoa o espírito de tal modo que nos faz recear a própria sombra?

Falar é fácil, quando nos cremos entendedores daquilo que nunca presenciámos para poder contar como foi.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 25.10.23

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Hoje lemos: Dante Alighieri, "A Divina Comédia".

Passagem a L-Azular: "A fé é a substância de coisas esperadas e o argumento das que não aparecem; e isso parece-me ser a essência da fé.”

É a fé que nos salva do que já esperamos e a desculpa do que esperamos sempre em vão? Eu tenho fé. Acredito em Deus. Espero e anseio por dias melhores, mas não arranjo desculpas para os contratempos, as tragédias ou as desgraças. A culpa tem sempre mão humana. A fé pode dar força para superar crises, como as com que a natureza debocha da fragilidade do homem, mas as outras crises chegam-nos pela mão dos cuidadores, daqueles que nomeámos para nos atender e cuidar. Desses não esperar coisa alguma é toda a essência da fé.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 21.10.23

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Hoje lemos: Júlia Navarro, "De Lado Nenhum".

Passagem a L-Azular: "Nora pensou no pai. Sabia que odiava os ocidentais, os infiéis, como ele dizia. Um ódio que se fundamentava na frustração de ser um imigrante que tinha tido de encontrar um espaço numa sociedade com uns valores diferentes daqueles que lhe tinham incutido. Uma sociedade que o observava pelo canto do olho, com desconfiança. Uma sociedade que considerava moralmente podre.
Uma sociedade que desprezava. Uma sociedade à qual desejava humilhar tanto como ele se sentia humilhado. Uma sociedade à qual nunca pertenceria por mais que alguns bem-pensantes dessa mesma sociedade defendessem que o multiculturalismo era possível. Mas não, não era possível. Ou uma pessoa aceitava as suas regras ou seria sempre vista como alguém diferente[...]"

Procurar uma vida melhor é o objectivo de todos nós. Podemos permanecer na terra que nos viu nascer, ou tentar a sorte por outras paragens. É admissível e pertinente que a busca da felicidade seja  a nossa escolha preferencial. 

Se na terra que nos viu nascer existem directrizes de conduta, as outras paragens terão também as suas leis. Se nos receberam, é da nossa responsabilidade adaptarmo-nos. A desconfiança é natural de parte a parte, afinal somos estranhos uns dos outros, mas o multiculturalismo não é impossível se se suprimir a intolerância que conduz a este fundamentalismo, à imperdoável desumanidade que vai borrando o mapa da Paz. 

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 18.10.23

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Hoje lemos: Chico Buarque, " O Irmão Alemão".

Passagem a L-Azular: “Com taquicardia, respiro fundo, olho ao redor, só não me lembro mais por que eu tanto queria atravessar a rua. Este lado é como um espelho do outro, com os mesmos pedestres aflitos para atravessar de volta, os mesmos minúsculos botecos com idênticas bundas grandes do lado de fora, além de uma banca de jornal igual a todas, onde vejo exposta uma primeira página tenebrosa.”

Um parágrafo que é o espelho do dia a dia. Expõe com toda a clareza a evidência da hesitação da galinha em atravessar a estrada, apenas para chegar ao outro lado, ao lado de lá, que afinal reflecte tão bem o lado de cá, que na realidade torna ambos os lados gémeos siameses, unidos pela cabeça e pela tragédia, e onde não falta o pasquim proclamador da catastrófica calamidade do dia em grandes parangonas, como uma teia densa e peganhenta, pronta a prender firmemente o olhar dos incautos. Hoje é assim. Todos os dias são iguais.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 14.10.23

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Hoje lemos: Sylvia Plath, "A Redoma de Vidro".

Passagem a L-Azular: “Tu nunca te decepcionas quando não esperas nada de alguém.”

Este foi o meu lema laboral durante todo o meu mandato na supervisão de quase duzentas almas (agora em número assaz superior). Aquela máxima kennedyana que diz que "Não perguntes o que teu país pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer pelo teu país", é uma falácia.

Ninguém está interessado em trabalhar pelo bem comum, pelas comissões ou pelos prémios. Não são assíduos ou pontuais, estão ali apenas para cumprir as 8 horas diárias às quais esmifram todas as pausas para café e cigarro possíveis. Ninguém quer saber se o colega está sobrecarregado ou precisa de apoio, ninguém se incomoda com a correcção profissional. Desde que caia a moedinha, são como arrumadores de automóveis, que fazem apenas o suficiente para ganhar para o dia.

