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Delito de Opinião

A qualidade da democracia em maré baixa

Pedro Correia, 26.11.24

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Maria João Avillez em 1975, ano trepidante no jornalismo português

 

A minha vénia a Maria João Avillez, na sabedoria dos seus lúcidos e joviais 79 anos.

«A qualidade da democracia está muito baixa. Eu vi (noutros tempos) outra compostura e outras boas maneiras, por exemplo no parlamento, que não excluíam discussões acesas. Não havia inimigos, mas adversários.» Palavras dela, em entrevista à SIC que foi transmitida no sábado.

Sabe muito bem do que fala. É a mais experiente jornalista portuguesa ainda em actividade, tem uma memória prodigiosa e acompanhou de perto tudo quanto houve de mais relevante no último meio século em Portugal.

Se alguém pode comparar os políticos de agora com os do passado, é precisamente ela. Ainda bem que o faz.

Uns são jornalistas, outros fazem de conta

Pedro Correia, 12.10.24

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Maria João Avillez com Marcelo Rebelo de Sousa nos anos 80

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Maria João Avillez com Mário Soares nos anos 90

 

A presidente de uma coisa chamada "Comissão da Carteira Profissional de Jornalista" saiu da penumbra para encher o peito com uma absurda ameaça à luz do dia: diz-se disposta a denunciar Maria João Avillez ao Ministério Público por alegado crime de «usurpação de funções». Motivo: a jornalista terá entrevistado o primeiro-ministro na SIC sem possuir título profissional actualizado por aquela instância burocrática que carimba papéis no Palácio Foz.

Maria João Avillez faz parte, por mérito próprio, da história do jornalismo português das últimas décadas. Colaborou na RTP desde os 17 anos. Integrou já como profissional os primórdios da redacção do Expresso. Marcou presença no Público, Rádio Renascença, DN e Observador, entre outros títulos. É autora de obras fundamentais sobre protagonistas políticos do último meio século, como Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Mário Soares. Possui, portanto, imensa vantagem competitiva sobre quem agora diz querer denunciá-la: um extenso currículo que fala por si.

Tivesse a senhora da Carteira um décimo desse percurso jornalístico e certamente se sentiria realizada.

A propósito, sinto imensa curiosidade em saber se a ignota delatora se atreve igualmente a formalizar queixa junto do Ministério Público contra o ex-primeiro-ministro António Costa, suposto praticante do mesmo "crime". Como é público e notório, o indigitado presidente do Conselho Europeu tem «conduzido uma série de conversas» - muito publicitadas - no novo canal televisivo Now. A figuras como Marcelo Rebelo de Sousa, Mário Centeno, António Vitorino e Durão Barroso. Não sendo portador, tanto quanto se sabe, de carteira profissional de jornalista.

Dois pesos, duas medidas? O melhor será perguntar sem rodeios à presumível denunciante se também considera que Costa «usurpou funções». Ou, em alternativa, se reconhece ter perdido uma excelente oportunidade de permanecer na virtuosa obscuridade a que se confinava até agora.

Na morte do João Paulo Guerra

Pedro Correia, 05.08.24

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Outros falarão da sua vertente como jornalista radiofónico. Eu destaco-o sobretudo como cronista da imprensa, um dos melhores que conheci - e tive oportunidade de elogiá-lo aqui, estava ele bem vivo e com saúde.

Falo do João Paulo Guerra, que ontem morreu aos 82 anos. Ourives da escrita, capaz de escrever centenas de textos sem os polvilhar de palavras inúteis. Mestre dessa arte de narrar pequenas histórias de que é feito o grande jornalismo. Homem coerente, de causas assumidas, mas sem cortar pontes com quem pensava de maneira diferente. Excelente conversador, com discurso mesclado de ironia fina.

Era também um tímido, à sua maneira: evitava pôr-se em bicos de pés, pavoneando-se, ao contrário de tanto medíocre que por aí pulula. Costumava dizer: «Uma revolução tecnológica mudou tudo na minha profissão, só não mudou, antes reforçou, as condições para exercer com paixão e rigor o jornalismo.»

Admirava-o há muitos anos. Com a partida dele, a comunicação em Portugal fica um pouco mais pobre, o pluralismo político fica um pouco mais amputado, a memória colectiva fica um pouco mais diluída e descartável.

 

Leitura complementar:

Este belíssimo texto do João Paulo Guerra evocando sua mãe, Maria Carlota Álvares da Guerra, que também foi jornalista, fundadora da Crónica Feminina. Agora republicado na Mensagem, jornal digital de Lisboa.

Eficácia à portuguesa e mulheres alemãs*

Cristina Torrão, 02.07.24

Nunca tinha visto sessão de penáltis tão rápida, até os meus nervos aguentaram.

Não costumo assistir a este tipo de desempate, esteja Portugal envolvido. E já me preparava para sair da sala, quando me apercebi de que seriam os eslovenos a inaugurar a sessão. Pensei: “OK, eles marcam golo e eu saio”. Mas Diogo Costa fez a sua primeira defesa! Quando vi que seria Ronaldo o primeiro português, estive novamente para sair, considerando a tragicidade que o envolvera neste jogo. Mas pensei: “Enfim, os eslovenos falharam o primeiro; se ele não marcar, desta vez, não é tragédia nenhuma”. Mas ele marcou! “Pronto, ainda aguento ver o próximo esloveno”. E o Diogo Costa tornou a defender! Já não havia desculpa para sair e o resto foi o que se sabe: tudo acabado em três tempos, com vitória de Portugal por 3-0. Era esta a eficácia que se esperava durante o tempo normal de jogo. Enfim, estamos nos quartos. E Diogo Costa escreveu a primeira página digna de registo na História deste Euro.

