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Delito de Opinião

Quanto mais incompetente, melhor

Pedro Correia, 23.09.23

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O intragável naco de prosa que aqui reproduzo foi ontem dado à estampa num dos principais diários portugueses, aliás com pergaminhos na defesa do nosso idioma, surgindo com a assinatura do próprio director dessa publicação. Alguém que, aparentemente, se mostra incapaz de distinguir entre Conselho e Concelho. Não digam que é um problema do teclado, ou do corrector digital, ou do revisor de textos - figura já quase inexistente nas redacções dos jornais que ainda restam. 

É ignorância mesmo. O que me leva a questionar, uma vez mais, que critérios de competência e qualificação são hoje adoptados pelos administradores dos órgãos de informação para porem à frente de títulos históricos da imprensa portuguesa indivíduos que ignoram a diferença entre ConselhoConcelho

Não se incomodem a inventar uma justificação politicamente correcta. A resposta verdadeira sei muito bem qual é.

Os jornais

José Meireles Graça, 14.03.23

Em papel estão a acabar. Dei-me conta disso ontem quando era preciso limpar a porta de vidro do recuperador de calor. Houve tempo em que cá em casa havia quem lesse o Público e o Expresso e este último, sem ter mais utilidades que o primeiro, tinha uma grande durabilidade – um só número chegava para um mínimo de 15 dias.

Isto de um ponto de vista meramente prático. Sentimentalmente, lembro-me de uma vez que estava a chegar fogo, no meu jardim, a um monte de detritos no sítio habitual, ver frei Anacleto Louçã (creio que no Público, que já na altura era um coio de esquerdistas sortidos) a ser consumido pelas chamas. Grande significado simbólico – o Torquemada do anticapitalismo a arder. E não poucas vezes, ao ir à maceira reciclada em depósito de velhas publicações, calhava ver artigos que me dava na bolha ler, antes de regressar abnegadamente a meus mal-agradecidos trabalhos.

Com o computador não posso acender lareiras nem fazer fogueiras no jardim, mas posso ler jornais a preços modicíssimos, quando não de graça, ainda que daqueles dois pasquins tire pouca coisa e pouca gente (Eugénia Galvão Teles, Daniel Bessa, Luís Aguiar-Conraria e mais um ou outro – do resto não quero saber, as minhas fontes são outras, e o meu jornal nacional também). Mas não vejo com bons olhos que não haja dinheiro para pagar bem a jornalistas, ainda que entenda que o Poder não deve (como aliás faz, miseravelmente) subsidiar entidades cujo principal requisito é dele serem independentes.

É isso que leva a que os jornalistas na sua maior parte sejam analfabetos, ademais veiculando opiniões arregimentadas travestidas de notícias? Não sei.

E também não sei se as exéquias dos jornais em papel são uma coisa boa. O que sei é que agora tenho de usar acendalhas caríssimas e para os vidros panos e esponjas, que também não saem de graça. Vem tudo dos supermercados, essas catedrais do capitalismo.

De modo que o mundo é um lugar desvairado, cheio de contradições. E agora com licença, que ainda não li completamente a ração do dia que a internet me traz.

O triunfo do ódio e da iliteracia

Pedro Correia, 14.04.21

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Na ânsia quase desesperada de amealhar cliques, que permitam a certos títulos continuar a subsistir no limiar da sobrevivência, a imprensa em linha continua a reproduzir injúrias e calúnias de todo o tipo. Ainda agora verifiquei isso, a propósito da morte súbita de Jorge Coelho.

Vocabulário obsceno, em diversos sentidos da expressão, foi não apenas admitido mas tolerado (se não mesmo incentivado) nas caixas de comentários dessas publicações. 

Insultos carregados de ódio pessoal ou ideológico que no DELITO DE OPINIÃO, por exemplo, vão de imediato parar ao ecoponto, ali são divulgados e ficam perpetuados na nuvem digital.

