Indo direito ao assunto
Dois vencedores, dois derrotados
Vencedores
André Ventura e Rui Tavares.
Derrotados
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.
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Vencedores
André Ventura e Rui Tavares.
Derrotados
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa.
Isto foi um golpe baixo: Sócrates, ao revelar em quem tinha votado, facilitou a vida à Aliança Democrática. Montenegro pode agradecer-lhe este contributo para o resultado.
O meu contributo para esta jornada de ponderação do voto nas legislativas de amanhã. Trinta tópicos com a etiqueta Legado.
A campanha eleitoral termina hoje com bastante especulação, muito compreensível, sobre quem vencerá as legislativas. Mas uma coisa é certa: o jornalismo sai derrotado. Houve cedências crescentes e até chocantes ao infotainment - promíscua amálgama de informação com entertenimento, transformando as redacções em sociedades recreativas. Sobretudo na televisão.
Dúzias de jornalistas recriam-se como figurantes da política enquanto reality show. Procurando a notícia na rua, durante o dia, e encerrando-se à noite nos estúdios, investidos em comentadores do que haviam descrito horas antes - com o bitaite típico da conversa de café a roubar cada vez mais tempo, espaço e protagonismo à reportagem. Vários deles imitando velhos mestres-escola, distribuindo notas. Como pupilos do professor Marcelo, que inaugurou esta frívola modalidade de avaliação política há mais de 30 anos na TSF.
Confesso que abri a boca de espanto ao ver um deles, que sempre considerei um dos melhores repórteres portugueses, também reduzido agora à condição de avaliador numérico. Enquanto uma excelente repórter, que já cobriu guerras e outras calamidades em paragens longínquas, desperdiçava o talento com questionários aos líderes partidários mais próprios das revistas cor-de-rosa. Eis uma das perguntas: «Quando foi a última vez que escreveu uma carta de amor?»
Sim, o jornalismo sai derrotado desta campanha. Por culpa própria: anda há anos a esforçar-se muito para se tornar irrelevante. Assim não admira que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos tenham recusado dar entrevistas ao Expresso, considerado o mais influente jornal português. Preferiram exibir-se perante a Cristina Ferreira nas manhãs da TVI ou marcar presença no programa humorístico do Ricardo Araújo Pereira nos serões da SIC. Faz sentido: se a cobertura jornalística adopta a lógica do reality show, siga-se o original em vez da cópia.
Pior ainda quando o modelo dos debates decalca o dos programas de bola, cheios de palpiteiros de cachecol clubístico, imitando claques de futebol. Sem o menor esforço de isenção, rigor, equidistância, frieza analítica, argumento racional: o que importa é exibir o emblema partidário.
O apogeu do ridículo talvez tenha sido esta nota 8 (em dez) atribuída quarta-feira por Ana Gomes na SIC-N ao candidato que entusiasticamente apoia enquanto aplicava ao candidato rival um metafórico pontapé nos fundilhos, brindando-o com implacável nota zero.
É salutar que as pessoas estejam cada vez mais distantes destes alegados espaços informativos que nada têm a ver com jornalismo. Estou com elas. Se as opções à escolha forem Ana Gomes e Cristina Ferreira, não hesito um segundo em votar nesta.
Quem tivesse chegado agora dos antípodas e espreitasse a campanha para as legislativas de domingo sem fazer a menor ideia do que aconteceu na última década da política portuguesa, jamais imaginaria que o PS está no governo desde 2015. É raro o dia que passa sem um anúncio de Pedro Nuno Santos sobre novas medidas que se diz disposto a aplicar caso saia vencedor.
Versão actualizada do célebre "bacalhau a pataco" da I República.
Esta semana, por exemplo, já ouvimos o secretário-geral socialista declarar que tenciona «acabar com todas as propinas nas universidades» e «reduzir os horários de trabalho» para garantir às pessoas maior conciliação com a vida familiar. Semanas atrás, prometera acabar com as portagens em pelo menos cinco auto-estradas: A4, A22, A23, A24 e A25. Um pouco antes, saíra em defesa da recuperação integral do tempo de serviço dos professores - medida contra a qual votou enquanto deputado.