Bem, e onde entram as alemãs no meio disto tudo? Na transmissão televisiva do ARD, onde elas estiveram em maioria.

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A locutora desportiva Christina Graf foi a voz-off de todo o desafio. Não pela primeira vez, é ela a responsável por muitos jogos do Euro transmitidos pelo ARD. Christina Graf foi igualmente jogadora de futebol, mas uma lesão grave no tornozelo obrigou-a a abandonar a carreira com apenas 23 anos. Enfim, ganhou-se uma excelente locutora e jornalista.

Ao intervalo e no fim da partida, tivemos as análises de Sebastian Schweinsteiger, ao lado de outra mulher, Esther Sedlaczek, também já habitual nestas andanças.

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Não gostava de Sebastian Schweinsteiger como jogador. Excelente, sem dúvida, mas bastante agressivo e impaciente, muitas vezes, arrogante. Desde que casou, em 2016, com a antiga tenista sérvia Ana Ivanović, modificou-se, está um outro homem. Ponderado, calmo e simpático, nem sequer pratica o chamado “mansplaining” com Esther Sedlaczek, do estilo: “até podes ser competente, mas eu sou homem, fui um dos melhores jogadores do mundo e vai dar-me um gozo enorme pôr a nu as tuas deficiências nesta matéria”. Uma atitude muito comum em homens, mesmo não sendo estrelas e tendo uma mulher competente a seu lado. Schweinsteiger limita-se a opinar e a analisar o solicitado por Esther Sedlaczek, falando bem, sem hesitações, nem interrupções, mantendo um semblante simpático. Um comentador de grande classe.

Que diferença dos debates futeboleiros portugueses, entre homens! Mesmo não sabendo alemão, tentem ver um pouco do vídeo da análise final do jogo de ontem, uma análise dinâmica e descontraída (espero que os direitos permitam a visualização do vídeo em Portugal). Os dois começam aliás por falar da Eslovénia e, só depois, se dedicam à nossa selecção.

Mais mulheres no futebol português, fora das quatro linhas, precisam-se!

Sebastian Schweinsteiger e Ana Ivanović têm três filhos. O mais novo nasceu no ano passado.

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Foto Gala

*Publicado originalmente no És a Nossa Fé.

Jornalistas em greve: alerta à cidadania

Pedro Correia, 14.03.24

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Os jornalistas portugueses estão hoje em greve geral. A primeira em 42 anos. Isto é notícia, sem espécie de dúvida.

Há quem concorde, há quem discorde. Entre os que discordam, destacam-se aqueles que apontam para a escolha deste dia concreto, de óbvio vazio governativo. É sempre mais fácil - e muito menos eficaz - paralisar o trabalho em tempo de impasse, quando o Executivo ainda em funções já não manda nada e o que há-de vir ainda não está indigitado. Nem se sabe com estrito rigor qual será a sua cor política, a identidade dos seus futuros elementos ou a data da tomada de posse.

 

De qualquer modo, espero que a greve funcione como alerta para aqueles que lamentam a proliferação desenfreada de aldrabices nas redes e o enfraquecimento dos jornais e do jornalismo, mas não dão um avo para pagar aquilo que consomem de borla pelos dispositivos electrónicos. Condenando assim centenas de jornalistas à penúria e ao desemprego. E contribuindo, no limite, para o fim do jornalismo.

Podiam ajudar? Claro que sim. Numa espécie de militância cívica. Cada vez mais premente, cada vez mais inadiável.

Basta assinar um jornal ou uma revista informativa. Um só, entre tantos títulos disponíveis. Em papel ou digital. E recusar receber versões pirateadas desses títulos que abundam por aí, em clippings organizados - às vezes até oriundos de chancelas oficiais - que vão contribuindo para conduzir tantas empresas jornalísticas à falência. Começando pelas empresas de âmbito local ou regional.

 

Mais de metade do País vive hoje num deserto informativo, sem jornais ou rádios ali localizados. Dos 308 concelhos, 166 estão nessa lamentável situação.

O salário médio dos 5300 jornalistas oficialmente credenciados - 80% dos quais com formação superior - não ultrapassa 1225 euros mensais. Abundam  jovens em início de carreira a receber menos do que o salário mínimo. Muitos profissionais veteranos e conceituados levam para casa menos de 1500 euros ao fim do mês.

Todos trabalham muito mais horas do que a lei estipula e do que as mais elementares normas de prevenção de saúde física e mental recomendam.

 

O trabalho dos jornalistas deve ser recompensado, o esforço financeiro dos investidores deve ter retorno.

Se cada um de nós subscrever um periódico à nossa escolha já faz muita diferença. Para melhor.

É o que faço. Sou incapaz de recomendar aos outros aquilo que não pratico.