Interrogo-me se é esse o género de leitores que tais periódicos querem captar. Interrogo-me se para os responsáveis desses jornais valerá mesmo tudo para atrair e reproduzir tal lixo. Questiono-me ainda se as injúrias os visassem a eles teriam idêntica compreensão e tolerância.

E já nem me refiro apenas à linguagem caluniosa. Refiro-me também aos mais inconcebíveis erros de ortografia, que transformam a língua portuguesa numa abjecta caricatura de si própria: também ficam perpetuados, talvez para a eternidade, nessas caixas de comentários de jornais que volta e meia publicam sisudos editoriais em defesa da cultura - e desse "bem cultural" maior que é o nosso idioma, património comum de quase 300 milhões de pessoas

 

Não reproduzo aqui as injúrias, como é óbvio. Mas reproduzirei alguns dos mais primários e boçais erros ortográficos que li só numa dessas caixas de comentários de um desses jornais, supostamente de grande circulação. Para que se perceba melhor como estes títulos se demitem da sua função essencial - até reconhecida por lei - de preservação e valorização da língua portuguesa:

«Pás a sua alma...»

«... muito cordeal...»

«... acto de degnidade...»

«... falar nele nos mídea...»

«... intelectualemente honesta...»

«... desça em pás...»

«... estado portugues...»

«... sofreu 3 banca rotas económicas...»

«...quando se não vêm qualidades...»

«porque è cuando morre um pobre ninguem fala...»

 

O outro falava no triunfo dos porcos. Nós assistimos, impávidos, ao triunfo do ódio e ao triunfo da iliteracia. Todos os dias, a toda a hora, nos locais mais insuspeitos. Supostamente geridos por gente letrada que supostamente recebe ordens para acolher todo o lumpen e todo o lixo.

Capas que fazem tremer diáconos

Pedro Correia, 04.03.21

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Vejo as capas de ontem dos dois mais prestigiados diários brasileiros, aqui reproduzidas, e questiono-me o que dirão delas os diáconos de lá ao depararem com manchetes dedicadas à tragédia do Covid-19: «No maior salto da pandemia, país perde 1.726 em 24 horas», titula bombasticamente a respeitável Folha de S. Paulo. «País tem recorde de mortos e SP [São Paulo] deve entrar em fase vermelha», escreve com estrondo o conspícuo O Estado de S. Paulo

Como os diáconos costumam alinhar pelas mesmas cartilhas, dirão certamente algo muito semelhante ao que já afirmou o nosso Diácono Remédios em recente carta aberta no Público. Coisas como esta: «Não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo.» Ou esta: «Não podemos aceitar a ladainha dos números de infetados [sic] e mortos que acaba por os banalizar.»

A propósito disto, aproveitei para me actualizar consultando os dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde referentes a Estados com mais de um milhão de habitantes. Portugal, infelizmente, é o quinto com mais casos do novo coronavírus e o sexto com mais óbitos à escala planetária. O Brasil surge em 25.º na primeira estatística e em 22.º na segunda. Por mal que eles estejam, e estão, em termos proporcionais estamos pior. Porque a população do Brasil é 20 vezes superior à portuguesa.

Razão suficiente - e acrescida - para continuarmos a fazer cá o que a Folha e o Estadão fazem, com a competência que lhes é reconhecida.

Longa vida, Mensagem

Pedro Correia, 03.03.21

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Se há notícia que gosto de realçar e celebrar, é a do aparecimento de um jornal. Cá está ele, pintado de fresco, a merecer leitura atenta: chama-se Mensagem, é um periódico digital que tem Lisboa como assunto exclusivo. Um tema inesgotável, se assim quiseremos. Mesmo que Portugal já não seja aquele país que, como ironizava Eça, «cabia todo entre a Arcada e São Bento».

