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Delito de Opinião

Terá virado o pêndulo da história? *

Paulo Sousa, 09.05.24

E já lá vão cinquenta anos. É impossível não fazer um balanço da nossa vida comum desde o 25 de Abril de 1974. Muita coisa mudou. O mundo é diferente e o país também. As eleições realizadas há pouco mais de um mês mostraram-nos que o perfil político dos portugueses não é granítico nem inamovível.

A história avança em movimentos pendulares. Após um ciclo de nacionalismo exacerbado não foi estranho que o fervor identitário sofresse uma quebra. Depois de consumirmos todas as nossas energias voltados para os territórios ultramarinos, foi com naturalidade que abraçamos o projecto europeu de paz e prosperidade. Saídos de uma ditadura conservadora e anti-comunista, seria normal que a geração seguinte preferisse um progressismo inspirado nos valores da esquerda. A insatisfação com algo alimenta a busca pelo seu contrário. De forma simétrica, observamos isso no actual perfil eleitoral dos países do antigo bloco de leste. É na memória da sua experiência sob o domínio soviético, que a direita assenta a sua enorme força eleitoral.

No passado dia 10 de Março a esquerda não foi além de uma minoria dos votos, o que não sendo inédito, mostra algo de novo. Uma análise mais fina dos resultados permite concluir que as gerações mais novas votaram principalmente à direita. Por oposição, são os mais velhos que passaram a ser a base eleitoral da esquerda. Serão estes resultados o sinal de uma mudança de ciclo? Poderemos a partir daqui contar com um definhamento gradual da predisposição dos portugueses em votar à esquerda?

Só conversando com os mais novos é possível entender a forma como eles interpretam as propostas dos partidos políticos. Quem hoje tem menos de quarenta anos, recorda-se do PS no poder na maior parte da sua vida (cerca de 7600 dias num total aproximado de 10300). Além disso, em mais de metade do tempo em que a governação não foi à esquerda (cerca de 1600 dias num total de 2700) quem governou de facto o país foi a Troika chamada pela esquerda. E qual é o resultado de tantos anos de políticas de esquerda? Os nossos salários são dos mais baixos da UE, um quinto dos portugueses vive na pobreza, os impostos batem sucessivos recordes e os serviços públicos não satisfazem. Estes jovens não viveram o entusiasmante crescimento económico do cavaquismo e desde que dão atenção às notícias, que só ouvem falar em crise, estagnação económica e, ao contrário do PS, não se esqueceram de José Sócrates. Não será por isso de estranhar, antes de lamentar, que 30% dos nascidos em Portugal desde 1985 tenham emigrado em busca da prosperidade que não encontraram cá. Perante esta triste folha de serviço não podemos ficar espantados com a preferência dos mais novos para com os partidos da direita.

Nos próximos actos eleitorais veremos se a mudança que ocorreu em Março passado é o início de uma nova tendência ou foi um fenómeno pontual. Olhando para a idade dos votantes à direita, apostaria que estamos a assistir a uma viragem do pêndulo da história.

 

* Texto publicado no jornal O Portomosense

O novo Vítor Constâncio

Pedro Correia, 22.03.24

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Fez bem Pedro Nuno Santos em reconhecer de imediato a derrota, na noite de 10 de Março, antes de os votos estarem contados na íntegra. Foi um arguto lance de antecipação. A contabilidade definitiva torna ainda mais catastrófica a prestação do PS nestas legislativas: tem o pior desempenho eleitoral em 37 anos - desde as eleições de 1987, quando o partido era liderado por Vítor Constâncio.

Péssimo auspício para o mandato ainda muito recente do secretário-geral, ter descido tão baixo.

O fracasso avoluma-se pelo contraste com o escrutínio anterior, em que o PS saíra das urnas com maioria absoluta e 120 dos 230 deputados. Concretamente, os socialistas recuam 13,4 pontos percentuais (de 41,4% para 28%) e perdem mais de um terço dos assentos parlamentares (42, tendo agora apenas 78).