 

Quando deixar de haver jornais, quando o jornalismo chegar ao fim, esses mesmos que em nada contribuem para a qualidade da informação, pagando-a, passarão a receber apenas memes idiotas, muitos vídeos com gatinhos e uma brutal enxurrada de lixo desinformativo através dos mesmos dispositivos electrónicos.

Então protestarão: vão querer de volta o rigor informativo.

Mas aí já será demasiado tarde.

Não há almoços grátis. E o que é barato sai caro. A qualidade paga-se. Ou desaparece de vez.

O fim de uma era

Pedro Correia, 29.09.23

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«Não penso sentar-me no chão, à porta de uma livraria. Mas procurarei, muitas vezes, bancos de jardim, à sombra. E assim me deixarei ficar, absorto, tomando notas para uma improvável emissão futura, feita de silêncios e de palavras elementares, assim me pouse no ombro a ave clandestina.»

O Olhar Perto do Chão: a última crónica do Fernando Alves. Foi hoje, na TSF. O fim de uma era na rádio, sintoma do fim de uma era no jornalismo português.

No país do «eu acho que»

Pedro Correia, 15.07.22

Vítor Gonçalves é um dos melhores entrevistadores da televisão portuguesa. Sem jamais armar em vedeta, sem nunca ocupar o centro das atenções, demonstrando que sabe ouvir, fazendo as perguntas que se impõem sem ser agressivo nem adoptar um tom inquisitorial que outros adoram usar defronte das câmaras. 

Vi-o há pouco na Grande Entrevista da RTP que tem a sua assinatura. Com a qualidade e a sobriedade de sempre. Questionando o presidente do Conselho Económico e Social, Francisco Assis, político de quem sempre tive boa impressão. 

«Uma das minhas preocupações é a falta de rigor na discussão [em Portugal]. Há muito clichê, há muita frase-feita, há muito preconceito, há tantas coisas que se dizem sem nenhum fundamento empírico nem resultam de nenhuma reflexão teórica séria», disse Assis nesta entrevista, reclamando «rigor na discussão dos temas que se colocam na sociedade portuguesa».

Certíssimo: o achismo é uma praga nacional. A propósito: já repararam quantas frases ouvimos e lemos, a toda a hora, iniciadas pela famigerada expressão «eu acho que»?

Em memória do Fernando Sobral

Pedro Correia, 17.05.22

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Se houve comentador que citei muitas vezes ao longo destes anos e nos ciclos políticos mais diversos, no DELITO DE OPINIÃO, foi o Fernando Sobral. Na sexta-feira, um amigo surpreendeu-me com a notícia da morte dele: ainda recentemente o havia visto algures no bairro de Alvalade, nosso território comum. Ele nascera em 1960, eu sou um rapaz quase da mesma idade, havia códigos geracionais que de algum modo nos irmanavam embora nunca tivéssemos trabalhado juntos e os nossos contactos fossem esporádicos. Não por algum motivo especial: apenas porque assim calhou.

Cheguei a considerá-lo, sem favor, um dos melhores cronistas portugueses - sobretudo pela coluna que manteve durante largos anos no Jornal de Negócios. Em espaço nobre, como ele merecia.

A coluna chamava-se Pulo do Lobo. Clico no sítio do Negócios à procura desses textos, supondo-os armazenados: talvez por incapacidade minha, não consigo encontrar nenhum. As hiperligações à coluna do Fernando que transcrevo abaixo batem na parede e voltam para trás. Como se nunca tivessem existido.

Isto preocupa-me. A memória do jornalismo - fundamental para a preservação da nossa identidade colectiva - vai-se diluindo nesta era digital em que os arquivos parecem ter a consistência da plasticina e ser tão volúveis como o éter. 

 

Ao Fernando, homem tímido, não faltavam amigos, leitores ou admiradores de vários quadrantes. Mas como lhe escasseava vocação para se pôr em bicos de pés ou integrar a academia do elogio mútuo em que Lisboa é fértil, ficou sempre um pouco aquém do que o seu talento merecia e a sua seriedade profissional recomendava como cartão de visita. Honrava os compromissos que assumia ao ponto de não se furtar a qualquer deles mesmo enfrentando graves problemas de saúde.

Morreu sexta-feira, 13. Nesse mesmo dia saiu o último artigo com o seu nome, como salienta o Jornal Económico - periódico para o qual agora trabalhava - na sucinta notícia fúnebre que lhe dedicou. Lamento que esse artigo, publicado no suplemento Et Cetera, não esteja disponível em espaço aberto: seria a melhor homenagem que o semanário poderia prestar-lhe neste momento. Além de uma prova adicional de consideração pelos seus leitores, entre os quais me incluo.

Hoje, a partir das 10.30, a despedida ocorrerá no centro funerário São João de Deus, à Praça de Londres, seguindo o funeral às 13 horas, para o cemitério dos Olivais. Por mim, celebro-o neste espaço lembrando dez textos dele que fui citando no DELITO ao longos dos anos. Num respeitoso silêncio em sua memória.

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11 de Agosto de 2011: «Não foi por acaso que Adam Smith chamou ao seu livro basilar A Riqueza das Nações. A pobreza das nações actuais é uma traição à arquitectura que ele desenhou. Porque é feita, nalguns casos, por quem se considera herdeiro dos seus pensamentos.»