Temas idílicos, ao jeito de solo de violino bem apropriado aos púlpitos da campanha nesta época de caça ao voto. Mas com um senão: são anunciados por alguém que exerceu funções governativas em sete dos mais recentes oito anos. Pedro Nuno Santos e o seu partido - que governou desde 2022 com maioria absoluta - tiveram condições de sobra para pôr em prática tudo isto e muito mais.
Só apetece perguntar por que motivo o não fizeram.
Foto: José Sena Goulão / Lusa
Não imagino como é que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu exercer o direito ao voto antecipado, nas legislativas marcadas para 10 de Março, prescindindo do "dia de reflexão" obrigatório, fixado na lei eleitoral vigente desde 1975. Tão obrigatório que está prevista pena de «prisão até seis meses» a quem se atrever, nesse tal dia e na própria data do sufrágio, a apelar ao voto no partido X ou na coligação Y.
Aberração que se mantém, meio século após o 25 de Abril.
Marcelo, sempre impaciente, não quis esperar. Votou antes, no passado domingo. Aparentemente sem reflectir - tal como fizeram mais 208 mil portugueses. Dispensando o tal "dia obrigatório" durante o qual está vedado às formações partidárias o apelo directo ao voto. Apesar de na véspera desse 3 de Março ter havido campanha, propaganda, arruadas, súplicas sem fim a votar em tudo e mais alguma coisa.
Exemplo evidente de desajustamento entre a lei e a realidade. Outro que perdura. Apesar dos apelos já feitos pelo próprio Presidente da República para extinguir o famigerado dia obrigatório e compulsivo - resquício da era analógica neste milénio digital. Eleição após eleição, os políticos persistem em manter isto inalterado. Enquanto o mundo vai girando, indiferente aos anacronismos legais de um país que parece congelado no tempo.
Leitura complementar: Hoje é aquele dia em que o Papá Estado nos impõe a lei da rolha
Sempre que na campanha em curso ocorre qualquer debate sobre questões da habitação (um dos problemas que mais se agravaram durante a governação socialista), vejo alusões à chamada "Lei Cristas", que em 2012 introduziu profundas alterações ao regime legal do arrendamento em Portugal. Já lá vão 12 anos.
Lamento desiludir muito boa gente, mas não há "Lei Cristas". Existe, sim, a Lei Costa. Após mais de oito anos de vigência consecutiva de governos do PS mantendo tal diploma inalterado no essencial, tornou-se Lei Costa de pleno direito.
Quem preferir poderá chamar-lhe Lei Santos, pois o actual secretário-geral do PS deteve o pelouro da habitação no elenco governativo entre Fevereiro de 2019 e Janeiro de 2023. Quatro anos é muito tempo. Merece ver tal lei crismada com o nome dele também.
«Se formos ao tema central [economia], o PS ganha porque tem melhores resultados e melhor perfomance económica e medidas, apesar de tudo, minimamente razoáveis.»
Pacheco Pereira, ainda filiado no PSD, ontem na CNNP. A uma semana das legislativas
Nuno Melo, ontem, em Santa Maria da Feira:
Com aliados destes, Montenegro não precisa de inimigos.
Lamento desconhecer o nome do autor desta excelente imagem, para mim a melhor da campanha eleitoral para as legislativas do próximo dia 10. Fotojornalismo é isto.
Não sei se mais alguém pensa como eu. Mas achei louvável a intervenção do candidato do MRPP no debate organizado pela RTP com os representes dos pequenos partidos. Não pelas ideias, claro: são mais antigas do que o animatógrafo, a grafonola, o hidroavião e o zepelim. Mas pela sinceridade: vê-lo defender abertamente «uma sociedade comunista» revela-nos, por contraste, até que ponto o PCP se tornou reformista, longe de qualquer ideal revolucionário.
Há quanto tempo não ouvimos um secretário-geral deste partido advogar os dogmas do marxismo-leninismo? É possível um verdadeiro comunista votar seis orçamentos do Estado em estrita obediência às normas do pacto de estabilidade e aplaudir a maior contracção do investimento público registada na democracia portuguesa, como aconteceu durante a geringonça?