Quando lhes ia pedir alguma alteração de última hora à escala semanal, levava sempre na ideia todas as hipóteses possíveis porque o não era uma garantia e era necessário passar de imediato à opção seguinte, sem decepção, mágoa ou frustração, apenas constatando o normal, que era como era, a realidade das coisas. E continuará a ser, com a permissividade dos legisladores, que um dia entenderão que criaram uma sociedade feita de direitos e em que os deveres passaram a ser mitologia.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 11.10.23

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Hoje lemos: Isaac Asimov, "Os Crimes dos Viúvos Negros".

Passagem a L-Azular: "Os livros, senhores, contêm dentro de si a sabedoria acumulada da humanidade, o conhecimento acumulado dos pensadores do mundo, a diversão e a excitação construídas pela imaginação de pessoas brilhantes. Os livros contêm humor, beleza, inteligência, emoção, pensamento e, de facto, toda a vida. A vida sem livros é vazia.

Halsted murmurou: “Hoje em dia há filmes e TV."

Manfred ouviu. Ele disse, com um sorriso: 'Eu também assisto televisão. Às vezes vou ver um filme. Só porque aprecio uma refeição como a que acabamos de fazer não significa que não possa comer um cachorro-quente de vez em quando. Mas não confundo os dois. Não importa quão esplêndidos os filmes e a televisão possam parecer, eles são junk food para a mente, diversão para os analfabetos, um pouco de diversão para aqueles que estão momentaneamente com disposição para nada mais.”

Que os livros são vida, que nos permitem numa só vida viver mais de mil existências, qual delas a mais grandiosa, é a mais pura verdade. Mas que há filmes e séries de TV baseadas em grandes livros, com argumentos e performances que metem os tomos de autor a um canto sombrio da prateleira dos lidos a não reler, também é verdade.

Lembro-me de um par deles, dentre os quais o "tal" do Stephen King, "Rita Hayworth and Shawshank Redemption", ou apenas "The Shawshank Redemption", que é tão bem adaptado e interpretado que nos faz esquecer que já lemos aquele livro.

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Maria Dulce Fernandes, 07.10.23

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Hoje lemos: Jane Austen "Orgulho e Preconceito".

Passagem a L-Azular: "Uma mulher deve ter um vasto conhecimento de música, canto, desenho, dança e das línguas modernas para merecer a palavra; e, além de tudo isso, deve possuir um certo quê no seu semblante e modo de caminhar, no tom de sua voz, na sua maneira de falar e nas suas expressões ou a palavra será apenas meio merecimento.”

Muito engraçado como as coisas eram... os misóginos saudosistas do avental e da colher de pau devem deliciar-se com esta leitura, com a posição da mulher nessa época, um mero objecto de decoração, de cabeça vazia e cara alegre só se podendo manifestar verbalmente se dona fosse de certos atributos de conduta e - um "e" enorme este - se o esposo autorizasse! Os esposos daqueles tempos! Uns meros trogloditas ignorantes com berço e dinheiro é que detinham o domínio do casal, e portanto eram quem detinha o poder! 

Felizmente os tempos mudaram e as mulheres, por serem donas de uma inteligência  ímpar e de um multitasking fora de série, conseguiram uma audaciosa e valorosa volta de 180°, porque afinal querer é poder, mas o poder, o poder a sério já ninguém detém,  nesta triste época em que nada se pode e só alguns podem.

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Maria Dulce Fernandes, 04.10.23

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Hoje lemos: J.K Rawlings, "Harry Potter e a Pedra Filosofal".

Passagem a L-Azular: "– Existe todo tipo de coragem – disse Dumbledore sorrindo. – É preciso muita audácia para enfrentarmos os nossos inimigos, mas igual audácia para defendermos os nossos amigos."

Quantos amigos temos? Amigos a sério, de carne e osso, daqueles com os quais desenvolvemos afinidades, que partilharam vivências connosco, antigas ou recentes? Se contarmos bem, os bons amigos, aqueles que sabes que te podem ajudar e proteger e que resguardam se preciso for o progresso dos teus dias e por quem sentes convicta toda a  retribuição; desses podes contá-los pelos dedos de uma mão e, com o passar do tempo, constatas com tristeza que te começam a sobrar dedos...