Em números absolutos, o cenário é ainda mais desanimador para os socialistas: viram fugir quase meio milhão de votos - concretamente 489.423, quando há dois anos haviam contabilizado 2.301.887. E apenas 10% dos seus eleitores têm menos de 35 anos.

 

Não é só um desaire de Santos, longe disso. O maior derrotado chama-se António Costa: os portugueses ajuízaram de forma muito negativa o péssimo legado do governo "absoluto" do homem que em 2014 decidiu derrubar António José Seguro por considerar "poucochinho" o triunfo eleitoral do PS nas europeias desse ano - com 31,5%, enquanto a coligação PSD-CDS se quedou nos 27,7%.

Assim se completa um ciclo político no Largo do Rato e em São Bento. Se era "poucochinho" antes de Costa, mais pequenino ficou depois dele. À escala de um Constâncio, precisamente. 

Ninguém pode invejar a tarefa de Pedro Nuno Santos. Sem ironia, desejo-lhe boa sorte.

Cá se fazem, cá se pagam

Pedro Correia, 21.03.24

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É um caso singular de justiça poética. O maior propagandista do Chega nos últimos dois anos na Assembleia da República, aquele que aproveitou ao máximo o posto de segunda figura na hierarquia estatal para conceder a André Ventura o putativo estatuto de "líder da oposição" em cada debate parlamentar, procurando ganhar pontos mediáticos nesse mano-a-mano propício à abertura de telejornais, sai agora do palco. Destronado precisamente pelo partido que tanto promoveu com a intenção de esvaziar a direita moderada, radicalizar o cenário político e projectar-se como suposto candidato do PS às presidenciais de 2026.

Confirma-se: Augusto Santos Silva, que encabeçava a lista socialista pelo círculo da emigração fora da Europa, não conseguiu ser eleito para a Assembleia da República. Logo ele, que em Janeiro já se afirmava disposto a permanecer na poltrona da tribuna de São Bento.

Cá se fazem, cá se pagam. Santos Silva brincou com coisas sérias, sem sombra de isenção no exercício do cargo, por cálculo pessoal ou partidista. Deu protagonismo, o tempo todo, àquele que surgiu em cena para «dividir a direita». Enganou-se: o PS nada ganhou com isso, e ele ainda menos.

Teve a paga adequada, expressa nos boletins de voto. É o primeiro presidente do parlamento que falha uma reeleição.

Ventura atira-se agora a ele, no estilo que o caracteriza. Confirmando assim um velho adágio: gratidão é virtude inexistente na política. 

Devia mandar-lhe, no mínimo, um cartãozinho de reconhecimento pelos serviços prestados. Fica-lhe mal não fazer isso.

 

Leitura complementar: Doze mil quilómetros já em pré-campanha.

Inaceitável

Pedro Correia, 18.03.24

Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto adora falar às comunidades portuguesas no estrangeiro, marimbou-se para o voto dos nossos emigrantes - este ano superior a qualquer outro em legislativas. Prova? Decidiu receber todos os partidos em Belém sem estes votos dos círculos eleitorais da Europa e de outras partes do mundo estarem contados, queimando etapas. E desprezando assim os compatriotas que vivem lá fora, incluindo três colegas nossos, também autores do DELITO: é como se as opções eleitorais deles não contassem.

Obviamente inaceitável, este comportamento do Presidente. 

Reflexão do dia

Pedro Correia, 16.03.24

«A espantosa ideia do BE e do Livre de tentar unir a esquerda numa frente comum anti-AD e IL é uma espécie de associação de lesados da velha democracia. Para quê? Se não é para governar, a ideia é absurda, sobretudo para o PS, caso ainda esteja interessado em fazê-lo na próxima década.

Qualquer alma no PS deveria perceber isto. À sua esquerda ninguém quer que o PS alguma vez supere os 30%. Querem criar um bloco onde as ideias mais puras impeçam qualquer ponte com o PSD. Em rigor, os náufragos da esquerda querem juntar-se para tentar acelerar o abraço do PSD e do Chega. Boa sorte com a brilhante "estratégia" de ver quem vai primeiro ao fundo.»

