Martim Moniz*
As fotografias da operação policial no Martim Moniz, partilhadas até ao enjoo, chocam.
Isto fez com que rapidamente se começassem a desenhar três campos: um que defende a operação policial naqueles termos, outro que pendura ao pescoço da iniciativa acusações de racismo e pulsões securitárias interesseiras do governo para secar o terreno natural do Chega, e o último, escassamente povoado, que entende que este género de operações é necessário, tem precedentes e é desejável que se repita, mas não nestes termos.
Por partes:
Há racismo? Os bairros e zonas que se distinguem pela criminalidade (assaltos, incluindo à mão armada, gangues, consumo e tráfico de droga, distúrbios sortidos, etc.) são invariavelmente pobres, desde logo porque aí residem imigrantes que estão na base da pirâmide dos salários e das profissões. Estes imigrantes são com frequência negros ou indostânicos e, na inexistência de estatísticas fiáveis porque, entre outras razões, há um interdito a fazer registos de crimes que considerem a etnia, cada qual alimenta o seu preconceito da maneira que melhor lhe apraza.
O crime de racismo é um desses modernos, importado dos EUA onde o problema existiu nas leis e nos costumes, e sobrevive agora no formato de fonds de commerce da esquerda para se confortar na sua imaginária superioridade moral e angariar clientelas eleitorais.
Seria bom que a legislação fosse clara e distinguisse as opiniões racistas (que, por abomináveis que sejam, são legítimas porque não se legisla o pensamento) das práticas racistas: uma coisa é achar que os seres com cor de pele ou formato dos olhos diferentes são tendencialmente inferiores e outra tratá-los como se tivessem menos direitos do que os restantes cidadãos. O legislador, ao não ser claro na distinção, abre a porta a que o berreiro da opinião pública infecte os tribunais e outros departamentos do Estado, que aplicam a lei com tanto menos certezas quanto mais elas são dúbias.
Um bom exemplo desta confusão mental é o crime de incitamento ao ódio e à violência (art.º 240.º do CPP), que é tratado em termos de tal modo amplos que atropelam o direito à livre expressão da opinião.
(A propósito, odeio comunistas por terem sido portadores das crenças mais destrutivas e mortíferas do séc. XX e ainda hoje defenderem os mesmos princípios que, ainda que recobertos com uma patine de actualização, quando levados à prática produzem os mesmos resultados. Em meu abono, tive e tenho amigos comunistas, por o ódio em abstracto a doutrinas e organizações deletérias não ter necessariamente que se traduzir em rejeições pessoais. E se não fosse o caso? Ai credo, que vinham aí os raios e coriscos daquele artigo).
E então, há racismo ou não há racismo? Tenho boas notícias: Não interessa. Porque a lei, que é cega e portanto não tem que tomar conhecimento das características físicas das vítimas, ocupa-se das agressões, violências, discriminações, danos e abusos praticados contra cidadãos. Se são pretos, mulatos, muçulmanos, brancos, ciganos ou Irmãos do Sagrado Coração de Maria, irreleva – ou deveria irrelevar.
Mesmo assim, estou convencido de que, se houvesse estatísticas fiáveis, se descobriria que certos tipos de crimes são mais prevalentes numas etnias que noutras. Mas que isso tem a ver com factores culturais e históricos, incluindo religiosos, e condições sociais, e nada com raças (conceito, aliás, de si discutível mas que me dá jeito utilizar neste contexto).
Por exemplo: A violência doméstica (outro crime da moda) é um adquirido nas comunidades muçulmanas, decorrente desde logo do estatuto de inferioridade da mulher; o casamento forçado de menores tem lugar, por exemplo, creio que frequentemente, nas ciganas; e a excisão genital feminina, uma violência sem nome, é vulgar em certas comunidades com essa tradição.
Parece que há uma iniciativa para uma “grande” manifestação no próximo dia 11, às 15H00, no Martim Moniz (hum, estou a ver que haverá um surto de absentismo no trabalho por parte dos visitantes e uma grande ausência dos residentes porque estão a trabalhar) sob o lema:
NÃO DEIXES QUE TE ENCOSTEM À PAREDE, MARCHA. CONTRA O RACISMO, CONTRA A XENOFOBIA, CONTRA O PRECONCEITO.
Folclore esquerdista? Claro. Racismo não houve, não apenas porque os brancos não foram discriminados positivamente (pelo contrário: os dois detidos são brancos) mas também porque estava presente pelo menos um magistrado do MP, segundo os jornais, decerto para garantir a legalidade dos procedimentos; a xenofobia é o outro nome da prudência, não apenas porque resolver os problemas dos deserdados do mundo, e portanto acolhê-los a todos sem critério, é uma receita para o desastre porque a identidade nacional, os costumes e as leis, podem começar e provavelmente já estão a ser esgarçados, o que, inevitavelmente, é o ninho de onde nascerão confrontos que é melhor evitar; e de preconceito estamos conversados, que cada um tem os seus e o direito de os ter.
Dizem vozes credíveis que rusgas deste tipo já houve avonde, e sempre em bairros ou lugares problemáticos mas sem manifestações das demências protestárias wokistas; que os moldes da sua aplicação não diferiram desta; e que tais rusgas tiveram lugar sob governos de esquerda sem que se levantassem 21 virtuosas personalidades em estado de grande ansiedade com o “ataque ao Estado Social e de Direito”.
E então, se é assim por que razão o terceiro grupo de que falava no segundo parágrafo me integra?
Um ponto prévio: É líquido que parte da comoção gerada por este caso tem a ver com o governo do dia e a existência do Chega, e portanto insere-se no escarcéu antigovernamental decorrente do facto de nem Montenegro nem o seu governo serem suficientemente esquerdistas.
Porém: fotografias chocantes como esta nunca tinha visto nenhuma, e comigo a esmagadora maioria das pessoas; o que se passa em Lisboa tem grande importância apenas para os locais, que se julgam o centro do país enquanto o resto dos habitantes julga que Portugal é o centro do mundo; não conheço bem Lisboa, e muito menos os bairros onde é melhor não ir à noite; e rusgas deste tipo acontecem vulgarmente lá fora, que se toma pela medida das coisas boas.
Boa esta não é: obrigar cidadãos a estar virados para a parede, com as mãos nela encostadas enquanto esperam uma revista, é uma humilhação que não apenas traduz uma intolerável relação de inferioridade para com as autoridades como desprezo pela dignidade da pessoa.
A segurança dos cidadãos (desde logo dos habitantes dos lugares problemáticos) é um valor essencial. Daí decorre que a compressão temporária de alguns direitos, como o da livre circulação, o da inviolabilidade do domicílio ou a privacidade dos pertences individualmente transportados, será necessária em nome daquela segurança, que não pode eficazmente ser realizada sem recurso, por exemplo, a rusgas.
Rusgas dentro da medida do necessário, que não inclui humilhações. Não acredito que os mesmos resultados não possam ser alcançados com um mínimo de respeito; e o entender-se o contrário é uma rampa deslizante para que abusos das polícias se transformem, na prática, no ordinário da missa.
Estava lá pelo menos um magistrado. Deve ter-se deixado convencer de que tinha de ser assim e com certeza há regulamentos aprovados que o permitem.
Não deviam. E muitos dos justiceiros meus amigos, que veem com simpatia estas partes gagas, decerto mudariam de opinião se, passando naquela rua àquela hora, fossem tratados como crianças malcomportadas.