12 de Setembro de 2011: «Até agora, a principal oposição ao Governo PSD/PP partiu dos partidos que o integram. Os partidos do poder passaram a ser, ao mesmo tempo, o poder e o contra-poder. O que tem transformado o PS num entreposto turístico de oposicionistas.»

15 de Setembro de 2011: «A lenda conta que, em Bizâncio, as elites debatiam ainda o sexo dos anjos quando os turcos assaltavam a cidade. Era uma questão de prioridades. A União Europeia é a nova Bizâncio: debate a sua crise existencial em vez de combater a essência da crise.»

1 de Abril de 2013: «Sócrates sabe que só pondo o dedo nas feridas do presente, que doem a todos, fará esquecer as ficções onde governou no passado. A memória dos portugueses, acredita, é curta. Por isso colocou a pintura de guerra na face. Voltou à batalha. Sem inimigos não vive. Na paz da filosofia só poderia sobreviver, porque Sócrates não questiona o que faz: actua sem se questionar.»

19 de Dezembro de 2013: «Como não falava, Harpo Marx usava uma buzina para se exprimir. Todos percebiam melhor as suas emoções do que quando se escutam Christine Lagarde ou Mario Draghi. O que dizem fica a meio termo entre uma buzina, uma sirene e um martelo pneumático.»

17 de Abril de 2014: «A mensagem de Passos Coelho foi uma pobreza total: de sonhos, mas sobretudo de ideias. O País pode estar melhor mas vive uma enorme insolvência de ideais, de ética, de moral e de cultura. E nisso Passos não está sozinho. Basta escutar a oposição.»

21 de Outubro de 2015: «António Costa ameaçou com uma "maioria de esquerda" que se assemelha a um leite-creme sem consistência. Porque, para lá de uma identidade de interesses (afastar o PSD/CDS do poder), falta uma confiança total entre quem conspira e é inexistente a possibilidade de conciliação de conceitos tão diferentes sobre a Europa, a dívida e o défice.»

22 de Novembro de 2016: «As emoções ocupam o território outrora ocupado pela reflexão e pela interrogação. Este é o mundo do Twitter e do Facebook: um bom insulto vale mais do que uma reflexão séria ou irónica. E a imprensa entrou neste afã suicidário: alimenta-se das "redes sociais", assinando a sua morte perante o seu fascínio pela tecnologia que a destrói.»

13 de Fevereiro de 2017: «Não é normal que um Governo tenha aceitado abdicar dos poderes do Estado democrático permitindo que um gestor (com o auxílio de uma sociedade de advogados) pudesse ousar mudar uma lei da República para se encontrar uma solução à vontade do freguês. É aqui que está o cerne da questão. E, neste caso, o aroma do caso CGD evoluiu de forma vergonhosa.»

7 de Agosto de 2017: «A tentação totalitária existe. Desmonta-se com facilidade o mito de que certas eleições não são, na realidade, hologramas. A propagandeada por Nicolás Maduro na Venezuela (aplaudida em Portugal por quem parece preferir um regime onde a paz e o pão são hoje miragens) é uma das grandes mentiras contadas aos crédulos e aos idiotas úteis.»

O único poder dos jornalistas

Pedro Correia, 20.12.21

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9 de Novembro de 1989: a histórica conferência de imprensa em Berlim-Leste

 

Morreu há dias, com 92 anos, um jornalista que protagonizou um acontecimento capital do século XX. Riccardo Ehrman, italiano de origem polaca, trabalhava em 1989 como correspondente da Ansa em Berlim-Leste. No dia 9 de Novembro, numa conferência de imprensa, o porta-voz do então governo comunista, Günter Schabowski, anunciou a iminente publicação de uma lei destinada a facilitar a circulação rumo à metade ocidental da cidade. Ehrman fez então a pergunta que se impunha: «Quando entram em vigor as novas normas?» A resposta, algo atabalhoada do funcionário governamental, acelerou os acontecimentos: «Pelo que sei... entram já.» Foi quanto bastou para derrubar o Muro da Vergonha, erguido 28 anos antes

O jornalista rumou de imediato à sede da delegação da agência noticiosa italiana e escreveu num telex com prioridade máxima: «O Muro caiu.»

Fazia-se História. Com agá maiúsculo. 

 

Sabe-se hoje que o porta-voz, involuntariamente, induziu os jornalistas em erro. Não havia ordem formal para abrir a fronteira e permitir enfim a livre circulação entre os habitantes da Alemanha ocupada pelos soviéticos e a parte da cidade que havia ficado sob tutela militar norte-americana, francesa e britânica em 1945. Mas a pressão dos berlinenses cansados de décadas de opressão que logo acorreram em massa aos postos fronteiriços fez ruir na prática uma barreira que ainda não havia sido derrubada por decisão política. 

Ehrman trocou em 1991 Berlim por Madrid, onde chefiou a delegação da agência até se aposentar e ali se radicou até ao fim da vida. Certamente orgulhoso de ter cumprido a sua obrigação profissional naquele dia inesquecível. Assumindo o único verdadeiro poder de um jornalista: o de fazer perguntas.

Esqueçam as tretas do "quarto poder": não existe nenhum outro.