Felicito os jornalistas que lideram a Redacção, com sede no secular edifício d'A Brasileira, do Chiado. Refiro-me à Catarina Carvalho e ao Ferreira Fernandes, que bem conheço e de quem sou amigo. Merecem todo o incentivo neste original projecto que contém a seguinte promessa editorial: «Política faremos muita e intensamente. A dos transportes públicos e a da bicicleta e a do vaguear. A do lugar do trabalho e a do divertimento. A proximidade do banco para levantar a reforma. A do vizinho que não quer o logradouro desperdiçado e a do cidadão que quer suas as suas ruas e praças. Ah, e a política da extraordinária e, tanta vez, admirável História. Causas pela causa, Lisboa.»

Longa vida, companheiros: contem comigo entre os vossos leitores. Um dia destes passo aí para tomar um café convosco.

Convém "rastrearmos" os jornais

Pedro Correia, 18.10.20

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Ontem, no auge da polémica sobre a geringonça (refiro-me à aplicação Covid, não à defunta coligação governamental), quase todos os jornais a destacavam em falsas primeiras páginas com patrocínio do Governo. Este encarte publicitário terá custado balúrdios ao erário.

Até os diários desportivos A Bola, o Record O Jogo receberam este brinde - o que deve dar imenso jeito ao conjunto dos periódicos, vários dos quais têm salários em atraso enquanto outros têm despedido dezenas de trabalhadores.

Fica um teste à perspicácia dos leitores. É interessante "rastrearmos" as posições editoriais destes jornais sobre o controverso tema "app Stayaway" nos tempos que vão seguir-se. Aposto desde já que alguns não tardarão a bater palminhas.

 

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José Cutileiro - In Memoriam

João Pedro Pimenta, 18.05.20
Entre outras qualidades havia duas que apreciava particularmente em José Cutileiro: tinha, tal como eu tenho, um tipo de escrita com frases longas e adjectivadas (embora lamentasse não usar muitas vezes o artigo definido) e escrevia os magníficos obituários do Expresso, o espaço In Memoriam, amiúde de figuras excêntricas de que nunca antes tinha ouvido falar, ou de que não saberia à altura que tinham morrido se não os tivesse lido. O último saiu precisamente ontem, com destaque para Iris Love e Little Richard, o criador da célebre Tutti Frutti.
Cutileiro era formado em antropologia e destacou-se como diplomata (sem ser de carreira), exercendo cargos de relevo na Comissão de Paz para a Jugoslávia, uma missão quase impossível, onde nfelizmente as suas ideias para a Bósnia não vingaram, e como secretário-geral da UEO. Para além dos cargos oficias, mantinha colunas nos jornais e na rádio, como a supracitada ou o Visão Global, da Antena 1, e claro, as da personagem A.B. Kotter (que influenciaria outros cronistas-fantasma no futuro, alguns ainda em actividade), recolhidas na colectânea Bilhetes de Colares.
É muito estranho pensar que nos deixou o autor dessa necrologia de elite, embora já me tivesse ocorrido quem os faria quando ele por sua vez partisse. Esperemos que o espaço não fique em branco para além da próxima semana. E também quem fará o epitáfio jornalístico do próprio Cutileiro. Seja quem for, não será a mesma coisa.
Expresso | José Cutileiro, o embaixador que testemunhou a mudança ...

Bom jornalismo

Pedro Correia, 13.03.20

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Até como jornalista, tenho a maior curiosidade em saber como é que a imprensa desportiva portuguesa vai dar a volta, agora que foram suspensas as competições futebolísticas. Esta imprensa estava muito mal habituada: rotineira e previsível, funcionava quase em piloto automático, reservando o mesmo espaço aos mesmos temas, com raras variações ao padrão estabelecido.

Neste primeiro dia em que o coronavírus destronou por completo o futebol como tema dominante da actualidade noticiosa, apenas um dos três diários desportivos passou no teste: o mais antigo. Tenho feito críticas insistentes ao jornal A Bola, sobretudo pela sua linha editorial claramente pró-benfiquista, mas devo reconhecer que foi o único a adaptar-se aos novos tempos - que vão durar sabe-se lá até quando.

Com uma capa diferente, altamente simbólica, pondo a tónica na paragem sine die das competições desportivas, aliás não apenas em Portugal. Um título que encerra um misto de amargura e esperança: «Até já.» Duas breves palavras, num total de cinco letras, que dizem quase tudo.