Há muito que o PCP deixou de amedrontar as "classes dominantes": tornou-se um partido fofo, respeitador da moral burguesa e dos bons costumes. Isto explica-se, em parte, por já não ser acossado pela defunta "esquerda radical" que se acoitava sob a bandeira do BE: Catarina Martins deu uma guinada ao Bloco, tornando-o num movimento "eco-socialista", quase pós-ideológico, new age. Chegou até a intitulá-lo «social-democrata». Por muito que isso incomode os professores Francisco Louçã e Fernando Rosas, a "renegociação da dívida" e a saída de Portugal do sistema monetário europeu deixaram de figurar entre as proclamações bloquistas, hoje mais embaladas por jazz de hotel do que pelos estridentes acordes d' A Internacional.
Música para os ouvidos do PS, que nestes oito anos reduziu os partidos à sua esquerda a caricaturas de si próprios. Enquanto seduzia a classe média com duas percepções dominantes: contas certas e ordem nas ruas.
Esquerda radical neutralizada: eis o grande contributo de António Costa para sedimentar o regime instaurado com a Constituição de 1976, alterando-lhe o eixo dominante ao leme de um partido socialista que há muito deixou de o ser.
Os antigos pregoeiros da revolução andam hoje mais preocupados com a extinção das focas do que com a extinção da classe operária. Quem ainda sonhar com a insurreição comunista pode sempre votar no MRPP.
Nada mais conveniente, para os partidos com fraquíssima representação parlamentar, do que integrar manifestações alheias para aparecerem na fotografia, fingindo que os poucos afinal são muitos. Consultar a agenda diária de manifestações e colar-se a elas: eis uma forma fácil e expedita de fazer política.
Nestes dias iniciais de campanha eleitoral das legislativas de 2024 o campeão desta chico-espertice tem sido Rui Tavares. No sábado conseguiu aparecer um par de vezes nos telediários integrando-se em duas concentrações populares em Lisboa: uma no Rossio, de repúdio pelos dois anos de agressão da Rússia à Ucrânia; outra na marcha contra o racismo e a xenofobia, na Alameda D. Afonso Henriques.
Exibiu-se em qualquer dos eventos, transmitindo assim a mensagem subliminar de que toda aquela gente apoia o Livre.
A mesma táctica tem vindo a ser seguida por dois outros partidos muito carentes de votos: o PCP e o Bloco de Esquerda.
Aproveitando um protesto dos trabalhadores da empresa multinacional Teleperfomance, também em Lisboa, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua surgiram na primeira fila. Com a certeza de que picariam o ponto nos noticiários da noite.
O secretário-geral do PCP lá se ajeitou com o megafone para debitar banalidades, proclamando-se «solidário» com os trabalhadores. A porta-voz do Bloco nem necessitou de megafone, sem ficar atrás do comunista ali na caça ao voto.
A diligente repórter da RTP deu uma ajudinha. Dizendo isto: «Porque é ao lado dos trabalhadores que o Bloco quer estar.» Enquanto mostrava a bloquista enxugando uma furtiva lágrima de comoção. E culminou a peça desta forma: «Atenta às questões dos trabalhadores, Mariana Mortágua promete que as condições dignas de trabalho vão estar num entendimento à esquerda pós-eleições.»
Linguagem carregada de tintas épicas: pedia sonorização a condizer. Pena não se terem escutado os acordes d' A Internacional. Até a mim daria vontade de chorar.
A campanha eleitoral já está "na estrada", como se diz em jargão jornalístico - que abrange expressões papagueadas até à náusea, como "bala de prata" ou "elefante na sala". Logo transitam de liberdade poética para insuportável lugar-comum.
Fixo-me na caravana socialista. Teve como estrela principal, na primeira noite, o presidente da Câmara de Sintra. Como orador em Viseu. O que fará este autarca tão longe do seu habitual raio de acção? Terá ido explicar aos viseenses por que motivo o novo hospital de Sintra, por ele prometido nas eleições de 2016, ainda não foi inaugurado oito anos depois?
Nada disso. Basílio Horta subiu ao palco para arengar contra "a direita". Nem de outra forma poderia ser astro convidado na campanha do PS.
Fez «críticas a Montenegro» e garantiu que o «PSD está refém do Chega», como rezam os oráculos dos canais televisivos.