 

Ricardo Costa, no Expresso de ontem

Bilhete para amigos socialistas

Pedro Correia, 13.03.24

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A campanha ficou para trás. Gostava de saber, portanto, que balanço fazem hoje da forma como António Costa conduziu o governo nos últimos dois anos.

Depois de ter desperdiçado, de forma absolutamente incompetente e leviana, uma confortável maioria absoluta no parlamento e exibido ao país um governo atascado em escândalos de onde todos os meses ia saindo alguém. Depois de ter instalado o caos no "estado social" (saúde, educação, habitação, justiça). Depois de ter contribuído para o aumento exponencial da direita mais radical e populista. Depois de ter engordado o Chega, dando-lhe palco e protagonismo em cada sessão parlamentar, com a óbvia intenção de neutralizar a direita moderada. O tiro saiu pela culatra.

 

Como se sentem hoje, sabendo que o PS perdeu um terço dos deputados e 12 pontos percentuais nas eleições mais participadas deste século?

Continuarão incapazes de abrir os olhos para a realidade mesmo após esta derrota inapelável?

 

Segundo partido mais envelhecido de Portugal, o PS começa a parecer o PCP de há 30 anos: em cada desaire eleitoral, os comunistas proclamavam sempre vitória. Hoje têm apenas quatro deputados (em 230), desapareceram do Alentejo e até na emblemática freguesia de Baleizão são agora derrotados.

Tudo começou assim. Pela recusa de encararem os factos de frente. Pela recusa em se adaptarem aos ventos da História.

 

Muita coisa mudou no dia 10. Começando pela rebelião em larga escala dos eleitores entre os 18 e os 34 anos - fartos de se sentirem marginalizados e empurrados para a emigração - contra um Executivo que governou só a pensar em reformados e pensionistas por estar convicto de que «os jovens não votam».

Enganou-se redondamente: desta vez votaram. E não deixaram lugar a dúvidas.

Reflictam bem, amigos socialistas. Antes de começarem já com manobras tácticas de bastidores para regressarem tão cedo quanto possível ao poder, onde estiveram em 21 dos últimos 28 anos. O que seria um novo erro. Demonstraria que nada aprenderam com a dura derrota de domingo.

Trinta razões para a dura derrota do PS

Pedro Correia, 12.03.24

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62% tem dificuldade em pagar a casa.

30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do país.

20% dos médicos recém-formados já nem querem entrar no SNS.

251 mil portugueses obrigados a ter dois empregos.

513 mil em privação material e social severa, 241 mil sem alimentação adequada.

42 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina.

Cabaz de bens alimentares essenciais aumenta 50 euros em dois anos.

Caos no ex-SEF deixa fronteiras em perigo.

Desemprego jovem: Portugal com 23,1%.

Desemprego jovem 3,5 vezes superior ao geral.

Despesas com habitação duplicaram em duas décadas.

Dívidas dos hospitais públicos aos fornecedores privados atingem 2,3 mil milhões de euros.

Doentes com cancro esperam quase um mês para entrar no hospital.

Endividamento das famílias quadruplica face a 2015.

Ensino: provas mostram resultados desastrosos.

Greves da CP em 2023: mais de 30 mil comboios suprimidos.

Investimento público: 6,6 mil milhões de euros por investir desde 2016.

Militares ameaçam sair à rua se polícias tiverem aumentos.

Pedidos de despejo aumentam 17%, a maioria por incumprimento.

Pobreza aumentou no ano passado em Portugal.

Poder de compra dos portugueses estagnou nos últimos cinco anos.

Professores contratados continuam sem salários actualizados.

Quase 70% dos trabalhadores ganham menos de mil euros.

Rendimento das famílias não permite comprar casa em 263 dos 308 concelhos.

Rendimento real das famílias em queda.