De moto para a eternidade

Pedro Correia, 03.06.21

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Carlos Santos Pereira (1950-2021)

 

Há uma fotografia de que gosto muito e tenho em destaque na divisão da casa a que chamo escritório. Estamos ambos à entrada de Vila Viçosa, empoleirados num muro, com a placa indicativa da bela povoação alentejana mesmo ao lado. Eu olho de frente para a objectiva. Ele, como de costume, olha noutra direcção. Como se, estando ali, já quisesse demandar outras paragens.

Foi assim que o conheci sempre, ao Carlos Santos Pereira, durante 40 anos de camaradagem jornalística: primeiro no Tempo, onde ele era correspondente em Moscovo até as autoridades soviéticas lhe darem guia de marcha, fartas da sua irreverência; depois no Público, onde foi o primeiro editor da secção Internacional; finalmente no Diário de Notícias, onde colaborava regularmente, especializando-se em temas relacionados com os Balcãs - uma das suas paixões mais duradouras, apenas superada pelo culto das motos de grande cilindrada.

 

Esta camaradagem perdurou muito para além das bancas de jornais. Ele era um dos manos mais velhos que tive o privilégio de manter nesta profissão de gente tão instável, tão irascível, tão desligada de afectos - como o Fernando Sousa, como o António Ribeiro Ferreira, como o saudoso João Carvalho noutras paragens. Éramos muito diferentes, mas estabelecemos uma relação de cumplicidade que ultrapassava o espaço físico concreto em que nos fomos cruzando, às vezes com anos de intervalo.

Almoçávamos por aí, jantávamos em ruidosas patuscadas nos mais diversos trilhos do País. Ele colaborou num suplemento literário que dirigi num jornal regional, era visita lá de casa, alinhava nas partidas de futebol organizadas por mim com amigos e simples conhecidos das mais diversas proveniências. Durante anos jogámos regularmente voleibol, duas noites por semana, na Escola Alemã de Lisboa. Quando vivi em Macau, recebi-o como hóspede numa inesperada visita dele em temporada de tufões.

O Carlos foi meu editor, mais tarde fui eu editor dele, mas entre nós nunca houve hierarquias nem galões: comportávamo-nos como soldados rasos do mesmo ofício, que só resulta quando é exercido com paixão. Fascinante ofício, o mais belo do mundo, como dizia Albert Camus.

 

Tenho incontáveis histórias dele - várias impublicáveis, atendendo à linguagem de carroceiro que cultivava como imagem de marca, para escândalo de gente com tímpanos mais sensíveis. Quem o conhecia superficialmente nem supunha que era um indivíduo culto como poucos e leitor voraz, sobretudo de livros de História, sua especialidade académica. De tal maneira que de vez em quando, estava ele em Lisboa e eu no Oriente, pedia-me de lá livros que aqui não existiam, na era pré-Amazon. 

Uma dessas histórias aconteceu em 1982, na primeira visita de João Paulo II a Portugal. Aguardávamos como repórteres a chegada do Papa ao alto do Parque Eduardo VII, onde se concentravam dezenas de milhares de pessoas: mal chegou a viatura aberta com o pontífice em pé acenando à multidão vibrante, ele desata a aplaudi-lo com entusiasmo, ali a meu lado. Momentos antes blasfemava, proclamando-se ateu militante e furioso anticlerical.

Nunca esquecerei esse momento. Nem as cenas de nervosismo que causava ao debitar palavrões em russo ou ler ostensivamente o Pravda na redacção do Tempo, povoada de fervorosos anticomunistas. Desdobrava o jornal, em grande formato, e ali ficava a exibi-lo, só para irritação desses colegas mais exacerbados.

Iconoclasta, uma vez e outra. Se havia governo, ele era contra. Fosse na Cortina de Ferro, fosse no "degenerado mundo ocidental", a que aludia com desdém.

 

Devo-lhe muitas provas de amizade - desde logo, ter integrado a equipa inicial do Público, como primeiro correspondente em Macau, a convite dele. Esta amizade não esmorecia mesmo quando estávamos longos períodos sem conviver - incluindo nos tempos mais recentes, em que ele se fixou em Ourém, seu concelho de origem, e pôde desenvolver o gosto pela silvicultura na propriedade herdada dos pais, trocando a efémera escrita jornalística pela elaboração de livros. Deixou-nos pelo menos três: Da Jugoslávia à Jugoslávia (1999), Os Novos Muros da Europa (2001) e Guerras da Informação (2007). Terá deixado outros, ainda inéditos.

Passou na vida como personagem de romance. Com gavetas que persistia em manter fechadas - incluindo a sua experiência, que adivinho traumática, como militar na Guiné, durante a guerra. Arranquei-lhe muitas confidências, mas nesse domínio reservado nunca entrei: era pessoal e intransmissível. 

Já não nos reuníamos em jantaradas ou futeboladas, as animadas partidas de vólei tinham ficado para trás. Mas a corrente da amizade nunca se quebrou. Como era visível a cada reencontro, que começava com uma pergunta inevitável dele: «Então como vai a puta da vida?»

 

Perdi há dias este meu mano. Imagino-o a montar de moto para mais uma viagem - desta vez rumo à eternidade. E a acenar-me de lá, entre duas pragas sarcásticas. Em russo, só para chatear a tribo dos "amaricanos".

Do svidânia, Carlos. 