Mas não só. Também um sugestivo texto introdutório assinado por Rogério Azevedo, um dos jornalistas que melhor escrevem na imprensa portuguesa. «Ponto final: todos os campeonatos nacionais de futebol estão cancelados por tempo indeterminado» - assim começa este texto, obedecendo às regras da clareza e do rigor. E ainda um conjunto de peças com a assinatura de António Simões sobre outras doenças e outras epidemias que marcaram a história centenária do futebol português: o tifo, a sífilis, a gripe espanhola, a tuberculose. Peças que nos falam do primeiro futebolista morto, de outro que se salvou da gripe mas não de um tiro, do bacilo letal que liquidou o primeiro jogador tecnicista do Benfica - desaparecido em 1915 com apenas 26 anos.

Exemplos evidentes de bom jornalismo. Que tenho todo o gosto em salientar.

Trinta anos de "Público"

Pedro Correia, 05.03.20

 

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Faz hoje trinta anos, surgia a primeira edição do Público. De todos os projectos em que estive envolvido na minha vida profissional, este foi um dos mais gratificantes. Um projecto nascido cerca de um ano antes, em que andámos a escrever "para o boneco", como na altura ironizavam colegas de outros jornais, mal disfarçando o nervosismo com que o novo diário era encarado pela concorrência. Havia bons motivos para isso, como depressa se viu. O Público não foi apenas mais um título da nossa imprensa: foi um periódico que marcou, logo ao nascer, o jornalismo português - pela sua independência editorial, pela qualidade da sua redacção e pela abordagem séria, clara e completa dos temas, segundo os melhores padrões europeus.

Fui - durante três anos - o primeiro correspondente em Macau do jornal. E logo nos primeiros meses assinei várias manchetes, dada a situação agitadíssima que então se vivia no território, nessa recta final da administração do governador Carlos Melancia. Guardo as melhores recordações dessa etapa profissional tão intensa e estimulante, sob a direcção do Vicente Jorge Silva, um dos melhores jornalistas com quem tive o privilégio de trabalhar. O meu percurso profissional conduziu-me depois a outras paragens, mas continuo a sentir particular orgulho por ter integrado essa equipa de pioneiros. E ainda hoje, apesar de todas as vicissitudes do seu percurso, sinto um carinho muito especial pelo Público. A todos quantos lá trabalham, muitos dos quais são meus amigos, envio daqui um caloroso abraço de felicitações.

Expresso

Sérgio de Almeida Correia, 02.03.20

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Ao ler a edição desta semana (29/02/2020) interroguei-me sobre se andarão em autogestão.

No Expresso online temos lido de tudo e mais alguma coisa, mas ainda não me tinha apercebido verdadeiramente do rumo da edição em papel.

Desta vez, não bastava o título da primeira página, alarmista e descontextualizado, quase como que a deixar no ar a ideia de que há gente ansiosa para que comecemos a morrer com o COVID-19, quando me deparo com um artigo de George Soros, traduzido para português (página 5, Primeiro Caderno), que foi publicado online duas semanas antes ("Europe must recognize China for what it is", Project Syndicate).

Talvez seja então a altura de passarem a quinzenário. Assim, se publicarem o velho e requentado ninguém estranhará a falta de actualidade. Ou a demora na tradução.

Se há coisa que me custe é assistir à morte dos jornais e revistas que sempre li.

Ontem, num jornal de referência

Pedro Correia, 29.09.19

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O analfabetismo vai galopando, dia após dia, nas colunas dos jornais. Até naqueles que presumem ser mais ilustrados e instruídos. Ontem, numa entrevista publicada num semanário, deparei com esta chocante confusão entre o verbo haver e a contracção de uma preposição com um artigo definido.

Antigamente, quando tais nódoas pousavam no papel, não faltava quem corasse de vergonha. Agora é tempo de encolher os ombros e partir para o dislate seguinte com toda a descontracção do mundo.