Salários de médicos especialistas: terceiros mais baixos da OCDE.

SNS: 20 mil profissionais rescindiram em cinco anos.

Taxas e multas dão 2 mil milhões ao Estado em seis meses.

Todos os dias faltam em média 11 mil professores nas escolas portuguesas.

Um em cada dez trabalhadores está em risco de pobreza.

Perdeu o controlo

Pedro Correia, 11.03.24

Parafraseando o Luís Paixão Martins noutro contexto e noutra circunstância, o PS «perdeu o controlo da narrativa».

É verdade. Mas não é só uma questão de narrativa. Eu diria mais, analisando a segunda derrota eleitoral dos socialistas no ano em curso: ao optar por governar como se só existissem reformados e pensionistas em Portugal, o PS perdeu o contacto com as novas gerações.

Perdendo o contacto, também perdeu o voto. As coisas são o que são.

Os pupilos do professor Marcelo

Legislativas 2024 (20)

Pedro Correia, 08.03.24

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A campanha eleitoral termina hoje com bastante especulação, muito compreensível, sobre quem vencerá as legislativas. Mas uma coisa é certa: o jornalismo sai derrotado. Houve cedências crescentes e até chocantes ao infotainment - promíscua amálgama de informação com entertenimento, transformando as redacções em sociedades recreativas. Sobretudo na televisão.

Dúzias de jornalistas recriam-se como figurantes da política enquanto reality show. Procurando a notícia na rua, durante o dia, e encerrando-se à noite nos estúdios, investidos em comentadores do que haviam descrito horas antes - com o bitaite típico da conversa de café a roubar cada vez mais tempo, espaço e protagonismo à reportagem. Vários deles imitando velhos mestres-escola, distribuindo notas. Como pupilos do professor Marcelo, que inaugurou esta frívola modalidade de avaliação política há mais de 30 anos na TSF.

Confesso que abri a boca de espanto ao ver um deles, que sempre considerei um dos melhores repórteres portugueses, também reduzido agora à condição de avaliador numérico. Enquanto uma excelente repórter, que já cobriu guerras e outras calamidades em paragens longínquas, desperdiçava o talento com questionários aos líderes partidários mais próprios das revistas cor-de-rosa. Eis uma das perguntas: «Quando foi a última vez que escreveu uma carta de amor?»

 

Sim, o jornalismo sai derrotado desta campanha. Por culpa própria: anda há anos a esforçar-se muito para se tornar irrelevante. Assim não admira que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tenham recusado dar entrevistas ao Expresso, considerado o mais influente jornal português. Preferiram exibir-se perante a Cristina Ferreira nas manhãs da TVI ou marcar presença no programa humorístico do Ricardo Araújo Pereira nos serões da SIC. Faz sentido: se a cobertura jornalística adopta a lógica do reality show, siga-se o original em vez da cópia.

Pior ainda quando o modelo dos debates decalca o dos programas de bola, cheios de palpiteiros de cachecol clubístico, imitando claques de futebol. Sem o menor esforço de isenção, rigor, equidistância, frieza analítica, argumento racional: o que importa é exibir o emblema partidário.

O apogeu do ridículo talvez tenha sido esta nota 8 (em dez) atribuída quarta-feira por Ana Gomes na SIC-N ao candidato que entusiasticamente apoia enquanto aplicava ao candidato rival um metafórico pontapé nos fundilhos, brindando-o com implacável nota zero. 

É salutar que as pessoas estejam cada vez mais distantes destes alegados espaços informativos que nada têm a ver com jornalismo. Estou com elas. Se as opções à escolha forem Ana Gomes e Cristina Ferreira, não hesito um segundo em votar nesta. 

Até parece que o PS vem da oposição

Legislativas 2024 (19)

Pedro Correia, 07.03.24

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Quem tivesse chegado agora dos antípodas e espreitasse a campanha para as legislativas de domingo sem fazer a menor ideia do que aconteceu na última década da política portuguesa, jamais imaginaria que o PS está no governo desde 2015. É raro o dia que passa sem um anúncio de Pedro Nuno Santos sobre novas medidas que se diz disposto a aplicar caso saia vencedor.