Hossanas de cor azul

Pedro Correia, 23.07.20

O despacho de pronúncia do processo BES, que promete ficar na história judicial portuguesa, confirma a existência de diversos sacos azuis geridos pelo Grupo Espírito Santo, tornado associação de malfeitores. 

Aguardo pelas revelações que serão produzidas no julgamento - e antes dele, como é costume, nas páginas dos jornais. Mas aquilo que mais curiosidade me suscita talvez não chegue a vir nas manchetes da imprensa: refiro-me ao alegado saco azul que distribuía prebendas a jornalistas munidos de título profissional e obrigados a cumprir com zelo o código deontológico deste ofício. Talvez não por acaso, durante anos, lemos e ouvimos loas a Ricardo Salgado impressas em letra de forma quase até ao dia em que caiu o seu império com pés de lama.

Basta ir à hemeroteca e confirmar: duas tardes chegam para o efeito. Alguns desses andam por aí, desancando agora naquele a quem entoavam hossanas.

O "exclusivo" de Marcelo na SIC

Pedro Correia, 15.10.19

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Marcelo Rebelo de Sousa revelou à SIC uma das cachas políticas do ano: vai submeter-se a um cataterismo, para avaliar eventuais danos cardíacos e deste exame clínico dependerá uma decisão sua sobre a recandidatura à Presidência da República.

Acontece que a entrevista em que o Chefe do Estado fez esta e outras revelações não foi conduzida por um jornalista, munido do respectivo título profissional, mas pelo director-geral de entretenimento da estação outrora sediada em Carnaxide. O que constitui mais um significativo sinal da desvalorização do papel social dos jornalistas e da sua progressiva irrelevância no circuitos comunicacionais contemporâneos.

Que a SIC, onde trabalham dezenas de jornalistas qualificados e prestigiados, tenha prescindido deles para a obtenção desta informação em exclusivo e que o próprio Presidente da República elegesse como emissário desta novidade alguém ligado à área do entretenimento diz muito sobre a degradação de um ofício hoje invadido a todo o momento por gente que não se inibe de divulgar matéria supostamente noticiosa sem sujeitar o que supõe saber ao crivo do contraditório nem cumprir outras normas deontológicas que só vinculam os portadores da carteira profissional de jornalista.

 

Não passa praticamente um dia sem que, neste ou noutros canais, escutemos comentadores da política ou do desporto difundirem em antena "notícias exclusivas" que muitas vezes são meros rumores, à revelia das respectivas direcções de informação. O caso mais flagrante acontece na área do futebol - a tal ponto que me questiono se continuam a existir jornalistas habilitados a pronunciar-se na área do desporto em qualquer destes canais. Mesmo que a resposta seja afirmativa, o facto é que qualquer deles pouco mais servirá do que para estender um microfone, muitas vezes em "conferências de imprensa" onde não se escuta uma verdadeira pergunta digna desse nome.

Tudo isto deveria preocupar a estrutura dirigente dos jornalistas - se ela existisse. Acontece que esta é a única actividade abrangida por um código deontológico que não está organizada enquanto ordem profissional. Condenados à proletarização, sem condições mínimas para exercer o trabalho, desconsiderados pelas empresas onde prestam serviço e ultrapassados a todo o momento por qualquer "comentador residente" em estúdio, os jornalistas figuram hoje no posto mais baixo da cadeia informativa.

Problema exclusivo deles? Não: é um problema dos cidadãos que tantas vezes preferem ser "informados" pelo que "se vai dizendo" nas redes sociais e elegem as televisões que mais transformam notícias em "entretenimento".

Um problema do País, portanto.

His master's voice de Setembro

Pedro Correia, 30.09.19

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«Ontem, no debate a seis, houve tudo menos um arrufo. Não foi bonito de se ver a interpelação de Catarina Martins a Costa. E ele respondeu-lhe à letra. António Costa foi obrigado a descer a terreiro pq [porque] eram seis contra um. Já chega de debates.»

Luísa Meireles, directora de Informação da Lusa, comentando o debate na RTP entre os líderes dos seis principais partidos

Twitter, 24 de Setembro

A liberdade está no programa quente da máquina de lavar

Paulo Sousa, 01.09.19

A visão estratégica e a capacidade de actuar num prazo alargado do regime autoritário chinês constituem a maior ameaça à liberdade do mundo ocidental.

A China é implacável na aniquilação da oposição interna e simultaneamente comporta-se nas relações internacionais de uma forma respeitável. Nestes tempos da caótica e imprevisível administração Trump, a ditadura chinesa chega por vezes a parecer o garante do multilateralismo.

Perante as inquestionáveis dificuldades que as democracias liberais atravessam, a aparente ordem e previsibilidade dos regimes autoritários consegue atrair simpatias. Uns sugerem que a democracia deveria ser suspensa por seis meses, outros chegam mesmo a suspender parlamentos. Pouco a pouco, o que há meia dúzia de anos seria impensável, já é um facto.

O sistema de crédito social chinês, que pune os cidadãos não conformes e premeia os restantes, constitui o mais sinistro sistema de controle de massas de que há memória.