Podes ter 1000, 2000, 3000 amigos online, espalhados por tudo o que é rede social. Gente de bem, alguns, com certeza, mas numa urgência na tua vida não recorres seguramente a uma mensagem no Twitter...

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 30.09.23

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Hoje lemos: Abū al-Qāsim Muḥammad ibn ʿAbd Allāh ibn ʿAbd al-Muṭṭalib ibn Hāshim  ou  apenas Muhammad, "Al Qur'an".

Passagem a L-Azular: “É melhor sentar-se sozinho do que em companhia com o mau; e é melhor ainda sentar-se com o bom do que sozinho. É melhor falar com aquele que busca conhecimento do que permanecer em silêncio; mas o silêncio é melhor do que palavras vãs.”

Nos dia que correm o bom, o mau e o sábio confundem-se nos seus pensamentos e acções, podendo um ser todos e todos serem um. Permanecer em silêncio e reflectir é fundamental. E é um truísmo evidente e comprovado que, sendo o silêncio de ouro, não se deve desperdiçar em banalidades. Pensar no que se diz antes de traduzir o pensamento em palavras é um dom que, apesar de estar fora de moda, não abduz de modo algum o mérito da prática.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 27.09.23

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Hoje lemos: Virgínia Woolf, "Um Quarto Só Seu".

Passagem a L-Azular: "O que se entende por 'realidade'? Parece ser algo muito errático, muito pouco confiável - ora encontrado numa estrada empoeirada, ora num pedaço de jornal na rua, até num narciso ao sol. A realidade ilumina um grupo numa sala e marca algum ditado casual. Pode dominar uma caminhada sob as estrelas até à porta de casa tornando o mundo do silêncio mais real do que o mundo da fala - e de repente, lá está ela de novo num autocarro, no tumulto de Piccadilly. Por vezes, também parece habitar em formas muito distantes para que possamos discernir qual é a sua natureza. Mas em tudo o que toca, corrige e torna permanente. Isso é o que sobra quando a pele do dia é lançada ao limite; é o que resta do tempo passado e dos nossos amores e ódios.”

Realidade será apenas o agora, o momento? Se agora estou a tomar café, é a minha realidade ou é a realidade que eu penso que é a minha? Nada é mais real do que os nossos pensamentos no átimo, mas mesmo estes podem estar muito longe de ser presente, e o que não é presente, pode ter sido, mas já não é real. 

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Maria Dulce Fernandes, 23.09.23

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Hoje lemos: Herman Melville, " Moby Dick"

Passagem a L-Azular: "Sempre que sinto na boca uma amargura crescente, sempre que sinto na minha alma a humidade e a chuva de Novembro, sempre que minha hipocondria me domina de tal modo que é necessário um forte princípio moral para me impedir de sair deliberadamente para a rua e socar metodicamente o chapéu das pessoas - … então considero que é a altura de fazer-me ao mar e o mais depressa possível.”

"Sempre que sinto na boca uma amargura crescente, sempre que sinto na minha alma a humidade e a chuva de Novembro" já sei o que aí vem. Os juros vão aumentar, os bens alimentares vão aumentar, os transportes vão entrar em greve... é tudo culpa da guerra! Alguma culpa terá o massacre consentido a leste, mas a culpa, essa  rameira  que todos empurram e ninguém aceita, é de quem se está marimbando para quem desespera e espalha esmolas como se placebos fossem a cura dos males do país.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 20.09.23

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Hoje lemos: Henry James "Retrato de uma Senhora"

Passagem a L-Azular: “Qualquer que seja a vida que levas, para seres bem-sucedida, deves colocar a tua alma nela; a partir do momento em que o fazes, garanto-te que o romance acaba: tudo se torna realidade! E não consegues sempre agradar-te; por vezes tens de agradar aos outros. Isso, admito, estás disposta a fazer, mas há algo ainda mais importante – muitas vezes tens de desagradar os outros. Tens de estar sempre pronta para isso, nunca deves fugir. Isso não te convém de todo — gostas demasiado de admiração, gostas que pensem bem de ti. Pensas que podemos escapar aos nossos deveres menos agradáveis através de visões romanescas — essa é a tua maior ilusão. Não podemos. Tens de estar preparada para, muitas vezes, não agradares a ninguém — nem a ti própria."

