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Delito de Opinião

Da irremediável decadência do francês

Pedro Correia, 19.01.23

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Ao ouvir ontem a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, falar durante grande parte da manhã numa comissão parlamentar em São Bento, confirmei esta evidência: o francês sofre um irremediável declínio.

A gestora é francesa, os deputados são portugueses, mas a senhora - incapaz de dominar o idioma de Camões - recorreu ao inglês. Podia ter-se expressado sem problema na sua língua materna, recorrendo aos competentes serviços de tradução simultânea da Assembleia da República, mas se calhar nem pensou nisso. Preferiu falar na "língua do império", com pronúncia muito questionável, presumindo - porventura cheia de razão - que à volta daquela mesa poucos seriam os deputados capazes de entendê-la sem recorrerem a intérpretes.

Em duas gerações, o francês - dominante na cultura e nos circuitos diplomáticos até meados do século XX - foi riscado do mapa linguístico corrente fora do perímetro dos países onde ainda é idioma oficial. Paradoxalmente, isto aconteceu a partir da data do seu suposto apogeu: a vaga revolucionária do Maio de 68. Que, partindo da esquerda mais radical, funcionou afinal como trampolim definitivo para a expansão da cultura norte-americana a nível planetário. Ao romper os cânones estabelecidos, deitou fora também os vetustos padrões gauleses que imperavam desde o Século das Luzes, começando pela língua, tornada obsoleta. Os próprios franceses a vão abandonando nos palcos internacionais.

E nós? Ainda não chegámos ao ponto de falar em inglês com a senhora francesa – foi ela quem teve de recorrer à tradução simultânea quando ontem os grupos parlamentares lhe formulavam perguntas. Mas à volta daquela mesa não faltou o jargão “amaricano” para designar cargos com designações consagradas na nossa língua. Abundaram as alusões ao “si-i-ou” e ao “chérman” da TAP, como se fôssemos micro-sucursal linguística do vasto império.

A questão é que somos mesmo. Desembocámos nisto.

Inverter Pessoa

João André, 06.05.16

Reflectindo sobre o post do Pedro, náo posso deixar de pensar que este acordo ortográfico é de facto a verdadeira geringonça do país. Não pela vertente técnica ou científica, sobre a qual não tenho competência para me pronunciar, mas pela vertente política.

 

À partida nada tenho contra uma reforma que elimine as vogais mudas da nossa ortografia. Qualquer reforma que torne a ortografia mais fonética simplificaria a língua sem que a tornasse menos subtil e rica. Não consigo pronunciar-me sobre as dificuldades ou objecções científicas de tal hipotética reforma (o Pedro avança algumas com os casos «Egito"/egípcio, "caráter"/característica ou "setor"/sectorial»), mas é difícil argumentar que uma completa opção pela simplificação da escrita não seria preferível. Pessoalmente teria dificuldade em a adoptar (tal como não adoto esta), pura e simplesmente porque aprendi a escrever a minha língua de uma determinada forma e demorará tempo até que pudesse escrever de forma natural de outra (da mesma forma que muita gente continuou a escrever pharmácia até ao fim da sua vida). As futuras gerações, no entanto, não teriam os mesmos problemas.

 

Só que essa seria uma reforma que teria de ter um aval científico. Na França, a língua é regulamentada por um organismo estatal (ou mandatado pelo Estado, como no passado a Académie Française). Na Alemanha é o Conselho para a Ortografia Alemã que assume o manto de guardiã da língua (ou, pelo menos, da sua ortografia). Em ambos os casos, as reformas promulgadas no passado foram contestadas e alvo de críticas (como provavelmente qualquer reforma o seria). No caso da reforma alemã de 1996, alguns dos aspectos mais polémicos foram retirados após oposição de vários agentes (nomeadamente o - deveria escrever a? - prestigiado Frankfurter Allgemeine Zeitung). Na França, as novas regras receberam oposição mas não foram, em geral, impostas e foi considerado que ambas as versões seriam correctas. A implementação das regras ficou a cargo de cada indivíduo ou organização, sendo as novas regras apenas recomendadas para funcionários públicos.

 

Já o Inglês segue o percurso oposto. É uma língua onde não há uma organização central que regule o seu uso e aplicação e que, como tal, se torna muito mais orgânica e fluida. Poderá dizer-se que neste caso a âncora da língua são as publicações mais veneradas, como o Diccionário da Língua Inglesa de Samuel Johnson, A História do Declínio e Queda do Império Romano de Edward Gibbon, as obras de William Shakespeare ou, fundamental, a Bíblia do Rei James (exemplos que já vi referidos no passado - outros poderiam ser citados). A partir daqui é possível encontrar variações na ortografia entre diversos países (o uso do "s" em Inglaterra e o "z" nos EUA, nomes terminados em "ough" em Inglaterra passam a terminar em "o" nos EUA, etc) mas também diferenças enormes na pronúncia de sons escritos da mesma forma em palavras diferentes ("ough", por exemplo em "tough" e "thorough", é o meu caso preferido).

 

Poderia argumentar-se que a penetração do Inglês demonstra a importância de não acorrentar a língua e a manter plástica, mas eu não subscrevo este ponto. Vejo o domínio do Inglês como o resultado das actuais situações geopolítica, geoestratégica e geoeconómica. No passado o Inglês já tinha demonstrava esta plasticidade e no entanto o domínio de línguas como o italiano, alemão ou françês demonstraram que a importância segue mais linhas sociais que normas (ou ausência delas) científicas.

 

Há ainda no Inglês um risco: ao permitir a sua evolução independente, não demorará a que o Inglês nos EUA seja ininteligível para os ingleses e vice versa (em muitos casos os norte-americanos já demonstram dificuldades em compreender os nativos do Reuno Unido). Mesmo dentro de um país tão vasto como os EUA, a evolução da língua poderá levar ao surgimento de não só dialectos como de línguas distintas.

 

Seja como for, isso estará no futuro. Para um estrangeiro, aprender uma língua como o Inglês é facilitado pela flexibilidade que eliminou elementos mais complexos. Já a normalização da língua como com o Alemão ou Francês, conforta quem a aprenda, por não se defrontar tão facilmente com múltiplas variações.

 

Em qualquer dos caso, há no entanto uma definição clara em favor da auscultação da audiência a quem a reforma (ou sua ausência) se destina. O Alemão e Francês surgiram de esforços escolásticos claros e permitiram ajustes e períodos de ajustamento. O Inglês nunca perdeu o seu carácter transiente e informal.

 

Impôr uma reforma administrativa sem grande lógica ou coerência científica (é o que percebo em relação a este acordo) e não admitir um período de nojo para a sua implementação e teste é o maior pecado que qualquer Estado pode cometer em relação à sua Língua. Pessoa escreveu que a sua pátria era a Língua Portuguesa: o Estado quer inverter a relação, tornando o Estado a pátria do portuguès. Isto, mais que a reforma em si, é o que me move contra o acordo.

In english, please

Ana Vidal, 22.03.13


Não vale a pena procurar razões sociológicas, antropológicas e afins para a total supremacia do inglês como língua universal. A explicação é óbvia e cabe inteirinha num simples aviso em voz-off, ouvido em qualquer carruagem de Metro.


Em inglês: "Mind the gap".
Em português: "Atenção ao intervalo entre o combóio e a plataforma".