Dezenas de milhares de chineses foram impedidos de adquirir bilhetes de comboio ou avião durante a celebração do ano novo chinês simplesmente porque, de uma forma ou de outra, tinham ultrapassado o limite que os donos da moral consideram que não pode ser pisado. Uns por terem sido críticos do regime, outros por terem sido desagradáveis durante uma viagem de comboio, por não pagaram um dívida ou por fizeram ruído no prédio fora de horas,... os desvios são punidos.

É sabido, embora desconhecido no detalhe, a dimensão do exército de fiscais do mundo virtual chinês. São conhecidas as dificuldades levantadas aos gigantes das novas tecnologias para terem acesso ao mercado chinês. Refiro-me à Google, Facebook, Amazon, etc. A questão resume-se a terem de ajustar as suas prácticas aos ditames dos donos da moral chinesa. Ou se flexiblizam ou perdem o acesso a um mercado de mais de mil milhões de consumidores.

São diversas as fontes que referem e descrevem em detalhe como tudo funciona assim como as consequências para os desalinhados.

Vem isto para enquadrar dois exemplos que passo a relatar.

i) Há poucos dias o Público veio-nos dizer que afinal talvez esse sistema não exista. A jornalista entrevistou alguém que por sua vez questionou alguns chineses que lhe disseram desconhecer ´essa coisa´, mas ... a ideia até lhes agrada por permitir livrar o país dos corruptos.

Ao ler isto cheira-me que alguém andou a fazer uma investigação sobre um assunto, mas já sabia a que conclusão iria chegar e isso poderá ter condicionado os dados que recolheu. Cheira-me a desinformação, talvez até involuntária, mas a desinformação.

ii) Não há muito tempo, na cavaqueira com alguém que tinha acabado de conhecer e que rapidamente entendi ter um profundo sentido da política, ouvi a enormidade de que a China tinha demasiada população para que alguma vez pudesse vir a ser uma democracia. Tive de lhe perguntar em quantos milhões é que ia esse limite, até porque a Índia que a médio prazo irá ultrapassar a China nessa variável tem uma democracia razoavelmente decente.

A conversa sofreu um pequeno e curto desvio mas pouco depois uma nova carta foi posta na mesa. O confucionismo, a base cultural chinesa, não era compatível com a democracia. Por desconhecer os pilares de tal doutrina não pude contra-argumentar e fiquei com a forte impressão que tinha assistido a um belo Ctrl+Alt+Del encapotado.

Logo depois começaram as anedotas sobre a coligação PAF. Essa gente, sim, era um hino à ditadura clerical de Salazar e uma ameaça à liberdade conquistada em Abril.

Todos estes assuntos foram abordados quase em sequência, de onde pude extrair que, para alguns pensadores da nossa esquerda, o regime chinês é aceitável e simultaneamente uma coligação da direita portuguesa pode ser uma sinistra ameaça. Chegamos a isto.

Julgo ser da natureza humana uma reacção relativamente frequente a que chamo o sindrome da esposa enganada (que também pode ser do marido). Há coisas em que não acreditamos simplesmente porque não queremos que sejam verdadeiras. Não as enfrentar é uma forma de negar que existam. Nada resolve, mas alivia.

Encontro traços deste fenómeno nos dois casos.

Para quem duvidar que se vão criando condições para um recuo efectivo no leque de liberdades que exigimos ao nossos regimes, pode ainda escutar com atenção o silêncio dos senhores e senhoras que se emocionam na parada do feriado de Abril. Fecham os olhos ao discursar, para esconder a emoção, mas continuam em silêncio perante o combate que se trava em Hong Kong. É nesta antiga colónia britânica que neste momento está localizada a fronteira da liberdade.

Esta fronteira da liberdade vai de tempos a tempos mudando de região. Há 80 anos - faz hoje 80 anos - essa combate travou-se na fronteira da Polónia invadida pelas tropas nazis. Ao longo dos seis longos anos da Segunda Guerra Mundial, a fronteira da liberdade sempre coincidiu com a linha da frente da batalha. Passou por El Alamein, pela Sicília, pelas linhas Gótica e Gustav, pela Normandia, pelas Ardenas até ao histórico aperto de mão no Elba. Foi mudando de região e desde 25 de Abril de 1974 até ao 25 de Novembro do ano seguinte andou pelos nossos lados. Actualmete está em Hong Kong. Será que alguma vez passará por Macau? Qual seria a a reação dos nossos governantes? Será que os eventuais dissidentes se fariam representar com a nossa bandeira, tal como o fazem com a Union Jack em Hong Kong? Num cenário hipotético como esse, poderia ser a nossa bandeira um possível símbolo da liberdade?

O mundo ocidental continua a ser o refúgio preferido dos dissidentes de todo o mundo, porque, apesar de já não ser a região mais poderosa do globo, continua na linha da frente na garantia das liberdades individuais.

Não temos pessoalmente nenhum mérito nisso (eu pelo menos não tenho!) mas apenas temos a sorte de por aqui ter nascido. Alguém no passado lutou por isso e nós somos os seus beneficiários líquidos.

Perante tudo isto concluo que existe espaço na opinião pública no mundo ocidental para uma efectiva redução do respeito pelas liberdades individuais.

Dia após dia, entre a aparente ordem das ditaduras e a imprevisibilidade quase caótica dos parlamentos, o apego à liberdade vai adquirindo uma plasticidade que não augura nada de bom.