Vejo isto com ironia, não consigo evitar. Porque a minha memória de campanhas eleitorais é já longa. Este mesmo Basílio Horta, vindo dos "promissores quadros" do caetanismo, integrou a Comissão Central da União Nacional em 1969, iniciando-se na democracia como secretário-geral do CDS. E enfrentou nas presidenciais de 1991, com votos da ultra-direita, o fundador do PS. Esse mesmo, Mário Soares, que ele desancou num célebre debate televisivo a propósito de Macau.
As voltas que a vida dá para quem tem estômago de betão. Capaz de digerir seja o que for.
Ando muito desactualizado. Noutros tempos o MRPP era uma força de vanguarda contra o social-imperialismo soviético e contribuiu para travar o passo à sucursal portuguesa do Partido Comunista da URSS.
Agora o MRPP-Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses tem um líder que aplaude a criminosa invasão da Ucrânia, comportando-se como súbdito do czar Putin e vassalo da plutocracia russa. Em vez de condenar duramente aquele execrável expansionismo, digno de potência imperial com direito de pernada sobre os povos vizinhos, vem justificá-la. Anteontem, num debate na RTP, entoou hossanas à actualização da doutrina da "soberania limitada" dos anos Brejnev que esmagou as insurreições na Checoslováquia e na Polónia.
«A guerra da Ucrânia é uma guerra civil. Uma parte substancial do lado russo são ucranianos. (...) Porque é que boicotamos a Rússia? Porque é que deixámos de comprar gás à Rússia? Há uma consequência na inflação», disse o primeiro candidato por Lisboa deste partido da extrema-esquerda. Qualquer amanuense do ministério russo dos Negócios Estrangeiros bolçaria coisa semelhante.
O antifascismo já não é o que era. E o anti-social-fascismo também não.
- Não está preparado para governar o país.
- Estou preparadíssimo.
- Mas não parece! Não parece... desculpe lá que lhe diga. Não parece.
(...)
- Falhou! Você diz que faz, mas não faz.
- Ai faço, faço! Você é que não sabe o que é fazer, não sabe o que é governar.
- Sei, sei.
- Não sabe. Nunca governou! Nem num gabinete esteve. Não sabe a dificuldade de tomar decisões, de avançar. Isso não sabe.
- O Pedro Nuno Santos é que esteve mal como ministro. O que fará como primeiro-ministro...
- Não, não estive. Tenho resultados para apresentar!
- Esteve muito mal. Habitação, infraestruturas, o aeroporto... O nosso plano fiscal não é nenhuma aventura...
- É aventura, é! Irresponsabilidade mesmo. Nunca vai conseguir cumprir.
- ... incremento económico. O PS tem uma voracidade fiscal completa, nunca está satisfeito...
- Qual voracidade? Qual voracidade?
- ... foram e são hoje um bloqueio ao crescimento económico...
- Qual bloqueio? O investimento estrangeiro é hoje 70% do PIB.
- ... os nossos profissionais estão a procurar oportunidades no estrangeiro porque não têm aqui o rendimento... Estamos a perder na competição com os países que concorrem connosco.
- Estamos a crescer mais! Somos o país que cresceu mais.
(...)
- Ó Pedro Nuno Santos, olhe, estou muito melhor preparado do que o Pedro Nuno Santos, muito melhor preparado.
- Está, está...
- Fale verdade! Fale verdade!
- Não se viu hoje, não se viu hoje. Hoje falhou. Hoje correu mal. Hoje não correu bem, não é? Hoje não correu bem.
- Fale verdade, fale verdade, não crie falsas expectativas. Quero cumprir os meus compromissos, tudo o contrário do que o senhor e os seus colegas de governo fizeram nos últimos...
(...)
- Oiça! Está nervoso?
- Não estou nada nervoso!
- Então oiça, não me interrompa.
- Não insista na mentira.
- Oiça! Quer ouvir ou não? É que não é mentira, não é mentira.
Rui Rio estava sabiamente remetido ao silêncio há largos meses. Lembrou-se agora de falar: não para criticar o PS mas para propor um "pacto" entre o PSD e o PS. Em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas de Março, quando o PSD estabeleceu como prioridade total desalojar o PS do poder que ocupa há mais de oito anos. Parece uma rábula do Ricardo Araújo Pereira.
Continua como antes: nada beneficiou com o retiro sabático. Não tem emenda.
