Farto de tácticas
A crónica de uma queda do governo anunciada, concretizou-se ontem e foi custoso de ver.
Ao longo dos últimos dias temos assistido a manobras da mais pura, e crua, táctica política. É óbvio que política sem táctica não é política, mas quando a política se esgota na táctica, perde-se o propósito da política. Recorrendo a uma imagem futebolística, é como um jogo embrenhado em fintas que se esqueceu da baliza.
Como é que os protagonistas de ontem conseguirão explicar ao país a necessidade de um novo processo eleitoral? Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país? Basta olhar para as mudanças que decorrem no concerto dos países, para que a questão anterior deva ser repetida. Que abismais diferenças separam a percepção que os dois maiores partidos têm para o país?
Na conversa com um amigo, fui confrontado com uma forma alternativa de ver os principais partidos do regime. Segundo ele, funcionam como marcas diferentes detidas pelo mesmo dono. Existe uma aparente concorrência, mas que se destina a alargar a oferta e a alcançar mais mercado. Publicidade à parte, podemos constatar isso mesmo nas marcas automóveis da VW, Skoda e Seat, ou também da Peugeot e Citroen. Partilham infra-estruturas, motores, peças, projectos e até a rede de assistência. Os vendedores têm objectivos que os colocam em concorrência directa, mas o patrão é o mesmo. Eu discordei. Basta observar o que se passou nas primeiras décadas do regime, para ver como se defendiam coisas bastante diferentes, disse eu. Então e se olharmos para os anos mais recentes? Já fiquei com mais dificuldade em responder. As medidas que o PSD tomou neste curto mandato foram rigorosamente as mesmas que em condições idênticas o PS teria tomado. Como o Pedro Correia aqui bem trouxe à conversa, o Centrão quase que faz lembrar o Partido Republicano da Primeira República. Só eles é que podem governar.
O país precisa de reformas mas o Centrão, o dono das várias marcas do mercado, não quer reformas nenhumas. As campanhas publicitárias garantem-nos que essas várias marcas são todas muito diferentes e por isso estas são impossíveis. E é nessa altura que assistimos à quase unanimidade da recente aprovação na desagregação das freguesias. Em que é que ficamos? Afinal é só isso que os aproxima?
Muita coisa já foi dita sobre o deprimente espectáculo ontem transmitido a partir do Palácio de São Bento, mas não pude deixar de concordar que quando se insiste em que as Jotas devam ser a base de recrutamento para a vida política, acaba-se por transformar a Assembleia da República numa reunião para a Associação de Estudantes. Quando se exige que apenas políticos gerados em laboratório possam exercer cargos de responsabilidade, acabamos a ser governados por gente sem mundo e sem outra vida que não seja a das fintas e reviengas. Quando não se aceita pagar salários decentes aos nossos governantes, temos de nos contentar com as terceiras ou quartas escolhas do que de bom tem o país.
Mesmo tendo ficado ontem sem voz, ou sem pio, André Ventura sabe tudo isto e é isso que tem tentado explorar com relativo sucesso. No entanto, e para que pudesse alguma vez ser uma alternativa, o líder espiritual da seita religiosa em que o Chega se tornou sofre de um problema insanável. Não é a falta de ambição de um dia vir a ser ministro de qualquer coisa, nem que não saiba qual a finta mais vistosa para cada momento, mas apenas por não querer mudar o país. O que ele gostava era de um dia vir a dominar esse mesmo Centrão, que agora tanto critica. A sua abstenção na proposta da desagregação de novas freguesias pode parecer apenas um detalhe, mas tem um enorme significado. Para além disso, está enfermo daquele mal incurável da não-confiabilidade. A confiança pode demorar uma vida inteira a conquistar-se, mas como bem sabemos, pode esfumar-se numa fracção de segundo. Basta imaginar o que seria se Montenegro não tivesse proferido o famoso “não é não” e que, até ontem, éramos governados por uma coligação de direita. Ventura, constante e solidamente, fez do Chega um parceiro político tóxico, que serve para protestar, mas que não serve para resolver. E que se encolhe os ombros perante a proposta de criação de mais “tachos” autárquicos. Pode até vir a conseguir mais mandatos para a Assembleia da República, mas para os preencher terá de ir recrutar bandidos já presos e malucos já internados.
Por tudo isto, e ainda mais que a seu tempo poderei aqui trazer, nas próximas legislativas não irei votar estrategicamente. Tenho votado PSD devido ao chamado voto útil. Graças ao método de Hondt a democracia em Lisboa, e nos grandes círculos eleitorais, é diferente da do resto país. De forma a evitar a perda de votos não tenho votado na IL, mas desta vez essa será a minha escolha.
Precisamos de governantes com mundo, com maturidade, com uma ideia de país que ultrapasse aquelas lógicas que só quem cresceu e viveu a militar nas Jotas entende.
Por serem necessários resultados diferentes, desta vez não irei votar nos mesmos.