Versão actualizada do célebre "bacalhau a pataco" da I República.

Esta semana, por exemplo, já ouvimos o secretário-geral socialista declarar que tenciona «acabar com todas as propinas nas universidades» e «reduzir os horários de trabalho» para garantir às pessoas maior conciliação com a vida familiar. Semanas atrás, prometera acabar com as portagens em pelo menos cinco auto-estradas: A4, A22, A23, A24 e A25. Um pouco antes, saíra em defesa da recuperação integral do tempo de serviço dos professores - medida contra a qual votou enquanto deputado.

Temas idílicos, ao jeito de solo de violino bem apropriado aos púlpitos da campanha nesta época de caça ao voto. Mas com um senão: são anunciados por alguém que exerceu funções governativas em sete dos mais recentes oito anos. Pedro Nuno Santos e o seu partido - que governou desde 2022 com maioria absoluta - tiveram condições de sobra para pôr em prática tudo isto e muito mais.

Só apetece perguntar por que motivo o não fizeram.

Coisa chata: Marcelo votou sem reflectir

Legislativas 2024 (18)

Pedro Correia, 06.03.24

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Foto: José Sena Goulão / Lusa

 

Não imagino como é que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu exercer o direito ao voto antecipado, nas legislativas marcadas para 10 de Março, prescindindo do "dia de reflexão" obrigatório, fixado na lei eleitoral vigente desde 1975. Tão obrigatório que está prevista pena de «prisão até seis meses» a quem se atrever, nesse tal dia e na própria data do sufrágio, a apelar ao voto no partido X ou na coligação Y.

Aberração que se mantém, meio século após o 25 de Abril.

Marcelo, sempre impaciente, não quis esperar. Votou antes, no passado domingo. Aparentemente sem reflectir - tal como fizeram mais 208 mil portugueses. Dispensando o tal "dia obrigatório" durante o qual está vedado às formações partidárias o apelo directo ao voto. Apesar de na véspera desse 3 de Março ter havido campanha, propaganda, arruadas, súplicas sem fim a votar em tudo e mais alguma coisa. 

Exemplo evidente de desajustamento entre a lei e a realidade. Outro que perdura. Apesar dos apelos já feitos pelo próprio Presidente da República para extinguir o famigerado dia obrigatório e compulsivo - resquício da era analógica neste milénio digital. Eleição após eleição, os políticos persistem em manter isto inalterado. Enquanto o mundo vai girando, indiferente aos anacronismos legais de um país que parece congelado no tempo.

 

Leitura complementar: Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha

Podem chamar-lhe Lei Costa ou Lei Santos

Legislativas 2024 (17)

Pedro Correia, 05.03.24

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Sempre que na campanha em curso ocorre qualquer debate sobre questões da habitação (um dos problemas que mais se agravaram durante a governação socialista), vejo alusões à chamada "Lei Cristas", que em 2012 introduziu profundas alterações ao regime legal do arrendamento em Portugal. Já lá vão 12 anos.

Lamento desiludir muito boa gente, mas não há "Lei Cristas". Existe, sim, a Lei Costa. Após mais de oito anos de vigência consecutiva de governos do PS mantendo tal diploma inalterado no essencial, tornou-se Lei Costa de pleno direito.

Quem preferir poderá chamar-lhe Lei Santos, pois o actual secretário-geral do PS deteve o pelouro da habitação no elenco governativo entre Fevereiro de 2019 e Janeiro de 2023. Quatro anos é muito tempo. Merece ver tal lei crismada com o nome dele também.

Não precisa

Legislativas 2024 (15)

Pedro Correia, 02.03.24

Da defesa dos operários à protecção das focas: eis como Costa domou a esquerda

Legislativas 2024 (13)

Pedro Correia, 29.02.24

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Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.

Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?

 

Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.

Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.

 

Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.

Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.