Os debates, num registo frente-a-frente, têm sido entre líderes de partidos. Mas certos jornalistas que deviam moderá-los, em vez de se apagarem o mais possível, procuram concorrer com os políticos em fome de palco. Fazendo lembrar aqueles árbitros que roubam protagonismo aos jogadores em partidas de futebol exibindo cartões de várias cores a torto e a direito enquanto apitam a cada 30 segundos. Numa tentativa desesperada de serem o centro das atenções.
Infelizmente isto não acontece só nos estádios: passa-se o mesmo nos estúdios. Na segunda-feira de Carnaval, na RTP, o moderador do debate entre Luís Montenegro e André Ventura fez tudo para se evidenciar. E, de algum modo, concretizou o objectivo: naqueles 39 minutos conseguiu interromper 121 vezes os candidatos! Quase em partes iguais, com o presidente do PSD a ver as suas frases 61 vezes cortadas por João Adelino Faria, enquanto o mesmo sucedeu 60 vezes ao presidente do Chega.
«Quando estamos os três a falar, ninguém nos ouve», lamentou a certa altura o pivô da RTP. Num involuntário exercício de autocrítica, pois era incapaz de se calar enquanto os dois políticos se confrontavam.
«Temos muito pouco tempo», foi outra das suas frases, dignas de cronometrista. Além da bengala verbal «muito bem» que já se transformou numa espécie de senha no canal público de televisão. É raro o jornalista que ali não usa e abusa dela, mesmo totalmente fora de contexto. Já ouvi alguns dizerem «muito bem» até quando se fala de guerras, massacres, catástrofes climáticas ou epidemias. Vale para tudo.
Quanto ao debate em si, nos escassos momentos em que Faria deixou os participantes completarem três frases, a ideia dominante foi esta: o Chega funciona como aliado objectivo do PS. Daí ter sido eleito, durante toda a legislatura que agora termina, como interlocutor preferencial de António Costa nos confrontos parlamentares - imitando o precedente inaugurado em França, na década de 80, pelo socialista François Mitterrand com a ultra-direita de Jean Marie Le Pen.
Os socialistas, cá como lá, alimentaram o ovo da serpente. Na expectativa de assim neutralizarem a direita moderada, sua rival directa nas urnas. Em França, o tiro saiu-lhes pela culatra: o Reagrupamento Nacional, liderado pela filha de Le Pen, tem hoje 89 deputados na Assembleia Nacional enquanto o PSF não conseguiu eleger mais do que 24, entre 577 lugares, nas legislativas de 2022. Tornou-se um partido irrelevante.
Neste confronto na RTP, Montenegro fez o que lhe competia. Desmascarando a irresponsabilidade do Chega, que exige agora o direito à filiação partidária e o direito à greve aos elementos das forças de segurança sem avaliar as consequências do que propõe. E esclareceu que só as 13 medidas mais emblemáticas do pacote de promessas eleitorais do partido da direita populista custariam cerca de 25,5 mil milhões de euros se fossem postas em prática - o equivalente a 9% do PIB anual português.
Contas que aparentemente Ventura não fez: embatucou ao ouvir isto, ficando sem resposta.
Argumentou como? À maneira dele: com insultos.
Acusou o PSD de «traição», de «espezinhar as forças de segurança», de «enganar os pensionistas há 50 anos», de ser «uma prostituta política». Montenegro, para ele, é «o idiota útil da esquerda» - representante «de um sistema que nos tem dado corrupção, tachos e bandidos à solta».
Eis o caudilho do Chega, uma vez mais, a funcionar como guarda avançada do PS. Nem lhe passaria pela cabeça chamar alguma vez «prostituta política» a António Costa...
Ventura berra tudo quanto for preciso para gerar títulos na imprensa e cliques nas redes sociais. Mesmo baixando cada vez mais o nível. Comparado com ele, o Tino de Rans faz figura de estadista.
Este debate confirmou que há sérios problemas de governabilidade à direita com o líder do Chega em cena. À esquerda, ninguém imagina uma peixeirada destas entre Mariana Mortágua, Paulo Raimundo e Pedro Nuno Santos.
Montenegro nunca governará com quem lhe chama idiota e traidor, nem se coligará com quem acusa o PSD de prostituição política. Há limites para tudo. De algum modo, beneficiou com a estridência insultuosa de Ventura: atraiu votos moderados, separando as águas. «Muito bem», como diria João Adelino Faria pela enésima vez, repetindo a bengala verbal tão em voga na RTP.
