Umberto Eco é um entusiasta das listas. De tal maneira que organizou em 2009 uma exposição no Louvre dedicada ao tema. Para o pensador e escritor italiano, as listas são a forma adequada de encontrarmos alguma ordem perante o infinito. As ideias pré-concebidas são, elas própria, listas que nos permitem evitar a angústia de enfrentar o mundo sem qualquer referência. Nas nossas listas, um político é um homem de quem se pode desconfiar. Mas, para se desconfiar de alguém, é preciso que este se apresente sob uma capa de seriedade. A situação em que nos sentimos cómodos neste jogo é aquela em que os políticos proclamam que estão no combate de forma séria. O que permite aos adversários e aos eleitores fazerem a sua parte. Isto é, procurar demonstrar o contrário. Daí a invocação dos ideais, das batalhas, das bandeiras e a contrapartida dos ataques ao carácter, da procura de contradições e de outras estratégias aparentadas. A nós eleitores convém-nos, todavia, manter uma opção menos escrutinada para podermos votar nela sem demasiados problemas de consciência. O problema começa, porém, quando alguém como José Coelho se apresenta ao eleitorado sem ocultar as suas intenções. Afirmando-as, à partida, como não sérias de acordo com os nossos padrões. Coelho deixa-nos sem lista em que o possamos arquivar para nosso sossego. A estupefacção é maior quanto maior for a importância que atribuímos ao acto eleitoral. Admitir um Tino de Rans como candidato a uma Junta de Freguesia não incorpora a mesma transgressão à norma que está implícita na existência de um Coelho que se propõe saltar para o poleiro da Presidência. É a esta luz que se entende o estilo da já muito debatida entrevista de Judite de Sousa. Judite suspeitava que Coelho não era sério e que queria escondê-lo. Daí a utilização da agressividade extrema. Completamente despropositada e chocante dirigida como foi a quem nada queria esconder. Todavia, extremamente útil ao propósito de Coelho que era precisamente promover o ridículo. É preciso dizer que Coelho não é exterior ao mundo político. O escárnio sempre funcionou como contraponto do poder. Neste sentido, um não pode viver sem o outro. Mas, é mais do que isso. À falta de ideais em que acreditem realmente, os políticos na luta por parecerem sérios, refugiam-se em fórmulas cada vez mais vazias. O discurso de José Coelho é, assim, tão legitimamente político quanto o de qualquer outro candidato. Com a diferença incómoda de não pretender ocultar a sua real vacuidade. O problema para o poder em geral e para a democracia em particular não é portanto o da transparência de José Coelho. Pelo contrário, ele reside em ser cada vez mais difícil os políticos a sério esconderem, apesar de tentarem, que são tão vazios e ridículos como ele. E para o jogo político cumprir o objectivo de vivermos sossegados era muito mais conveniente que a ocultação fosse credível.