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Delito de Opinião

Cristãos, Judeus e Nazismo

Cristina Torrão, 21.03.23

Tive uma surpresa agradável, provocada pela minha série Resistência em alemão, iniciada a 22 de Outubro de 2022. Depois de ter escrito sobre o grupo “Rosa Branca”, passei a exemplos de sacerdotes (católicos e protestantes), que pagaram com a vida a oposição aberta ao regime nazi. Há um par de semanas, fui contactada pelo Professor Mendo Henriques, da Universidade Católica, ele próprio surpreendido pelos exemplos de coragem mostrada pelos padres.

Em colaboração com a Paulinas Editora, o Professor Mendo Henriques e a sua equipa preparam a tradução de um livro do filósofo austríaco Friedrich Heer, intitulado “O Primeiro Amor de Deus” (Gottes erste Liebe), publicado em 1967. Resumindo em poucas palavras, trata-se da falta de uma condenação oficial do nazismo, antes do fim da 2ª Guerra Mundial, por parte da Igreja Católica, nomeadamente em relação ao Holocausto. No seu livro, Friedrich Heer faz a análise do ódio dos cristãos pelos judeus, que, como sabemos, dura já há dois milénios.

O Professor Mendo Henriques tinha conhecimento de alguns exemplos isolados de resistência, como o de Dietrich Bonhoeffer, mas pensava que se resumiam a isso: casos pontuais. Por isso, o impressionaram os relatos sobre os Mártires de Lübeck, aqui descritos. E, através da nossa troca de mensagens, revelei-lhe ter havido um bloco reservado a padres, no Campo de Concentração de Dachau, por onde passaram 2720 sacerdotes, 95% dos quais católicos (Pfarrerblock im Konzentrationslager Dachau, ou, em inglês, Priest Barracks of Dachau Concentration Camp). Este é um tema que estou ainda a pesquisar e do qual falarei na minha série. Entretanto, descobri já ter sido publicado um livro (em alemão) sobre este bloco, em 2004, escrito por um sacerdote luxemburguês que lá esteve preso. Deu inclusive origem a um filme com o título Der neunte Tag.

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O Professor Mendo Henriques tem realizado uma Acção de Formação online sobre a relação problemática entre cristãos e judeus e considera tão importante a revelação destes casos, que teve a amabilidade de me convidar como oradora para a próxima sessão deste curso, na quarta-feira, dia 22 (visualização através de Zoom).

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Aqui fica a informação, para quem estiver interessado. A visualização é livre e qualquer pessoa pode pôr questões em relação às contribuições dos oradores. O link está na imagem, mas torno a pô-lo aqui, para ser mais fácil o acesso:

https://videoconf-colibri.zoom.us/j/82771955229

E, last but not least, agradeço ao Pedro Correia por me ter convidado, já há alguns anos, a escrever num dos mais lidos blogues portugueses.

Uma semana (pouco) santa

Alexandre Guerra, 26.03.18

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado eternamente, tendo o "Véu de Verónica" tornado-se numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

Além do seu significado religioso, a Semana Santa representa um dos acontecimentos políticos e sociais mais importantes da Humanidade: a chegada em glória de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. O motivo era a celebração da Páscoa judaica, mas os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação e crucificação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos", desresponsabilizando-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, uma experiência única e de um interesse admirável. Percorri-a algumas vezes, primeiro no Verão de 2001 e depois em 2002, anos marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os (poucos) locais. É muito emocionante percorrer as várias estações que compõem a Via Dolorosa e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É um exercício interior e introspectivo, que nos confronta com o mal e sofrimento humano, mas também com a solidariedade e o amor do próximo. Para lá de qualquer leitura religiosa, pensando um pouco naqueles acontecimentos e na sociedade da altura, percebemos que são poucas as pessoas que vão em auxílio de Jesus Cristo. São sobretudo mulheres que O ajudam na sua caminhada em sofrimento. Maria, Verónica e depois as "mulheres de Jerusalém" choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário. 

 

Dizem os Evangelhos que foram essas mesmas mulheres, as primeiras a dirigirem-se ao túmulo de Jesus Cristo e a constatarem que estava vazio. Os textos sagrados não são suficientemente claros quanto aos contornos específicos desse momento, se foi apenas uma “Maria”, provavelmente Maria Madalena, ou se outras “Marias”, mas uma coisa é certa: Pedro e João souberam da Ressurreição pela voz de uma dessas mulheres, a quem Jesus, coberto por vestes brancas, lhes terá dito para transmitir tão importante mensagem aos apóstolos. Mensagem essa que foi recebida com bastante relutância por parte de Pedro e João, porque não concebiam que um acontecimento desta magnitude lhes fosse transmitido por mulheres. Rapidamente se dirigem ao túmulo para serem confrontados com uma realidade que não conseguiram compreender.

 

No entanto, ao nível do poder político, parece ter havido uma compreensão imediata do potencial problema que representava o misterioso desaparecimento do corpo de Jesus Cristo. As autoridades judaicas quando souberam do fenómeno, através dos guardas do túmulo, mantiveram segredo em relação à versão original que lhes contaram e não perderam tempo a forjar uma teoria da conspiração para justificar o acontecimento, fazendo passar a mensagem de que os discípulos de Cristo tinham roubado o seu corpo durante a noite, no que poderia ser interpretado com um acto de fanatismo. Ironicamente, para os historiadores, esta posição da parte dos anciãos judeus, acabaria por ser a assunção de que o túmulo estava, efectivamente, vazio, dando força a uma das ideias centrais do Cristianismo: a Ressurreição.