Expresso, 30 de Dezembro de 2021
Expresso, 28 de Janeiro de 2022
Vamos passar mais uma campanha eleitoral a ouvir falar de sondagens. De manhã à noite, de forma seguidista. Sem nunca haver uma perspectiva crítica destas pesquisas de opinião que induzem tanta gente em erro e espalham desinformação. Com base em amostras muito reduzidas e pouco representativas dos eleitores, talvez porque o dinheiro para as pagar não dê para mais.
Voltou a acontecer, na recente eleição para a Assembleia Regional dos Açores, no passado domingo. Quatro dias antes, a 31 de Janeiro, uma sondagem da Universidade Católica divulgada em parangonas por dois meios de informação estatais (RTP-Antena 1) e pelo jornal Público atribuía a vitória nos Açores ao PS, com 39%, seguindo-se a coligação liderada pelo PSD, com 36%.
Acertou? Nem por sombras. Tiro ao lado, uma vez mais - desta vez com desvio de 9 pontos percentuais nas duas principais forças políticas, invertendo a ordem em que ficaram. O PS perdeu, não ganhou: teve 36% - menos 3 pontos do que a sondagem indicara. E a coligação encabeçada pelo PSD não foi derrotada: subiu mais 6 pontos do que a Católica tinha previsto, alcançando 42%.
Um fracasso quase tão clamoroso como o da sondagem do ISCTE para o Expresso que em 28 de Janeiro de 2022, dois dias antes das legislativas que deram vitória a António Costa por maioria absoluta contra Rui Rio, vaticinavam "empate técnico" entre socialistas e sociais-democratas: 35% para as rosas, 33% para as laranjas.
Não aconteceu nada disto, como sabemos. O PS triunfou por quase 14 pontos percentuais de diferença: 41,4% contra 27,7%. Desmentindo em toda a linha o que ficara escrito não apenas na manchete do semanário publicada 48 horas antes do escrutínio, mas também outra, divulgada a 30 de Dezembro.
«Com a passagem dos anos de hipervalorização mediática dos estudos de opinião, fui ganhando a consciência de que sobre os mesmos não se exerce um módico de reflexão jornalística. Quer sobre o resultado produzido, quer sobre a metodologia e, em especial, sobre o questionário.» Palavras oportunas de Luís Paixão Martins no seu livro Como Mentem as Sondagens.
Por mais que estas coisas sucedam, iremos continuar a ouvir horas e horas e horas de peroração nas pantalhas sobre sondagens como se fossem modelos de rigor. Mesmo quando feitas por empresas que já falharam em toda a linha.
Qualquer semelhança entre isto e jornalismo é mera coincidência. Deviam difundi-las em reality shows, não em telejornais.
Mariana Mortágua e Rui Tavares "debateram" ontem na SIC Notícias. Debate é força de expressão: parecia antes um rendez vous, tantas foram as miradas enternecidas que dirigiram um ao outro. E as frases plenas de concórdia, harmonia e fraternidade universal. Nem houve um sussurro crítico ao PS.
«Temos objectivos comuns», sublinhava o porta-voz do Livre. «Temos diagnósticos comuns», afiançava em coro a coordenadora do Bloco de Esquerda. Como se estes dois partidos pudessem fundir-se a qualquer momento.
Esperava-se um frente-a-frente, saiu um tête-à-tête. Sob o signo do Cupido, talvez por estar tão próximo o Dia dos Namorados. Entre Mariana Tavares e Rui Mortágua. Amor é cego e vê, como diz o verso da canção. Coisa mais linda não há.
Luís Montenegro tentou fazer-se representar no debate televisivo com a CDU por Nuno Melo, presidente do CDS, o segundo partido da coligação AD. Paulo Raimundo recusou de imediato a sugestão do social-democrata, acusando-o de fugir à discussão. O secretário-geral do PCP é inflexível: não tolera debater com um "número dois".
Perdeu excelente oportunidade de fazer avançar alguém do PEV, o partido-fantasma que integra a CDU com os comunistas. Coitada da Heloísa Apolónia: ainda não é desta que deixa de ser invisível.