Ter de tomar decisões ou atitudes que nos desagradam, faz parte da existência. Tentar iludir as nossas convicções nem sempre funciona e o bem maior nem sempre espelha a realidade dos factos. Ser socialmente correcto e ir com a corrente para não cair em desgraça nem revelar heresia aos dogmas mundanos, é muitas vezes um rodício no flanco que não cessa de infligir desconforto. A solução é apenas ter a coragem de deixar de usar a espora.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 17.09.23

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Hoje lemos: D. H. Lawrence, " O Amante de Lady Chatterley".

Passagem a L-Azular: “O mundo deveria estar cheio de possibilidades, mas estas limitam-se  a muito poucas na maioria das experiências pessoais. Há muitos e bons peixes no mar... talvez... mas os grandes cardumes parecem ser cavala ou arenque, e se não fores cavala ou arenque é provável que encontres no mar muito poucos peixes bons.”

E é esta a realidade das coisas. Peixe miúdo ou é Cavala ou é Arenque. Chegar a Dourada não é mau, mas conseguir ser Robalo é um feito. Já Garoupa ou Cherne é uma miragem, mas há muito quem tenha aulas com os vendidos dos Exocetídeos e consiga lá chegar. 

A grande verdade, aquela que todos conhecem e ninguém fala numa espécie de voldemortice consentida, é que são os Tubarões os DDT. Muito poucos nascem tubarões e desengane-se quem pensa que o pior dos esqualos é o Grande Tubarão Branco.

Há um velho ditado que diz que "pela boca, morre o peixe"... não me parece muito acertado, ou então só funciona a longo prazo. O cabeça de martelo só fala tredices e continua a zaranzar tranquilamente no Olimpo dos mares lusitanos.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 14.09.23

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Hoje lemos: Javier Marias, " Berta Isla"

Passagem a L-Azular: "Mesmo quando coisas acontecem e estão presentes, elas próprias exigem também imaginação, porque é a única coisa que evidencia certos acontecimentos e nos ensina a distinguir  enquanto acontecem, o que ficará para sempre  memorável daquilo que é imemorável."

Imaginação é o que não falta por aí. Os contadores de histórias todos os dias nos trazem novos contos ou actualizações de histórias com uma semana ou pouco mais, mas que depois de espremidas ainda têm sumo e há que aproveitá-las até à exaustão. Mas como tudo o que é volúvel, a pegada destas tramas desaparece com a mais leve brisa que possa soprar de outro quadrante. Outra história breve no tempo lhe dará lugar e assim se sucederão os dias de teias urdidas em teias queimadas, que não deixarão marca na lembrança volátil da humanidade. 

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 09.09.23

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Hoje lemos:  F. Scott Fitzgerald, " O Grande Gatsby".

Passagem a L-Azular: "A cada noite ele aumentava o nível das suas fantasias até que a sonolência se abatesse sobre alguma cena vívida como um abraço esquecido. Durante algum tempo, esses devaneios proporcionaram uma saída para sua imaginação; eram um indício satisfatório da irrealidade da realidade, uma promessa de que a rocha do mundo estava firmemente fundada na asa de uma fada.”

Apesar de não conseguir imaginar algumas pessoas a sonhar diafanamente, este tipo de sonho é muito provavelmente comum à maioria dos portugueses que deram a dita de mão beijada. O pior de tudo é que se trata de sonhos que não se sonham a dormir, ou de pessoas que não conseguem acordar para a realidade, nem que a rocha do mundo rebente com as asas da fada e lhes caia na cabeça. E ainda assim, esmagados pela irrealidade da realidade dos acontecimentos, continuam a arranjar desculpas suaves e coloridas para pintar o esmagamento de dourado.

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 06.09.23

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Hoje lemos: Suzanne Brockmann, "Kiss and Tell".

Passagem a L-Azular: “Isto não era a Esquisitolândia, era o maldito País das Maravilhas. A Alice aqui já era adulta, mas ainda comia muito daquele cogumelo psicadélico."

(Kiss and Tell: Anglicismo que significa divulgar publicamente um escândalo de cariz sexual com o intuito de recolher dividendos).

Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? 

Em pleno século XXI já deveríamos saber todas as respostas para as mais triviais questões existenciais. Mas não. E não estamos a chegar mais perto do conhecimento, muito pelo contrário. A evolução tecnológica deu lugar a uma involução do raciocínio lógico. O lema é seguir as tendências sem pesar as consequências, o que me leva muitas vezes a crer que vivemos encerrados numa bolha de alucinação colectiva onde nada é o que parece e tudo parece que é. Tudo isto me relembra a Revolução Francesa ou mesmo a  Rainha de Copas... Cortem-lhe a Cabeça!, que a tendência actual e generalizada é tudo sem cabeça. Mesmo. 