Director, um lugar precário

Pedro Correia, 29.03.19

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Como aqui escrevi em 2016, não existe hoje em Portugal um lugar tão precário como o de director de um órgão de comunicação social.

Nesse texto, publicado no DELITO vai fazer três anos, pronunciei-me com dados e nomes sobre a chocante rotação existente na maioria dos títulos jornalísticos diários ou semanários de expansão nacional. Para concluir que esta escassa permanência de um director à frente de um meio de comunicação fragiliza todo o projecto editorial, tornando-o ainda mais vulnerável às pressões - não apenas do poder político mas dos chamados poderes fácticos, da banca à bola, passando por maçonarias de vários matizes e pelas marcas comerciais que funcionam como financiadoras enquanto anunciantes.

Nesse artigo acentuei que 16 dos principais títulos jornalísticos (72,7% do total) tinham directores em funções havia menos de dois anos.

Revisitando hoje o mesmo texto, verifico que doze dos 22 directores ali mencionados - mais de metade, portanto - deixaram de exercer tais funções. Alguns abandonaram a profissão e houve um título que entretanto desapareceu. Mais sintomático ainda: em alguns casos, os referidos responsáveis tiveram não apenas um mas já dois sucessores de então para cá.

 

Desde então já se registaram várias mudanças. Bárbara Reis anunciou em Maio de 2016 que deixaria a direcção do Público, ao mesmo tempo que se tornava conhecida a transferência de David Dinis da TSF para o diário da Sonae, dando por sua vez lugar na rádio a Arsénio Reis, que ali iniciou funções em Setembro de 2016. Em Junho desse ano, André Macedo demitiu-se de director do Diário de Notícias, sendo substituído em Setembro por Paulo Baldaia. Também em Junho de 2016, João Garcia cedeu o lugar de director da revista Visão a Mafalda Anjos. Na revista concorrente, a Sábado, Eduardo Dâmaso assumiu a Direcção a partir de Abril de 2017. E André Veríssimo ascendeu em Novembro de 2017 ao posto de director do Jornal de Negócios.

Entretanto o Diário Económico, que vegetava já só na edição digital, encerrou de vez. Passou a haver duas novas publicações nesta área: o Jornal Económico, surgido em Setembro de 2016 com Vítor Norinha como director, logo promovido a director-geral da empresa proprietária, passando o seu anterior lugar a ser ocupado a partir de Dezembro por Filipe Alves, até aí director-adjunto; e desde Outubro de 2016 o Eco - só com edição em linha -, sob a direcção de António Costa.

Rotação acelerada noutras publicações: em Abril de 2018, Ferreira Fernandes substituiu Baldaia como director do Diário de Notícias; em Julho desse ano, David Dinis cedeu o lugar de director do Público a Manuel Carvalho; em Setembro foi a vez de Afonso Camões ser rendido por Domingos de Andrade no posto máximo do Jornal de Notícias; em Outubro, Luísa Meireles era anunciada como sucessora de Pedro Camacho na Direcção da Lusa; no mesmo mês, Maria Flor Pedroso substituía Paulo Dentinho à frente da informação da RTP.

Mais mudanças, estas já no ano em curso: há duas semanas, António Magalhães cedeu o lugar de director do diário Record a Bernardo Ribeiro. E hoje mesmo João Vieira Pereira foi anunciado como director do Expresso, substituindo Pedro Santos Guerreiro.

 

Apontamentos adicionais:

André Macedo não chegou a completar dois anos no posto cimeiro do DN: só lá esteve 22 meses.

Paulo Baldaia, o sucessor, ficou apenas ano e meio à frente do centenário matutino, agora já fora da Avenida da Liberdade.

Raul Vaz também só se manteve ano e meio como director do Jornal de Negócios.

João Garcia foi director da Visão durante um ano exacto.

David Dinis não permaneceu mais de quatro meses ao leme da TSF. Foi depois dirigir o Público, onde esteve dois anos - entre Julho de 2016 e Julho de 2018. Hoje é anunciado como novo director-adjunto do Expresso.

Pedro Santos Guerreiro aguentou-se três anos à frente do semanário Expresso. Tantos como Pedro Camacho enquanto director da Lusa.

Rui Hortelão manteve-se quase três anos e meio no posto de comando da Sábado. Idêntico ao período em que Paulo Dentinho esteve a dirigir a RTP.

António Magalhães resistiu quatro anos e meio como director do Record.

 

Dos 22 directores dos órgãos de informação diários ou semanários de carácter nacional (televisão, rádio, jornais, revistas informativas e agência noticiosa), só cinco ocupam essas funções há mais de cinco anos. E 15 iniciaram-nas desde Fevereiro de 2016, o que diz muito sobre a instabilidade do cargo. Apenas um ultrapassou a década e meia como director: Vítor Serpa, que lidera A Bola desde 1992. Algo impensável em qualquer outro jornal.

Embora a grande distância deste caso único, é já considerável a longevidade no exercício do cargo de Octávio Ribeiro (que dirige o Correio da Manhã desde Março de 2007), Graça Franco (directora da Rádio Renascença desde Janeiro de 2009) e José Manuel Ribeiro (director do diário O Jogo desde Maio de 2011). Cada vez mais excepções que teimam em contrariar a regra.

Resta ver por quanto tempo.