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 02.09.23

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Hoje lemos: Mark Twain, "As Aventuras deTom Sawyer"

Passagem a L-Azular: “Ele teria então compreendido que o trabalho consiste em tudo o que um corpo é obrigado a fazer, e que o jogo consiste em tudo o que um corpo não é obrigado a fazer. E isso ajudá-lo-ia a entender o porquê de produzir flores artificiais ou fazer funcionar uma esteira ser considerado trabalho, enquanto derrubar nove pinos ou escalar o Mont Blanc se considerar apenas diversão. Há cavalheiros ricos na Inglaterra que dirigem carruagens de passageiros com quatro cavalos, vinte ou trinta milhas diariamente, no verão, porque o privilégio lhes custa um dinheiro considerável; mas se lhes fosse oferecido um salário pelo serviço que o transformasse em trabalho, provavelmente pediriam demissão.”

Diziam os antigos: "não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu." E  bem verdadeiras são estas palavras. Quem não gosta de ter, porque ter confere poder? Todos gostam de ter algo que lhes confira notoriedade,  estatuto social. Vejo pela rapaziada que trabalhava comigo. Assim que ganhava uns cobres, queria lá saber do porvir! Queriam mesmo era vir de carro (a maior "bomba" possível) todos os dias trabalhar! Mas se puder trabalhar apenas quando lhe convém, melhor ainda. Que se lixem os prémios e os incentivos. Agora até já inventaram a "auto-baixa" que na realidade "não penaliza o estado nem os patrões, apenas quem falta". Que grande patranha! Então se um funcionário falta e de seguida apresenta uma justificação conforme de três dias, durante esse período de tempo, quem é que faz o trabalho dele? Tudo o que é considerado trabalho torna a vida demasiado complicada... Eu sei! Tive 47 anos disso e o hábito não passa com um estalar de dedos.

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Maria Dulce Fernandes, 30.08.23

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Hoje lemos: Nathaniel Hawthorn, " A Letra Escarlate"

Passagem a L-Azular: "Ela tinha vagueado, sem regra ou orientação num deserto moral... O seu intelecto e o seu coração tinham o seu próprio lar, por assim dizer, em lugares desertos, onde ela vagava tão livremente como o índio selvagem, livre, nas suas florestas... A letra escarlate era o seu passaporte para regiões onde as outras mulheres não ousavam pisar. A ergonha, o desespero e a solidão foram seus professores — severos e selvagens — e fortaleceram-na, mas ensinaram-lhe também muitas coisas erradas."

Que entenderá o autor por "coisas erradas"? Por falar o que pensava? Por desdenhar do puritanismo? Por dar asas à sua sexualidade? Por engravidar de um " homem de Deus" que retribuía os seus sentimentos? Por não ser escrava do um macho que não amava? Valha-a Deus, criatura! Bem haja por demonstrar fibra,  trilhar o caminho das silvas e vencer, um amargo e solitário triunfo, mas sempre uma vitória. 

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Lápis L-Azuli

Maria Dulce Fernandes, 26.08.23

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Hoje lemos: Johnathan Swift, " As Viagens de Gulliver"

Passagem a L-Azular:“Os juízes... os juízes são escolhidos entre os advogados mais hábeis, que envelheceram ou são preguiçosos e, tendo sido tendenciosos durante toda a vida contra a verdade ou a equidade, estão sob uma necessidade tão fatal de favorecer fraude, perjúrio e opressão, que tenho notado que vários deles recusaram um grande suborno do lado onde a justiça estava, em vez de insultar o corpo docente ou fazendo qualquer coisa imprópria para sua natureza no cargo."

Se esta passagem não tivesse sido escrita em 1726, poderia dizer-se com alguma acuidade ser coisa moderna, por tão bem demonstrar a realidade da falta de nobreza e isenção com que se aplica a justiça  neste país. Quem pode, rouba, até porque tem licença para roubar e pavoneia-se por aí incólume. Quem não pode, rouba e é condenado a prisão efectiva durante vários anos.

É corrupção? E ninguém vê? É certo que a justiça é cega, mas caramba!

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